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quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Arte pastoril alentejana


Colher (Dimensões: 31 x 8,5 cm; Peso: 82 g)Executada em 1974 em pau de bucho,
levou 35 horas a ser confeccionada e custou na época, 350$00, o que corresponde
hoje a 53,6 €. Colecção particular.

Tão certo como o Alentejo não ter sombra, senão a que vem do céu, é que sem sombra de dúvida, a arte pastoril alentejana é uma das mais ricas e expressivas manifestações de arte popular portuguesa.
Com uma simples navalha, ora se escava a madeira em baixo ou alto-relevo, ora se borda artística filigrana que nos faz lembrar o ouro minhoto. O motivo é fruto do imaginário do artista popular e tem sempre um significado expresso na pauta, muitas vezes de madeira, mas também de cortiça e de chifre, tal como um virtuoso violinista que com o seu preciso arco, faz vibrar as tensas cordas do seu violino. A sinfonia é a mesma. A peça executada tem sempre uma função para a qual foi concebida e executada: a de poder ser utilizada ou como forma de expressar a paixão nutrida pela mulher amada ou o respeito e consideração pelo patrão que dá trabalho. São certezas ancestrais que remontam à memória dos tempos. São estados de alma e convicções profundas que registam magistralmente naquilo que a terra dá, os traços indeléveis da identidade cultural alentejana.

Publicado inicialmente em 8 de Maio de 2015

Garfo (dimensões: (24 x 3,5 cm; Peso: 26 g).  Executado em 1973 em pau de
bucho. Em 1985 era vendido por 2000$00, o que corresponde hoje a 112,5 €.
Colecção particular.

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Poetas em defesa da olaria de Estremoz - 03


António Sardinha (1887-1925)
Político, historiador e poeta, natural de Monforte – OBRA POÉTICA:  - Quando as
Nascentes Despertam (1821); - Tronco Reverdecido (1910); - Epopeia da Planície
(1915); - Na Corte da Saudade (1922) - Chuva da Tarde (1923); - Era uma Vez um
Menino (1926); - O Roubo da Europa (1931); - Pequena Casa Lusitana (1937).

O elogio do púcaro

Tu és a minha companha,
eu tenho-te á cabeceira
ó pucarinho de barro,
enfeite da cantareira.

Amigo certo e sabido,
matas a sede e o calor.
Tu vales mais do que pesas,
não se te paga o valor!

Meu bocadinho de barro,
chiando como um cortiço,
tu dás-te com toda a gente,
não te deshonras por isso!

Prantas a agua fresquinha,
sem ti não passa ninguem.
Mimo de reis e de bispos,
não custas mais que um vintem!

Assim, singelo e sem pompa,
ganhaste fama a Estremoz.
Ah, desgraçado daquele
que nunca a bôca te pôs!

És a cubiça das velhas,
contigo se enche um mercado.
Então a vista que metes,
quando tu és empedrado?!

Quero casar-me. Já tenho
dois pucarinhos pequenos.
Pois, p'ra principio de arranjo,
outros começam com menos!

- Amor, se fôres á feira
traz-me uma prenda galante.
Não tragas nada do ourives,
- um pucarinho é bastante!

Vae alta a febre, vae alta,
- p'ra que é que os médicos são?
Ó pucarinho de barro,
acode a esse febrão!

Eu nunca vi neste mundo,
que é gastador e que é louco,
coisa que tanto valesse,
mas que custasse tão pouco!

Assim, singelo e sem pompa,
tu déste fama a Estremoz!
- Ah, desgraçado daquele
 que nunca á bôca te pôs!
Hernâni Matos
Publicado em 5 de Março de 2017

terça-feira, 12 de agosto de 2025

Poetas em defesa da olaria de Estremoz - 07


Maria de Santa Isabel (1910-1992).
 Pseudónimo literário de Maria Palmira Osório de Castro Sande Meneses e Vasconcellos
Alcaide, poetisa estremocense. OBRA POÉTICA: - Flor de Esteva (1948); - Solidão Maior
(1957); - Terra Ardente (1961); - Fronteira de Bruma (1997); - Poesia Inédita (A editar).

Pucarinhos de barro

Pucarinhos de barro, quem me dera
Sentir, na minha boca, essa frescura
Da vossa água perfumada e pura,
Que me traz o sabor da primavera!

Quanta boca ansiosa vos procura,
Num símbolo de crença e de quiméra
Simples imagem viva, bem sincera,
Dum mundo de ilusões e de ternura!

