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sábado, 28 de junho de 2025

32 - São Pedro, Pescador, Apóstolo, Porteiro do Céu, 1º Bispo de Roma, 1º Papa e Mártir.



São Pedro. Liberdade da Conceição (1913-1990). 
Colecção particular.

São Pedro (ca.1 a.C - 67 d.C.) nasceu na povoação de Betsaida na Palestina e foi morar mais tarde para a cidade de Cafarnaum. Era filho de um homem chamado João e irmão do igualmente apóstolo André. Ambos eram armadores com frota de barcos própria, em sociedade com Tiago, João e o pai destes, Zebedeu.
São Pedro conheceu Jesus quando este lhe pediu para utilizar uma das suas barcas, para poder pregar à multidão que o queria escutar. Pedro anuiu e afastou a barca um pouco da margem. No final da pregação, Jesus aconselhou-o a pescar em águas mais profundas. Foi tão bem sucedido que as redes iam rebentando. Numa atitude de humildade e surpresa, Pedro ajoelhou perante Jesus, a quem disse para se afastar dele, já que era um pecador. Jesus incentivou-o, então, a segui-lo, dizendo que o tornaria "pescador de homens".
São Pedro foi um dos 12 apóstolos e por Jesus Cristo indigitado para os guiar. Discípulo de Jesus, resolve fugir na altura da prisão do Mestre. Ao regressar ao Pretório para saber notícias, é confrontado e renega, então, três vezes Jesus Cristo, que lhe havia vaticinado a sua traição.
Em Antioquia, onde fundou a primeira igreja, é preso entre 41 e  43 d.C. por ordem de Herodes Agripa I (c.10 a.C. - 44 d.C.), acabando por ser libertado por um anjo. Segue depois para Roma (ano 43 d.c.), cidade de que foi o primeiro Bispo e o primeiro Papa e onde foi crucificado no ano 64, de cabeça para baixo, a seu pedido, pois, conforme disse, “Não merecia ser tratado como o seu Divino Mestre”.
São Pedro é tido como autor de duas epístolas, dois dos 27 livros do Novo Testamento.
Iconograficamente São Pedro é representado como homem robusto, de meia-idade, de barba curta, vestido de apóstolo ou de papa. Múltiplos são os seus atributos: as chaves do Céu, em número de uma, duas ou três (que Cristo lhe terá confiado, dizendo: “Dar-te-ei a chave do Reino dos Céus: àqueles a que tu as abrires, as portas franquear-se-ão, e àqueles a quem as cerrares, ser-lhes-ão cerradas); a barca e o peixe (alusão ao seu mester de pescador); o galo sobre uma coluna (a lembrar a sua traição a Cristo: “Antes que o galo cante me negarás três vezes”); as cadeias (referência à sua prisão em Antioquia e Roma); a cruz de três ramos (atributo dos Papas), a cruz invertida (símbolo do seu martírio) e um livro (é um dos autores do Novo Testamento).
São Pedro é Padroeiro de Papas e pescadores. A sua festa litúrgica ocorre a 29 de Junho. Os festejos populares de São Pedro, ocorrem de 28 para 29 de Junho, são diversificados e atingem especial brilhantismo em Alverca do Ribatejo, Câmara de Lobos, Montijo, Nisa, Póvoa de Varzim, Ribeira Brava, Ribeira Grande, Ribeira Seca, São Pedro do Campo, Teixoso e Viana do Castelo.
São Pedro integra a nossa literatura de tradição oral. A nível de adagiário destacamos: “Até ao São Pedro, o vinho tem medo.”, “Até São Pedro, abre rego e fecha rego.”, “Bem está São Pedro em Roma.”, “Chuva de São Pedro, faz acordar cedo.”, “Dia de São Pedro tapa o rego.”, “Dia de São Pedro, vê teu olivedo e se vires um bago, espera por cento.”, “Pelo S. João, figo na mão, pelo S. Pedro, figo preto.” São abundantes as referências ao Santo no cancioneiro popular alentejano. Dele destacamos duas quadras. Uma brejeira: “Se S. Pedro não me casa/ N'este domingo de festa,/ Hei de me ir á sua egreja,/ Hei de lhe chamar careca.” Outra que reflecte as tradições agro-pastoris: “S. João e mais S. Pedro/ São dois santos mudadores,/ S. João muda os criados,/ S. Pedro muda os pastores.”

