Mostrar mensagens com a etiqueta História de Portugal. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta História de Portugal. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 8 de julho de 2025

Estremoz e a Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia


PARTIDA DE VASCO DA GAMA PARA A ÍNDIA EM 1497.
Aguarela de Alfredo Roque Gameiro (1864-1935).
  
A 8 de Julho de 1497, a Armada de Vasco da Gama (1460 ou 1469-1524) parte de Belém, em Lisboa, rumo à Índia. É composta pelas naus São Gabriel, São Rafael e Bério.
De acordo com Rui de Pina (c. 1440-1522), cronista oficial de D. João II (1455-1495) e de D. Manuel I (1469-1521), Vasco da Gama terá sido investido no cometimento do Caminho da Índia, por D. Manuel I, na alcáçova do Castelo de Estremoz e terá transportado com ele um pendão bordado por Senhoras de Estremoz.
No local da partida da Armada, viria a ser construída a Torre de Belém, jóia da Arte Manuelina. À direita do quadro, com um bordão na mão esquerda, está o "velho do Restelo", em torno do qual Camões no Canto IV (estâncias 94-104) de "Os Lusíadas", construiria o chamado "Episódio do Velho do Restelo":

94
Mas um velho, de aspecto venerando,
que ficava nas praias, entre a gente,
postos em nós os olhos, meneando
três vezes a cabeça, descontente,
a voz pesada um pouco alevantando,
que nós no mar ouvimos claramente,
Cum saber só de experiências feito,
tais palavras tirou do experto peito:

95
Ó glória de mandar, ó vã cobiça
desta vaidade a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
c'ua aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
que crueldades nele experimentas!

96
Dura inquietação da alma e da vida
fonte de desamparos e adultérios,
sagaz consumidora conhecida
de fazendas, de reinos e de impérios!
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
sendo digna de infames vitupérios;
chamam-te Fama e Glória Soberana,
nomes com quem se o povo néscio engana!

97
A que novos desastres determinas
de levar estes Reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas,
debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos e de minas
d' ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? Que histórias?
Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?

98
Mas, ó tu, geração daquele insano
Cujo pecado e desobediência
Não somente do Reino soberano
Te pôs neste desterro e triste ausência,
Mas inda doutro estado mais que humano,
Da quieta e da simpres inocência,
Idade d' ouro, tanto te privou,
Que na de ferro e d' armas te deitou:

99
Já que nesta gostosa vaïdade
Tanto enlevas a leve fantasia,
Já que à bruta crueza e feridade
Puseste nome, esforço e valentia,
Já que prezas em tanta quantidade
O desprezo da vida, que devia
De ser sempre estimada, pois que já
Temeu tanto perdê-la Quem a dá:

100
Não tens junto contigo o Ismaelita,
com quem sempre terás guerras sobejas?
Não segue ele do Arábio a lei maldita,
se tu pela de Cristo só pelejas?
Não tem cidades mil, terra infinita,
se terras e riqueza mais desejas?
Não é ele por armas esforçado,
se queres por vitórias ser louvado?

101
Deixas criar às portas o inimigo,
por ires buscar outro de tão longe,
por quem se despovoe o Reino antigo,
se enfraqueça e se vá deitando a longe;
buscas o incerto e incógnito perigo
por que a Fama te exalte e te lisonje
chamando-te senhor, com larga cópia,
da Índia, Pérsia, Arábia e da Etiópia"

102
Oh, maldito o primeiro que, no mundo,
nas ondas vela pôs em seco lenho!
Digno da eterna pena do Profundo,
se é justa a justa Lei que sigo e tenho!
Nunca juízo algum, alto e profundo,
nem cítara sonora ou vivo engenho
te dê por isso fama nem memória,
mas contigo se acabe o nome e glória!

103
Trouxe o filho de Jápeto do Céu
o fogo que ajuntou ao peito humano,
fogo que o mundo em armas acendeu,
em mortes, em desonras (grande engano!).
Quanto melhor nos fora, Prometeu,
e quanto para o mundo menos dano,
que a tua estátua ilustre não tivera
fogo de altos desejos, que a movera!

104
Não cometera o moço miserando
o carro alto do pai, nem o ar vazio
o grande arquitector co filho, dando
um, nome ao mar, e o outro, fama ao rio.
Nenhum cometimento alto e nefando
por fogo, ferro, água, calma e frio,
deixa intentado a humana geração.
Mísera sorte! Estranha condição!

Vasco da Gama atingirá Calicut em 20 de Maio 1498 e regressará a Lisboa em 1499, onde será coberto de honrarias por D. Manuel I.

Publicado inicialmente a 1 de Julho de 2014
  
CHEGADA DE VASCO DA GAMA A CALECUT EM 1498.
Aguarela de Alfredo Roque Gameiro (1864-1935).

sexta-feira, 4 de julho de 2025

Rainha Santa Isabel, Padroeira de Estremoz


Fig. 1 – Imagem da Rainha Santa Isabel venerada na cidade de Estremoz. Foi oferecida
à  Capela da Rainha Santa Isabel por D. João V, em 1729. Encontra-se actualmente na
Igreja de Santa Maria, no Castelo de Estremoz.


