Pastor de tarro e manta (2021). Carlos Alves (1958- ).
AO BARRISTA CARLOS ALVES:
O modelar um pastor
bem requer ocasião.
É criado com rigor
mais amor no coração.
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Ex-libris do Alentejo
O Alentejo de hoje não é o mesmo que nos foi legado pelos nossos avós. Desde então que ocorreram transformações profundas no meio ambiente, na paisagem, nos meios de produção, nas relações de trabalho, no tecido social e em muitos outros aspectos.
As fainas agro-pastoris processam-se hoje de modo diferente e os actores já não são os mesmos. Uns desapareceram, outros descaracterizaram-se e deixam atrás de si, pegadas etnográficas diferentes daquelas que deixavam até cerca de meados do séc. XX. Todavia, os registos etnográficos desses actores de antanho permanecem vivos na memória de muitos de nós. E é assim, que o pastor de ovelhas com todos os seus atributos, continua a ser utilizado como ex-libris do Alentejo. Trata-se de um personagem com forte presença nas letras e nas artes, perpetuado em fotografias, pinturas e esculturas em pedra, madeira ou barro. Escusado será dizer que continua a ser também objecto de representação pelos barristas de Estremoz. É o que se passa em particular com o chamado “pastor de tarro e manta”, cujos atributos usados na representação são: pelico (ou samarra) e safões, botas, chapéu aguadeiro, cajado, tarro e manta. Desses atributos nos fala o cancioneiro popular alentejano:
"Tod’a vida gardê gado,
E sempre fui ganadêro,
Uso cêfoes e cajado,
E pelico e caldêra.” [2]
“Toda a vida guardei gado,
Toda a vida fui pastor,
Deixei botins e cajado
Por via do meu amor.” [2]
“Debaixo das azinheiras
Encostado ao teu cajado,
Com o chapéu de abas largas
Vejo-te guardando o gado.” [1]
“Neste tarro de cortiça
oferta do meu amor,
até o pão com chouriça
às vezes sabe melhor.” [3]
Memórias guardadas
Coleccionador de memórias, já perdi o conto aos exemplares de pastores que povoam a minha colecção, começando no séc. XVIII e acabando, por enquanto, nos dias de hoje. O exemplar mais recente é da autoria de Carlos Alves, barrista que aposta numa modelação fortemente naturalista que procura representar as coisas tal como elas são, para o que recorre á representação de texturas. No presente caso, texturizou a pele dos safões, a cortiça do tarro e o cabelo do pastor. O cromatismo da figura segue igualmente a filosofia usada na modelação: procura colorir as coisas com as cores naturais que elas têm.
A modelação e o cromatismo da figura aqui patentes são notáveis. O cromatismo é assaz suave e harmonioso, uma vez que é dominante uma tricromia em que o verde (cor fria) é acompanhado de duas cores neutras: o preto e o castanho em diversas modalidades.
O pendor fortemente naturalista da modelação e do cromatismo de Carlos Alves, parecem-me ser as marcas identitárias mais fortes do barrista, as quais aqui registo e aplaudo:
BIBLIOGRAFIA
[1] – DELGADO, Manuel Joaquim. Subsídio para o Cancioneiro Popular do Baixo Alentejo. Vol. I. Instituto Nacional de Investigação Científica. Lisboa, 1980
[2] - PIRES, A. Tomaz. Cantos Populares Portuguezes. Vol. IV. Typographia e Stereotipía Progresso. Elvas, 1912.
[3] – SANTOS, Victor. Cancioneiro Alentejano – Poesia Popular, Livraria Portugal, Lisboa, 1959.