Fig. 1 - Irmãs Flores. Perpétua (1958- )
à esquerda e Maria Inácia (1957) à direita.
Fotografia de 2018 da autoria de Luís
Mendeiros. Arquivo fotográfico do autor.
A extensão do texto e o considerável
número de ilustrações, aconselhou que
fosse dividido em duas partes,
que serão publicadas sucessivamente.
Esta é a 1.ª parte.
Esta é a 1.ª parte.
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Irmãs Flores foi o nome escolhido como
barristas, pelas irmãs Maria Inácia Fonseca e Perpétua Fonseca, como forma de
homenagear a sua mãe, já que dela não herdaram o apelido Pisa-Flores.
Maria Inácia Fonseca é natural de São
Bento do Ameixial, Estremoz, onde nasceu a 30 de Abril de 1957. Filha legítima
de João Inácio Fonseca, de 34 anos de idade, motorista, e de Matilde Augusta
Pisa-Flores, também conhecida por Matilde Augusta Casaca, de 34 anos de idade,
doméstica, ambos residentes no Monte do Papa Tremoços (1). Dos 12 aos 15 anos trabalhou no campo em tarefas sazonais e
fora delas foi costureira. Entre 1975 e 1980 frequentou a Escola Secundária de
Estremoz, onde concluiu o Curso Complementar dos Liceus (2). Em 17 de Setembro de 1977 casou catolicamente com João Alberto
Mateus, comerciante, e adoptou o apelido Mateus.
Perpétua Matilde Fonseca, irmã de Maria
Inácia e filha dos mesmos pais, nasceu no mesmo local, a 7 de Abril de 1958 (6). Dos 12 aos 17 anos foi cabeleireira.
Entre 1975 e 1980 frequentou a Escola Secundária de Estremoz, onde concluiu o
Curso Geral dos Liceus (7). Em 11 de
Maio de 1985 casou catolicamente com Francisco Maria Marranita Sousa, electricista,
e adoptou o apelido Sousa.
Discípulas de Mestra Sabina Santos
Discípulas de Mestra Sabina Santos
Maria Inácia e Perpétua são discípulas
de Mestra Sabina Santos com quem começaram a trabalhar (Fig. 2), a Maria Inácia
em 1972 e a Perpétua em 1975. Quando falam de Mestra Sabina Santos fazem-no com
enlevo e saudade. Com ela aprenderam a arte que transmitiram a seu sobrinho Ricardo
Fonseca, um barrista de corpo inteiro, que com elas trabalha, lado a lado.
Com a aposentação de Mestra Sabina
Santos, em 1988, ficaram com o legado dos seus utensílios, tintas, moldes das caras
e dos tronos e Bonecos mais antigos. Criaram então a sua própria
oficina-ateliê, primeiro na Rua das Meiras, 8 e daí transitaram, em 1999, para
o Largo da República, 16. Aqui se mantiveram até 2010, ano em que se fixaram no
Largo da República, 31-32 (Fig. 1), sempre na procura de melhores condições de
trabalho e de atendimento do público.
Na minha condição de etnólogo amador e
autodidacta, o registo etnográfico das imagens profanas, e em particular dos personagens
da faina agro-pastoril, será porventura o mais forte atractivo dos Bonecos de
Estremoz, que me leva à oficina-loja das irmãs Flores, minhas vizinhas, a quem
visito amiúde no Largo da República, fascinado pela magia emergente das suas
mãos de barristas populares.
O Traje Popular Português
O Traje Popular Português
Em 2007 lancei às Irmãs Flores o desafio
de criar novos modelos de Bonecos de Estremoz, inspirados maioritariamente em
aguarelas de Mestre Alberto de Sousa. O resultado foi a criação de 36 novas
figuras que deram origem à colecção “O Traje Popular Português” e a uma
exposição homónima que, numa iniciativa da Associação Filatélica Alentejana,
esteve patente ao público de 17 de Fevereiro a 21 de Abril de 2007, no Centro
Cultural Dr. Marques Crespo, em Estremoz.
Bonecos da Gastronomia
Bonecos da Gastronomia
Como fruto de uma incursão à
oficina-loja das irmãs Flores, resultou o livro “Bonecos da Gastronomia” (3),
dado à estampa em 2009, numa edição da Câmara Municipal de Estremoz, por
ocasião da XVII Cozinha dos Ganhões. A 1ª edição deste livro é ilustrada por 16
imagens de Bonecos das Irmãs Flores, dos quais 11 são “Bonecos da Tradição” e 5
são “Bonecos da Inovação” (Coqueira, Queijeira, Mulher a cozinhar, Padeiro e
Vendedora de queijos).