O FALECIMENTO DA RAINHA SANTA ISABEL EM ESTREMOZ
A Rainha Santa Isabel de Aragão (1270-1336), esposa de el-Rei D. Diniz (1261-1325), faleceu no Castelo de Estremoz, com 66 anos de idade, no dia 4 de Julho de 1336, de uma doença súbita surgida quando se dirigia para a raia em missão de apaziguamento entre o filho, D. Afonso IV (1291-1357), e o neto, Afonso XI de Castela (1311-1350). Contra o conselho de todos, D. Afonso quis cumprir o propósito de sua mãe ser sepultada no Mosteiro de Santa Clara. A longa trasladação fez-se sob o sol aceso de Julho e, para assombro de todos, apesar dos grandes calores que se faziam experimentar, o ataúde exalava um perfume tão aprazível que "tão nobre odor nunca ninguém tinha visto", assim se lê na sua primeira e anónima biografia, conhecida por “Lenda ou Relação”, redigida imediatamente após a sua morte, por alguém que de perto com ela conviveu, provavelmente o seu confessor, Frei Salvado Martins, bispo de Lamego, ou então uma das donas de Santa Clara que a assistiram durante o tempo de viuvez.
As virtudes da Rainha, mais tarde considerada Santa, estiveram na origem da sua beatificação por Leão X (1475-1521), em 1516, com autorização de culto circunscrito à Diocese de Coimbra. Em 1556, o papa Paulo IV (1476-1559) torna extensiva a devoção isabelina a todo o Reino de Portugal. Seria o papa Urbano VIII (1568-1664), dada a incorrupção do corpo e o relato dos milagres, quem proclamaria em 1625, a canonização de Isabel de Aragão como Rainha Santa.

A IMAGEM DA RAINHA SANTA ISABEL
Entre igrejas, capelas e ermidas, Estremoz tem 22 edifícios religiosos onde se encontram expostas imagens religiosas que são objecto de culto pelos fiéis. Uma delas é a imagem da Rainha Santa Isabel (Fig. 1 e Fig. 2), Padroeira de Estremoz (Fig. 3), actualmente venerada na Igreja de Santa Maria, no Castelo. Esta imagem encontrava-se até há uns anos atrás na Capela da Rainha Santa Isabel, também no Castelo. A imagem, em madeira policromada, foi oferecida por D. João V (1689-1750), descendente em linha directa da Rainha Santa Isabel e que a seus pés orou, quando visitou a Capela com a sua esposa, D. Mariana de Áustria (1683-1754), em 30 de Janeiro de 1729. A Rainha veste o hábito de freira clarissa, tal como veio morrer a Estremoz. Todavia o véu branco é de viúva e não de clarissa. Na cabeça uma coroa aberta do tipo barroco e na mão um bordão de peregrina, ambos de prata. A mão esquerda segura o regaço, no qual se vêem rosas, alegoria ao lendário “Milagre das Rosas”.

A CONSTRUÇÃO DA CAPELA DA RAINHA SANTA ISABEL
É de salientar que pertenceu à Rainha Dona Luísa de Gusmão (1613-1666), mulher de El-Rei D. João IV (1604-1856), a ideia de adaptar a Capela, os supostos aposentos da Rainha Santa no Castelo de Estremoz, em acção de graças pela vitória do exército português sobre o exército espanhol, na batalha das Linhas de Elvas, travada a 14 de Janeiro de 1659. A Capela que ficou a cargo da Congregação do Oratório de São Filipe Néri, encontrou em El-Rei D. João V (1689-1750) um mecenas e foi sob a sua égide que se concluíram as obras da Capela em 1706.

A TRANSFERÊNCIA DA IMAGEM DA RAINHA SANTA PARA O CONVENTO DOS CONGREGADOS
Durante a 1ª invasão francesa, as tropas napoleónicas, comandadas pelo general Loison (1771-1816), “O maneta”, saquearam a vila de Estremoz em 1808, com especial destaque para a famosa Sala de Armas de D. João V, no Castelo. A esse tempo já os Oratorianos tinham posto a salvo a Imagem da Santa, a sua Relíquia e alguns Vasos Sagrados que secretamente esconderam na sua Congregação. Todavia, os franceses conhecidos pelas suas profanações e impiedades, não só não profanaram a capela, como não tocaram numa única preciosa Alfaia ou Ornamento que ali se guardasse. Tal facto foi pela população atribuído a beneficência da mão de Deus pela intercessão da Rainha Santa.
A 3 de Julho de 1808, véspera da festividade da Rainha Santa, as tropas francesas evacuaram completamente a vila de Estremoz, após activarem minas para arrasarem a Torre da Menagem, o que arrasaria também a Capela da Rainha Santa, contígua à Torre. Para além da horrível explosão, as minas não produziram o efeito desejado, o que foi atribuído a Intervenção Divina, por empenho daquela Santa Advogada.