Texto publicado inicialmente a 17 de Setembro de 2015

segunda-feira, 23 de junho de 2025

30 - São João Baptista, Precursor, Profeta e Mártir


São João Baptista. Maria Luísa da Conceição (1934-2015). Colecção particular.

São João Baptista (2 a.C. - 27 d.C.) foi um pregador judaico do início do século I, citado pelo historiador Flávio Josefo (37 ou 38 - ca. 100) e pelos autores dos quatro Evangelhos da Bíblia (Mateus, Marcos. Lucas e João). Era filho do sacerdote judaico Zacarias e de Isabel, prima de Maria, mãe de Jesus.
João, que em hebraico se diz Iohanan, com o significado de “Favorecido de Deus”, veio à luz em idade avançada de seus pais (Lucas 1,36). Muito jovem retirou-se para o deserto. Chamava-se "Baptista" devido a pregar um baptismo de penitência (Lucas 3,3). Quando estava a baptizar crentes no rio Jordão, apareceu Jesus, que também se apresentou para se baptizar. Logo o reconheceu apelidando-O, de “Cordeiro de Deus”, o Messias anunciado pelos profetas. Introduziu o baptismo como cerimónia que mais tarde seria adoptada pelo Cristianismo como prática na conversão de gentios, rito entendido como purificação e vida nova, constituindo o primeiro sacramento da iniciação cristã.
Censurou Herodes Antipas (20 a.C. – 39 d.C.), governador da Galileia, por ter cometido adultério ao casar-se com Herodíade, sua sobrinha e cunhada, cujo marido ainda estava vivo. Na sequência da sua prisão, as suas imprecações incomodaram Herodíade, que através da sua filha Salomé, induziu Herodes a mandá-lo degolar. É considerado o primeiro mártir do Cristianismo.
É o único santo cujo nascimento (24 de Junho) e martírio (29 de Agosto) são evocados em duas solenidades cristãs. É correntemente representado como um adulto ascético, vestido de pele de carneiro, com um cordeiro e um estandarte com a legenda “Ecce Homo”. É padroeiro das cidades do Porto e de Braga, onde é festejado com alegria pelo povo, de 23 para 24 de Junho. Trata-se de uma festa com origem no solstício de Junho e que inicialmente se tratava de uma festa pagã, na qual as pessoas festejavam a fertilidade, associada à alegria das colheitas e da abundância. Como tal é uma festa repleta de tradições, como a utilização dos alhos-porros (símbolos fálicos da fertilidade masculina) para bater nas cabeças de quem vai a passar, assim como de ramos de cidreira (símbolo dos pelos púbicos femininos), usados pelas mulheres para pôr na cara dos homens que passam. A Igreja viria a cristianizar essa festa pagã e atribuiu-lhe São João como Padroeiro.
São João Baptista está presente na nossa literatura de tradição oral. A nível de adagiário destacamos: “Ande por onde andar o Verão, há-de vir pelo São João”, “Pelo São João, ceifa o pão”, “Lavra pelo São João: terás palha e grão”, “A chuva de São João bebe o vinho e come o pão”, “Pelo São João deve o milho cobrir o cão”, “Pelo São João semeia o teu feijão”, “Pelo São João, figo na mão”, “Galinhas de São João, pelo Natal, ovos dão”, “Tem o porco meão pelo São João”, “Sardinha de São João pinga no pão”. No que respeita ao cancioneiro popular alentejano, salientamos duas quadras brejeiras. Uma: “Onde está o Baptista, / Elle não está na egreja, / Anda de mastro em mastro, / Para vêr quem no festeja.” E esta outra: “Lá vem o Baptista abaixo / Subindo aquellas ladeiras, / Dando abraços ás viúvas / E beijinhos às solteiras.”
 
Hernâni Matos
Publicado inicialmente a 19 de Julho de 2015

sábado, 14 de junho de 2025

Santo António no púlpito


Santo António no púlpito (2020). Carlos Alves (1958-  ). 