A materialização do livro foi possível
graças ao companheirismo do poeta António Simões, das barristas Irmãs Flores, do
fotógrafo José Cartaxo e do designer Carlos Alves. A concretização duma ideia
inicial minha, encheu-nos a todos de imenso júbilo e desde logo foi equacionado
o desenvolvimento mais aprofundado dessa ideia.
Decorrido um ano sobre a primeira edição
do livro “Bonecos da Gastronomia”, reconheci que este começou por ser um trabalho
de base. Daí que numa primeira fase tivesse concluído que o conjunto dos
dezasseis Bonecos que figuraram na primeira edição do livro pudesse ser
estruturado, agrupando--os em cinco subconjuntos perfeitamente hierarquizados:
Recolha de matérias-primas, Preparação de matérias-primas, Confecção de
alimentos, Venda e distribuição de alimentos e Consumo de alimentos.
Numa segunda fase, efectuei o
levantamento do que podia ser acrescentado a cada subconjunto, visando torná-lo
mais completo. Depois de alguma reflexão, os “Bonecos da Gastronomia” (4),
passaram a ser em número de trinta e seis, tendo sido introduzidos vinte e um
novos Bonecos e abandonado outro. Desses vinte e um Bonecos, sete já pertenciam
à galeria tradicional dos Bonecos de Estremoz. Os restantes catorze foram criação
das Irmãs Flores. São eles: Azeitoneira, Caçador, Pescador, Roupeiro,
Amassadeira, Forneira, Pisador, Manteeiro, Aguadeira da ceifa, Vendedora de
criação no mercado, Taberneiro, Mondadeira a comer, Mulher ao poial dos
cântaros e Homens a petiscar.
Nessa criação, efectuada com um severo
respeito pela tradicional técnica de manufactura dos Bonecos de Estremoz, foi por
vezes utilizada documentação do meu arquivo fotográfico, o que permitiu
conferir rigor à contextualização de cada figura.
Alentejo do Passado
Alentejo do Passado
Em 2011 lancei às Irmãs Flores o desafio
de criarem figuras que integrassem uma colecção que designei por “Alentejo do Passado”,
estruturada em 8 grandes áreas, procurando dar uma visão do Alentejo do
passado: Pastorícia, Colecta, Ciclo do pão, Ciclo do azeite, Ciclo do vinho,
Tiragem da cortiça, Na horta, Na cidade. Esta colecção absorveu a colecção
“Bonecos da Gastronomia”, mas com vista à sua concretização foram criados 34 novos
“Bonecos da inovação” (Pastor a fazer colher, Ordenha de ovelhas, Tosquia de
ovelhas, Roupeiro a caminho da rouparia, Ordenha de vacas, Porqueiro, Lavrador
a cavalo, Semeador, Ganhão a lavrar, Mondadeira a mondar, Ceifeiro, Carreteiro
transportando molhos de trigo, Debulha com trilho numa eira, Carreteiro
transportando sacos de trigo, Moleiro no moinho, Varejador, No rabisco,
Juntando a azeitona, Vindimadora a vindimar, Vindimador a carregar cesto com
uvas, Transporte de uvas no tino, Adegueiro, Tirador de cortiça, Empilhador,
Carrada de cortiça, Hortelão, Hortelão a caminho do mercado, Peixeiro,
Talhante, Ervanário, Brinholeira, Mulher ao pé do poço, Mulher acarretando
água, Família a comer).
A colecção “Alentejo do Passado” deu
origem a uma exposição homónima, de iniciativa da Associação Filatélica
Alentejana e que esteve patente ao público, de 19 de Novembro de 2011 a 14 de Janeiro de
2012, no Centro Cultural Dr. Marques Crespo, em Estremoz. Os visitantes foram
confrontados com barrística popular do mais alto nível, que regista com rigor e
fidelidade o que eram as fainas agro-pastoris do Alentejo d’antanho, bem como a
vida na cidade, até cerca de meados do século XX.
Memórias do Tempo das Outra Senhora
Memórias do Tempo das Outra Senhora
Em 2012, associando-se ao lançamento do
meu livro “MEMÓRIAS DO TEMPO DA OUTRA SENHORA / ESTREMOZ--ALENTEJO”(……..), as
Irmãs Flores criaram 6 novos “Bonecos da Inovação” (o Professor, o Sapateiro
Joaquim António Chouriço, o Cavalinho de pau, Jogo do botão, Corrida de rodas e
Jogo do pião), que passaram a integrar a colecção “Alentejo do passado”,
patente ao público na Sala de Exposições da Associação Filatélica Alentejana no
Centro Cultural de Estremoz.