Meus santos pucarinhos, milagrosos,
Cumprindo as gratas obras do Senhor,
Dando a beber aos lábios sequiosos

Minha boca vos beija com fervor,
Como se, noutros tempos luminosos,
Beijasse ainda o meu primeiro amor!

Publicado pela 1ª vez em 8 de Abril de 2017

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Bonecos de Estremoz: Duarte Catela


Duarte Catela (1988-  ). Fotografia de 2018 da autoria de Joana Serrano.
Arquivo fotográfico do autor. 

Duarte Miguel Menezes Catela nasceu a 4 de Fevereiro de 1988, nas traseiras da Rua Alexandre Herculano, n.º 33 em Estremoz. Filho legítimo de Luís Miguel Ramalho Catela, de 22 anos e de Helena Maria Lopes Bravo Menezes Catela, de 22 anos. É bisneto dos barristas António Lino de Sousa (1918-1982) e Quirina Alice Marmelo (1922-2009). Frequentou a Escola Secundária Rainha Santa Isabel, em Estremoz, na qual concluiu em 2006, o 12º do Agrupamento 1 – Curso de Carácter Geral. Tem o curso de Hotelaria da Escola Profissional de Hotelaria e Turismo de Lisboa, concluído em 2009.  Começou a trabalhar na Pousada de Sagres e passou a sub-chefe de cozinha nas Pousadas de Portugal, permanecendo nessa condição na Pousada de Queluz. Actualmente é chefe de cozinha na Pousada de Palmela e no Restaurante Cozinha Velha (Palácio Nacional de Queluz). O seu interesse pelos Bonecos de Estremoz remonta à juventude quando, à guarda da bisavó, a observava na modelação e pintura dos Bonecos, acabando por seguir o seu padrão de execução, ao mesmo tempo que utiliza os moldes das faces que dela herdou. Cozinheiro de profissão, procura conciliar a actividade profissional com a arte bonequeira que herdou da família. Modela os Bonecos na sua residência em Lisboa e estes depois de secos, são transportados para Estremoz onde são cozidos na mufla eléctrica que pertenceu à sua bisavó Quirina Marmelo e se encontra na antiga oficina-loja na Rua Arco de Santarém, nº 4, onde moram os seus avós. Em Estremoz, a sua mãe Helena Catela, colabora na pintura dos Bonecos. A venda dos seus Bonecos é feita no Museu Municipal de Estremoz, na Mercearia Figo no Rossio Marquês de Pombal n.º 73 em Estremoz e directamente a clientes que lhe fazem encomendas. Em Estremoz tem participado na FIAPE, já expôs individualmente e tem participado em exposições colectivas, bem como em feiras onde não estando presente, está representado no stand da Câmara Municipal de Estremoz.

Publicado inicialemente em 17 de Março de 2020


Presépio de 3 figuras.

 Nossa Senhora da Conceição.

 Nossa Senhora dos Mártires.

 Matança do porco - 1.

Matança do porco - 2.
  
Pastor de tarro e manta.
  
 Homem do harmónio.

 Pastor debaixo da árvore.

 Ceifeiro.

Cozinha dos ganhões.
  
 Mondadeira.

 Mulher das castanhas.

 Senhora ao toucador.

 Primavera de arco.

Amor é cego.

domingo, 10 de agosto de 2025

A ânsia de toda a beleza do mundo



O cancioneiro popular encarregou-se de "arranjar um par de botas" aos sapateiros, que geralmente nele são mal vistos. Talvez porque haja repentistas que são autênticas "linguinhas de prata":

“Sapateiros e alfaiates
São uma súcia de ladrões:
Sapateiro furta a sola,
Alfaiate, os botões.” [1]

Já a nível da arte pastoril, parece existir maior apreço pelos sapateiros, uma vez que na solidão eremítica da charneca alentejana, o rabadão que já fora zagal e já andara descalço, sabia o que era andar a pé limpo por sobre a terra escaldante, as rochas angulosas ou a vegetação parente do saramago.
Quem anda a pé limpo, tem um pé blindado, que só encontra parente próximo nas mãos do cortiçeiro envolvido em tórrida e recente despela.
Quantos não foram os camponeses alentejanos que usaram calçado pela primeira vez, quando foram à tropa?
Por isso, o camponês alentejano era capaz de exaltar e mitificar coisas aparentemente comezinhas, como o calçado.
É o caso deste sapato (9, 5 x 2 x 3 cm), talhado e bordado em madeira, por quem se identificou com a obra e resolveu deixar na sola, a sua marca de criador: JMV.
Comprado no Mercado das Velharias em Estremoz, mercado de memórias, onde eu faço parte da “mobília”, na qualidade de comprador.
Não é um sapato frívolo de quem anda envolvido em danças de salão. É um sapato sóbrio e austero, nascido da alma de quem conhece a dureza do que é andar a pé limpo num solo que corta como lancetas. Mas é um sapato bordado, porque o camponês, servo da gleba, tinha na sua alma, a ânsia de toda a beleza do mundo.

