PARTIDA DE VASCO DA GAMA PARA A ÍNDIA EM 1497.
Aguarela de Alfredo Roque
Gameiro (1864-1935).
A 8 de Julho de 1497, a Armada de Vasco da
Gama (1460 ou 1469-1524) parte de Belém, em Lisboa, rumo à Índia. É composta
pelas naus São Gabriel, São Rafael e Bério.
De acordo com Rui de Pina (c. 1440-1522), cronista
oficial de D. João II (1455-1495) e de D. Manuel I (1469-1521), Vasco da Gama
terá sido investido no cometimento do Caminho da Índia, por D. Manuel I, na
alcáçova do Castelo de Estremoz e terá transportado com ele um pendão bordado
por Senhoras de Estremoz.
No local da partida da Armada, viria a ser
construída a Torre de Belém, jóia da Arte Manuelina. À direita do quadro, com
um bordão na mão esquerda, está o "velho do Restelo", em torno do
qual Camões no Canto IV (estâncias 94-104) de "Os Lusíadas",
construiria o chamado "Episódio do Velho do Restelo":
94
Mas um velho, de aspecto
venerando,
que ficava nas praias,
entre a gente,
postos em nós os olhos,
meneando
três vezes a cabeça,
descontente,
a voz pesada um pouco
alevantando,
que nós no mar ouvimos
claramente,
Cum saber só de
experiências feito,
tais palavras tirou do
experto peito:
95
Ó glória de mandar, ó vã
cobiça
desta vaidade a quem
chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se
atiça
c'ua aura popular, que
honra se chama!
Que castigo tamanho e que
justiça
fazes no peito vão que
muito te ama!
Que mortes, que perigos,
que tormentas,
que crueldades nele
experimentas!
96
Dura inquietação da alma e
da vida
fonte de desamparos e
adultérios,
sagaz consumidora conhecida
de fazendas, de reinos e de
impérios!
Chamam-te ilustre,
chamam-te subida,
sendo digna de infames
vitupérios;
chamam-te Fama e Glória
Soberana,
nomes com quem se o povo
néscio engana!
97
A que novos desastres
determinas
de levar estes Reinos e
esta gente?
Que perigos, que mortes lhe
destinas,
debaixo dalgum nome
preminente?
Que promessas de reinos e
de minas
d' ouro, que lhe farás tão
facilmente?
Que famas lhe prometerás?
Que histórias?
Que triunfos? Que palmas?
Que vitórias?
98
Mas, ó tu, geração daquele
insano
Cujo pecado e desobediência
Não somente do Reino
soberano
Te pôs neste desterro e
triste ausência,
Mas inda doutro estado mais
que humano,
Da quieta e da simpres
inocência,
Idade d' ouro, tanto te
privou,
Que na de ferro e d' armas
te deitou:
99
Já que nesta gostosa
vaïdade
Tanto enlevas a leve
fantasia,
Já que à bruta crueza e
feridade
Puseste nome, esforço e
valentia,
Já que prezas em tanta
quantidade
O desprezo da vida, que
devia
De ser sempre estimada,
pois que já
Temeu tanto perdê-la Quem a
dá:
100
Não tens junto contigo o
Ismaelita,
com quem sempre terás
guerras sobejas?
Não segue ele do Arábio a
lei maldita,
se tu pela de Cristo só
pelejas?
Não tem cidades mil, terra
infinita,
se terras e riqueza mais
desejas?
Não é ele por armas
esforçado,
se queres por vitórias ser
louvado?
101
Deixas criar às portas o
inimigo,
por ires buscar outro de
tão longe,
por quem se despovoe o
Reino antigo,
se enfraqueça e se vá
deitando a longe;
buscas o incerto e
incógnito perigo
por que a Fama te exalte e
te lisonje
chamando-te senhor, com
larga cópia,
da Índia, Pérsia, Arábia e
da Etiópia"
102
Oh, maldito o primeiro que,
no mundo,
nas ondas vela pôs em seco
lenho!
Digno da eterna pena do
Profundo,
se é justa a justa Lei que
sigo e tenho!
Nunca juízo algum, alto e
profundo,
nem cítara sonora ou vivo
engenho
te dê por isso fama nem
memória,
mas contigo se acabe o nome
e glória!
103
Trouxe o filho de Jápeto do
Céu
o fogo que ajuntou ao peito
humano,
fogo que o mundo em armas
acendeu,
em mortes, em desonras (grande
engano!).
Quanto melhor nos fora,
Prometeu,
e quanto para o mundo menos
dano,
que a tua estátua ilustre
não tivera
fogo de altos desejos, que
a movera!
104
Não cometera o moço
miserando
o carro alto do pai, nem o
ar vazio
o grande arquitector co filho,
dando
um, nome ao mar, e o outro,
fama ao rio.
Nenhum cometimento alto e
nefando
por fogo, ferro, água,
calma e frio,
deixa intentado a humana
geração.
Mísera sorte! Estranha
condição!
Vasco
da Gama atingirá Calicut em 20 de Maio 1498 e regressará a Lisboa em 1499, onde será coberto de honrarias por D. Manuel I.
Publicado inicialmente a 1 de Julho de 2014
Aguarela de Alfredo Roque
Gameiro (1864-1935).
Excelente meu bom Amigo. Abração
ResponderEliminarMuito obrigado. Igualmente para si.
EliminarUm interessante detalhe. Parabéns pela pesquisa e pela divulgação do facto
ResponderEliminarCongratulo-me por o meu texto ter sido do seu agrado.
EliminarHouve da sua parte EXCEPCONALMENTE um "lapsus scriptae" ao afirmar D. Manuel II em vez de D. Manuel I! Bem haja pela sua investigação e notícia. Abraço
ResponderEliminarMuito obrigado por o seu olhar atento ter detectado e apontado o engano, o qual já corrigi. Um abraço para si, também. bem haja.
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