A TRASLADAÇÃO DA IMAGEM DA RAINHA SANTA PARA A SUA CAPELA
A 11 de Julho os nobres habitantes de Estremoz animados de espírito patriótico e tendo à cabeça o Juiz de Fora, Doutor António Gomes Henriques Gaio, animados de espírito patriótico, sacudiram o jugo do inimigo e entre mil vivas e demonstrações de júbilo, aclamaram como seu único e legítimo Soberano, Sua Alteza Real o Príncipe Regente. Disto chegou notícia ao general Loison que se encontrava na capital e que com infantaria, cavalaria e artilharia, partiu para o Alentejo, com o desígnio de entrar em Évora e em Estremoz e de não deixar pedra sobre pedra. Em Évora, Loison entrou a 29 de Julho, onde apesar da resistência militar e civil, terá saqueado a cidade, causando uma chacina que causou entre 2.000 e 8.000 mortos, conforme os autores, bem como 200 prisioneiros. Daqui se dirigiram para Estremoz, onde não tiveram a menor hostilidade nem com moradores, nem com as casas, nem com os seus bens, partindo depois para Elvas. Em tal facto, foi reconhecida novamente a Intervenção Divina, por empenho da Rainha Santa. Os Oratorianos decidem então promover uma solene e pomposa Festividade de Acção de Graças à Rainha Santa Isabel no dia em que a sua devota imagem fosse transportada para a sua Capela no Castelo, o que aconteceu a 29 de Outubro, dia em que a Igreja soleniza a trasladação do Venerável Corpo da Rainha Santa.
A 20 de Outubro iniciam-se na Capela da Senhora das Dores do Convento do Congregados, preces públicas com o Santíssimo Sacramento exposto, pela extinção dos inimigos do Reino, pela restauração da nossa Monarquia e pela vida e conservação do Príncipe Regente, as quais se repetiram nos dias seguintes até á véspera do dia destinado para a Festividade.
Na tarde do dia 28 de Outubro, a Capela da Senhora das Dores estava vistosamente adornada com a imagem da Rainha Santa colocada num andor, por debaixo de um rico docel. Um excelente coro e orquestra instrumental executaram com elegância uma sinfonia, finda a qual o Capelão deu início às Vésperas. À noite o Convento dos Congregados esteve iluminado, o mesmo se passando com as moradias do Rossio, tendo sido lançado também variado e vistoso fogo de artifício.
Na manhã do dia 29 de Outubro, continuou-se a venerar a Santa Imagem e pelas 11 horas, o Capelão deu início à Missa solene com o Santíssimo Sacramento exposto e com acompanhamento musical. Foi orador o Padre Luiz Marques, da Congregação do Oratório, que traduziu através de douto e emocionado discurso, o reconhecimento da população à Rainha Santa. A terminar, a elevação da Santa Hóstia foi acompanhada do lançamento de fogo de artifício no Rossio, a que correspondeu a guarnição do Castelo com uma salva de artilharia. A cerimónia terminou pelas 14 horas, iniciando-se pelas 16, a procissão que com pompa e circunstância trasladou através das ruas da vila, a sacrossanta imagem da Padroeira até à sua Capela no Castelo.
O desfile através das ruas da vila, iniciou-se com o lançamento de fogo de artifício no Rossio, a que respondeu uma salva de artilharia no Castelo. A Procissão, meticulosa e simbolicamente estruturada, dirigiu-se para a Capela do Castelo, onde a Imagem da Santa foi reposta no seu Altar, seguindo-se sermão de Frei José de Almada, continuado por cânticos, findos os quais a guarda militar disparou três descargas de mosquete, a que respondeu a guarda do Castelo com uma salva de artilharia.

A EXTINÇÃO DAS ORDENS RELIGIOSAS
A assinatura da Convenção de Évora Monte, em 26 de Maio de 1834, que pôs termo à Guerra Civil Portuguesa (1828-1834) entre liberais partidários de D. Pedro IV (1798-1834) e absolutistas partidários de D. Miguel (1802-1866), teve inúmeras consequências. Uma delas foi a extinção das Ordens Religiosas em Portugal. Esta reforma visava aniquilar o que se considerava ser o excessivo poder económico e social do clero, privando-o para tal dos seus meios de riqueza e da capacidade de influência política. Recorde-se que o claro português tinha apoiado em grande parte, o absolutismo e quem ganhou a Guerra Civil foram os liberais. Daí que o Ministro da Justiça, Joaquim António de Aguiar (1792-1843), que viria a ser conhecido por “Mata Frades", redigisse o texto do Decreto de Extinção das Ordens Religiosas, assinado por Pedro IV e publicado em 30 de Maio de 1834. Por esse diploma, eram declarados extintos todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios, e quaisquer outras casas das ordens religiosas regulares (art. 1º), sendo os seus bens secularizados e incorporados à Fazenda Nacional (art. 2º), à excepção dos vasos sagrados e paramentos que seriam entregues aos ordinários das dioceses (art. 3º).
A extinção das Ordens Religiosas, entre elas a Congregação da Ordem do Oratório de S. Filipe Néri, teve reflexos a vários níveis. No caso da Capela da Rainha Santa Isabel, pelo facto de estar sob administração dos Oratorianos, o seu recheio foi posto em hasta pública, sendo a Capela encerrada de seguida.
D. Pedro V (1837-1861) teve consciência que estava em causa a manutenção do venerável culto da Rainha Santa, pelo que confirmou o compromisso da Irmandade da Rainha Santa, a qual recuperou os seus direitos de manutenção material e religiosa da Capela, que teve capelão de missa diária e tesoureiros privativos.