Prólogo
A figura de Santo António é uma das imagens devocionais mais antigas e mais populares, produzidas pelos barristas de Estremoz. As representações conhecidas figuram-no, em geral, assente numa peanha trajando em alternativa:
- 1) O hábito castanho da ordem franciscana, com cordão de 3 nós e por vezes com o rosário à cintura;
- 2) As vestes de cónego regrante de Santo Agostinho, o qual inclui túnica branca, sobrepeliz de linho, redonda e ampla, assim como murça preta, apertada apenas por um botão.
Em qualquer das figurações e em geral, o Santo ampara no braço esquerdo um livro, sobre o qual se senta o Menino Jesus, que segura nas mãos o globo do mundo. Na mão direita do Santo, uma açucena ou em alternativa uma cruz.
Trata-se frequentemente de representações inspiradas em imagens devocionais em madeira, que são objecto de culto nas nossas Igrejas.
Todavia nem sempre é assim. A barrista Fátima Estróia há muito que prescindiu da peanha nas representações de Santo António, não sei se por o considerar um Santo “terra a terra” (popular) ou por no momento da criação não estar a pensar em nenhuma imagem de Igreja.[1] Recentemente, a barrista Joana Oliveira criou duas composições: “Passeio de Santo António com o Menino Jesus” e “Sermão de Santo António aos peixes”. Em qualquer das suas criações, prescindiu compreensivelmente do recurso à peanha, uma vez que não estava a representar qualquer imagem existente numa Igreja. Estava sim a concretizar, respectivamente, representações da intimidade de Santo António com o Menino Jesus e de um sermão bem conhecido.
As representações anteriores não esgotam as possibilidades de figurar o Santo em contexto de imagem de culto ou em aspectos da sua vida. Na verdade, a biografia de Santo António é bem conhecida e retrata-o como teólogo, místico, asceta, grande taumaturgo, notável orador e homem de grande cultura, documentada pela colectânea de sermões escritos que nos legou. Significa isto que os barristas de Estremoz têm possibilidade de efectuar outras representações de Santo António, para além daquelas que são conhecidas.
Foi nessa ordem de ideias que tendo sido Santo António um grande orador, o barrista Carlos Alves criou uma imagem de “Santo António no púlpito”[2], inspirada na escultura homónima em madeira (58x17x12 cm), de autor desconhecido, que terá sido criada no período 1501-1525 e que pertence ao acervo do Museu Nacional Machado de Castro, em Coimbra. É dessa imagem que seguidamente vou falar.


Santo António no púlpito
“Santo António no púlpito” (39x13x12,5 cm) é uma figura composta por duas figuras elementares: “Santo António” (26x11,5x8 cm) e “púlpito” (24x13x12,5 cm).
Santo António enverga o hábito castanho da ordem franciscana, com manto e capucho sobre a cabeça. Calça sandálias. À cintura tem cingido o cordão creme de três nós, que simbolizam os votos perpétuos do Santo: obediência, pobreza e castidade, as três pedras angulares da Ordem Franciscana. Ambas as mãos estão encostadas ao peito, sem contudo estarem fechadas, numa atitude de quem procura dar vida às palavras, acompanhando-as com gestos.
A figura do Santo assenta numa base estreita, prismática e sextavada, de cor amarela, heterogénea, configurando mármore raiado de castanho.
O púlpito, assente numa base moldurada, tem forma prismática e sextavada, de cor igualmente amarela, heterogénea, configurando mármore raiado de castanho. Apresenta atrás uma abertura com uma extensão correspondente a duas faces do prisma, a qual permite a entrada da figura do Santo. O púlpito está coberto com um pano de púlpito, de cor verde e com franjas douradas.

O simbolismo das cores 
- Verde, cor das plantas e das árvores, associada ao crescimento, à renovação e à plenitude. Simboliza a esperança na vida eterna. É a cor usada nos Ofícios e Missas do Tempo Comum;
- Amarelo, cor associada ao Sol, que dá a sensação de brilho e iluminação. Cor acolhedora que estimula o optimismo, proporciona concentração e estimula o intelecto;
- Castanho, cor de terra, que no dizer de São Francisco de Assis é mais humilde que os outros elementos e que está associada aos votos de pobreza assumidos pelos franciscanos. É a cor normativa da Ordem;
- Dourado, cor do ouro, o mais nobre dos metais, associado ao que é perfeito, durável e eterno. Cor que evoca o Sol e o fogo, símbolo do amor e da luz celeste.


