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sexta-feira, 7 de março de 2025

As mulheres do meu país



A ALEGADA SUBALTERNIDADE DA MULHER EM RELAÇÃO AO HOMEM
As mulheres são nossas avós, nossas mães, nossas companheiras, nossas filhas. Com elas vivemos e por elas vivemos. E isso é o amor nas suas múltiplas vertentes.
Segundo o Génesis (o primeiro dos cinco livros bíblicos que a tradição judaico-cristã atribui a Moisés), no sexto dia da criação do Mundo e a partir do barro, Deus moldou o primeiro homem (Adão) e mais tarde, fazendo-o mergulhar em sono profundo, retirou-lhe uma costela e a partir dela fez a primeira mulher (Eva), a fim de que o homem não vivesse sozinho e tivesse uma ajuda adequada no seu dia-a-dia.
Esta visão mitológica da criação do mundo coloca imediatamente a mulher numa posição subalterna em relação ao homem. Com efeito na 1ª Epístola de São Paulo aos Coríntios, afirma-se a dado passo, que não foi o homem que foi tirado da mulher, mas a mulher do homem, assim como tão pouco foi o homem criado para a mulher, mas sim a mulher para o homem.
Também de acordo com a mesma epístola, é uma desonra para o homem usar cabelo comprido, ao passo que é uma glória para a mulher usar uma longa cabeleira, porque esta lhe foi dada por Deus como um véu e sobre a sua cabeça a mulher deve usar um sinal da sua submissão. Ao orar a Deus, deve assim estar coberta com um véu.
Numa sociedade democrática, a imagem que hoje fazemos da mulher nada tem a ver com aquela que é sugerida pela 1ª Epístola de S. Paulo aos Coríntios.
Ao longo dos séculos e a nível planetário, a mulher tem sido vítima de descriminação e de violência e tem procurado melhores condições de vida e de trabalho, através da luta por si desenvolvida, sobretudo a partir dos primeiros anos do século XX, nos Estados Unidos da América e na Europa. Foi graças a essas lutas que a mulher alcançou conquistas sociais, políticas e económicas.
Há dois aspectos que têm a ver com o meu trabalho na área cultural, nos quais se encontra bem vincada a subalternidade da mulher em relação ao homem. Trata-se de algumas tradições orais e de imagens humorísticas da mulher.
Como arqueólogo da nossa literatura oral, interesso-me por provérbios, cancioneiros, adivinhas, calão, rezas, benzeduras, topónimos, alcunhas, etc. Limitando-me aos provérbios, chamo a atenção para estes:
- “A mulher e o vinho tiram o homem do seu juízo.“
- “A mulher e a galinha, com sol recolhida.“
- “A mulher e o pedrado, quer-se pisado.“
- “A mulher e a pega fala o que dizeis na praça.“
- “A mulher e a cereja, por seu mal se enfeita.“
- “Da laranja e da mulher, o que ela der.“
- “Nem o rouxinol de cantar, nem a mulher de falar.“
- “O homem na praça, e a mulher em casa.“
É péssima a imagem da mulher transmitida por estes provérbios, compilados em 1651, pelo padre jesuíta eborense António Delicado. Estes provérbios, encarados como sentenças contextualizadas na época em que ele viveu ou anteriores a ela, continuam a aparecer completamente descontextualizados, para gáudio de alguns homens, nos livros de provérbios que por aí se vão editando. Uma compilação séria de provérbios terá necessariamente de identificar o colector e o contexto de tempo e de lugar, o que não tem sido feito.
Passemos agora ao segundo aspecto onde ficou registado o vinco da subalternidade da mulher em relação ao homem. Trata-se da cartofilia. Na verdade, a mulher sai muito maltratada na imagem que dela é dada por alguns bilhetes-postais ilustrados humorísticos tanto do tempo da nossa I República como do Estado Novo.
No contexto actual, em que a igualdade de género ainda não é plena, o respeito que nos merece a mulher, leva a que encaremos estes bilhetes-postais ilustrados como produto de uma época, em que nos mais diferentes domínios, a mulher era encarada como um ser inferior ao homem, atitude que hoje é desprovida de qualquer sentido.
O que se passou, entretanto, a nível social? 
A LUTA DA MULHER PELA IGUALDADE DE GÉNERO
Em 1907, um grupo de mulheres fundara o “Grupo Português de Estudos Feministas”, visando difundir os ideais da emancipação feminina e doutrinar as portuguesas através da edição de uma colecção de livros relacionados com a propaganda feminista.
A partir daquele grupo vai fundar-se em 1908, uma associação política e feminista, a “Liga Republicana das Mulheres Portuguesas”, com a finalidade de orientar, educar e instruir, nos princípios democráticos, a mulher portuguesa, fazer propaganda cívica inspirada no ideal republicano e democrático e promover a revisão das leis na parte respeitante à mulher, visando a sua independência económica e a conquista de direitos civis e políticos. A Liga era apoiada pelo Partido Republicano e em particular por dirigentes como António José de Almeida, Bernardino Machado e Magalhães Lima, que na perspectiva de criarem mais uma frente de combate à Monarquia, incentivavam a luta das mulheres pela igualdade de direitos que lhes possibilitassem uma maior intervenção na vida do país, a nível social, económico e político.
Após a revolução republicana de 5 de Outubro de 1910, é criada em 1911 a “Associação de Propaganda Feminista”, em cujos objectivos se incluíam a independência política, a defesa dos direitos das mulheres e a reivindicação do sufrágio feminino restrito.
A primeira lei eleitoral da I República Portuguesa, datada de 1911, reconhecia o direito de votar aos “cidadãos maiores de 21 anos que saibam ler e escrever ou sejam chefes de família”.
