Mostrar mensagens com a etiqueta Arte popular. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Arte popular. Mostrar todas as mensagens

domingo, 29 de junho de 2025

Jorge da Conceição e o Porteiro do Céu

 

Fig. 1 - São Pedro (1984). Jorge da Conceição (1963-  ).

A aparição de São Pedro
As horas são como as cerejas. Atrás de uma vem sempre outra. E foi assim que em Outubro passado, já a desoras, ainda me encontrava vigilante no meu posto de pescador à linha, a ver aquilo que conseguia pescar na internet. Já não me lembro da palavra chave que naquela altura utilizei como engodo no motor de busca do OLX. O que é verdade, é que fui surpreendido pelo aparecimento de “peixe graúdo”.
Tratava-se de uma imagem de São Pedro (Fig. 1), de grandes dimensões, identificada como “Boneco de Estremoz” e que na base ostentava a marca manuscrita “Jorge Conceição / Palmela 1984” distribuída por duas linhas, ladeada à esquerda e um pouco mais abaixo pelo carimbo “ESTREMOZ / PORTUGAL” (2 cm x 0,8 cm), distribuído igualmente por duas linhas. Trata-se de uma marcação (Fig. 2), que por desconhecimento meu não foi inventariada nas págs. 81 e 85 do meu livro (1). Se em 2018, à data de edição do livro, podia dizer “Quem dá o que tem, a mais não é obrigado”, na actualidade impõe-se o preenchimento da lacuna, do que aqui dou conta para usufruto do leitor.
A figura, da autoria do prestigiado barrista Jorge da Conceição Palmela, fora criada há quase quarenta anos, na sua primeira fase de produção. De imediato, contactei o vendedor, revelando o meu interesse na sua aquisição e solicitando o envio de coordenadas bancárias, visando o pagamento do item pretendido. O vendedor respondeu-me na manhã seguinte e eu de imediato, efectuei o respectivo pagamento. O inesperado “achado”, dada a sua natureza, ocupa um lugar de destaque e muito especial na minha colecção.

Onde se fala da sorte
Quem soube do sucedido, logo me disse:
- És um homem de sorte!
E eu repliquei sempre:
- Qual sorte, qual carapuça!
Não fosse eu um internauta persistente, com a mente povoada de sonhos e a ânsia de descobrir o que há para ser descoberto e nunca teria tido a sorte que me atribuem. De resto, a nossa tradição oral regista os provérbios: "Cada qual é artífice da sua sorte." e "A sorte ajuda os ousados." Mas houve quem continuasse:
- Isso são provérbios. O que é um facto, é que és um homem de sorte!
Bom. Aqui comecei a ficar com os azeites. Então o meu trabalho de pesquisa persistente não valia nicles? E vá daí, pus-me a pescar por aí, o que diz o pensamento ocidental acerca da sorte e respiguei as seguintes afirmações: “A sorte sorri aos fortes” (2); “A sorte ajuda os audazes” (3); “A diligência é a mãe da boa sorte” (4); “Acredito muito na sorte; verifico que quanto mais trabalho mais a sorte me sorri” (5), “Creio muito na sorte. Quanto mais trabalho, mais sorte pareço ter” (6); “A sorte não existe. Aquilo a que chamais sorte é o cuidado com os pormenores” (7); “A sorte marcha com aqueles que dão o seu melhor” (8); “A seguir ao trabalho duro, o maior determinante é estar no sítio certo à hora certa” (9).
Municiado com estes nobres pensamentos, procurei um a um, os meus opositores, fervorosos adeptos da sorte e disparei-lhos em frases seguidas, mesmo à queima roupa. E perguntei-lhes depois:
- E então? Continuam a acreditar na minha sorte?
Não houve um único que tivesse a coragem de me dizer que sim. Creio que alguns ficaram mesmo convencidos que eu tinha razão. Mas outros, adeptos das crenças cegas, lá no fundo continuaram a pensar que não. Todavia, não arranjaram argumentos para me fazer frente e “fecharam-se em copas”.

Jorge da Conceição visto à lupa
Como refiro no meu livro (1), “Tive o privilégio de ser professor de Física de 12º ano de Jorge da Conceição e desde essa época que o vejo como um perfeccionista que procura dar o melhor de si próprio em tudo aquilo que faz, o que se reflecte não só na concepção como nos acabamentos das figuras que modela.”. No livro dei conta de que Jorge da Conceição é “… filho da barrista Maria Luísa da Conceição (1934-2015), neto dos barristas Mariano da Conceição (1903-1959) e Liberdade da Conceição (1913-1990) e sobrinho de Sabina da Conceição Santos (1921-2005), irmã de Mariano.”. E concluí: ”Filho e neto de peixes sabe nadar, pelo que Jorge da Conceição estava condenado a ser barrista, tomando contacto com o barro desde criança e criando apetência pela manufactura de Bonecos como via fazer à avó e à mãe. Foi assim que aprendeu as técnicas e a arte de modelar o barro, manufacturando Bonecos enquanto estudava, até à idade de 21 anos”, quando frequentava no Instituto Superior Técnico, o Curso de Engenharia Electrónica e de Computadores – Variante de Electrónica e Telecomunicações. A imagem de São Pedro de Jorge da Conceição, datada de 1984, pertence à parte final da sua primeira fase de produção, já que ele decidiu interromper a sua actividade como barrista, para só a retomar em 2013, após uma carreira profissional na área de consultoria que durou 25 anos e o manteve afastado da modelação do barro. Todavia, a chamada do barro, que transporta na massa do sangue, levou-o em 2013 a dedicar-se exclusivamente à barrística.
Jorge da Conceição participou em 1983 e 1984, na I na II Feira de Arte Popular e Artesanato do Concelho de Estremoz. Foi nesta última que alguém comprou a imagem que hoje é minha. Na altura, eu não lhe comprei nada, pois o dinheiro não era muito e eu andava fascinado, como hoje ainda ando, pelo trabalho de sua avó, Liberdade da Conceição, que tal como sua mãe e ele próprio, me concedeu o privilégio da sua amizade. De sua avó, tenho na minha colecção um bom núcleo de figuras, com especial destaque para imagens de Santo António, São João Baptista e São Pedro, qualquer delas de grandes dimensões.