Cancioneiro Antonino
É vasta a literatura de tradição oral portuguesa referente a Santo António. Do extenso cancioneiro antonino seleccionei algumas quadras, que julguei adequadas ao presente texto. Uma que refere o tecido do hábito: “Ó meu padre Santo António / Vestidinho d’estamenha; / A quem Deus quer ajudar, / O vento lhe ajunta a lenha.” (1)
Outra que refere o cordão com que cinge a cintura: “Ó meu padre Santo António, / O vosso cordão é bento; / Dai-me a luz dos vossos olhos / Do Divino Sacramento.” (1)
Uma relativa ao julgamento do seu pai: “Santo António já foi frade, / Já foi frade, já pregou: / Ao pedir Ave-marias / Seu pai da forca livrou.” (1)
Outra respeitante ao sermão aos peixes: “Santo António Português, / Quando foi pregar ao mar, / Até os peixes na água, / Se puseram a escutar!” (1)
Finalmente uma relativa ao interesse despertado nas moças: “Santo António de Lisboa / Era um grande pregador, / Mas é por ser Santo António / Que as moças lhe têm amor.” (2)


Epílogo
A mais recente criação do barrista Carlos Alves veio enriquecer sobremaneira, a barrística popular estremocense, o que para mim é gratificante.
Pela singularidade da sua criação, modelada com rigor e pelo cromatismo agradável, fortemente simbólico e esteticamente harmonioso, o barrista é merecedor de toda a minha admiração. Por isso, publicamente o felicito:
- PARABÉNS, CARLOS ALVES!

BIBLIOGRAFIA
(1) - MATTOS, Armando de Matos. Santo António de Lisboa na Tradição Popular (Subsídio Etnográfico). Livraria Civilização. Porto, 1937.
(2) - PESSOA, Fernando. Quadras ao Gosto Popular. Ática. Lisboa, 1965.
 

[1] O mesmo já acontecera com barristas como José Moreira, irmãs Flores e Maria Luísa da Conceição na criação de imagens devocionais de outros Santos.
[2] O púlpito é parte integrante de um templo católico e consiste numa plataforma elevada em relação ao solo, cercada por um guarda-corpo e provido de um determinado meio de acesso. A sua função é elevar espacialmente o orador, para melhor ser visto e ouvido pelos fiéis. Pode apresentar elementos decorativos que reforçam a dignidade do discurso e do pregador.

Publicado em 11 de Dezembro de 2020

Santo António no púlpito (1501-1525). Escultura em madeira (58x17x12 cm),
de autor desconhecido. Museu Nacional Machado de Castro, Coimbra.

 “Santo António” e “púlpito”, figuras elementares que integram a figura composta
“Santo António no púlpito” (após cozedura).

 “Santo António no púlpito” - parte da frente  (após cozedura).

 “Santo António no púlpito” - parte detrás  (após cozedura).

 “Santo António” e “púlpito”, figuras elementares que integram a figura composta
“Santo António no púlpito” (após pintura e envernizamento).

“Santo António no púlpito” - parte da frente  (após pintura e envernizamento).

 “Santo António no púlpito” - parte detrás  (após pintura e envernizamento).

sábado, 7 de junho de 2025

Maria Luísa da Conceição, presente!


A barrista Maria Luísa da Conceição (1934-2015). 