Nas eleições para a Assembleia Constituinte de 1911, realizadas em 28 de Maio desse ano, votaria a primeira mulher portuguesa, Carolina Beatriz Ângelo, médica cirurgiã, activista dos direitos femininos e fundadora da Associação de Propaganda Feminista. Invocando a sua condição de chefe de família, uma vez que era viúva e mãe, Carolina Beatriz Ângelo conseguiu que um tribunal lhe confirmasse o direito a votar com base no sentido do plural da expressão "cidadãos portugueses", cujo masculino se refere simultaneamente a homens e a mulheres. Para evitar que tal exemplo pudesse ser repetido, a lei eleitoral foi alterada em 1913, reconhecendo agora o direito de votar aos “cidadãos do sexo masculino, maiores de 21 anos que saibam ler e escrever”.
Só com Salazar em 1931, é que o direito de voto das mulheres foi formalmente estabelecido, ainda que com muitas restrições, visto que só podiam votar as mulheres que tivessem cursos secundários ou superiores, enquanto para os homens bastava saber ler e escrever.
Ainda com Salazar em 1946, a lei eleitoral alargou o direito de voto às mulheres chefes de família e às casadas que, sabendo ler e escrever, tivessem bens próprios e pagassem pelo menos 200 escudos de contribuição predial, assim como aos homens que, sendo analfabetos, pagassem ao Estado pelo menos 100 escudos de impostos.
Em Dezembro de 1968, já com Marcelo Caetano, foi reconhecido o direito de voto às mulheres portuguesas, ainda que as Juntas de Freguesia continuassem a ser eleitas apenas pelos chefes de família. Só depois de 25 de Abril de 1974, seriam revogadas todas as restrições à capacidade eleitoral dos cidadãos tendo por base o género. Convém salientar que antes do 25 de Abril:
- As mulheres tinham menos direitos que os homens;
- As professoras primárias tinham de pedir autorização para casar, que só era concedido se o pretendido tivesse um ordenado igual ou superior ao da mulher;
- As mulheres precisavam de autorização do marido para poderem ser comerciantes, para arrendarem uma casa e para viajar para o estrangeiro;
- Nas eleições só podiam votar os chefes de família, com um grau de instrução mínima e rendimentos. Assim ficavam de fora as mulheres, os analfabetos e os pobres.
A actual Constituição da República Portuguesa consigna no seu Artigo 13.º (Princípio da igualdade) que:
“1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”
Significa isto que entre outras coisas, a Constituição da República Portuguesa consigna a igualdade de género, a qual tem merecido especial atenção por parte do Parlamento Europeu ao longo dos últimos 30 anos, especialmente no que se refere a condições de trabalho, violência e discriminação. Para concretizar este objectivo, o Parlamento Europeu tem recorrido a instrumentos como: legislação, apoio a projectos de organizações não governamentais e campanhas de sensibilização.
Em Portugal existe uma Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG). Integrada na Presidência do Conselho de Ministros e sob a tutela do Gabinete da Secretária de Estado da Igualdade, a CIG é um dos mecanismos governamentais para a Igualdade de Género e tem a missão de garantir a execução das políticas públicas no âmbito da cidadania e da promoção e defesa da igualdade de género. 
MOSTRA ICONOGRÁFICA “AS MULHERES DO MEU PAÍS”
Os três primeiros quartéis do século XX foram entre nós, anos de luta da mulher pela igualdade de género, que ainda continua.
Como etnógrafo amador, socorro-me dos bilhetes-postais ilustrados antigos como documentário topográfico, etnográfico, histórico, sociológico e artístico do país. Foi assim que do meu vasto acervo, seleccionei 36 exemplares da primeira metade do século XX, 3 por cada uma das nossas 12 regiões (Minho, Trás-os-Montes e Alto Douro, Douro Litoral, Beira Litoral, Beira Alta, Beira Baixa, Ribatejo, Estremadura, Alentejo, Madeira e Açores). Foram esses postais que estiveram na génese da montagem da mostra iconográfica sob o título em epígrafe, onde se mostram com toda a sua força anímica, as mulheres do povo, da serra à campina, da charneca à beira-rio e à beira mar, no continente e nas ilhas. Mulheres com trajos de trabalho ou de romaria, mas sempre em perfeita sintonia com o meio, o clima e a identidade cultural regional. Lavradoras, camponesas, mondadeiras, ceifeiras, azeitoneiras, vindimadeiras, aguadeiras, pastoras, peixeiras, varinas, lavadeiras, regateiras, vendedoras de flores, fiandeiras, bordadeiras ou simplesmente mulheres. Mulheres que arrostando com a descriminação, mas lutando contra ela, ajudaram a fazer este país, com a força do seu trabalho, com o seu exemplo e maternidade. Mulheres que lutaram ao lado do homem. Mulheres que foram avós, mães, companheiras e filhas. Mulheres de ontem, tais como as de hoje, com quem vivemos e por quem vivemos por amor. Mulheres que são “As Mulheres do Meu País”, título da mostra iconográfica que entronca no título homónimo do livro da escritora, tradutora, jornalista e resistente anti-fascista Maria Lamas, Presidente em 1947 do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, organização centrada na defesa dos direitos sociais e políticos das mulheres, fundada em 1914 pela médica ginecologista Adelaide Cabete. Este Conselho foi encerrado por ordem de Salazar em Julho de 1947, no ano de presidência de Maria Lamas. Esta terminaria em 1948, a obra “As Mulheres do Meu País”, que dedica a todas as mulheres portuguesas. Trata-se de uma monumental reportagem sobre a vida das mulheres portuguesas, publicada sob a forma de 15 fascículos, o último dos quais em Abril de 1950, no ano a seguir a ter estado presa pela primeira vez, no forte de Caxias.
À memória de Maria Lamas e a todas “As Mulheres do Meu País” que têm sabido lutar contra a discriminação, se dedicou a presente mostra iconográfica.