[1] – ALCÁÇOVAS – Recolha de VASCONCELLOS, J. Leite de. Cancioneiro Popular Português. Volume I. Acta Universitatis Conimbrigensis. Coimbra,1975.

Publicado em 6 de Setembro de 2010

sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Jorge da Conceição e a bailadeira de arco



Bailadeira de arco. Jorge da Conceição (1963-   ).

Dentre as várias bailadeiras de arco criadas por Jorge da Conceição, houve uma que despertou a minha particular atenção, não só pela modelação perfeita como é timbre do barrista, como pelo seu rico cromatismo, do qual transparece e irradia forte carga simbólica.
Em termos de modelação, seja-me permitido parafrasear a linguagem dos jogadores de póquer, que quando não têm jogo, clamam:
- Passo!
Eu também passo, já que não tenho palavras para traduzir, o quanto gosto da modelação. Todavia, sempre sou levado a dizer que para além do mais rigoroso respeito pela modelação ao modo de Estremoz, ocorre aqui uma mudança de paradigma. A demanda de perfeição pelo barrista, faz guindar a sua obra do patamar da arte popular para o degrau da arte erudita.
Em termos estéticos e para além da modelação fortemente naturalista, ressalta sobre um ponto de vista cromático, uma pentacromia harmoniosa, sabiamente escolhida com recurso a uma cor fria (verde – 2 tonalidades), duas cores quentes (zarcão – 2 tonalidades; amarelo – 2 tonalidades) e duas cores neutras (branco e castanho).
As cores quentes e o branco simbolizam a luminosidade da estação. O desabrochar e o reverdecer da natureza estão traduzidos pelo verde do vestido e da base da figura, bem como pelo verde das flores do arco e das folhas do buquê. A ligação da Primavera à natureza e à terra, é assegurada pelo castanho da orla da base da figura.
A finalizar, observo que a criação do barrista revela duas inovações. Uma delas é a introdução de pormenores morfológicos na modelação das flores do arco. A segunda é a utilização da simetria por alternância, na disposição dessas mesmas flores, a qual reforça a harmonia de conjunto.
Em suma: o barrista é credor da nossa admiração, pelo que lhe endereço os meus parabéns por este trabalho. E é claro, um grande abraço. Pois, claro!

Publicado em 8 de Agosto de 2021

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Os talêgos (3ª edição)


Esta é a 3ª edição do post, cuja 1ª edição é de 27 de Fevereiro de 2010, a que se seguiu uma 2ª edição a 7 de Novembro de 2010. Novamente foi ampliado com considerações de natureza linguística e de literatura oral, bem como pela adição de seis novas ilustrações e de mais três fontes bibliográficas.


APONTAMENTOS ETNOGRÁFICOS
OS talêgos eram sacos multicolores, de tamanho variável, confeccionados pelas mulheres com as sobras dos panos usados na confecção de saias, blusas e aventais ou mesmo de roupa velha que se tinha deixado de usar. Tinham um cordão ou nastro que corria dentro de uma bainha e que os permitia fechar. Podiam ser forrados ou ser singelos. Alguns eram rebuscados na sua concepção e manufactura, a qual podia incluir pompons e borlas. Outros haviam que eram simples, sendo alguns, até, manufacturados com um único tecido.
Os talêgos eram o providencial modo de transportar aquilo que de que precisávamos. Ia-se às compras de talêgo, o qual era lavado sempre que necessário. Havia um talêgo para ir aviar a mercearia e outro para ir ao pão, bem como outro para ir ao grão, ao feijão ou ao milho. Usávamos também um talêgo para guardar os magros tostões que tínhamos e ainda outro para guardar a existência usada no jogo do botão.
Os camponeses guardavam as sementes em talêgos e os moleiros recebiam talêgos de trigo, centeio ou milho, que devolviam com farinha, após terem subtraído a maquia devida à moagem. Era também nos talêgos que se levava comida para o local de trabalho.
Em nossas casas, nas arcas, cómodas e guarda-fatos havia pequenos talêgos com alfazema, que pelo seu cheiro afugentava traças, moscas, mosquitos e demais insectos. Nesses mesmos locais, existiam por vezes talêgos maiores, nos quais se acondicionava a roupa mais delicada ou mais antiga e que inspirava mais cuidados de preservação.
A pobreza, a falta de oportunidades de vida, a adversidade do clima, as catástrofes, a política repressiva, fizeram com que ao longo dos tempos, o povo português tivesse de emigrar, visando a melhoria das suas condições de vida. Para transportar os seus bens, a maioria das vezes, uma parca bagagem, lá estavam o talêgo e mais tarde, a mala de cartão.
O talêgo era a embalagem reciclável inventada pelo sabedoria popular, que sempre soube encontrar formas criativas de lutar contra a adversidade e a falta de meios. Depois de puído e roto pelo uso e pelas lavagens sucessivas, era remendado por mãos hábeis de mulheres, que assim lhe prolongavam a longevidade. E mesmo depois de serem abatidos ao serviço como “talêgos”, continuavam ter préstimo. Serviam de rodilha ou de esfregão, até tal ser possível. Só depois se deitavam fora, para serem degradados pela terra-mãe e renascerem sob outra forma.
Actualmente, a luta contra o desperdício e o consumismo, pela melhoria da nossa qualidade de vida e pela salvação do planeta, passa pela implementação da política dos 3 RRR:
 - Reduzir o lixo que se produz;
- Reutilizar as embalagens mais que uma vez;
- Reciclar os componentes do lixo, separando-os na origem.