Texto publicado em 25 de Junho de 2015
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A comunidade bonequeira de Estremoz está de luto. Vítima de paragem cárdio-respiratória, faleceu na madrugada do passado dia 7 de Junho, num Hospital de Coimbra, Maria Luísa da Conceição (1934-2015), que se deslocara àquela cidade, a fim de participar na XIII Feira de Artesanato. Com a sua partida, a barrística popular de Estremoz fica mais pobre.
Maria Luísa era uma pessoa muito estimada em Estremoz. Daí que o seu funeral para o cemitério local, tenha constituído uma sentida manifestação de pesar, na qual se integraram familiares, amigos, admiradores e oficiais do mesmo ofício, que lhe foram prestar uma última homenagem.
Membro do clã dos Alfacinhas, Maria Luísa da Conceição era sobrinha de  Sabina Santos (1921-2005) e filha de Mariano da Conceição (1903-1959) e de Liberdade da Conceição (1913-1990), todos barristas. Filha de peixe sabe nadar, pelo que Maria Luísa viria a ser barrista. A sua família é parte integrante da História dos bonecos de Estremoz e Maria Luísa era a Memória viva dessa História. Daí ser incomensurável a perda representada pela sua partida do nosso convívio.
O seu pai foi desde 1930, Mestre de Olaria na Escola Industrial António Augusto Gonçalves, onde sob o impulso do Director, o escultor José Maria de Sá Lemos (1892-1971), começou a confeccionar bonecos de Estremoz, após o trabalho de revitalização da sua manufactura, efectuada por Sá Lemos no período 1933-35, para o que contou com a Memória de Ti’Ana das Peles [Ana Rita da Silva (1870-1945)], que na mocidade assistira à sua feitura, tendo ainda feito os de assobio.
O pai de Maria Luísa foi convidado a participar na Exposição do Mundo Português (1940), mas não o pôde fazer presencialmente, dada a sua condição de funcionário público. Todavia, participou indirectamente, já que os bonecos confeccionados e cozidos por ele em Estremoz, eram transportados para Lisboa, onde na Exposição eram pintados por sua mulher, Liberdade da Conceição, que ali esteve presente durante todo o período do certame. O primeiro contacto de Maria Luísa com os bonecos remonta a esta época, pois com 6 anos já ajudava a mãe a pintar. Com a morte prematura do pai em 1959, é a sua tia Sabina que continua a tradição familiar, o que faz até 1988, ano em que se aposenta. Por sua vez, Liberdade, a mãe de Maria Luísa, começa a confeccionar bonecos em 1960 o que faz até ao seu falecimento, em 1990. Quanto a Maria Luísa, trabalhava na arte bonequeira, desde 1981.
Como traço importante do carácter de Maria Luísa, ressalta o orgulho que sentia em ser quem era, filha de bonequeiros, que tinha prazer em trabalhar e ir junto das pessoas, nas feiras de artesanato.
Era com emoção que falava dos bonecos de Estremoz, sempre que dava entrevistas, o que era frequente. É que Maria Luísa tinha os bonecos na massa do sangue. Aqueles que lhe saíram das mãos, tanto os do núcleo base do figurado de Estremoz, como aqueles que criou e nisso foi pródiga, são muito apreciados e apresentam marcas de identidade muito próprias e inconfundíveis, que os distinguem dos confeccionados pelos diferentes barristas, incluindo o seu pai e a sua mãe. Deixa como continuador da sua arte, o seu filho, Jorge da Conceição, cujos bonecos ostentam igualmente marcas de identidade muito próprias.
A qualidade do seu trabalho, levou a que lhe fossem atribuídos inúmeros prémios e distinções, sendo de salientar o 1º Prémio para a melhor peça de artesanato (Vila do Conde - 1991) e o 1º Prémio da Exposição de Presépios (Viana do Castelo - 2007), merecendo especial destaque a Medalha de Prata de Mérito Municipal, que lhe foi outorgada pela Câmara Municipal de Estremoz, em 2008.
Maria Luísa da Conceição concedera-me há muito, o privilégio da sua amizade e dela reúno bonecos que comecei a coleccionar desde a I Feira de Artesanato de Estremoz, em 1983. Em sua casa me recebeu inúmeras vezes, onde como estudioso me deslocava sempre que precisava de uma informação ou de um esclarecimento sobre bonecos de Estremoz. Em 2013, o seu depoimento, conjuntamente com descobertas que fiz no Arquivo da Escola Secundária e em correspondência particular, permitiram-me esclarecer aspectos menos claros da História dos bonecos de Estremoz, os quais trouxe à luz do dia, quando naquela Escola, proferi uma conferência subordinada ao tema “Mestre Mariano da Conceição (O Alfacinha), à qual ela assistiu, bem como o seu filho.
Maria Luísa da Conceição partiu, mas deixou connosco os bonecos que criou, disseminados por museus e colecções particulares. Deixou também connosco, a Memória da sua jovialidade e da sua vitalidade. De forte compleição física como seu pai, dele herdou também o gosto, a vontade e a determinação que punha em tudo o que fazia. Aos oitenta e um anos, deslocava-se sozinha no seu automóvel, a fim de participar nas feiras de artesanato, de norte a sul do país. Por isso, deu um elevado contributo para a divulgação do figurado de Estremoz.
Num momento em que decorre a candidatura dos Bonecos de Estremoz a Património Cultural Imaterial de Humanidade, para a qual muito contribuiu e da qual era entusiasta, sou levado a proclamar:
- MARIA LUÍSA DA CONCEIÇÃO, PRESENTE!