(Presidente da Associação Filatélica Alentejana)
Publicado inicialmente a 15 de Fevereiro de 2011

 MINHO
Mulheres na fonte


TRÁS-OS MONTES E ALTO
Camponeses numa feira de gado – Montalegre

 DOURO
Lavradora - Póvoa de Varzim


 BEIRA ALTA
Camponesas - Caramulo


 BEIRA BAIXA
Fiandeira - Monsanto


BEIRA LITORAL
Vendedoras no mercado - Leiria


 RIBATEJO
Dançarinos


 ESTREMADURA
Lavadeira - Caneças


 ALENTEJO
Azeitoneira - Estremoz


 ALGARVE
Camponesa


 MADEIRA
Rapariga moendo trigo


  
AÇORES
Camponesas - Angra do Heroísmo

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

A República é uma bebedeira


Bêbado sentado numa pipa, com um odre de vinho nas mãos.
Oficinas de Estremoz dos finais do séc. XIX.


Adquiri recentemente um belo e curioso exemplar de barrística popular produzido numa das Oficinas de Estremoz dos finais do séc. XIX, tematicamente situado no domínio satírico, o que me é particularmente grato.
Representa um homem trajando à moda da época, sentado numa pipa, com um odre de vinho nas mãos. As notórias rosetas que ostenta nas faces, indiciam tratar-se de um bêbado. Este, apresenta a cabeça coberta por um barrete frígio vermelho, símbolo da Revolução Francesa (1789) e desde então adoptado como inequívoco símbolo do regime republicano, que em 1910 seria implantado em Portugal.
O Partido Republicano Português foi fundado em 1876, iria crescer e a propaganda republicana iria suscitar adesão popular às suas propostas, que abalavam fortemente a monarquia no poder desde o início do reinado de D. Afonso Henriques (1143).
Naturalmente que a batalha ideológica entre monárquicos e republicanos seria intensa e cada um dos lados tinha os seus apoiantes e os seus detractores. Essa batalha ideológica teria repercussões em vários domínios: na literatura, na imprensa, na ilustração e é claro na arte popular, acabando os autores por serem partidários duma facção ou da outra.
A meu ver, o presente exemplar de barrística popular estremocense é uma sátira monárquica à República, já que o bêbado usa barrete frígio vermelho. A mensagem anti-republicana implícita parece ser evidente: “A República é uma bebedeira”.
De salientar a decoração da base octogonal (quadrangular com as pontas cortadas em bisel), sarapintada com manchas brancas, verdes e pretas, que configuram um tecido camuflado.

Publicado inicialmente em 17 de Julho de 2021

sábado, 1 de fevereiro de 2025

D. Carlos I, Fotógrafo Amador‏

Fotografia obtida pelo Monarca. Fundação da Casa de Bragança – Palácio Ducal de Vila Viçosa.

1. EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA "D. CARLOS I, FOTÓGRAFO AMADOR"

Numa iniciativa do Museu-Biblioteca da Casa de Bragança esteve patente ao público na Sala de Exposições Temporárias do Castelo de Vila Viçosa, entre 20 de Junho e 20 de Setembro de 2010, uma exposição de fotografia, designada “D. Carlos I, Fotógrafo amador”. As fotos pertenciam ao Arquivo Fotográfico do Paço Ducal de Vila Viçosa, constituído por:
- um núcleo de cerca de cinquenta álbuns de família (cerca de 2000 fotos), muitos deles organizados pelo próprio Rei a bordo do Yacht Amélia;
- um conjunto de maços com cerca de 1000 fotografias idênticas de D. Carlos I, destinadas a serem oferecidas;
- álbuns e os maços de fotografias (cerca de 7000), das visitas reais, das fotografias oficiais e das cerimónias protocolares oferecidas pelos melhores fotógrafos da época.
Deste vasto conjunto apenas estiveram em exposição, reproduções de sessenta espécies, principalmente da autoria de D. Carlos I, distribuídas por quatro temas:
- As mais antigas (1887), as experiências (1888) e as ofertas;
- As fotografias para apoio à pintura e que serviriam de modelo ao quadro que surgiria mais tarde;
- As reportagens com títulos que ilustram o tema abordado;
- Uma família de fotógrafos.
A mostra visava divulgar um arquivo que é desconhecido da maioria dos investigadores e simultaneamente dar uma nova perspectiva da vida e dos interesses da Família Real, nos últimos anos da Monarquia.
O respeito que me merece a memória daquele a quem Ramalho Ortigão apelidou de “O martyrisado”, levou-me a que, pensando nos meus leitores, fizesse aqui o traçado fiel do perfil biográfico do Monarca.

2. SINOPSE DUM REINADO

D. Carlos I, mais tarde cognominado “O Diplomata”, nasceu no Palácio da Ajuda, a 28 de Setembro de 1863, sendo baptizado ria igreja de S. Domingos em 19 de Outubro do mesmo ano, recebendo o nome de Carlos Fernando Luís Maria Vítor Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis José Simão de Bragança Sabóia Bourbon Saxe-Coburgo-Gotha. É filho primogénito de El-Rei D. Luís I e da rainha senhora D. Maria Pia de Sabóia; neto paterno de D. Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha e da rainha D. Maria II; neto materno do rei de Itália Vítor Manuel.
Casou em Lisboa, na Igreja de S. Domingos, a 22 de Maio de 1886 com a princesa Maria Amélia Luísa Helena de Orléans (28-9-1865, 25-10-1951), neta de Luís Filipe, rei de França e filha de Luís Filipe Alberto, conde de Paris e duque de Orléans, e de sua esposa, Maria Isabel Francisca de Assis, infanta de Espanha.
Do casamento nasceram:
1. D. Luís Filipe (21-3-1887, 1-2-1908), vítima como o pai do regicídio;
2. D. Maria Ana (14-12-1887, 14-12-1887), falecida à nascença;
3. D. Manuel II (15-11-1889, 2-7-1932), que sucedeu no trono a D. Carlos I e viria a ser o último rei de Portugal, tendo recebido os cognomes de “O Patriota” e “O Bibliógrafo”.
O reinado de D. Carlos I, iniciado em 19 de Outubro de 1889, por morte de D. Luís I, decorreu num ambiente efervescente, marcado por uma série de graves acontecimentos:
 O “Ultimatum” inglês, apresentado ao governo português, em 11 de Janeiro de 1890, motivado pelo traçado do chamado “mapa cor-de-rosa”, acerca de limites territoriais em Africa;
 A tentativa gorada de Revolução Republicana de 31 de Janeiro de 1891, associada à revolta militar do Porto, na sequência da enorme agitação causada pelo “Ultimatum” inglês;
- O recrescimento das lutas políticas entre republicanos e monárquicos;
- A Ditadura de João Franco (2-5-1907 a 4-2-1908).
- A eclosão de revoltas por todo o Ultramar;
- Nova tentativa gorada de Revolução Republicana, em 21 de Janeiro de 1908;
- E, finalmente, a 1 de Fevereiro de 1908, quando a Família Real regressava de Vila Viçosa com destino a Lisboa, D. Carlos I, sofre um atentado republicano em pleno Terreiro do Paço, sendo vitimado, bem como o filho mais velho, o Príncipe herdeiro D. Luís Filipe. O segundo filho, D. Manuel II, é aclamado Rei de Portugal pelas Cortes, a 6 de Maio de 1908. Dois anos mais tarde é implantada a República (5-10-1910) e a Família Real embarca na Ericeira (6-11-1910), no iate real "Amélia IV”, para o exílio em Inglaterra.
D. Carlos I foi educado para ser rei, revelando desde muito jovem cedo uma forte aptidão para as artes, para o desporto e para a observação da natureza, dedicando-se com notável êxito a um conjunto variado de actividades de que sobressaem, a Arte, a Oceanografia, a Ornitologia e o Desporto (caça, pesca e equitação).