Por isso impõe-se o regresso da utilização do talêgo na nossa vida quotidiana, sempre que formos às compras. O planeta e a melhoria da nossa qualidade de vida assim o exigem.
Não queremos abandonar o tema que temos estado a abordar, sem tecer algumas considerações de natureza linguística, bem como sublinhar igualmente algumas notas de literatura oral:
CONSIDERAÇÕES DE NATUREZA LINGUÍSTICA
Em primeiro lugar convém esclarecer que “talêgo” é a forma regionalista do substantivo “taleigo”, devida a um fenómeno fonético que consistiu na monotongação do ditongo “ei”, que se transformou assim em “ê”, o que teve repercussões no grafismo da palavra. [10]
Nos dicionários consultados, que abrangem o período de 1721[4] a 2001[2], existem verbetes sobre as palavras “ataleigar”, “taleiga”, “taleigada”, “taleigão”, “taleigo” e “taleiguinho”. Vejamos o que sobre estas palavras dizem os diferentes dicionários:
ATALEIGAR - Puxar as calças para cima da cintura. [9] (1922)
ATALEIGAR – Encher muito. [25] (1993)
TALEIGA – Substantivo feminino. De acordo com os dicionaristas consultados, designa:
- Saco pequeno. Uma taleiga de trigo são quatro alqueires. [4] (1721)
- Saco pequeno. Uma taleiga de trigo são quatro alqueires. [3] (1789)
- Saco, de maiores ou menores dimensões, e destinado especialmente à condução de cereais para os moinhos e da farinha que nestes se fabrica. Antiga medida para líquidos e cereais. (Do lat. Talica) [8] (1913).
- Saco pequeno e largo, destinado à condução de cereais para os moinhos e da farinha que nestes se fabrica. Antiga medida de azeite, equivalente a dois cântaros. Antiga medida de trigo, equivalente a quatro alqueires. (Do latim “talica”) [12] (s/d)
- Saco, bolsa, surrão. “Taleiga” é sinónimo de “teiga”. (Do árabe “ta’lîqâ”, saco). [15] (1977)
- Saco, pequeno e largo, destinado à condução de cereais para os moinhos e da farinha que nestes se fabrica. Antiga medida de azeite, equivalente a dois cântaros. Antiga medida de trigo, equivalente a quatro alqueires. [24] (1988)
- Saco pequeno e largo. Antiga medida para líquidos e cereais (Do árabe “ta'liqa”, saco) [19] (1996)
- Saco pequeno e largo usado normalmente no transporte de cereais e de farinha. Medida antiga de azeite, equivalente a dois cântaros. Medida antiga de trigo, equivalente a quatro alqueires. (Do árabe “ta'liqa”, saco.) [2] (2001)
- Saco pequeno e largo. Antiga medida para líquidos e cereais. (Do árabe “ta'lïqa”, saco). [20] (s/d)
TALEIGADA - Substantivo feminino. De acordo com os dicionaristas consultados:
- Uma taleigada de azeite, são dois cântaros de azeite, medida de Lisboa. [4] (1721)
- A porção que se leva numa taleiga. Uma taleigada de azeite, são dois cântaros de azeite, medida de Lisboa. [3] (1789)
- O que uma taleiga pode conter. Taleiga cheia (De taleiga). [8] (1913).
- O que uma taleiga pode conter. Taleiga cheia: uma taleiga de trigo. [12] (s/d)
- O que uma taleiga pode conter. Taleiga cheia. [24] (1988)
- Porção que enche uma taleiga ou um taleigo (De taleiga ou taleigo). [19] (1996)
- Conteúdo de uma taleiga. Porção que enche uma taleiga (De taleiga + suf. -ada). [2] (2001)
- Porção que enche uma taleiga ou um taleigo (De taleiga ou taleigo+-ada). [20] (s/d)
TALEIGÃO – Adjectivo e substantivo masculino. O mesmo que latagão (indivíduo robusto, forte, desempenado , e geralmente novo). [12] (s/d)
TALEIGO - Substantivo masculino. De acordo com os dicionaristas consultados:
- É um saco pequeno, como aquele em que o soldado leva às costas, pão de munição ou outra virtualha. Um taleigo leva dois alqueires de trigo (Deriva do castelhano “Talega” e este segundo Covarrubuias deriva do Grego). [4] (1721)
- Saco estreito e longo que leva dois alqueires. [3] (1789)
- Taleiga pequena. [8] (1913).