Texto publicado em 25 de Junho de 2015


NOTA DE RODAPÉ
Decorrido um dia sobre a edição deste post, o Grupo do PS na Assembleia Municipal de Estremoz, apresentou e viu aprovar por unanimidade a seguinte moção:
A Assembleia Municipal de Estremoz, reunida em sessão ordinária no dia 26 de Junho de 2015, manifesta o seu profundo pesar pelo falecimento da barrista Maria Luísa da Conceição, memória viva da História dos bonecos de Estremoz, de que era artesã destacada e embaixatriz itinerante.
A sua partida é uma perda irreparável e deixa a cidade mais pobre.
Como preito de homenagem a esta figura cimeira da cultura popular estremocense, a Assembleia Municipal de Estremoz, recolhe-se num minuto de silêncio em sua Memória.


Maria Luísa da Conceição comigo, no decurso duma entrevista
que me concedeu em sua casa em 2013. Fotografia de Luís Guimarães.

 Santa Catarina de Alexandria, Padroeira de oleiros e de bonequeiros.
Maria Luísa da Conceição (1934-2015).
Colecção do autor.
 Peralta.
Maria Luísa da Conceição (1934-2015).
Colecção do autor.
 Primavera de arco.
Maria Luísa da Conceição (1934-2015).
Colecção do autor

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Assobios de se lhes tirar o chapéu


Pucarinho enfeitado (assobio)

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Desde 2019 que venho acompanhando o trabalho da barrista Inocência Lopes e a ele me tenho referido nos meus escritos. Daí que possa afirmar que o mesmo se pauta por um estrito respeito pela técnica de produção e pela estética do Boneco de Estremoz. É, de resto, um trabalho revelador duma busca incessante de perfeição e de um caminho muito próprio.

A barrista, dotada de forte personalidade artística, tem-se afirmado através de um estilo pessoal, caracterizado por marcas identitárias diferenciadoras que a distinguem dos demais barristas.

A minha colecção integrava até agora apenas três trabalhos seus, correspondentes a temas que me são gratos: “Ceifeira”, “Primavera” e “Amor é cego”.  A eles se vieram juntar recentemente quatros assobios: “Pucarinho enfeitado”, “Candelabro enfeitado”, “Terrina enfeitada” e “Arco enfeitado”, encomendados há um ano atrás, no acto inaugural da sua exposição no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz. Tal facto é revelador de que a barrista “não tem mãos a medir”, o que muito me congratula, por confirmar o reconhecimento público do trabalho da barrista.

Os assobios criados por Inocência Lopes, constituem uma verdadeira mudança de paradigma. Na verdade, os assobios de barro vermelho de Estremoz integravam até então na sua decoração uma figura zoomórfica, antropomórfica ou mista. Com Inocência Lopes, os assobios passam também a incorporar espécimes de olaria enfeitada como elementos decorativos. Trata-se de uma inovação visualmente harmoniosa, que eu aplaudi e subscrevi, assim que se tornou conhecida.

Com tais criações a barrística de Estremoz ficou mais rica e a barrista prestou uma singela homenagem às bonequeiras de setecentos que estiveram na criação das peças de olaria enfeitada.

Bem-haja, Inocência Lopes. Estamos todos de parabéns.