3. O ARTISTA

Como pintor, D. Carlos I foi discípulo do pintor aragonês Mestre Henrique Casanova (1850-1913) e apesar de ter experimentado várias técnicas, especializou-se sobretudo na aguarela e no pastel, sendo as temáticas predominantes, o mar, a paisagem alentejana e a fauna. Do seu trabalho como artista merece referência a opinião do escritor Ramalho Ortigão (1836-1915) (8): “Idealmente refugiado no culto da pintura, em que foi eximio, attingiu uma das mais altas eminências a que póde ascender o espírito. Foi consagrado “artista”". De D. Carlos I – artista, disse o naturalista e seu assistente nas Campanhas Oceanográficas Albert Girard (4): “Como Artista estou a vêr os Seus pasteis, as Suas aguarellas, os Seus desenhos à penna, as Suas gravuras, as reproducções d'essas obras que tantas revistas nacionaes e estrangeiras illustraram; a facilidade da Sua maneira, a profusão do Seu pincel, por tal forma espalhado que difficil seria, senão impossível, reunir todas as Suas obras; os Seus triumphos nas exposições do Grémio Artístico, na ultima Exposição universal de Paris, na Sociedade Nacional de Bellas Artes, na Exposição universal de S. Luiz, na de Bellas Artes de Barcelona; e ainda, ha bem pouco, Société Artistique dés Amateurs.
É que Elle tinha a expontaneidade do artista de raça, que n'um traço a lápis affirma a sua individualidade.”

“O Sobreiro”, pastel sobre cartão, executado pelo Rei
em 1905. Fundação da Casa de Bragança – Palácio
Ducal  de Vila Viçosa.

Sobre a obra artística de D. Carlos I diz também o seu biógrafo, o escritor e jornalista Rocha Martins (7): “Fialho de Almeida, republicano, no tempo em que criticou D. Carlos como governante, irreverrente ao referir-se às obras dos pintores, depois chegados à supremacia, não poude deixar d’analisar, com respeito e louvor, certo trabalho do chefe de estado monárquico que conquistara na arte uma realeza”.

4. O OCEANÓGRAFO

Aos estudos oceanográficos dedicou D. Carlos I, a sua mais profunda atenção. Assim, em 1 de Setembro de 1896, nasceu a Oceanografia portuguesa, quando D. Carlos iniciou, a bordo do seu primeiro iate “Amélia”, uma série de 12 Campanhas Oceanográficas ao longo da costa atlântica de Portugal que se prolongariam até 1906, com o objectivo principal de inventariar e estudar a fauna marinha da costa portuguesa, acção que para além do inegável interesse científico se revelava de bastante interesse prático, por permitir maximizar o rendimento da indústria e do comércio da pesca, dada a enorme importância económica da indústria piscatória em Portugal. O monarca efectuou ainda o estudo das correntes e o reconhecimento da topografia dos fundos oceânicos.
Os resultados dessas investigações receberam amplos elogios de cientistas estrangeiros e estão compilados em quatro seguintes livros publicados. Em 1897: Yacht «Amelia» – Campanha oceanographica de 1896. Em 1899: ¬Pescas maritimas – I – A pesca do atum no Algarve em 1898. Em 1902: Rapport préliminaire sur les Campagnes de 1896 à 1900 – Fascicule I – Introduction – Campagne de 1896. Em 1904: Ichthyologia – II – ¬Esqualos obtidos nas costas de Portugal durante as campanhas de 1896 a 1903.
A divulgação científica das Campanhas Oceanográficas oceanográficas de D. Carlos foi ainda efectuada através da participação em exposições públicas nacionais e internacionais, onde figuravam espécimes recolhidos, redes e instrumentos utilizados, bem como desenhos.
O mérito da sua obra científica de D. Carlos I foi internacionalmente reconhecido, como o atesta a profusão de diplomas que lhe foram outorgados pelas mais prestigiadas instituições científicas de antanho.
Para o Professor Luís Saldanha (1937-1997) (6), um dos mais conhecidos biólogos marinhos portugueses “A actividade oceanográfica do Rei D. Carlos de Bragança abriu as portas a uma disciplina completamente nova em Portugal” , pelo que muito justamente considera “D. Carlos de Bragança, pai da oceanografia portuguesa”. Para Maria Manuela da Câmara Falcão (3) “Assim, Carlos I de Portugal e Alberto I de Mónaco fundaram a Oceanografia e com ela abriram à Humanidade a última fronteira do Planeta, os Oceanos”.

        D. Carlos de Bragança, a bordo iate Amélia II. Aquário Vasco da Gama, Lisboa.

5. O NATURALISTA

De acordo com o naturalista e colaborador Alberto Girard (4), D. Carlos I ”…tinha a memoria da vista: forma, cor, tom, tudo apprehendia rapidamente e para sempre fixava com a Sua inexcedível memória…”, De acordo com o biólogo, Professor Mário Ruivo (11) “Temos aqui dois elementos de base, para suportar, potencialmente, a personalidade de um Naturalista, sobretudo no campo da Sistemática”. É assim que D. Carlos I, publica em 1903 um primeiro fascículo do “Catálogo illustrado das aves de Portugal”, a que se segue em 1907 um segundo fascículo, onde ainda segundo Mário Ruivo (11) “…são referidas algumas dezenas de espécies portuguesas, com a referida nomenclatura científica e sinonímia mais importante, e os respectivos nomes vulgares em português, francês, espanhol, inglês e, italiano, sendo acompanhadas de breves indicações sobre a suas distribuição geográfica, arribações, e nalguns casos, comportamento”, o que representa uma contribuição fundamental para o inventário da nossa fauna ornitológica. Contudo, a obra de D. Carlos I, como naturalista, ficaria sobretudo ligada ao inventário da fauna marinha da costa portuguesa.