Felicitações de Jorge da Conceição
Quando soube da minha “pescaria”, Jorge da Conceição felicitou-me vivamente pela aquisição da imagem, já que são escassas as peças dessa época na posse de coleccionadores. Disse-me ainda que na II Feira de Arte Popular e Artesanato do Concelho de Estremoz, para além de algum “peixe miúdo” à disposição do público, tinha ainda para vender as imagens de Santo António, São João Baptista, São Pedro e São Marçal, das quais vendeu apenas as duas últimas, integrando as duas primeiras a sua colecção. Com o regresso do seu São Pedro à terra mãe, é caso para reconhecer de uma forma proverbial que “O bom filho a casa torna”.

BiMestre Jorge da Conceição
Em 2019 teve lugar em Estremoz, no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte, um Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz. A formação da componente técnica do Curso foi liderada por Jorge da Conceição, que contou com o apoio inestimável de Isabel Água e de Luís Parente. Ali se formou um grupo de barristas, os quais se encontram presentemente a produzir. São eles: Ana Catarina Grilo, Inocência Lopes, Joana Santos, José Carlos Rodrigues, Luísa Batalha, Madalena Bilro, Manuel J. Broa, Sara Sapateiro, Sofia Luna e Vera Magalhães. Todos eles o reconhecem como uma referência de topo da nossa barrística e praticamente todos o tratam carinhosamente por Mestre, já que foi com ele que aprenderam.
As criações de Jorge da Conceição ostentam marcas identitárias singulares e por isso notáveis. Em primeiro lugar, o rigor e a perfeição na modelação, com integral respeito pelas proporções, pela morfologia, pelas texturas, bem como a representação do movimento. Em segundo lugar, um cromatismo harmonioso que resulta de uma sábia combinação de cores. Tudo isso contribui para que os trabalhos de Jorge da Conceição sejam reveladores da sua incomensurável mestria. Trata-se de facetas do seu trabalho, que ultrapassam o âmbito restrito dos seus formandos e catapultam o barrista a uma nova dimensão de Mestre. Daí eu ter assumido a iniciativa terminológica de o considerar um biMestre. De resto, tenho de lhe agradecer o prazer que me dá em usufruir do deleite de espírito causado pela visualização dos seus trabalhos. Daí que lhe confesse: Jorge,

De si é sempre admirável,
toda e qualquer criação.
Tudo o que faz é notável,
Mestre Jorge Conceição.

Oração a São Pedro
Senhor São Pedro, Pescador, Apóstolo, 1.º Bispo de Roma, 1.º Papa e Mártir, já que sois Porteiro do Céu, atrasai a abertura das portas da abóbada celeste, para que eu me possa libertar da culpa de há cerca de 40 anos não ter comprado Bonecos de Mestre Jorge da Conceição. Dai-me mais uns anos bons, para que eu possa preencher as muitas lacunas que ainda tenho na minha colecção. Amém.

(1) – MATOS, Hernâni. Bonecos de Estremoz. Edições Afrontamento. Estremoz / Póvoa de Varzim, Outono de 2018.
(2) - Terêncio (185 a.C.-159 a. C.), poeta romano
(3) - Virgílio (70 a.C-19 d.C.), poeta romano
(4) - Miguel de Cervantes (1547-1616), romancista espanhol.
(5) . Thomas Jefferson (1743-1826), estadista norte-americano.
(6) - Ralph Waldo Emerson (1803-1882), escritor norte-americano.
(7) - Winston Churchill (1874-1965), estadista inglês.
(8) - Horace Jackson Brown Jr. (1940-2021), romancista americano.
(9) - Michael Bloomberg (1942- ), magnata norte-americano.

Publicado em 20-04-2022


Fig. 2 - Marcação no interior da peanha da imagem de São Pedro. 

Fig. 3 - Jorge da Conceição em 1985.

domingo, 8 de junho de 2025

Louça de Redondo no Mercado das Velharias em Estremoz

 

1.

Sábado é dia de recarregar baterias. E eu sou guardador de memórias. Memórias identitárias de tempos idos de um Alentejo que trago na alma e na massa do sangue. Por mim circulam Bonecos e Olaria de Estremoz, Arte Pastoril, Louça Vidrada de Redondo e mais não digo, senão não saímos daqui. Passo de imediato a contar-vos o que deu a safra ontem.

1. Barranhão de grandes dimensões decorado com base na tradicional tricromia verde-amarelo-ocre castanho, característica da louça vidrada de Redondo. Bordo beliscado e esponjado de verde. Fundo com decoração mista, fitomórfica e zoomórfica, na qual um arbusto florido serve de poiso a um bando de passarinhos, que também esvoaçam em torno dele, já com o bico carregado,. numa clara alegoria à Primavera.

O traço do esgrafitado é fino, firme e seguro, configurando o desenho ter saído das mãos de grande artista. 

Autoria e datação por determinar,

 

2.

2. Prato de louça de barro vermelho de Redondo, pintado e não vidrado por Francisco Cardadeiro (Chico Galinho). A pintura cinge-se à parte frontal do prato, o fundo é negro e a decoração policromática e fitomórfica reproduz os habituais elementos decorativos da mobília tradicional alentejana. No bordo do prato existe simetria alternada dos elementos decorativos usados do prato. No fundo, existe simetria axial em relação ao eixo central.

Datação por determinar.