BIBLIOGRAFIA
(1) – CIDRAES, M. Lourdes. Os Painéis da Rainha. Edições Colibri/Câmara Municipal de Estremoz. Lisboa, 2005.
(2) – COSTA, Mário Alberto Nunes. Estremoz e o seu concelho nas “Memórias Paroquiais de 1758”. Separata do Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra, Vol. XXV. Coimbra, 1961.
(3) – COSTA, Mário Alberto Nunes. Património Religioso de Estremoz. Câmara Municipal de Estremoz. Estremoz, 2001.
(4) - ESPANCA, Túlio. Inventário Artístico de Portugal-Distrito de Évora, Vol.I. Academia Nacional de Belas Artes. Lisboa, 1975.
(5) - MENDEIROS, José Filipe. RAINHA SANTA /Mãe da Paz, da Pátria e de Estremoz. Câmara Municipal de Estremoz. Estremoz, 1988.
(6) – RELAÇÃO DA POMPA E MAGNIFICÊNCIA COM QUE OS PADRES DA CONGREGAÇÃO DO ORATÓRIO DE S. FILIPPE NERI DA VILLA DE ESTREMOZ SOLEMNIZARÃO A TRASLADAÇÃO DA DEVOTA IMAGEM DE SANTA SABEL, RAINHA DE PORTUGAL, Para a sua Real Capela situada na Cidadella da mesma Praça de Armas; e dos motivos, que concorrerão para esta plausível Festividade. Imprensa Régia. Lisboa, 1808. (Fig. 4)

Publicado inicialmente em 21 de Novembro de 2012

Fig. 2 – Imagem da Rainha Santa Isabel quando ainda se
encontrava na sua Capela. A escadaria que dava acesso ao
púlpito e que se vê à direita, também já não existe actualmente.
Cliché de Foto Tony, cerca dos anos 60 do século XX.

Fig. 3 – Rainha Santa Isabel, Padroeira de Estremoz.
Cliché de Foto Tony, cerca dos anos 60 do século XX.
 Fotomontagem mostrando a Rainha Santa pairando sobre
a cidade, numa nítida alegoria a ser sua Protectora.

Fig. 4 – Rosto duma brochura de 14 páginas de autor desconhecido
e editada pela Imprensa Régia em 1808, em Lisboa e na qual se relata
 a trasladação da imagem da Rainha Santa Isabel para a sua Capela a
 partir do Convento dos Congregados, em Estremoz, onde estivera
 escondida para escapar ao saque dos invasores franceses.  

Fig. 5 - O MILAGRE DAS ROSAS. Painel de azulejos (126 x 173,5 cm) de meados do  séc. XVIII,
da autoria de Policarpo de Oliveira Bernardes (1695-1778), pintor e azulejista alentejano,
pertencente ao chamado ciclo dos mestres, período em que se produziram as melhores
peças azulejares, do barroco português. Igreja do Convento de São Francisco, Estremoz. 

Fig. 6 - MILAGRE DA CRIANÇA SALVA DAS ÁGUAS (c. 1725). Teotónio dos Santos (?). Painel
de azulejos (2,60 m x 2,40 m). Capela da Rainha Santa Isabel do Castelo de Estremoz.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

A República é uma bebedeira


Bêbado sentado numa pipa, com um odre de vinho nas mãos.
Oficinas de Estremoz dos finais do séc. XIX.


Adquiri recentemente um belo e curioso exemplar de barrística popular produzido numa das Oficinas de Estremoz dos finais do séc. XIX, tematicamente situado no domínio satírico, o que me é particularmente grato.
Representa um homem trajando à moda da época, sentado numa pipa, com um odre de vinho nas mãos. As notórias rosetas que ostenta nas faces, indiciam tratar-se de um bêbado. Este, apresenta a cabeça coberta por um barrete frígio vermelho, símbolo da Revolução Francesa (1789) e desde então adoptado como inequívoco símbolo do regime republicano, que em 1910 seria implantado em Portugal.
O Partido Republicano Português foi fundado em 1876, iria crescer e a propaganda republicana iria suscitar adesão popular às suas propostas, que abalavam fortemente a monarquia no poder desde o início do reinado de D. Afonso Henriques (1143).
Naturalmente que a batalha ideológica entre monárquicos e republicanos seria intensa e cada um dos lados tinha os seus apoiantes e os seus detractores. Essa batalha ideológica teria repercussões em vários domínios: na literatura, na imprensa, na ilustração e é claro na arte popular, acabando os autores por serem partidários duma facção ou da outra.
A meu ver, o presente exemplar de barrística popular estremocense é uma sátira monárquica à República, já que o bêbado usa barrete frígio vermelho. A mensagem anti-republicana implícita parece ser evidente: “A República é uma bebedeira”.
De salientar a decoração da base octogonal (quadrangular com as pontas cortadas em bisel), sarapintada com manchas brancas, verdes e pretas, que configuram um tecido camuflado.

Publicado inicialmente em 17 de Julho de 2021

sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Estremoz - Rua 31 de Janeiro


1 - RUA DE SANTA CATARINA (1891) – Ao fundo ainda não existe a Fonte do Hospital
Real de São João de Deus. Os candeeiros da iluminação pública estão implantados
nas paredes dos prédios. Fotografia de C. J. Walowski (1891).