Mudança de Paradigma
Mudança de Paradigma
Do exposto se conclui que os “Bonecos da
Inovação” vieram enriquecer (e de que maneira!), a barrística popular
estremocense. Com a criação de “Bonecos da Inovação”, houve mesmo nalguns casos
uma “Mudança de Paradigma”, com a nossa barrística a atingir a sua mais alta
expressão, na confecção de figuras mais complexas e de execução mais morosa. Cito
como exemplo figuras de “Alentejo do Passado” tais como: Ganhão a lavrar,
Lagareiro, Carreteiro transportando molhos de trigo, Debulha com trilho na
eira, Carreteiro transportando sacos de trigo, Moleiro no moinho, Transporte de
uvas no tino e Carreteiro transportando cortiça.
As Irmãs Flores estão de parabéns, pois
sem se afastarem um milímetro sequer dos cânones tradicionais da barrística popular
estremocense, têm sabido inovar, criando novos públicos com apetência por
aquilo que é diferente dentro do tradicional. E elas estão no caminho certo,
pois se a sua mestria é pautada, por um lado, pela mais estrita fidelidade aos
materiais, à tecnologia e às cores, não deixam todavia de manifestar inquietude
que se expressa na criação de novos modelos de Bonecos de Estremoz, que têm a
ver com a nossa identidade cultural, local e regional. Por isso são
embaixatrizes de vanguarda da nossa Arte Popular transtagana e a comunidade estremocense
revê-se com enlevo na elevada qualidade artística do seu trabalho, o que aqui
se testemunha, por ser uma verdade insofismável. Bem hajam pois, pelo deleite
de espírito que nos proporcionam e que muito contribui para o reforço da
identidade cultural alentejana.
Participação em certames
Participação em certames
Até ao presente, já participaram nas
seguintes feiras: Fatacil (Lagoa), Vila Franca de Xira, Pombal, FIA (Lisboa),
Vila do Conde, Foz do Douro (Porto), Palácio de Cristal (Porto), Mercado Ferreira
Borges (Porto), Santo Tirso, FIAPE (Estremoz) e Cozinha dos Ganhões (Estremoz).
Actualmente só participam nas duas últimas.
Em Portugal têm participado em
exposições individuais e colectivas no Museu Municipal de Estremoz Prof.
Joaquim Vermelho, no Museu de Olaria de Barcelos e no Museu Nacional de Etnologia,
em Lisboa. No estrangeiro expuseram em Valladolid, Nantes, Paris (Notre Dame),
Bruxelas, Hamburgo, Toronto e Brasil.
Discípulos
Discípulos
Maria Inácia tem uma filha, Sónia Mateus
(1979- ), que foi aluna da minha mulher e que é professora no Instituto
Politécnico de Castelo Branco. Perpétua tem um filho, João Sousa (1986- ), que
foi meu aluno e é médico. Como “Filho de peixe, sabe nadar”, os primos
revelaram naturais aptidões para modelar o barro ao modo de Estremoz. Tenho na
minha colecção peças modeladas por eles na juventude e com as respectivas
marcas de autor.
Na oficina-ateliê das Irmãs Flores, além
de trabalhar o seu sobrinho, Ricardo Fonseca, trabalha Leolinda Inácia Parreira
Pereira (1966- ), uma colaboradora que se ocupa de tarefas de pintura.
BIBLIOGRAFIA
1 - Maria Inácia Fonseca - Assento de Nascimento Informatizado nº 1008 de 2009, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
1 - Maria Inácia Fonseca - Assento de Nascimento Informatizado nº 1008 de 2009, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
2 - Maria
Inácia Fonseca - Processo individual de aluna nº 4260.
3 - MATOS, Hernâni. Bonecos
da Gastronomia – 1ª ed. Câmara Municipal de Estremoz.
Estremoz, 2009.
4 - MATOS, Hernâni. Bonecos
da Gastronomia – 2ª ed. Associação Filatélica
Alentejana. Estremoz, 2010
5 - MATOS, Hernâni. Memórias do Tempo da Outra Senhora / Estremoz – Alentejo. Edições Colibri.
Lisboa, 2012.
6 - Perpétua
Matilde Fonseca - Assento de Nascimento Informatizado nº
676 de 2009, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
7 - Perpétua
Matilde Fonseca - Processo individual de aluna nº 4263.
Fig. 2 - Sabina Santos (1921-2005) nos
anos 70 do séc. XX, tendo à sua direita as
discípulas Maria Inácia Fonseca (1957- )
e Perpétua Sousa (1958- ).
Fotografia de Xenia V. Bahder. Arquivo
fotográfico do autor.
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