  Hernâni Matos


quinta-feira, 5 de junho de 2025

Carlos Alberto Alves e a Música Popular Alentejana



Tocadora de adufe

Bonecos de Estremoz de Carlos Alberto Alves.
Pintura de Cristina Malaquias.
Colecção Hernãni Matos

Em comunicação datada de 1998 (*), demonstrei que pela sua paisagem própria, pelo carácter do povo alentejano, pelo trajo popular, pela gastronomia, pela arte popular, pelo cancioneiro popular, pelo cante, pela música popular, pela casa tradicional, o Alentejo é uma região com uma identidade cultural própria.

No caso muito particular da música popular alentejana, também os executantes e os instrumentos musicais populares alentejanos, são parte integrante da identidade cultural alentejana, a qual urge preservar e valorizar enquanto memória do povo.

Etno-musicólogos como Michel Giacometti e Fernando Lopes Graça calcorrearam os campos do Alentejo nos anos 60 do século passado e efectuaram o registo etno-musical da região.

Conhecedor deste registo e daqueles que nele participaram, entre eles o seu tio Aníbal Falcato Alves, o barrista Carlos Alberto Alves, no mais estrito respeito pela técnica de produção e pela estética do Boneco de Estremoz, criou um conjunto de figuras sob a epígrafe MÚSICA POPULAR ALENTEJANA, o qual incorpora os tocadores dos seguintes instrumentos musicais populares alentejanos: adufe, bombo, cana aberta, cântaro, ferrinhos, harmónio, reco-reco, ronca, tambor, tamboril, trancanholas e viola campaniça. Com esta criação procura homenagear todos aqueles que contribuíram para o registo etno-musical do Alentejo.

Felicito o barrista pela qualidade do seu trabalho e pela iniciativa de criar estas figuras, a qual além de louvável é simultaneamente uma forma de afirmação pessoal que constitui mais um passo importante na consolidação da sua carreira como barrista.

HernânMatos

(*) - “A necessidade da criação da Região Administrativa do Alentejo” no Encontro promovido pelo Movimento “Alentejo – Sim à Regionalização por Portugal”. Estremoz, Junta de Freguesia de Santa Maria, 24 de Outubro de 1998.



Tocador de bombo

Tocador de cana rachada

Tocador de cântaro

Tocador de ferrinhos

Tocador de harmónio

Tocador de reque-reque

Tocador de ronca

Tocador de tambor

Tamborileiro

Tocador de tracanholas

Tocador  de viola campaniça.

segunda-feira, 26 de maio de 2025

O Sporting na cerâmica de Redondo


Prato em louça de barro vermelho, vidrado, de Redondo.
Olaria desconhecida Último quartel do séc. XX.


Pontapé de saída
É sabido que sou benfiquista de alma e coração [i]. Todavia e para além disso, sou entre muitas outras coisas, coleccionador e estudioso de peças oláricas de Redondo. Foi nesta última condição que adquiri recentemente e por bom preço, um prato com o símbolo do Sporting Clube de Portugal, cuja descrição faço de imediato.

Símbolo do Sporting Clube de Portugal
Trata-se de um prato raso, de médias dimensões, de aba larga, ligeiramente côncava. Decoração esgrafitada e pintada com base em dicromia verde-amarelo, sobre engobe amarelo-palha.
Aba decorada com folhas amarelas e verdes dispostas alternamente sobre uma curva sinusoidal fechada.
O fundo está decorado com o símbolo do Sporting Clube de Portugal, modelo de 1945 [ii], de forma recortada em forma de escudo. Em campo verde [iii], um leão rampante [iv].
A coroar o símbolo, a sigla do clube. Leão e sigla são em amarelo, substituindo a tradicional cor branca, que tal como o verde, é uma cor característica do clube.

Leões e lagartos
Não admira que “leões” seja um epíteto aplicável a sportinguistas, já que o leão integra o símbolo do clube desde a sua fundação. E “lagartos”? Qual a origem desta designação? No final do ano de 1951, o Sporting lançou uma espécie de títulos, que os sportinguistas podiam comprar. O dinheiro arrecadado destinava-se a financiar a construção do Estádio José de Alvalade, o qual foi inaugurado a 10 de Junho de 1956. Os títulos vendidos a sócios e adeptos eram conhecidos por “lagartos”, designação que acabaria por se tornar numa alcunha aplicada a sócios e adeptos.

E agora?
Agora fico à espera que me apareçam outras peças oláricas, seja elas quais forem, com os símbolos doutros clubes, que as há. De facto, conheço também pratos com símbolos de clubes como: Clube de Futebol “Os Belenenses” (Lisboa), Juventude Sport Clube (Évora) e Lusitano Ginásio Clube (Évora). Não deixarei de as estudar e de as apresentar ao leitor. Fica prometido.


BIBLIOGRAFIA
- DICIONÁRIO PRIBERAM DA LÍNGUA PORTUGUESA. Rampante. [Em linha]. Disponível em https://dicionario.priberam.org/rampante [Consultado em 03-08-2022].
- MAIS FUTEBOL. Lagarto, lagarto: de onde vem afinal a alcunha do Sporting? [Em linha]. Disponível em https://maisfutebol.iol.pt/liga/lagartos/lagarto-lagarto-de-onde-vem-afinal-a-alcunha-do-sporting [Consultado em 03-08-2022].
- SPORTING CLUBE DE PORTUGAL. Emblemas. [Em linha]. Disponível em https://www.sporting.pt/pt/clube/historia/emblemas [Consultado em 03-08-2022].

Publicado inicialmente em 3 de Agosto de 2022

[ii] Trata-se do 4.º modelo de emblema do Sporting Clube de Portugal.
[iii] A cor verde simboliza a esperança no sucesso do Sporting Clube de Portugal.
[iv] Diz-se do quadrúpede que tem as patas traseiras em plano inferior às dianteiras, e a cabeça voltada para o lado direito do escudo. O leão rampante sempre esteve presente no símbolo do clube desde a sua fundação em 1906, sendo o leão rampante um símbolo heráldico de D. Fernando de Castelo Branco (Pombeiro), um dos fundadores do clube.

sábado, 29 de março de 2025

Costurar é preciso!