- Taleiga pequena. Saco. Cesto onde se transporta comida. O mesmo que barça. Saco onde se metia o falcão, na caça de altanaria. Antiga medida para secos, equivalente a dois alqueires. Víveres de reserva, para três dias, guardados num saco prlos homens de armas das hostes em campanha na Idade Média. O saco que continha esses víveres. [12] (s/d)
- Substantivo masculino e adjectivo, diminutivo de taleigão. [12] (s/d)
- Taleiga pequena. Saco. Cesto onde se transporta comida: O mesmo que barca. Saco onde se metia o falcão, na caça de altanaria. Antiga medida para secos, equivalente a dois alqueires. Víveres de reserva, para três dias, guardados num saco pelos homens de armas das hostes em campanha, na Idade Média. O saco que continha esses víveres. [24] (1988)
- Saco estreito e comprido. Taleiga pequena. (De taleiga) [19] (1996)
- Saco pequeno, estreito e comprido: Taleiga de dimensões reduzidas. Cesto usado para transportar comida. Medida antiga, equivalente a dois alqueires, usada para secos. Saco que era usado na caça de altanaria para levar o falcão. Saco que continha a comida para três dias, usado pelos homens de armas na Idade Média. Víveres contidos nesse saco. [2] (2001)
- Saco estreito e comprido. Taleiga pequena (De taleiga). [20] (s/d)
TALEIGUINHO – Substantivo masculino. Taleigo pequeno. (De taleigo e sufixo diminutivo -inho). [12] (s/d)
NOTAS DE LITERATURA ORAL
De acordo com o cancioneiro popular:
“Tenho um saco de cantigas,
E mais uma taleigada:
O saco é p’ra esta noite,
Taleiga p’ra madrugada.” [18]
A palavra “Taleigo” não figura, pelo menos actualmente na Onomástica Portuguesa como nome próprio. Assim o revela a consulta à lista dos vocábulos admitidos como nomes próprios, disponibilizada pelo Instituto dos Registos e do Notariado [13]. Todavia, a palavra é conhecida como sobrenome de nome próprio. A referência mais antiga que conhecemos figura num documento simples da Chancelaria Régia de D. Afonso V (liv. 14, fl. 85v), datado de 13 de Junho de 1466, o qual certifica que o monarca perdoou os 9 meses de degredo no couto de Marvão a Mem Rodrigues Taleigo, lavrador, morador em Évora Monte, o qual pagou 600 reais brancos para a Piedade. [6]
No Alentejo são conhecidas alcunhas em que figura a palavra “taleigo” ou palavras dela derivadas [22]:
- TALEGA - o visado faz comentários do estilo: "Grande talega!" (Marvão).
- TALEGUEIRO – o atingido anda sempre com um taleigo (Sines).
- TALEIGADAS (Avis).
- TALEIGO - Alcunha concedida a um sujeito baixo e gordo (Cuba e Portel).
- TALEIGUINHO - o receptor pendurou um taleigo num sobreiro (Santiago do Cacém) ou então é um indivíduo de baixa estatura (Aljustrel e Portei).
- TALEIGUINHO DA BUCHA - o receptor é baixo e gordo (Moura).
- TALEIGUINHO DAS ISCAS – o receptor quando ia à caça, levava sempre um taleiguinho com iscas (Aljustrel).
O adagiário português relativo ao taleigo é escasso:
- “Fazenda em duas aldeias, pão em duas talegas” [4]
- “O fidalgo, o galgo e o talego de sal, junto do fogo os hão de achar” [4]
- “O taleigo de sal quer cabedal” [5]
São conhecidas as seguintes imagens metafóricas usadas na gíria portuguesa:
Dar ao taleigo = Falar = Dar à língua = Parolar = Conversar [24], [25]
Dar aos taleigos = Parolar = Dar à língua [8]
Dar ao(s) taleigo (s) = Conversar demoradamente [23]
Dar ao(s) taleigo (s) = Dar á língua [19]
Dar ao(s) taleigo(s) = Conversar = Dar à língua [2]
No calão:
Talega = Grande Porção = Grande Peso = Saco de pano [25]
Taleiga = Carga excessiva = Grande quantidade [17]
Taleiga = Coisa Grande [14]
Taleiga = Naco = Pedaço de haxixe [21]
Taleiga = Saco Grande [25]
Taleigão = Latagão [25]
Taleigo = Prisão” [14], [25]
Taleigo = Saco pequeno [1], [25]
Na toponímia:
TALEGA = Freguesia do bispado de Elvas [16]
TALEIGÃO = Freguesia do concelho e distrito de Goa, Índia Portuguesa.
QUINTA DA TALEIGA = Lugar do concelho de Portalegre.