Projecto de D. Carlos para a capa da sua obra “Estudos
Ornitológicos”. Aquário Vasco da Gama, Lisboa

6. UM BALANÇO

No reinado de D. Carlos I, há a destacar eventos como:
- As vitórias na campanha de África, contra o Gungunhana e namarrais;
- As celebrações do V Centenários do nascimento do Infante D. Henrique, no Porto (1894), e do IV Centenário do descobrimento do caminho marítimo para a Índia, em Lisboa (1898);
- Um certo desenvolvimento das colónias;
- A ligação das ilhas dos Açores ao continente pelo cabo submarino;
- As visitas a Portugal de soberanos estrangeiros: Eduardo VII de Inglaterra (1903), Afonso XIII de Espanha (1905), Guilherme II da Alemanha (1905) e do Presidente República Francesa, Emile Loubet (1905), visitas que foram retribuídas e que correspondem a um notável trabalho diplomático.
Apesar de todos estes aspectos positivos do seu reinado e da notoriedade que alcançou a nível científico, tanto nacional como internacionalmente, D. Carlos I não conseguiu resolver os graves problemas políticos resultantes, por um lado, de uma profunda crise interna e do ambiente internacional, favorável ao desaparecimento das monarquias na Europa.
Em entrevista ao Diário francês “Le Temps” de Novembro de 1907, dizia D. Carlos: “Nunca esqueci, um instante sequer, quais são os meus deveres para com a minha coroa e para com o meu querido país”. Entendimento diferente tinham os republicanos, daí ser vítima de um atentado perpetrado em pleno Terreiro do Paço, a 1 de Fevereiro de 1908, quando regressava de Vila Viçosa. Os regicidas, os republicanos, Alfredo Costa e Manuel Buíça, mortos no próprio local do atentado, foram elevados à categoria de heróis nacionais. Diz-nos Margarida Magalhães Ramalho (10): “No dia seguinte, poucos jornais tarjaram de preto e a notícia foi dada displicentemente. Sobre D. Carlos pouco se disse. No estrangeiro, mesmo na França republicana, o atentado é condenado veementemente e em toda a imprensa estrangeira a figura do rei desaparecido é largamente enaltecida, lembrando-se o político, o artista e o homem de ciência. Por cá, são as figuras de Costa e Buiça que merecem o carinho do público, abrindo-se mesmo subscrições para os órfãos deste último”.
Para o jurista e jornalista Miguel Sousa Tavares (14) “Se a Maçonaria matou El-Rei D. Carlos, cada português, todos os portugueses, mataram El-Rei segunda vez, na escura cobardia colectiva, na estranha aceitação do crime e das suas consequências políticas”.
Em entrevista publicada pelo jornal “Correio da Manhã”, no dia dia 27 de Janeiro de 2008, o então Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano - Maçonaria Portuguesa (GOL), António Reis, esclareceu que “Por doutrina, a Maçonaria não é contra a monarquia, mas contra as monarquias absolutas e contra as ditaduras, por violarem um dos grandes princípios da Maçonaria que é a Liberdade”. Porém e de acordo com ele “A Maçonaria combateu a monarquia concreta de D. Carlos que com o governo de João Franco, de 1906 a 1908, teve uma deriva ditatorial, cuja responsabilidade pertence ao próprio rei. Foram estas circunstâncias que levaram a Maçonaria a preparar o derrube da monarquia”. Apesar de tudo e segundo o Grão-Mestre do GOL, “A Maçonaria “não interveio, nem directa, nem indirectamente” no regicídio de 1908, com o qual não concordou”.

7. A FOTOGRAFIA E A CARTOFILIA

D. Carlos I foi um amante da fotografia, arte a viver os seus primeiros tempos de pioneirismo e que também cultivou, registando para a posteridade, reportagens das múltiplas actividades em que se viu envolvido (campanhas oceanográficas, caçadas, regatas, comboios, etc).
É no reinado de D. Carlos que são introduzidos em Portugal os bilhetes-postais ilustrados.
O primeiro bilhete-postal ilustrado português foi emitido pelos correios e data de 4 de Março de 1894, quando da comemoração do 5° Centenário do Nascimento do Infante D. Henrique. Seguiu-se-lhe o do VIl Centenário do Nascimento de Santo António, em 1895, e os do IV Centenário da Índia, em 1898.
O primeiro bilhete-postal ilustrado português de fabrico não oficial, exigindo a colagem de um selo de franquia ordinária, foi editado em 1895 pela Companhia Nacional Editora, a propósito do Centenário de Santo António.
Desde então para cá, correios e particulares nunca mais pararam na emissão e edição de bilhetes-postais ilustrados para comemorar efemérides, homenagear personalidades, fazer propaganda oficial ou religiosa, divulgar monumentos, paisagens ou costumes regionais e evocar acontecimentos históricos.
Com o aparecimento dos bilhetes-postais surgiu o seu coleccionismo (Cartofilia) e os coleccionadores (cartófilos).
Naturalmente que D. Carlos e com ele a família real seriam tema de edições particulares de postais ilustrados, o mesmo acontecendo com as visitas de soberanos estrangeiros, atrás referidas. Alguns desses bilhetes-postais ilustrados circularam com o selo do lado da imagem e são designados por TCV’s – timbre-cotê-vues.

Bilhete-postal ilustrado, edição privada, não identificada, 
reproduzindo sua Majestade, envergando a farda de
Almirante General da Armada, cerca de 1906. Porte de
10 reis. Expedido de LISBOA para BRUXELAS no dia
16-3-1906. Colecção Hernâni Matos.