 

Mulher a cozer à máquina. José Carlos Rodrigues (1970- ). 
Bonequeiro de Estremoz certificado pela Adere-Certifica.

A máquina de costura é um objecto primordial que povoa o universo de memórias da minha infância.
Nasci no número 14 do Largo do Espírito Santo em Estremoz, no dia 19 de Agosto de 1946. Ali se situava a primeira oficina de alfaiate do meu pai. Daí que algumas das memórias de infância sejam de natureza acústica e tenham a ver com o regime de funcionamento da máquina, entre um arranca e um pára, ao sabor do tamanho da costura. Familiarizei-me, de resto, com diferenças de sonoridade associadas a costuras lineares, em ziguezague e pespontadas. Todavia, também há outras que fui registando desde muito cedo, até porque menos agradáveis. Entre elas, o partir da linha, o enfiar da agulha, a mudança de bobine e até mesmo o partir da agulha. Tudo contratempos que perturbavam o ritmo do ganha pão diário lá de casa.
Lá fui crescendo no meio de costureiras que tratavam o meu pai respeitosamente por Mestre e aí pelos 15 anos fui recrutado como aprendiz no decurso das férias escolares. Com uma cajadada, o meu pai matou dois coelhos: para o que desse e viesse, pôs-me a aprender os rudimentos do ofício, ao mesmo que me subtraía à rua, onde entre a rapaziada já havia quem gostasse de “Rock'n and Roll” e sem ele o saber, eu era um deles.
Parece que tinha o destino marcado e lá comecei a desempenhar as tarefas mais simples destinadas a um aprendiz, o que incluía não só cozer à mão, como também à máquina. E era aqui que eu renascia sempre que ao cozer entretelas, descarregava as tensões acumuladas ao ritmo do pedal da máquina. Era um indício bastante forte de que a minha vida não iria ser aquela.
Por isso, quando o meu pai equacionou o meu ingresso no Ensino Secundário, eu acarinhei a ideia com o compromisso solene de me empenhar mais que até aí, acordo que sempre cumpri.
A partir daí passei a encarar a máquina de costura com outros olhos.
Como estudante de Física vim a perceber que o movimento de vaivém do pedal da máquina, é transformado pelo sistema biela-manivela, em movimento de rotação da roda grande inferior, o qual através duma correia se transmite à roda pequena superior, que assim atinge uma velocidade muito superior, indispensável ao funcionamento eficaz da máquina de costura. Percebi também que é graças à inércia de rotação, que a máquina continua a trabalhar, mesmo após termos deixado de dar ao pedal.
Como membro responsável desta aldeia global que é o mundo, reconheço o contributo da máquina de costura caseira para a sustentabilidade do planeta. Com ela se podem reparar rasgões ou tapar buracos, reconverter modelos ou ajustá-los ao tamanho dum novo utilizador. Tudo isto numa prática de economia circular, a qual combate o desperdício da Sociedade do Descartável, que inescapavelmente conduz ao ecocídio.
Não é de estranhar que a máquina de costura ocupe um lugar privilegiado cá em casa, não como mero adorno decorativo, mas como instrumento de economia circular ao serviço da sustentabilidade do planeta. Trata-se de uma máquina SINGER centenária, que me foi oferecida pela minha mãe há cerca de 50 anos, após a sua aquisição aos herdeiros de uma velha senhora, acompanhada do catálogo do modelo e do respectivo recibo de compra.
Como coleccionador, investigador e publicista de Bonecos de Estremoz, não podia deixar de me encantar com uma criação do barrista José Carlos Rodrigues, representando a “Mulher a cozer à máquina”, em contexto de inícios do séc. XX com matriz alentejana (chão de tijoleira e cadeira pintada com flores).
Felicito vivamente o bonequeiro por este seu trabalho, não só pelo trabalho em si, mas porque nele estão interligados dois conceitos que me são gratos: a economia circular ao serviço da sustentabilidade do planeta e o Património Cultural Imaterial da Humanidade cuja salvaguarda é imperativa.
Publicado inicialmente em 23 de Julho de 2023

sábado, 15 de março de 2025

Tocador de ronca

 

Tocador de ronca. Modelação de Carlos Alves. 
Pintura de Cristina Malaquias.

No Alentejo de outrora, grupos de homens agasalhados do frio, percorriam as ruas dos povoados em compasso lento e solene, entoando cantares de Natal ou das Janeiras. Paravam aqui e ali, para dedicar os seus cantos aos moradores de determinadas casas. Os cantares eram acompanhados pelo som, grave e fundo, das roncas percutidas por tocadores. A ronca é um instrumento musical tradicional do Alentejo, pertencente à classe dos membranofones de fricção. Ainda pode ser encontrado na zona raiana (região de Portalegre, Elvas, Terrugem e Campo Maior).

Hernâni Matos

quinta-feira, 13 de março de 2025

Tocadora de adufe

 

Tocadora de adufe do rancho do acabamento da azeitona.
Modelação de Carlos Alves. Pintura de Cristina Malaquias.

No Alentejo de antanho, no termo de Estremoz, terminada a safra da azeitona, o rancho da apanha dirigia-se ao monte do lavrador a agradecer a concessão do trabalho sazonal então terminado.
Com um avental confeccionava-se um pendão que era transportado até ao monte e traduzia simbolicamente a intenção festiva do grupo. Uma vez chegado ao monte, o rancho era mimoseado pelo lavrador com comes e bebes. Retribuíam cantando modas acompanhadas da percussão de adufes, membrafones característicos não só da Beira Baixa, como do Alentejo e de Trás-os-Montes, os quais eram percutidos por mulheres.

sábado, 15 de fevereiro de 2025

Novamente o "Barbeiro sangrador"


Barbeiro sangrador. Liberdade da Conceição (1913-1990).