Os pregões usados pelos pregoeiros eram outra forma de literatura oral. Através deles se proclamava qualquer coisa, como por exemplo, aquilo que se tinha para vender. Era o caso do vendedor de picão que nos anos cinquenta do século passado percorria, todo enfarruscado, as ruas de Elvas, quando o frio de rachar aconselhava o uso da braseira. O pregão:
“Ah! Bom pi-cão”! "
anunciava a preciosa e sazonal mercadoria contida em taleigos transportados no dorso de pacientes asnos.
NOTA FINAL
Depois desta "taleigada" de considerações suscitadas pelo substantivo "talêgo" em termos linguísticos e de literatura oral, achamos por bem atar os cordões e dar o presente texto por terminado. Pelo menos por agora.
BIBLIOGRAFIA
[1] - BESSA, Alberto. A Gíria Portugueza. Gomes de Carvalho- Editor. Lisboa, 1901.
[2] – ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea. II Volume. Editorial Verbo. Lisboa, 2001.
[3] – BLUTEAU, Raphael; MORAES SILVA, António de. Diccionario da Língua Portugueza. Tomo Segundo. Officina de Simão Thaddeo Ferreira. Lisboa, 1789.
[4] – BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino. Vol. V. Officina de Pascoal da Sylva. Lisboa, 1721.
[5] – DELICADO, António. Adagios portuguezes reduzidos a lugares communs / pello lecenciado Antonio Delicado, Prior da Parrochial Igreja de Nossa Senhora da charidade, termo da cidade de Euora. Officina de Domingos Lopes Rosa. Lisboa, 1651.
[6] – DIRECÇÃO-GERAL DE ARQUIVOS [http://digitarq.dgarq.gov.pt/default.aspx?page=listShow&searchMode=as&sort=id&order=ASC]
[7] - FERREIRA, Diogo Fernandes. Arte da Caça de Altaneria. Vol. I. A Liberal. Lisboa, 1899.
[8] - Figueiredo, Cândido de. Novo Diccionário da Língua Portuguesa (2 vol.). Clássica Editora. Lisboa, 1913.
[9] - Figueiredo, Cândido de. Novo Dicionário de Língua Portuguesa. (2 vol.). Editora Portugal-Brasil Limitada, 1922.
[10] – FLORÊNCIO, Manuela. Dialecto Alentejano – contributos para o seu estudo. Edições Colibri. Lisboa, 2001.
[11] - GAMA, Eurico. Os Pregões de Elvas. Edição de Álvaro Pinto. Lisboa, 1954.
[12] – GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Vol. 30. Editorial Enciclopédia, Limitada. Lisboa, s/d.
[13] – INSTITUTO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO. Vocábulos admitidos e não admitidos como nomes próprios [http://www.irn.mj.pt/sections/irn/a_registral/registos-centrais/docs-da-nacionalidade/vocabulos-admitidos-e/downloadFile/file/2010-09-30_-_Lista_de_nomes.pdf?nocache=1287071845.45]
[14] – LAPA. Albino. Dicionário de Calão. Edição do Autor. Lisboa, 1959.
[15] – MACHADO, José Pedro Machado. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Vol. 5. 3ª edição. Livros Horizonte. Lisboa, 1977.
[16] - NIZA, Paulo Dias de. Portugal Sacro-Profano. Parte II. Oficina de Miguel Manescal da Costa. Lisboa, 1768.
[17] – NOBRE, Eduardo. Dicionário de Calão. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1986.
[18] - PIRES, A. Tomaz. Cantos Populares Portuguezes. Vol. IV. Typographia e Stereotipía Progresso. Elvas, 1912.
[19] - PORTILLO, Lorenzo. Grande Dicionário Enciclopédico Ediclube. Ediclube. Alfragide, 1996.
[20] – PORTO EDITORA. Grande Dicionário. Porto Editora. Porto, 2004.
[21] – PRAÇA, Afonso. Novo Dicionário de Calão. Editorial Notícias. Lisboa, 2001.
[22] – RAMOS, Francisco Martins e SILVA, Carlos Alberto da. Tratado das Alcunhas Alentejanas. 2ª edição. Edições Colibri. Lisboa, 2003.
[23] – SANTOS, António Nogueira. Novos dicionários de expressões idiomáticas. Edições João Sá da Costa. Lisboa, 1990.
[24] – SILVA, António de Morais. Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa. Vol. V. 4ª edição. Editorial Confluência. Mem Martins, 1988.
[25] – SIMÕES, Guilherme Augusto. Dicionário de Expressões Populares Portuguesas. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1993.
[26] - VITERBO, Joaquim de Santa Rosa de. Elucidário das Palavras, Termos e Frases. Edição Critica de Mário Fiúza. Vol. 2. Livraria Civilização. Porto, 1966.