8. BIBLIOGRAFIA

1. AQUÁRIO VASCO DA GAMA. El-Rei D. Carlos. A história de um dos pioneiros mundiais no estudo da Oceanografia.
4. GIRARD, Alberto (1909). Elogio Académico de Sua Majestade El-Rei o Senhor D. Carlos I, Presidente da Academia Real das Sciencias de Lisboa. Lisboa: Typographia da Academia.
5. MARQUES, Oliveira (1954). História do Selo Postal Português. Volume I – Continente. Porto: Mercado Filatélico.
7. MARTINS, Rocha (1926). D. Carlos, História do seu Reinado. Lisboa; A.B.C.
8. ORTIGÃO, Ramalho (1908). REI D. CARLOS – O Martyrisado. Lisboa: Typographia “A Editora”.
9. RAMALHO, Margarida Magalhães (2003). Cadernos de Desenho – D. Carlos de Bragança. Lisboa: Edições INAPA.
10. RAMALHO, Margarida Magalhães (2001). FOTOBIOGRAFIAS SÉCULO XX – REI D. CARLOS. Lisboa: Círculo de Leitores.
11. RUIVO, Mário (1958). D. Carlos de Bragança – Naturalista e Oceanógrafo. Lisboa: Fundação da Casa de Bragança.
12. SERRÃO, J. Veríssimo (1986). História de Portugal, Volume X. Lisboa: Verbo.
13. SERRÃO, Joel (1976). Pequeno Dicionário de História de Portugal. Lisboa: Iniciativas Editoriais.
14. TAVARES, Francisco Sousa Tavares (1960). Combate Desigual. Lisboa: Edição de Autor.

Publicado inicialmente em 26 de Junho de 2010

sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Estremoz - Rua 31 de Janeiro


1 - RUA DE SANTA CATARINA (1891) – Ao fundo ainda não existe a Fonte do Hospital
Real de São João de Deus. Os candeeiros da iluminação pública estão implantados
nas paredes dos prédios. Fotografia de C. J. Walowski (1891).


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Estudo de toponímia local

 “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, / Muda-se o ser, muda-se a confiança: / Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades.” (Camões). É assim que os topónimos identificadores das ruas são modificados no decurso do tempo. A presente crónica procura trazer à luz do dia, as razões históricas que estiveram na origem das alterações sucessivas dum topónimo estremocense, conhecido actualmente como Rua 31 de Janeiro.
Guerra da Restauração
Em 1580 ocorreu a ocupação filipina de Portugal, tendo o nosso país vivido sob o domínio espanhol até à Restauração da Independência em 1 de Dezembro de 1640. Nesta data ocorreu em Lisboa um golpe de estado revolucionário que se propagou a todo reino e levou à aclamação de D. João IV como rei de Portugal. A partir daquela data, Portugal travou com Espanha a chamada Guerra da Restauração. Esta só terminaria a 13 de Fevereiro de 1668 com a assinatura do Tratado de Lisboa entre Afonso VI de Portugal e Carlos II de Espanha, no qual é reconhecida a total independência de Portugal.
No decurso da Guerra da Restauração houve necessidade de defender o reino da ofensiva espanhola, mormente em localidades fronteiriças, as quais tiveram que ser fortificadas. Foi o que aconteceu em Estremoz que ganhou importância na contextura militar nacional, uma vez que funcionava como 2ª linha de defesa do território, sobretudo em termos logísticos, já que armazenava armas e mantimentos e aquartelava tropas.
Foi D. João IV que em 1642 ordenou ao engenheiro militar holandês João Pascácio Cosmander, o traçado da futura muralha poligonal abaluartada que cinge o centro histórico num perímetro com mais de 5 Km, cuja maior parte ainda hoje existe. Após a morte de Cosmander em 1648, foi o engenheiro-militar francês Nicolau de Langres, que a partir de 1662 foi encarregue das obras que terminaram em 1671, sob a direcção de Luís Serrão Pimentel, engenheiro-mor do exército. As portas monumentais da muralha só foram concluídas entre 1676 e 1680. Uma dessas portas que ainda hoje estabelece comunicação com as estradas para Sousel-Fronteira e Veiros-Monforte-Portalegre, é a Porta de Santa Catarina, que inclui um nicho de devoção à padroeira, Santa Catarina de Alexandria. Em termos toponímicos e na perspectiva da época seria natural designar por Rua de Santa Catarina a rua que até ao Hospital Real de São João de Deus dava acesso aquela porta, o que veio a acontecer. A partir do Hospital e até à porta a designação toponímica recebida pelo arruamento foi a de Largo de Santa Catarina.
Proclamação da República
A 5 de Outubro de 1910 ocorre o derrube da Monarquia, fruto da acção doutrinária e política do Partido Republicano Português, criado em 1876 e cujo objectivo essencial foi desde o princípio, a substituição do regime. As questões ideológicas não eram primordiais na estratégia dos republicanos, uma vez que para a maioria dos seus simpatizantes, bastava ser contra a Monarquia, a Igreja e a corrupção política dos partidos tradicionais.
Na noite de 3 para 4 de Outubro de 1910, eclodiu em Lisboa um Movimento Revolucionário impulsionado pelo Partido Republicano e apoiado pela Marinha de Guerra e por forças do Exército. Após dois dias de combate, o Movimento Revolucionário triunfa e a República é proclamada na manhã de 5 de Outubro das janelas da Câmara Municipal de Lisboa e é constituído imediatamente um Governo Provisório, presidido pelo Dr. Teófilo Braga, que assume como tarefa fundamental uma mudança radical nas instituições vigentes.
Com a queda da Monarquia a 5 de Outubro de 1910, há uma mudança de paradigma. Uma Monarquia com oito séculos é substituída por uma República que tomou o poder nas ruas de Lisboa e depois de o proclamar às varandas da Câmara Municipal, o transmitiu para a província à velocidade do telégrafo.
Em Estremoz quem recebeu o telegrama do Ministro do Interior António José de Almeida anunciando a proclamação da República em Lisboa, foi o empresário João Francisco Carreço Simões (1893-1954) seu amigo pessoal e igualmente membro do Partido Republicano. Seria ele a proclamar a República no dia 6 de Outubro de uma sacada da Câmara Municipal de Estremoz, da qual viria a ser Vice-Presidente.
Na sequência da revolução republicana de 5 de Outubro de 1910, as instituições e símbolos monárquicos (Rei, Cortes, Bandeira Monárquica e Hino da Carta) são proscritos e substituídos pelas instituições e símbolos republicanos (Presidente da República, Congresso da República, Bandeira Republicana e A Portuguesa), o mesmo se passando com a moeda, as fórmulas de franquia postais e os topónimos.
A 1ª República decretou em 1911 uma “Lei de Separação da Igreja do Estado”, de acordo com a qual a religião católica apostólica romana deixou de ser a religião do Estado, cuja laicidade passou a ser defendida. A influência secular da Igreja Católica fazia-se sentir mesmo a nível de toponímia, pelo que os republicanos entenderam que a mesma deveria ser laicizada. Daí que em Estremoz, a Rua de Santa Catarina tenha sido rebaptizada laicamente como Rua 31 de Janeiro, em memória de um marco importante na luta pela implantação da República, que foi a Revolta de 31 de Janeiro de 1891, primeiro movimento revolucionário que teve por objectivo a implantação do regime republicano em Portugal.
Aquela revolta eclodiu ao início da madrugada no Porto, cidade onde foi proclamada a República, na varanda da Câmara Municipal. A revolta surgiu como reacção às cedências do Governo (e da Coroa) ao ultimato britânico de 1890 por causa do Mapa Cor-de-Rosa, que pretendia ligar, por terra, Angola a Moçambique. Cerca das 10 horas da manhã, os revoltosos são forçados a render-se, atingidos pela fuzilaria e pela artilharia da Guarda Municipal. A Revolta saldou-se por 12 mortos e 40 feridos entre os revoltosos civis e militares, os quais foram julgados e condenados em Conselhos de Guerra realizados a bordo de navios, ao largo de Leixões.
28 de Maio
Desde os primórdios que a I República Portuguesa deu indícios de fragilidade. Num período de 16 anos, que findou a 28 de Maio de 1926, a I República Portuguesa teve 7 Parlamentos, 8 Presidentes da República, 39 Governos, 40 Chefes de Governo, uma Junta Constitucional e uma Junta Revolucionária. O clima era de instabilidade e o país encontrava-se permanentemente à beira da guerra civil.
A de 28 de Maio de 1926 ocorreu um pronunciamento militar de cunho nacionalista e antiparlamentar, que derrubou a I República Portuguesa e implantou uma Ditadura Militar, que eufemisticamente se viria a autodenominar Ditadura Nacional. Após a aprovação da Constituição de 1933, a Ditadura Nacional rebaptizou-se com a designação de Estado Novo, regime autoritário de partido único, chefiado sucessivamente por Oliveira Salazar e por Marcelo Caetano, que se manteve no poder até 25 de Abril de 1974.
A necessidade de apagar todos os vestígios locais de republicanismo e de num acto de vassalagem homenagear o então “Dono disto tudo”, terão estado na origem dos responsáveis municipais de então, terem travestido a Rua 31 de Janeiro em Rua Dr. Oliveira Salazar.
25 de Abril
O derrube da ditadura mais velha da Europa – o regime de Salazar e de Caetano - foi conseguido em 25 de Abril de 1974, graças à acção militar coordenada do Movimento das Forças Armadas – MFA, cuja origem remonta ao clima de instabilidade no interior das próprias Forças Armadas.
Um Esquadrão do RC3, comandado pelo Capitão Andrade Moura, tendo como adjunto o Capitão Alberto Ferreira e com a participação do 1º Sargento Francisco Brás, teve papel determinante no desfecho dos acontecimentos do 25 de Abril de 1974, em Lisboa. Daí que à sua chegada a Estremoz no dia 27 de Abril, tenha sido objecto de honras militares e de aclamação popular, junto ao quartel do Regimento. Foi o reconhecimento local e possível pela liberdade reconquistada.
Logo a seguir ao 25 de Abril, opositores ao regime reuniram-se numa casa da rua do Mau Foro, vulgo Rua Alexandre Herculano. Ali funcionaria mais tarde a primeira sede do PS. Tinha sido ali a sede do Círculo Cultural de Estremoz, associação cultural de antes de Abril, no tempo do Dr. Luís Pascoal Rosado e cuja história está ainda por fazer. Era propriedade dos irmãos José e Afonso Costa. Ali se preparou o primeiro 1º de Maio. Eu e o meu pai estávamos lá. O camarada Binadade Velez, comunista da clandestinidade e que já estivera preso, levava uma lista de ruas com nomes ligados ao fascismo, as quais entendia ser preciso mudar. Uma delas era a Rua Dr. Oliveira Salazar, o que logo ali teve o acordo de todos. E foi assim que um topónimo, associado a um ditador de tão triste memória, entrou na rampa de lançamento para ser banido do nosso quotidiano diário, o que veio a ser concretizado pelo poder municipal, democraticamente legitimado. E foi assim que a rua foi rebaptizada laica e republicanamente com a sua designação anterior: Rua 31 de Janeiro. E viva a Liberdade!
Cronista do E, toponomista, republicano e tudo.
Publicado inicialmente a 14 de Março de 2018
(Texto publicado no jornal E nº 195, de 08-03-2018) 