Hernâni Matos


Candelabro enfeitado (assobio)

Terrina enfeitada (assobio)

Arco enfeitado (assobio)

sábado, 26 de abril de 2025

Os assobios de Jorge Carrapiço


Jorge Carrapiço (1968 -  ) a pintar um assobio. Fotografia de Mário Tiago.

Ao barrista Jorge Carrapiço dedico
esta estrofe de quatro versos heptasilábicos
de rima alternada:

De aspecto belo e bizarro,
pois um barrista o compôs,
foi modelado com barro,
o assobio de Estremoz.


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Preâmbulo
Os assobios são Bonecos de Estremoz com morfologia e funcionalidade muito próprias, apenas superados na sua pequenez pelos ganchos de meia. Sob um ponto de vista morfológico são habitualmente classificados em zoomórficos[1], antropomórficos[2] e compostos[3]. Pela sua funcionalidade os apitos são simultaneamente instrumentos musicais e brinquedos.

Encomenda
De há uns tempos a esta parte que tenho encomendado Bonecos de Estremoz ao barrista Jorge Carrapiço, bisneto de Ana das Peles, a quem consegui motivar e incentivar a modelar ao modo de Estremoz.
A mais recente encomenda foi constituída por assobios, para os quais lhe facultei como documentação, imagens de assobios produzidos por Ana das Peles pertencentes à minha colecção, bem como a outras, como é o caso da do Museu Nacional de Etnologia, que inclui também exemplares anteriores aos executados por aquela barrista.
Por diversas vezes me encontrei com Jorge Carrapiço, antes de este ter começado a dar resposta à minha solicitação. Foram conversas abertas e fugazes, com o tempo a passar sem se dar por ele. Todas elas focalizadas nas imagens que lhe forneci, visando a execução de assobios inspirados em modelos antigos. Acabámos por acordar um certo número de características a conferir aos assobios, as quais descrevo seguidamente.

Geometria das bases e dimensões das figuras
FIGURAS ZOOMÓRFICAS: Base ovóide com cerca de 5 cm de largura e 7 cm de comprimento, incluindo o tubo de sopro. Altura de cerca de 13 cm nos galináceos e 10 cm nos columbídeos. FIGURAS ANTROPOMÓRFICAS: Base ovóide com cerca de 5 cm de largura e 7 cm de comprimento, incluindo o tubo de sopro. Altura de cerca de 14 cm. FIGURAS COMPOSTAS: Base rectangular (3,5 cm x 5,5 cm). Altura até ao lombo do animal de cerca de 6 cm e altura total de cerca de 14 cm.

Modelação
Modelação simplificada[4], pelo que certos elementos das figuras, em vez de serem modelados são pintados. Galos sempre peitudos, com crista e barbela de galo e de pescoço levantado com ar dominador, como se estivessem a cantar. Galinhas menos corpulentas que os galos, mas mais gordas porque estão chocas, com crista e barbela mais pequenas que as dos galos e sem a cabeça levantada como eles. Pombas com perfil e tipo de cauda bem definido. Cavalos com focinho e cascos de tipo uniforme. Cestos de forma tronco-cónica pouco pronunciada.
Tubo de sopro cortado na vertical na extremidade. Furação do tubo de sopro de acordo com desenho esquemático elaborado pelo barrista Jorge da Conceição.

Assentamento das figuras nas bases
Nos assobios zoomórficos e antropomórficos, figuras assentes sensivelmente próximas do bordo situado no lado oposto ao tubo de sopro. Nas figuras compostas, os cascos das montadas assentes na proximidade dos vértices da base rectangular.
Figuras sempre viradas para o lado oposto do tubo de sopro, de modo que a sua parte frontal esteja virada para os ouvintes e a parte traseira para o apitador.

Decoração
À semelhança da modelação, decoração também simplificada[5]. Bases com fundo branco, pintalgadas com pintas verdes bandeira e vermelhas[6], de forma irregular e espaçadas[7], que além de decorarem a base, embelezam o conjunto. Extremidade do tubo de sopro não pintada, permanecendo na cor do barro.

Envernizamento
Utilização de verniz mate.