LER AINDA


DATAÇÃO E ORIGEM

Em Junho - Julho de 1962, esteve patente ao público no palácio de D. Manuel I, em Évora, a importante exposição “BARRISTAS DO ALENTEJO”, organizada pelo Grupo Pró-Évora e que contou com o alto patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian. Para o prestigiado evento foi editado um catálogo de 72 páginas e 40 ilustrações a preto e branco.
Nessa interessante publicação [5] com prefácio de José Régio e Júlio dos Reis Pereira, é feito o inventário de 362 lotes de peças do figurado alentejano, pertencentes a colecções particulares de Estremoz, Azaruja, Évora e Portalegre, bem como a colecções institucionais de Estremoz, Elvas, Vila Viçosa e Redondo.
No conjunto das peças expostas havia uma vasta representação de figurado de Estremoz, pertencente a diferentes épocas. Uma delas com a tipologia da descrita por nós em post anterior, como “barbeiro sangrador”, era pertença do médico João do Couto Jardim, de Vila Viçosa. Tinha 22 cm de altura e 13 cm de largura. Foi identificada como “operação cirúrgica” e reconhecida como peça do séc. XVIII. Independentemente da designação que lhe foi atribuída e da qual discordamos, ficámos a saber que o modelo que ainda hoje é fabricado pelos nossos barristas, remonta ao séc. XVIII.
Por sua vez, Solange Parvaux [2], investigadora francesa que realizou trabalho de campo sobre cerâmica alentejana em Agosto de 1959, 1960 e 1961, chama “cirurgião" àquela peça. 
Joaquim Vermelho [6], Director do Museu Municipal de Estremoz já falecido, chama-lhe também “cirurgião”, referindo tratar-se de uma “paródia ao barbeiro numa operação de sangria”. Posteriormente, Joaquim Vermelho [7], evoluiu para a designação “barbeiro cirurgião”, que creio ser mais aceitável. Todavia, prefiro a designação de “barbeiro sangrador”, pois como referi em post anterior, segundo Manoel Leitam (1), cirurgião do Hospital Real de Todos os Santos, em Lisboa, a médicos e cirurgiões competia a prescrição das sangrias e a barbeiros sangradores e Barbeiros cirurgiões, a sua execução. Deste modo a execução duma sangria apenas legitima a meu ver, a atribuição da designação de “barbeiro sangrador”, uma vez que não está a executar qualquer cirurgia.

AINDA E SEMPRE A LITERATURA ORAL
O cancioneiro popular refere-se à sangria, executada pelos barbeiros sangradores. Assim uma filha, que provavelmente não devia ter feito aquilo que fez, implora à mãe:

“Ó minha mãe não me bata
com varas de marmeleiro
que eu estou muito doente
mande chamar o barbeiro.” [3]

A quadra seguinte está naturalmente impregnada de segundo sentido. Trata-se, provavelmente, de um pai ou de uma mãe, que vociferam para um barbeiro sangrador, que sangrou uma menina onde não o devia ter feito:

“Mal hajas tu barbeiro
e mais a tua navalha!
foste sangrar a menina
na veia mais delicada!” [3]

Luís Pina [4] estudou um “Calendário Higiénico” da autoria de Vale Carneiro (1712), repleto de singulares prudências médicas. Relativamente ao mês de Janeiro, recomenda que:

“Sem causa urgente foge da sangria,
Bebe do vinho branco e delicado,
Deixa o falso, não laves todavia
A cabeça; usa sempre o mel rosado.” [4]

Também no mês de Julho, aconselha que: “Não tomes nem sangria, que é engano”. [4]
E, por enquanto, ficamos por aqui.

BIBLIOGRAFIA
(1) – LEITAM, Manuel. Pratica de Barbeiros em Quatro Tratados em que se trata de com se ha de sangrar, & as cousas necessarias para a sangria; & juntamente se trata em que parte do corpo humano se haõ de lançar as ventosas, assi secas, como sarjadas; & em que parte compitaõ sanguixugas, & o modo de as applicarem; com outras muitas curiosidades pertencentes para o tal officio, em Lisboa, à custa de Francisco Villela, 1667.
[2] - PARVAUX, Solange – La Céramique Populaire du Haut-Alentejo. Paris: Presses Universitaires de France, 1968.
[3] - PINA, Luís. Medicina e Superstição in A ARTE POPULAR EM PORTUGAL, vol. I. Editorial Verbo, 1979.
[4] - PINA, Luís. Um poético calendário português de Higiene seiscentista. Boletim da Câmara Municipal do Porto, XIII. Porto 1950.
[5] – PRÓ-ÉVORA, Grupo. Barristas do Alentejo. Évora, 1962.
[6] - VERMELHO, Joaquim – Barros de Estremoz. Limiar. Porto, 1990.
[7] – VERMELHO, Joaquim. Sobre a Cerâmica de Estremoz. Arquivos da Memória. Edição Colibri. Câmara Municipal de Estremoz. Lisboa, 1995.

Publicado inicialmente em 28 de Julho de 2011

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

O reencontro de dois caminhantes

 

Mestre Xico Tarefa e Hernâni Matos, dois caminhantes que se reencontram na sede
da ADOE.  De que estarão a falar? De olaria, pois claro!


LER AINDA


É sabido que não há caminho, como nos ensina o poeta sevilhano António Machado: “Caminhante, são teus rastos / o caminho, e nada mais; /caminhante, não há caminho, / faz-se caminho ao andar.” (…).