2 - RUA DE SANTA CATARINA (Entre 1901 e 1909) – Ao fundo é visível a Fonte do Hospital
Real de São João de Deus. Esta fonte foi mandada construir pela Câmara de 1834, no
muro contíguo à ermida de São Brás e a edilidade de 1901 ordenou que fosse removida
para o local onde ainda hoje se encontra. Os candeeiros da iluminação pública estão
agora implantados nos passeios. Em segundo plano do lado direito é visível um típico
carro  de canudo alentejano e na frontaria do prédio contíguo é perceptível  um letreiro
que parece dizer “HOTEL GRADE”. Entre as crianças que brincam na rua, uma delas que
está agachada, parece estar a aparar um pião. A imagem é de um bilhete-postal ilustrado,
edição MALVA (Lisboa nº 697). No verso a data do carimbo de expedição dos correios é de 1909.

3 - RUA DE SANTA CATARINA (Entre 1901 e 1909). A legenda do bilhete-postal ilustrado
é “ESTREMOZ – Rua de Santa Catarina, (hoje Rua 31 de Janeiro). A imagem ainda que
colorida  é a mesma da figura 2. A edição deste bilhete-postal ilustrado, de editor não
identificado, terá ocorrido entre 1910 e 1915, já que esta é a data de circulação mais
antiga que eu tenho num bilhete-postal ilustrado desta série.