Publicado em 17 de Maio de 2011

VIAJANTES A SEREM RECEBIDOS NUMA ESTALAGEM. O que está apeado transporta um taleigo suspenso de um pau. Iluminura do  “Tacuinum  Sanitatis” (Finais do séc. XIV), livro medieval sobre o bem-estar, com base na al Taqwin Taqwin تقوين الصحة ("Quadros de Saúde"), tratado do século XI da autoria do médico árabe Ibn Butlan de Bagdá,  o qual pertence à Biblioteca Casanatense, em Roma.

ABRIL - FÓLIO 9v, Iluminura do “Livro de Horas de D. Manuel “, Séc. XV. No pé de página, à beira-rio, duas levadas movem duas azenhas. À esquerda da do lado esquerdo uma mulher aproxima-se, transportando à cabeça um talêgo com grão para ser moído, o mesmo se passando do lado direito, onde um homem carrega um talêgo de grão às costas. Simultâneamente um homem montado num burro com talêgos de farinha, parece fazer-se ao caminho.

MARÇO - Iluminura do “Livro de Horas do Duque de Berry” (Século XV) manuscrito com iluminuras dos irmãos Paul, Jean et Herman de Limbourg, conservado no Museu Condé, em Chantilly, na França. Na iluminura estão representados trabalhos agrícolas. No segundo plano, à direita, um camponês dobrado sobre um taleigo, retira daí sementes, que de seguida irá semear. Ainda no segundo plano à esquerda, um camponês que poda a vinha, tem junto a si, no chão, uma enxada, um chapéu e um taleigo.


OUTUBRO - Iluminura do “Livro de Horas do Duque de Berry” (Século XV) manuscrito com iluminuras dos irmãos Paul, Jean et Herman de Limbourg, conservado no Museu Condé, em Chantilly, na França. Na iluminura estão representados trabalhos agrícolas. Em primeiro plano, um camponês semeia a terra. Próximo de si, um taleigo com sementes.

  
PADARIA. COLÓNIA SUÍÇA DE CANTAGALO – BRASIL (1835). Jean Baptiste Debret (1768-1848). Pormenor de Litografia. Firmin Didot Frères,  Paris.

O EMIGRANTE (1918). José Malhoa (1855-1933). Óleo sobre tela ( 80 x 104 cm). Colecção particular.

Ilustração de Alfredo Roque Gameiro (1864 - 1935) para “As Pupilas do Senhor Reitor”, de Júlio Diniz (1839-1871).

OS EMIGRANTES (1926). Domingos Rebelo (1891 - 1975). Óleo sobre tela. Museu Carlos Machado, Ponta Delgada.

TIPOS SALOIOS (MERCÊS-RINCHOA). Leal da Câmara (1876-1948). Ilustração de bilhete-postal editado pela Casa-Museu Leal da Câmara, Rinchoa.

 
SALOIOS EM LISBOA - Stuart Carvalhais (1887-1961). Tinta da China aguarelada sobre papel (25 x 30 cm). Colecção particular.