Cada um de nós segue o seu próprio caminho, o que não impede que alguns caminhos se cruzem. Foi assim que o meu caminho e o de Mestre Xico Tarefa se cruzaram em 1980 no Terreiro do Paço Ducal de Vila Viçosa. Tal ocorreu no decurso do I Encontro de Olaria Regional do Alto Alentejo, que ali teve lugar entre 4 e 15 de Junho desse ano.

Andámos ambos por ali e integrávamos a Comissão Organizadora do Encontro. Eu em representação da Casa da Cultura de Estremoz e ele em representação do Centro Cultural Popular Bento de Jesus Caraça. As nossas preocupações de então centravam-se na necessidade de salvaguarda da matriz identitária das olarias de cada Centro Oleiro do Alto Alentejo e na tomada de medidas que impedissem a descontinuidade de produção das olarias.

O Mestre Xico Tarefa era um operacional no terreno, que não parava quieto, andava sempre para aqui e para ali, a tratar de uma coisa ou outra. Entre as múltiplas tarefas de que foi encarregue esteve a produção de um prato comemorativo do Encontro, a ser oferecido aos participantes. Daí eu estar na posse de um exemplar que tive a honra de receber na época, o qual está na génese da minha condição de coleccionador de louça de barro vidrado de Redondo. O trabalho de roda é de Mestre Xico Tarefa e a pintura e o esgrafitado são da autoria de Mestre Álvaro Chalana (1916-1983).

Ao receber de bom grado o prato comemorativo do Encontro, herdei uma pesada responsabilidade e brotou em mim o fascínio pela cerâmica redondense, que nunca mais parou e cuja chama se mantem bem viva. Aquele prato tem para mim especial significado. Foi o primeiro exemplar da minha colecção de cerâmica redondense. Por mais raro e mais valioso que seja outro espécime adquirido ou que venha a adquirir, aquele ocupará sempre um lugar muito privilegiado no meu coração. É que foi o primeiro da minha colecção, saído das mãos de Mestre Xico Tarefa e de Mestre Álvaro Chalana e que ficou a selar o cruzamento do meu caminho com o primeiro destes mestres.

Decorridos 45 anos sobre o primeiro cruzamento dos nossos caminhos, voltámos a cruzar-nos. Desta feita, o terreiro é outro. Trata-se da ADOE - Associação Dinamizadora da Olaria de Estremoz. Ele como formador, na qualidade de Mestre Oleiro. Eu, como consultor had hoc, na qualidade de coleccionador e investigador da barrística popular de Estremoz.

De então para cá, o Mestre Xico Tarefa tem desenvolvido uma carreira notável como Mestre Oleiro e como formador das novas gerações, o que muito me regozija e enche de orgulho como seu amigo e admirador em que entretanto me tornei.

A sua obra fala por si e é um exemplo paradigmático para os mais novos. Encerra em si própria, o respeito pela ancestralidade da olaria popular alentejana, temperado pela criatividade inovadora que lhe brota da alma e que com fidelidade se transmite às mãos mágicas que são as suas.

Obrigado Mestre pela beleza criada para usufruto e deleite de espírito de todos aqueles que apreciam o seu trabalho.

Bem-haja, Mestre Xico!


Publicado no jornal E nº 350, de 14 de Fevereiro de 2025

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

A recuperação da olaria tradicional de Estremoz está na ordem do dia

 

A recuperação da olaria tradicional de Estremoz está na ordem do dia 

 “OLARIA NO CORAÇÃO…E MÃOS À OBRA” é o lema da ADOE-Associação Dinamizadora da Olaria de Estremoz, que no passado sábado, dia 8 de Fevereiro, pelas 16 horas, inaugurou as instalações da sua sede, acomodada na chamada Casa da Câmara na vila de Évora Monte.

 

Fachada do edifício dos Paços do concelho de Évora Monte,
em cujo 1º andar ficou instalada a sede da ADOE. 

Acto inaugural
Ao acto inaugural compareceram cerca de 5 dezenas de pessoas entre associados, familiares e convidados que ali foram testemunhar o apreço que nutrem pela ADOE, face à nobre missão que esta se propõe, a qual está implícita na sua própria designação e que no essencial consiste em recuperar a olaria tradicional de Estremoz. De salientar, a presença do Presidente da Junta de Freguesia de Évora Monte, António Serrano, dos vereadores da Câmara Municipal de Estremoz, Nuno Rato e Joaquim Crujo (MIETZ) e do Presidente da LACE - Liga dos Amigos do Castelo de Évora Monte, Eduardo Basso.
O evento foi iniciado por Inês Crujo, Presidente da Direcção da ADOE, a qual agradeceu a presença de todos e justificou algumas ausências. Congratulou-se seguidamente pelo facto de a instalação da ADOE em sede própria ter chegado a bom termo, o que facilitará de futuro àquela associação a prossecução dos seus objectivos estatutários. Agradeceu a todos os que tornaram possível aquele momento e citou nomes, com especial relevo e palavras muito carinhosas para o Mestre Oleiro Xico Tarefa, considerado por todos a alma da ADOE e a quem esta muito deve a sua existência, não só pela formação já realizada e que terá continuidade, como pelo impulso e estímulo conferido à própria constituição da ADOE. A terminar, agradeceu à Junta de Freguesia de Évora Monte a disponibilização das instalações, fruto do protocolo com ela celebrado.
Seguiu-se no uso da palavra, o presidente da Junta de Freguesia de Évora Monte, António Serrano, o qual igualmente se congratulou com a instalação da ADOE no edifício administrado pela Junta, uma vez que as actividades aí desenvolvidas irão contribuir para a animação cultural da Freguesia, conforme está previsto no protocolo celebrado entre ambas as partes.
O acto inaugural terminou com um beberete e convívio entre os presentes.
No evento foi divulgado um folheto desdobrável, através do qual a ADOE dá conta das razões da sua constituição, da missão a que se propõe, do que pretende realizar daqui para a frente e do que poderá ser encontrado na sede.