3 - RUA DE SANTA CATARINA (Entre 1901 e 1909). A legenda do bilhete-postal ilustrado
é “ESTREMOZ – Rua de Santa Catarina, (hoje Rua 31 de Janeiro). A imagem ainda que
colorida  é a mesma da figura 2. A edição deste bilhete-postal ilustrado, de editor não
identificado, terá ocorrido entre 1910 e 1915, já que esta é a data de circulação mais
antiga que eu tenho num bilhete-postal ilustrado desta série.

5 - RUA DR. OLIVEIRA SALAZAR (Anos 60 do séc. XX). Fonte do Hospital Real de São
João de Deus. Bilhete-postal ilustrado editado por FOTO TONY.

terça-feira, 26 de novembro de 2024

Apresentação do livro OS MISTÉRIOS DE OLIVENÇA de Carlos Luna



CONVITE
Carlos Eduardo da Cruz Luna, autor do livro "Os Mistérios de Olivença", vem, por este meio, convidá-lo(a) ]a estar presente no lançamento do seu novo trabalho literário, com o título referido, no dia 1 de dezembro de 2024, às 15:30, na Sociedade de Artistas Estremocense, Largo General Graça [Gadanha], 37 - Estremoz.
Certo que já ouviu falar muito de Olivença. Um mito da nossa História. Uma causa nacional. Uma anedota ocasional. Será tudo isso e muito mais. Ou não.
Pelo menos que conheça as maravilhas arquitetónicas de Olivença, todas elas portuguesas É essa informação que este livro lhe procura transmitir.
Agradeço a sua presença.

SINOPSE
Um grupo de jovens estudantes oriundos de Lisboa dirige-se a Mérida, numa excursão, a fim de visitar as suas ruinas romanas. Um engano na organização deixa um grupo de fora desse destino. Os organizadores, em Elvas, conseguem, com a ajuda de autoridades locais, encontrar uma alternativa. E eis um autocarro a caminho de Olivença, sem saber o que ia encontrar.
Olivença revela-se uma surpresa. Os seus monumentos e o traçado das suas ruas revelam a grandiosidade de um passado português pouco falado e menos ainda conhecido. Numa área relativamente reduzida, sucedem-se um museu, uma torre de menagem, um castelo dionísio e duas igrejas, uma das quais em puro estilo manuelino. Tudo isto e mais alguns marcos históricos são descobertos por um surpreendido grupo de estudantes, que não cabem em si de espanto.
No meio de tanta monumentalidade, haverá ainda um crime por desvendar e caberá aos jovens da capital.

domingo, 6 de outubro de 2024

Repercussões do 5 de Outubro no leito dos portugueses


Fig. 1 - Alegoria republicana em costas de cama de ferro.
Cortesia de Manuela mendes.

São conhecidos diversos tipos de camas de ferro com a coroa real portuguesa, dos quais os exemplares da Fig. 2 e da fig. 3 são apenas dois. Com a implantação da República Portuguesa em 5 de Outubro de 1910, há uma mudança de paradigma em múltiplos aspectos da vida social da época. Não admira, pois, que algum fabricante de camas de ferro, com sentido de oportunidade para o negócio, tivesse decidido adaptar a sua produção aos novos tempos.

A imagem da Fig. 1 mostra-nos em pormenor o topo das costas de uma cama de ferro. Em moldura elíptica de orla rendilhada, está patente uma alegoria republicana. Em primeiro plano, o barrete frígio, símbolo republicano da liberdade. Em segundo plano, um facho que emite luz, virado para a esquerda do observador, o qual integra a simbologia maçónica.

Aqueles dois símbolos conjuntamente quererão significar que “por detrás da República está a Maçonaria” ou “a República é de inspiração maçónica” ou ainda “por detrás da República está a ânsia da liberdade”.

O barrete frígio e o facho de luz estão implantados num campo de flores, que a serem mimosas, simbolizam a inocência e a pureza, virtudes que na alegoria estarão associadas à República e à Maçonaria.

Há entre nós, respigadores natos, farejadores de fino olfacto, guardadores de memórias compulsivos, os quais deambulam por aqui e por ali, em casas de adelo e mercados de velharias, “em busca do tempo perdido", como diria Marcel Proust. São heróis na maioria anónimos, muitas vezes com limitados ou mesmo parcos recursos, que a expensas suas, tomam a iniciativa e a liberdade de trazer à luz do dia, testemunhos e por vezes despojos do passado, que são importantes memórias materiais indispensáveis à construção e à explicitação da nossa memória histórica enquanto Povo e da nossa identidade cultural enquanto Nação.

MUITO OBRIGADO, MANUELA MENDES!

Hernâni Matos


Fig. 2 - Alegoria monárquica em costas de cama de ferro.
Imagem recolhida na internet.

Fig. 3 - Alegoria monárquica em costas de cama de ferro.
Imagem recolhida na internet.

domingo, 21 de julho de 2024

Os Bairros do Castelo e de Santiago em Estremoz, um levantamento de Rui Pimentel

 




Créditos fotográficos:
Maria Miguéns - Município de Estremoz

Este o título da exposição inaugurada ontem pelas 16 horas na Galeria Municipal D. Dinis em Estremoz e que ali estará patente ao público até ao próximo dia 15 de Setembro.

A mostra é constituída por um conjunto de fotografias e plantas arquitectónicas elaboradas pelo arquitecto Rui Pimentel do grupo CIDADE e visam estudar a zona que constitui o cerne que está na génese da cidade de Estremoz.

Ao acto inaugural, presidido pelo Presidente do Município José Daniel Sadio, compareceram cerca de duas dezenas de pessoas que ali se deslocaram atraídas pelo trabalho de Rui Pimentel, cuja actividade polifacetada transpôs há muito o domínio formal da arquitectura e se espraiou aos campos do design gráfico, cenografia para teatro, banda desenhada, ilustração, concepção de exposições, caricatura e cartoon.

Coube a Isabel Borda d’Água, directora do Museu Municipal de Estremoz, a apresentação do arquitecto Rui Pimentel, que de seguida explanou o trabalho efectuado. A finalizar, o Presidente do Município, José Daniel Sadio, agradeceu o trabalho do arquitecto Rui Pimentel e referiu-se aos desafios que se põem ao Município e às condicionantes a que este está sujeito. Verificaram-se ainda algumas intervenções por parte de alguns elementos do público, que não quiseram deixar de exprimir as suas opiniões pessoais acerca de toda a problemática suscitada pela presente exposição.