MOLEIRO COM DOIS BURROS CARREGADOS DE TALEIGOS – Capa da revista “Ilustração Portuguesa” nº 730 de 16 de Fevereiro de 1930.

SERRA DO CAMULO - MULHER COM CAPUCHA (1937). Aguarela de Alberto de Souza (1880-1961), reproduzida em bilhete-postal ilustrado nº 17 da "Série B" - Costumes Portugueses, tendo impresso no verso um selo do tipo "TUDO PELA NAÇÃO" de $25 (azul) ou de 1$00 (vermelho) e emitido pelos CTT, em 1941.


DENTRO DO MOINHO – aguarela de Raquel Roque Gameiro Ottolini (1889-1970).

CONFRATERNIZAÇÃO INFANTIL – Laura Costa. Desenho policromo reproduzido em bilhete-postal de Boas Festas dos CTT, emitido em 1944 com selo de $30 do tipo Caravela e impresso em off-set na litografia Maia, no Porto.

sábado, 2 de agosto de 2025

Dia de Sortes

 

Dia de Sortes. Modelação de Carlos Alberto Alves. Pintura de Cristina Malaquias.
Colecção Hernâni Matos

O Serviço Militar Obrigatório
Nos anos 60 do século passado, Portugal esteve envolvido numa guerra colonial contra os movimentos de libertação das colónias portuguesas. Em Angola desde 1961, na Guiné-Bissau desde 1963 e em Moçambique desde 1964.
Estava em vigor o Serviço Militar Obrigatório, cujo principal objectivo, de acordo com a legislação em vigor, era a defesa da Pátria.

A ida às Inspecções
Aos 18/19 anos os jovens eram convocados para as “Inspecções”. Tratava-se da inspecção militar, que consistia em provas físicas e médicas, visando determinar se os mancebos estavam ou não aptos para serem incorporados no Serviço Militar Obrigatório.
Em Estremoz, as inspecções decorriam no 1º andar do Convento de São João de Deus, onde hoje funciona a Messe de Sargentos e que na época albergava o Hospital Militar.
Identificada à chegada, a rapaziada era mandada “descascar” numa sala e formar em “fila indiana” tal como tinha vindo a este mundo, até ser inspeccionada por uma Junta Médica a funcionar numa sala vizinha. Ali ficavam a saber se tinham sido apurados, ficado livres ou adiados por mais um ano na incorporação militar.

Uma Junta Médica zelosa
Em plena guerra colonial e com falta de carne para canhão, eram dominantes os apurados e raros os livres. Todavia foi este o meu caso, visto que há pouco mais dum ano, vítima dum acidente de viação, vira parte de uma perna amputada ser substituída por uma rudimentar prótese ortopédica. Apesar de tudo, não fiquei livre por simples inspecção visual, já que os senhores “inspectores” me mandaram tirar a prótese ortopédica para eu provar que tinha falta de perna e não havia “marosca” nenhuma para enganar a Junta Médica.

O ingresso na tropa
Os apurados nas inspecções eram incorporados no ano em que cumpriam o 20.º aniversário. Contudo, o período de incorporação podia alargar-se até aos 34 anos se os convocados, vivessem no estrangeiro, estivessem a estudar ou se tivessem um irmão a cumprir serviço no momento da incorporação
No tempo da guerra colonial (1961/1974) o tempo de "tropa" podia chegar a quatro anos ou mais.

Dia de Sortes
O “Dia das Inspecções” era na gíria popular conhecido por “Dia de Sortes”, designação devida ao facto de ser nesse dia que cada mancebo inspeccionado ficava a saber qual a “sorte” que lhe tinha cabido na inspecção militar: apurado, livre ou adiado. A cada sorte estava associada simbolicamente uma fita colorida, de acordo com a seguinte convenção: APURADO=VERDE, LIVRE=VERMELHO, ADIADO=BRANCO.
À saída das inspecções cada jovem identificava-se com a “sorte” que lhe tinha cabido. Para tal exibia a correspondente fita colorida, pregada no peito, no boné ou no chapéu. À sua espera um tocador de harmónio contratado que os acompanhava pelas ruas da cidade, enquanto cada um deles tocava a sua própria pandeireta. Era um modo simples e tradicional de partilhar com a comunidade, o conhecimento da “sorte” que lhe tinha cabido. Era de certo modo, um ritual de puberdade que se extinguiu tal como o Serviço Militar Obrigatório. Era um rito que incluía uma almoçarada bem comida e bem regada que prosseguia pela tarde fora, até o mais ajuizado do grupo, dar ordem de destroçar.