LER AINDA


Estudo de toponímia local

 “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, / Muda-se o ser, muda-se a confiança: / Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades.” (Camões). É assim que os topónimos identificadores das ruas são modificados no decurso do tempo. A presente crónica procura trazer à luz do dia, as razões históricas que estiveram na origem das alterações sucessivas dum topónimo estremocense, conhecido actualmente como Rua 31 de Janeiro.
Guerra da Restauração
Em 1580 ocorreu a ocupação filipina de Portugal, tendo o nosso país vivido sob o domínio espanhol até à Restauração da Independência em 1 de Dezembro de 1640. Nesta data ocorreu em Lisboa um golpe de estado revolucionário que se propagou a todo reino e levou à aclamação de D. João IV como rei de Portugal. A partir daquela data, Portugal travou com Espanha a chamada Guerra da Restauração. Esta só terminaria a 13 de Fevereiro de 1668 com a assinatura do Tratado de Lisboa entre Afonso VI de Portugal e Carlos II de Espanha, no qual é reconhecida a total independência de Portugal.
No decurso da Guerra da Restauração houve necessidade de defender o reino da ofensiva espanhola, mormente em localidades fronteiriças, as quais tiveram que ser fortificadas. Foi o que aconteceu em Estremoz que ganhou importância na contextura militar nacional, uma vez que funcionava como 2ª linha de defesa do território, sobretudo em termos logísticos, já que armazenava armas e mantimentos e aquartelava tropas.
Foi D. João IV que em 1642 ordenou ao engenheiro militar holandês João Pascácio Cosmander, o traçado da futura muralha poligonal abaluartada que cinge o centro histórico num perímetro com mais de 5 Km, cuja maior parte ainda hoje existe. Após a morte de Cosmander em 1648, foi o engenheiro-militar francês Nicolau de Langres, que a partir de 1662 foi encarregue das obras que terminaram em 1671, sob a direcção de Luís Serrão Pimentel, engenheiro-mor do exército. As portas monumentais da muralha só foram concluídas entre 1676 e 1680. Uma dessas portas que ainda hoje estabelece comunicação com as estradas para Sousel-Fronteira e Veiros-Monforte-Portalegre, é a Porta de Santa Catarina, que inclui um nicho de devoção à padroeira, Santa Catarina de Alexandria. Em termos toponímicos e na perspectiva da época seria natural designar por Rua de Santa Catarina a rua que até ao Hospital Real de São João de Deus dava acesso aquela porta, o que veio a acontecer. A partir do Hospital e até à porta a designação toponímica recebida pelo arruamento foi a de Largo de Santa Catarina.
Proclamação da República
A 5 de Outubro de 1910 ocorre o derrube da Monarquia, fruto da acção doutrinária e política do Partido Republicano Português, criado em 1876 e cujo objectivo essencial foi desde o princípio, a substituição do regime. As questões ideológicas não eram primordiais na estratégia dos republicanos, uma vez que para a maioria dos seus simpatizantes, bastava ser contra a Monarquia, a Igreja e a corrupção política dos partidos tradicionais.
Na noite de 3 para 4 de Outubro de 1910, eclodiu em Lisboa um Movimento Revolucionário impulsionado pelo Partido Republicano e apoiado pela Marinha de Guerra e por forças do Exército. Após dois dias de combate, o Movimento Revolucionário triunfa e a República é proclamada na manhã de 5 de Outubro das janelas da Câmara Municipal de Lisboa e é constituído imediatamente um Governo Provisório, presidido pelo Dr. Teófilo Braga, que assume como tarefa fundamental uma mudança radical nas instituições vigentes.
Com a queda da Monarquia a 5 de Outubro de 1910, há uma mudança de paradigma. Uma Monarquia com oito séculos é substituída por uma República que tomou o poder nas ruas de Lisboa e depois de o proclamar às varandas da Câmara Municipal, o transmitiu para a província à velocidade do telégrafo.
Em Estremoz quem recebeu o telegrama do Ministro do Interior António José de Almeida anunciando a proclamação da República em Lisboa, foi o empresário João Francisco Carreço Simões (1893-1954) seu amigo pessoal e igualmente membro do Partido Republicano. Seria ele a proclamar a República no dia 6 de Outubro de uma sacada da Câmara Municipal de Estremoz, da qual viria a ser Vice-Presidente.
Na sequência da revolução republicana de 5 de Outubro de 1910, as instituições e símbolos monárquicos (Rei, Cortes, Bandeira Monárquica e Hino da Carta) são proscritos e substituídos pelas instituições e símbolos republicanos (Presidente da República, Congresso da República, Bandeira Republicana e A Portuguesa), o mesmo se passando com a moeda, as fórmulas de franquia postais e os topónimos.
A 1ª República decretou em 1911 uma “Lei de Separação da Igreja do Estado”, de acordo com a qual a religião católica apostólica romana deixou de ser a religião do Estado, cuja laicidade passou a ser defendida. A influência secular da Igreja Católica fazia-se sentir mesmo a nível de toponímia, pelo que os republicanos entenderam que a mesma deveria ser laicizada. Daí que em Estremoz, a Rua de Santa Catarina tenha sido rebaptizada laicamente como Rua 31 de Janeiro, em memória de um marco importante na luta pela implantação da República, que foi a Revolta de 31 de Janeiro de 1891, primeiro movimento revolucionário que teve por objectivo a implantação do regime republicano em Portugal.
Aquela revolta eclodiu ao início da madrugada no Porto, cidade onde foi proclamada a República, na varanda da Câmara Municipal. A revolta surgiu como reacção às cedências do Governo (e da Coroa) ao ultimato britânico de 1890 por causa do Mapa Cor-de-Rosa, que pretendia ligar, por terra, Angola a Moçambique. Cerca das 10 horas da manhã, os revoltosos são forçados a render-se, atingidos pela fuzilaria e pela artilharia da Guarda Municipal. A Revolta saldou-se por 12 mortos e 40 feridos entre os revoltosos civis e militares, os quais foram julgados e condenados em Conselhos de Guerra realizados a bordo de navios, ao largo de Leixões.
28 de Maio
Desde os primórdios que a I República Portuguesa deu indícios de fragilidade. Num período de 16 anos, que findou a 28 de Maio de 1926, a I República Portuguesa teve 7 Parlamentos, 8 Presidentes da República, 39 Governos, 40 Chefes de Governo, uma Junta Constitucional e uma Junta Revolucionária. O clima era de instabilidade e o país encontrava-se permanentemente à beira da guerra civil.
A de 28 de Maio de 1926 ocorreu um pronunciamento militar de cunho nacionalista e antiparlamentar, que derrubou a I República Portuguesa e implantou uma Ditadura Militar, que eufemisticamente se viria a autodenominar Ditadura Nacional. Após a aprovação da Constituição de 1933, a Ditadura Nacional rebaptizou-se com a designação de Estado Novo, regime autoritário de partido único, chefiado sucessivamente por Oliveira Salazar e por Marcelo Caetano, que se manteve no poder até 25 de Abril de 1974.
A necessidade de apagar todos os vestígios locais de republicanismo e de num acto de vassalagem homenagear o então “Dono disto tudo”, terão estado na origem dos responsáveis municipais de então, terem travestido a Rua 31 de Janeiro em Rua Dr. Oliveira Salazar.
25 de Abril
O derrube da ditadura mais velha da Europa – o regime de Salazar e de Caetano - foi conseguido em 25 de Abril de 1974, graças à acção militar coordenada do Movimento das Forças Armadas – MFA, cuja origem remonta ao clima de instabilidade no interior das próprias Forças Armadas.
Um Esquadrão do RC3, comandado pelo Capitão Andrade Moura, tendo como adjunto o Capitão Alberto Ferreira e com a participação do 1º Sargento Francisco Brás, teve papel determinante no desfecho dos acontecimentos do 25 de Abril de 1974, em Lisboa. Daí que à sua chegada a Estremoz no dia 27 de Abril, tenha sido objecto de honras militares e de aclamação popular, junto ao quartel do Regimento. Foi o reconhecimento local e possível pela liberdade reconquistada.
Logo a seguir ao 25 de Abril, opositores ao regime reuniram-se numa casa da rua do Mau Foro, vulgo Rua Alexandre Herculano. Ali funcionaria mais tarde a primeira sede do PS. Tinha sido ali a sede do Círculo Cultural de Estremoz, associação cultural de antes de Abril, no tempo do Dr. Luís Pascoal Rosado e cuja história está ainda por fazer. Era propriedade dos irmãos José e Afonso Costa. Ali se preparou o primeiro 1º de Maio. Eu e o meu pai estávamos lá. O camarada Binadade Velez, comunista da clandestinidade e que já estivera preso, levava uma lista de ruas com nomes ligados ao fascismo, as quais entendia ser preciso mudar. Uma delas era a Rua Dr. Oliveira Salazar, o que logo ali teve o acordo de todos. E foi assim que um topónimo, associado a um ditador de tão triste memória, entrou na rampa de lançamento para ser banido do nosso quotidiano diário, o que veio a ser concretizado pelo poder municipal, democraticamente legitimado. E foi assim que a rua foi rebaptizada laica e republicanamente com a sua designação anterior: Rua 31 de Janeiro. E viva a Liberdade!
Cronista do E, toponomista, republicano e tudo.
Publicado inicialmente a 14 de Março de 2018
(Texto publicado no jornal E nº 195, de 08-03-2018) 