Balanço final
O trabalho desenvolvido pelo barrista Jorge Carrapiço na satisfação da encomenda por mim feita, foi um contributo muito válido no sentido da recuperação do cunho popular dos assobios de barro de Estremoz. Na verdade, a sua produção nos últimos anos tem sido caracterizada por uma modelação e uma decoração cada vez mais elaboradas, as quais distorceram a funcionalidade daquilo que devia ser um brinquedo e um instrumento musical e passou a ser simplesmente um objecto decorativo.


[1] Galo, Galo no disco, Galo no poste, Galo no tronco com rebentos, Galo na árvore, Galo no pinheiro, Galo no arco, Galo no poleiro, Cesto de ovos, Cesto de ovos com asa, Cesto de ovos com arco, Galinha no choco em cesto, Galinha no choco em cesto com asa, Galinha no choco em cesto com arco, Pomba, Pomba no disco, Pomba no tronco, Pomba no pinheiro, Pomba no choco em cesto, Pomba no choco em cesto com asa, Pomba no choco em cesto com arco. 
[2] Senhora de pezinhos, Peralta, Sargento.
[3] Amazona, Peralta a cavalo, Sargento a cavalo.
[4] Historicamente os assobios eram utilizados sobretudo por crianças, pelo que sendo fáceis de partir, tinham de ser repostos, daí que a sua produção não devia ser onerosa, o que exigia simplificação da produção.
[5] Idem.
[6] Optou-se por pintas verdes e vermelhas, não só por estarem patentes em exemplares de apitos antigos, mas também por serem marcas de portuguesismo, já que o verde e o vermelho são cores da bandeira portuguesa, as quais simbolizam a esperança e a coragem do povo português.
[7] As pintas, através das suas cores, regularidade e distribuição, contribuem para a identificação do autor dum assobio. 

Publicado inicialmente em 26 de Abril de 2021

Galo.

Galo no disco.

Galo no tronco.

Galo no tronco com rebentos.

Galo na árvore.

Galo no pinheiro - 1.

Galo no pinheiro - 2

Galo no arco.

Galo no poleiro.

Cesto de ovos.


Cesto de ovos com asa.

Cesto de ovos com arco.

Galinha no choco em cesto.

Galinha no choco em cesto com asa.

Galinha no choco em cesto com arco.

Pomba.

Pomba no disco.

Pomba no tronco.

Pomba no pinheiro.

Pomba no choco em cesto.

Pomba no choco em cesto com asa.

Pomba no choco em cesto com arco.

Senhora de pezinhos.

Peralta.

Sargento.

Amazona.

Peralta a cavalo.

Sargento.

segunda-feira, 7 de abril de 2025

Estremoz - Recolha e preparação do barro para a cerâmica


Nos dias 11 e 12 de Abril, o Museu Municipal Prof. Joaquim Vermelho, em Estremoz, receberá o workshop de Recolha e Preparação do Barro para a Cerâmica, iniciativa integrada no projeto 2LEGACY, financiado pelo laboratório associado IN2PAST.

O projecto 2LEGACY, liderado pelo laboratório HERCULES da Universidade de Évora, conta com a parceria do Lab2PT da Universidade do Minho, do CRIA da FCSH da Universidade NOVA de Lisboa e do VICARTE da Universidade NOVA de Lisboa, bem como com o envolvimento indispensável do Município de Estremoz e da ADOE. O projeto investiga a importância da argila local na cerâmica tradicional, analisando o seu papel no passado e a sua aplicação em práticas contemporâneas em Estremoz e Barcelos, contribuindo para a ligação entre investigação, património e inovação.

Com o apoio do Centro Ciência Viva de Estremoz (CCVE), este workshop oferece uma oportunidade única para aprofundar e documentar os processos de recolha e preparação da argila, essenciais para a preservação do saber-fazer tradicional e a valorização dos recursos locais. Ao destacar a riqueza da argila endógena e das técnicas cerâmica tradicionais, a iniciativa contribui para a dinamização do património cultural de Estremoz.

Dia 11 de abril, o público inscrito, deve reunir-se no CCVE, pelas 11:00 horas, para transporte para o local da cava do barro e, no dia seguinte, os trabalhos decorrerão no Museu Municipal a partir das 9:30 horas.

Inscrições, até dia 9 de abril em: https://forms.gle/x1QJY5bjE55KgSvL7

Hernâni Matos