O Presidente da Junta de Freguesia de Évora Monte, António Serrano, no uso da palavra.

Um aspecto parcial da assistência.

Outro aspecto parcial da assistência. 

Sorrisos que espelham satisfação pela inauguração da sede social da ADOE.

A recuperação da tradição oleira de Estremoz
Visando recuperar a antiga tradição oleira, o Município de Estremoz em parceria com o CEARTE - Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património, promoveu a partir de 2021 um Curso de Olaria por módulos, o qual decorreu no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz e teve continuidade em 2022.
Em 2021 foi ministrado um módulo (de 50 horas) e em 2022 três módulos (de 75 horas). A formação, num total de 275 horas, esteve a cargo do Mestre Oleiro Francisco Rosado (Xico Tarefa).

A criação da ADOE
Em 21 de Janeiro de 2023 foi criada por escritura notarial, uma associação cultural sem fins lucrativos e por tempo indeterminado, a qual recebeu a designação de ADOE - Associação Dinamizadora da Olaria de Estremoz, a qual é inteiramente estranha a toda a espécie de actividades de índole político-partidária.
”A ADOE tem como objecto recuperar, preservar, valorizar e divulgar a Olaria de Estremoz, bem como promover o desenvolvimento artístico, aprimoramento técnico e expansão criativa dos associados. São objectivos da ADOE: a) Estreitar e incentivar o relacionamento e a solidariedade pessoal e profissional entre os associados; b) Promover a formação dos associados; c) Fomentar o desenvolvimento de encontros, conferências, seminários que contribuam para a actualização dos associados; d) Recolher, tratar e divulgar informação relacionada com os objectivos da Associação; e) Cooperar com outras entidades que promovam objectivos idênticos aos da Associação.”

Corpos Sociais da ADOE
A composição dos Corpos Sociais da ADOE para o biénio 2023-2025 é a seguinte: - MESA DA ASSEMBLEIA GERAL: Vera Magalhães (Presidente), Luís Rosa (Secretário), Fátima Lopes (Vogal), Jorge Carrapiço (Vogal); - DIRECÇÃO: Inês Crujo (Presidente), Ana Calado (Secretária), Maria Leonor Carapinha (Tesoureira); - CONSELHO FISCAL: Luísa Tejo (Presidente), Pedro Cardoso (Secretário), Sara Sapateiro (Redactora), Madalena Meireles (Vogal), Francisco Rosado (Vogal).

Actividades da ADOE (2023 e 2024)
Realizaram-se Oficinas de Olaria no decurso dos seguintes eventos: 2023 - FIAPE 2023; 2023 - COZINHA DOS GANHÕES 2023; 2023 - BOM DIA CERÂMICA - Integradas nas Jornadas Europeias das Cidades Cerâmicas; 2023 – FEIRA INTERNACIONAL DE ARTESANATO DE LISBOA 2023; 2024 - FIAPE 2024; 2024 - FEIRA NACIONAL DE ARTESANATO DE VILA DO CONDE 2024.

Actividades da ADOE em 2025
No Plano de Actividades da ADOE para 2025, assumem especial importância as seguintes actividades: - Aprofundamento da formação em olaria com o Mestre Francisco Rosado e decoradoras que trabalharam nas extintas olarias de Estremoz; - Produção de peças oláricas; - Realização de oficinas de olaria em Feiras, Exposições e no Mercado Municipal de Estremoz; - Cooperação com Instituições do concelho, da região e de outras regiões.

A Sede da ADOE
A sede da ADOE encontra-se instalada no 1º andar do vetusto edifício dos Paços do concelho de Évora Monte, situado na Rua da Convenção daquela vila. O edifício é administrado pela Junta de Freguesia de Évora Monte e foi objecto de um protocolo celebrado entre aquela Junta e a direcção da ADOE.
As instalações constam de 3 salas amplas e arejadas, providas de janelas rasgadas que fornecem a sempre preciosa luz natural. Existem também instalações sanitárias situadas no topo da escada de acesso ao 1º andar.
Do lado esquerdo de quem sobe, situa-se uma sala provida de chaminé e poial para arrumos, na qual funcionará a oficina de olaria. Ali estão para já instaladas 2 rodas de oleiro eléctricas, cedidas pelo CEARTE, às quais em devido tempo se seguirão outras. Na mesma sala está ainda instalado um cilindro eléctrico para aquecimento de água utilizada na lavagem das rodas e dos utensílios de modelação.
Do lado direito de quem sobe, existem duas salas na continuação uma da outra. A primeira é uma sala de exposições, na qual será feita a recepção aos visitantes e na qual será feita também a comercialização das peças oláricas produzidas pelos associados da ADOE e expostas em estantes aí localizadas. Ao longo das paredes desta sala estão expostos 8 painéis de grandes dimensões, profusamente ilustrados, que sob a epígrafe OLARIA TRADICIONAL DE ESTREMOZ, procuram caracterizar o estado da arte. Nesse sentido, começam por inventariar as principais referências histórico-literárias aos barros de Estremoz. De seguida caracterizam a tradição oleira local e referem a tragédia cultural que culminou com a extinção da olaria de Estremoz em 2016, por morte de Mário Lagartinho sem deixar continuadores. Em continuação é salientada a importância de que se revestiu a realização de um Curso de Formação de Olaria por iniciativa do Município de Estremoz em parceria com o CEARTE - Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património. A finalizar é historiada a criação da ADOE, referidos os seus objectivos e relatada a actividade desenvolvida no biénio 2023-2024.
A segunda sala é destinada à decoração de peças oláricas e para tal dispõe de bancadas e assentos para esse efeito. Existem aí também estantes para armazenagem de stocks e é nesta sala que está instalada a mufla eléctrica onde será cozida a produção.