2 - RUA DE SANTA CATARINA (Entre 1901 e 1909) – Ao fundo é visível a Fonte do Hospital
Real de São João de Deus. Esta fonte foi mandada construir pela Câmara de 1834, no
muro contíguo à ermida de São Brás e a edilidade de 1901 ordenou que fosse removida
para o local onde ainda hoje se encontra. Os candeeiros da iluminação pública estão
agora implantados nos passeios. Em segundo plano do lado direito é visível um típico
carro  de canudo alentejano e na frontaria do prédio contíguo é perceptível  um letreiro
que parece dizer “HOTEL GRADE”. Entre as crianças que brincam na rua, uma delas que
está agachada, parece estar a aparar um pião. A imagem é de um bilhete-postal ilustrado,
edição MALVA (Lisboa nº 697). No verso a data do carimbo de expedição dos correios é de 1909.

3 - RUA DE SANTA CATARINA (Entre 1901 e 1909). A legenda do bilhete-postal ilustrado
é “ESTREMOZ – Rua de Santa Catarina, (hoje Rua 31 de Janeiro). A imagem ainda que
colorida  é a mesma da figura 2. A edição deste bilhete-postal ilustrado, de editor não
identificado, terá ocorrido entre 1910 e 1915, já que esta é a data de circulação mais
antiga que eu tenho num bilhete-postal ilustrado desta série.

3 - RUA DE SANTA CATARINA (Entre 1901 e 1909). A legenda do bilhete-postal ilustrado
é “ESTREMOZ – Rua de Santa Catarina, (hoje Rua 31 de Janeiro). A imagem ainda que
colorida  é a mesma da figura 2. A edição deste bilhete-postal ilustrado, de editor não
identificado, terá ocorrido entre 1910 e 1915, já que esta é a data de circulação mais
antiga que eu tenho num bilhete-postal ilustrado desta série.

5 - RUA DR. OLIVEIRA SALAZAR (Anos 60 do séc. XX). Fonte do Hospital Real de São
João de Deus. Bilhete-postal ilustrado editado por FOTO TONY.

terça-feira, 26 de novembro de 2024

Apresentação do livro OS MISTÉRIOS DE OLIVENÇA de Carlos Luna



CONVITE
Carlos Eduardo da Cruz Luna, autor do livro "Os Mistérios de Olivença", vem, por este meio, convidá-lo(a) ]a estar presente no lançamento do seu novo trabalho literário, com o título referido, no dia 1 de dezembro de 2024, às 15:30, na Sociedade de Artistas Estremocense, Largo General Graça [Gadanha], 37 - Estremoz.
Certo que já ouviu falar muito de Olivença. Um mito da nossa História. Uma causa nacional. Uma anedota ocasional. Será tudo isso e muito mais. Ou não.
Pelo menos que conheça as maravilhas arquitetónicas de Olivença, todas elas portuguesas É essa informação que este livro lhe procura transmitir.
Agradeço a sua presença.

SINOPSE
Um grupo de jovens estudantes oriundos de Lisboa dirige-se a Mérida, numa excursão, a fim de visitar as suas ruinas romanas. Um engano na organização deixa um grupo de fora desse destino. Os organizadores, em Elvas, conseguem, com a ajuda de autoridades locais, encontrar uma alternativa. E eis um autocarro a caminho de Olivença, sem saber o que ia encontrar.
Olivença revela-se uma surpresa. Os seus monumentos e o traçado das suas ruas revelam a grandiosidade de um passado português pouco falado e menos ainda conhecido. Numa área relativamente reduzida, sucedem-se um museu, uma torre de menagem, um castelo dionísio e duas igrejas, uma das quais em puro estilo manuelino. Tudo isto e mais alguns marcos históricos são descobertos por um surpreendido grupo de estudantes, que não cabem em si de espanto.
No meio de tanta monumentalidade, haverá ainda um crime por desvendar e caberá aos jovens da capital.

domingo, 6 de outubro de 2024

Repercussões do 5 de Outubro no leito dos portugueses


Fig. 1 - Alegoria republicana em costas de cama de ferro.
Cortesia de Manuela mendes.

São conhecidos diversos tipos de camas de ferro com a coroa real portuguesa, dos quais os exemplares da Fig. 2 e da fig. 3 são apenas dois. Com a implantação da República Portuguesa em 5 de Outubro de 1910, há uma mudança de paradigma em múltiplos aspectos da vida social da época. Não admira, pois, que algum fabricante de camas de ferro, com sentido de oportunidade para o negócio, tivesse decidido adaptar a sua produção aos novos tempos.

A imagem da Fig. 1 mostra-nos em pormenor o topo das costas de uma cama de ferro. Em moldura elíptica de orla rendilhada, está patente uma alegoria republicana. Em primeiro plano, o barrete frígio, símbolo republicano da liberdade. Em segundo plano, um facho que emite luz, virado para a esquerda do observador, o qual integra a simbologia maçónica.

Aqueles dois símbolos conjuntamente quererão significar que “por detrás da República está a Maçonaria” ou “a República é de inspiração maçónica” ou ainda “por detrás da República está a ânsia da liberdade”.

O barrete frígio e o facho de luz estão implantados num campo de flores, que a serem mimosas, simbolizam a inocência e a pureza, virtudes que na alegoria estarão associadas à República e à Maçonaria.

Há entre nós, respigadores natos, farejadores de fino olfacto, guardadores de memórias compulsivos, os quais deambulam por aqui e por ali, em casas de adelo e mercados de velharias, “em busca do tempo perdido", como diria Marcel Proust. São heróis na maioria anónimos, muitas vezes com limitados ou mesmo parcos recursos, que a expensas suas, tomam a iniciativa e a liberdade de trazer à luz do dia, testemunhos e por vezes despojos do passado, que são importantes memórias materiais indispensáveis à construção e à explicitação da nossa memória histórica enquanto Povo e da nossa identidade cultural enquanto Nação.

MUITO OBRIGADO, MANUELA MENDES!

Hernâni Matos


Fig. 2 - Alegoria monárquica em costas de cama de ferro.
Imagem recolhida na internet.

Fig. 3 - Alegoria monárquica em costas de cama de ferro.
Imagem recolhida na internet.

domingo, 21 de julho de 2024

Os Bairros do Castelo e de Santiago em Estremoz, um levantamento de Rui Pimentel

 




Créditos fotográficos:
Maria Miguéns - Município de Estremoz

Este o título da exposição inaugurada ontem pelas 16 horas na Galeria Municipal D. Dinis em Estremoz e que ali estará patente ao público até ao próximo dia 15 de Setembro.

A mostra é constituída por um conjunto de fotografias e plantas arquitectónicas elaboradas pelo arquitecto Rui Pimentel do grupo CIDADE e visam estudar a zona que constitui o cerne que está na génese da cidade de Estremoz.

Ao acto inaugural, presidido pelo Presidente do Município José Daniel Sadio, compareceram cerca de duas dezenas de pessoas que ali se deslocaram atraídas pelo trabalho de Rui Pimentel, cuja actividade polifacetada transpôs há muito o domínio formal da arquitectura e se espraiou aos campos do design gráfico, cenografia para teatro, banda desenhada, ilustração, concepção de exposições, caricatura e cartoon.