Uma mensagem de esperança
No painel com que finaliza a abordagem do tema OLARIA TRADICIONAL DE ESTREMOZ, a ADOE considera que: “O legado que nos foi deixado pela antiga tradição oleira de Estremoz é em grande parte observável no Museu Municipal de Estremoz. A excelência das peças oláricas aí patentes ao público, é reveladora da dureza da tarefa hercúlea que constitui a recuperação e preservação da extinta tradição oleira de Estremoz. Propomo-nos com humildade e muito trabalho e dedicação atingir esses objectivos, através da formação continuada a ministrar pelo Mestre Oleiro Francisco Rosado (Xico Tarefa), visando o aperfeiçoamento técnico e artístico dos nossos associados. Para tal contamos com o apoio indispensável e insubstituível do Município de Estremoz e do CEARTE - Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património.
É uma tarefa árdua a que nos propomos, mas é simultaneamente um desafio estimulante, já que a tradição oleira de Estremoz constitui indiscutivelmente Património Cultural Imaterial de Interesse Municipal cuja necessidade de recuperação e preservação é indissociável da salvaguarda da identidade cultural estremocense.
Com todo este trabalho iremos crescendo enquanto artesãos, ao mesmo tempo que procuramos divulgar e valorizar a tradição oleira de Estremoz através do nosso trabalho.
Tudo isto constitui uma missão gratificante que já faz parte integrante do nosso percurso de vida.”

Contactos da ADOE
ENDEREÇO: Associação Dinamizadora da Olaria de Estremoz / Casa da Câmara / Rua da Convenção / 7100-308 ÉVORA MONTE; TELEFONE: 962 919 427; EMAIL: adoestremoz@gmail.com .

Publicado no jornal E nº 350, de 14 de fevereiro de 2025 

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Inspiração maçónica em bilha de Estremoz

 


LER AINDA


Bilha de grandes dimensões, com base circular e plana. Corpo cilindróide com um gargalo na parte superior, terminando por uma abertura afunilada para entrada e saída de água, a qual é provida de tampa.
Uma asa de secção cilíndrica, que configura um tronco de sobreiro, liga o gargalo ao tronco. Neste são visíveis três faixas polidas a toda a volta da bilha
Decoração mista, polida e relevada. A decoração polida é de natureza geométrica. A decoração relevada é, por um lado, fitomórfica, com ramos, folhas e frutos de sobreiro. E é, por outro lado, antropomórfica, na qual uma figura feminina (supostamente a República) ergue um facho de luz (razão) com a mão esquerda, enquanto que com a mão direita empunha uma espada (defesa). A alegoria parece ser óbvia “Numa mão a espada e na outra a razão” e será provavelmente de índole maçónica, dada a importância de que se reveste a espada e a luz nos rituais maçónicos. Fabrico da Olaria Alfacinha. 2º quartel do séc. XX.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

José Lacerda no Mercado das Velharias em Estremoz


Vendedor de chocalhos. José Carlos Rodrigues (1970 - ).
Cortesia de Tói Lacerda.
 

José Lacerda é um amigo cigano de longa data, que anima semanalmente com a sua banca, o Mercado das Velharias em Estremoz. Conheço-o há tanto tempo, que me atrevo a dizer que o conheço desde sempre. É um homem bem-falante, arte que faz parte do negócio que é o seu. Em tempos tratou-me por Doutor e não sendo eu receptivo ao tratamento, promoveu-me imediatamente a Engenheiro, o que igualmente não me assentava bem, mas ele teimava dizendo:

- O meu amigo desculpe. Você tem estudos. Se não é Doutor tem de ser Engenheiro.

Eu bem lhe dizia que era só Professor e mais coisa nenhuma, mas não havia maneira de sairmos dali e eu já estava pelos ajustes. Um dia, disse-lhe:

- “Está o caldo entornado” e “Temos a burra nas couves”.

Parece que foi remédio santo. A partir daí, passou a tratar-me por amigo Hernâni e o nosso relacionamento passou a ser mais natural e saudável.

Fazemos negócio sempre que calha ter alguma peça que me encha as medidas. Ele já sabe o que me interessa e começa a cantar alto como se estivesse no Orfeão e eu, naturalmente, faço ouvidos de mercador. Por outras palavras, esgrimimos. É manha contra artimanha. E lá fazemos negócio, normalmente pouco silencioso, mas tudo acaba em bem ou em mal. Depende do ponto de vista. Umas vezes engana-me ele, outras vezes engano-o eu. E já ouvi da boca dele, aquilo que para mim é encarado como um elogio:

-  Amigo Hernâni: Você é mais cigano do que eu.

Ao longo dos tempos, o meu amigo José Lacerda tem-me vendido arte pastoril, Bonecos de Estremoz, louça de barro vermelho de Estremoz e louça vidrada de Redondo, tendo com isso contribuído para a edificação das minhas colecções. É claro que nem sempre compro, pois mesmo que me interesse, nem sempre é oportuno abrir os cordões à bolsa. É nessas alturas que ele me diz:

- O meu amigo não se preocupe. Não precisa de pagar agora. Paga depois.

O que vale é que eu estou imunizado contra a lábia dele.

José Lacerda é uma figura muito popular e uma referência no Mercado das Velharias em Estremoz. No terrado que semanalmente ocupa no Rossio de Estremoz, destaca-se a sua banca bem provida de chocalhos. Foi esse pormenor, o tema escolhido pelo seu filho Tói Lacerda, para encomendar um Boneco de Estremoz que representasse o pai no Mercado da Velharias. A criação da figura deve-se ao barrista José Carlos Rodrigues, a quem felicito pelo bem conseguido trabalho. Através dele, o cigano José Lacerda ficou perpetuado na barrística popular estremocense. Basta olhar para o Boneco que se é levado a dizer:

- Olha o Lacerda!