Coube a Isabel Borda d’Água, directora do Museu Municipal de Estremoz, a apresentação do arquitecto Rui Pimentel, que de seguida explanou o trabalho efectuado. A finalizar, o Presidente do Município, José Daniel Sadio, agradeceu o trabalho do arquitecto Rui Pimentel e referiu-se aos desafios que se põem ao Município e às condicionantes a que este está sujeito. Verificaram-se ainda algumas intervenções por parte de alguns elementos do público, que não quiseram deixar de exprimir as suas opiniões pessoais acerca de toda a problemática suscitada pela presente exposição.

domingo, 19 de maio de 2024

Em Memória de Catarina Eufémia

 

Fig. 1 - Morte de Catarina Eufémia (1954-1961). José Dias Coelho (1923-1961).
Linoleogravura  em papel (24,5 x 35,1/ 39,7 x 51,4 cm). Colecção Museu do
Neo-Realismo. Espólio artístico de José Dias Coelho (doado em 1997
por Margarida Tengarrinha e filhas).


Em Baleizão há 70 anos
A 19 de Maio de 1954, na sequência de uma greve de assalariadas rurais alentejanas, em luta por melhores salários, a ceifeira Catarina Eufémia (1928-1954) foi assassinada a sangue frio com 3 tiros à queima-roupa, pelo tenente Carrajola da Guarda Nacional Republicana. O mais novo dos seus três filhos, com oito meses, estava ao seu colo quando foi baleada.
Este triste acontecimento transformou Catarina Eufémia numa mártir e ícone da resistência dos trabalhadores alentejanos contra o regime ditatorial e fascista imposto por Salazar, o qual proibia e reprimia qualquer tipo de manifestação por melhores condições de vida.
Desde o seu assassinato em 1954, que a memória de Catarina Eufémia tem sido perpetuada por artistas plásticos e poetas portugueses.

Catarina Eufémia nas artes e nas letras
Permito-me destacar duas das que considero as mais expressivas homenagens de artistas plásticos portugueses a Catarina Eufémia.
A primeira é a linoleogravura (Fig. 1) “Morte de Catarina Eufémia”, feita na época pelo escultor José Dias Colho (1923-1961), na clandestinidade à data do assassinato de Catarina Eufémia e ele próprio assassinado pela PIDE, em 19 de Dezembro de 1961, na Rua da Creche, em Lisboa.
A segunda é o “Memorial à Mulher alentejana” (Fig. 2) da autoria do artista plástico estremocense Rogério Ribeiro (1930-2008). Está situado no relvado do Parque da cidade de Beja e consiste numa estrutura prismática e de base triangular, em betão, com cinco metros de altura. Nela assentam três painéis de azulejos retratando trezentos e setenta e cinco rostos femininos. O memorial visa homenagear a mulher alentejana e entre elas Catarina Eufémia.
Catarina Eufémia é um tema recorrente da poesia portuguesa contemporânea, abordado por inúmeros poetas: Álvaro Magalhães, António Ramos Rosa, António Vicente Campinas, Armando Silva Carvalho, Carlos Aboim Inglês, Eduardo Valente da Fonseca, Egito Gonçalves, Francisco Miguel Duarte, José Afonso, José Carlos Ary dos Santos, José Gomes Ferreira, Manuel Alberto Valente, Maria Luísa Vilão Palma, Maria Teresa Horta, Marta Cristina de Araújo, Papiniano Carlos e Sophia de Mello Breyner Andresen. Desta última, transcrevo o poema

Catarina Eufémia

O primeiro tema da reflexão grega é a justiça

E eu penso nesse instante em que ficaste exposta
Estavas grávida porém não recuaste
Porque a tua lição é esta: fazer frente

Pois não deste homem por ti
E não ficaste em casa a cozinhar intrigas
Segundo o antiquíssimo método obíquo das mulheres
Nem usaste de manobra ou de calúnia

E não serviste apenas para chorar os mortos

Tinha chegado o tempo
Em que era preciso que alguém não recuasse
E a terra bebeu um sangue duas vezes puro
Porque eras a mulher e não somente a fêmea
Eras a inocência frontal que não recua
Antígona poisou a sua mão sobre o teu ombro no instante em que morreste

O poeta António Vicente Campinas (1910-1998) viu o seu poema “Cantar alentejano”, musicado por José Afonso (1929-1987) no álbum "Cantigas de Maio", editado no Natal de 1971, o qual pode ser ouvido aqui.
Carlos Paredes (1925-2004), o mestre da guitarra portuguesa dedicou-lhe a composição “Em memória de uma camponesa assassinada”, a qual pode ser ouvida aqui.
O cineasta José Manuel Portugal realizou o documentário Seara Vermelha - A Ceifeira de Baleizão (2024), o qual pode ser visionado aqui.

70 anos depois
Em 25 de Abril de 1974, graças à acção militar coordenada do Movimento das Forças Armadas – MFA, foi conseguido o derrube da ditadura mais velha da Europa – o regime totalitário e fascista de Salazar e de Caetano.
50 anos depois do 25 de Abril e 70 anos depois do assassinato de Catarina Eufémia, há quem procure branquear o passado e fazer crer que o fascismo nunca existiu. Mas existiu, oprimiu, reprimiu, torturou e matou.
É preciso não esquecer o que se passou. Há uma missão histórica, pedagógica e ética que compete aos democratas. É a salvaguarda das memórias desses tempos negros e a sua transmissão aos mais novos, para que estes não se deixem iludir face às investidas demagógicas daqueles que em nome da superação de dificuldades presentes, mais não querem que um retorno ao passado. Daí que eu seja levado a clamar:
- 25 DE ABRIL SEMPRE! FASCISMO NUNCA MAIS!

Hernâni Matos
Estremoz, 19 de Maio de 2024


Fig. 2 - Memorial à mulher alentejana (2008) - excerto. Rogério Ribeiro (1930-2008). 
Parque da cidade, Beja.