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quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Os talêgos (3ª edição)


Esta é a 3ª edição do post, cuja 1ª edição é de 27 de Fevereiro de 2010, a que se seguiu uma 2ª edição a 7 de Novembro de 2010. Novamente foi ampliado com considerações de natureza linguística e de literatura oral, bem como pela adição de seis novas ilustrações e de mais três fontes bibliográficas.


APONTAMENTOS ETNOGRÁFICOS
OS talêgos eram sacos multicolores, de tamanho variável, confeccionados pelas mulheres com as sobras dos panos usados na confecção de saias, blusas e aventais ou mesmo de roupa velha que se tinha deixado de usar. Tinham um cordão ou nastro que corria dentro de uma bainha e que os permitia fechar. Podiam ser forrados ou ser singelos. Alguns eram rebuscados na sua concepção e manufactura, a qual podia incluir pompons e borlas. Outros haviam que eram simples, sendo alguns, até, manufacturados com um único tecido.
Os talêgos eram o providencial modo de transportar aquilo que de que precisávamos. Ia-se às compras de talêgo, o qual era lavado sempre que necessário. Havia um talêgo para ir aviar a mercearia e outro para ir ao pão, bem como outro para ir ao grão, ao feijão ou ao milho. Usávamos também um talêgo para guardar os magros tostões que tínhamos e ainda outro para guardar a existência usada no jogo do botão.
Os camponeses guardavam as sementes em talêgos e os moleiros recebiam talêgos de trigo, centeio ou milho, que devolviam com farinha, após terem subtraído a maquia devida à moagem. Era também nos talêgos que se levava comida para o local de trabalho.
Em nossas casas, nas arcas, cómodas e guarda-fatos havia pequenos talêgos com alfazema, que pelo seu cheiro afugentava traças, moscas, mosquitos e demais insectos. Nesses mesmos locais, existiam por vezes talêgos maiores, nos quais se acondicionava a roupa mais delicada ou mais antiga e que inspirava mais cuidados de preservação.
A pobreza, a falta de oportunidades de vida, a adversidade do clima, as catástrofes, a política repressiva, fizeram com que ao longo dos tempos, o povo português tivesse de emigrar, visando a melhoria das suas condições de vida. Para transportar os seus bens, a maioria das vezes, uma parca bagagem, lá estavam o talêgo e mais tarde, a mala de cartão.
O talêgo era a embalagem reciclável inventada pelo sabedoria popular, que sempre soube encontrar formas criativas de lutar contra a adversidade e a falta de meios. Depois de puído e roto pelo uso e pelas lavagens sucessivas, era remendado por mãos hábeis de mulheres, que assim lhe prolongavam a longevidade. E mesmo depois de serem abatidos ao serviço como “talêgos”, continuavam ter préstimo. Serviam de rodilha ou de esfregão, até tal ser possível. Só depois se deitavam fora, para serem degradados pela terra-mãe e renascerem sob outra forma.
Actualmente, a luta contra o desperdício e o consumismo, pela melhoria da nossa qualidade de vida e pela salvação do planeta, passa pela implementação da política dos 3 RRR:
 - Reduzir o lixo que se produz;
- Reutilizar as embalagens mais que uma vez;
- Reciclar os componentes do lixo, separando-os na origem.


Por isso impõe-se o regresso da utilização do talêgo na nossa vida quotidiana, sempre que formos às compras. O planeta e a melhoria da nossa qualidade de vida assim o exigem.
Não queremos abandonar o tema que temos estado a abordar, sem tecer algumas considerações de natureza linguística, bem como sublinhar igualmente algumas notas de literatura oral:
CONSIDERAÇÕES DE NATUREZA LINGUÍSTICA
Em primeiro lugar convém esclarecer que “talêgo” é a forma regionalista do substantivo “taleigo”, devida a um fenómeno fonético que consistiu na monotongação do ditongo “ei”, que se transformou assim em “ê”, o que teve repercussões no grafismo da palavra. [10]
Nos dicionários consultados, que abrangem o período de 1721[4] a 2001[2], existem verbetes sobre as palavras “ataleigar”, “taleiga”, “taleigada”, “taleigão”, “taleigo” e “taleiguinho”. Vejamos o que sobre estas palavras dizem os diferentes dicionários:
ATALEIGAR - Puxar as calças para cima da cintura. [9] (1922)
ATALEIGAR – Encher muito. [25] (1993)
TALEIGA – Substantivo feminino. De acordo com os dicionaristas consultados, designa:
- Saco pequeno. Uma taleiga de trigo são quatro alqueires. [4] (1721)
- Saco pequeno. Uma taleiga de trigo são quatro alqueires. [3] (1789)
- Saco, de maiores ou menores dimensões, e destinado especialmente à condução de cereais para os moinhos e da farinha que nestes se fabrica. Antiga medida para líquidos e cereais. (Do lat. Talica) [8] (1913).
- Saco pequeno e largo, destinado à condução de cereais para os moinhos e da farinha que nestes se fabrica. Antiga medida de azeite, equivalente a dois cântaros. Antiga medida de trigo, equivalente a quatro alqueires. (Do latim “talica”) [12] (s/d)
- Saco, bolsa, surrão. “Taleiga” é sinónimo de “teiga”. (Do árabe “ta’lîqâ”, saco). [15] (1977)
- Saco, pequeno e largo, destinado à condução de cereais para os moinhos e da farinha que nestes se fabrica. Antiga medida de azeite, equivalente a dois cântaros. Antiga medida de trigo, equivalente a quatro alqueires. [24] (1988)
- Saco pequeno e largo. Antiga medida para líquidos e cereais (Do árabe “ta'liqa”, saco) [19] (1996)
- Saco pequeno e largo usado normalmente no transporte de cereais e de farinha. Medida antiga de azeite, equivalente a dois cântaros. Medida antiga de trigo, equivalente a quatro alqueires. (Do árabe “ta'liqa”, saco.) [2] (2001)
- Saco pequeno e largo. Antiga medida para líquidos e cereais. (Do árabe “ta'lïqa”, saco). [20] (s/d)
TALEIGADA - Substantivo feminino. De acordo com os dicionaristas consultados:
- Uma taleigada de azeite, são dois cântaros de azeite, medida de Lisboa. [4] (1721)
- A porção que se leva numa taleiga. Uma taleigada de azeite, são dois cântaros de azeite, medida de Lisboa. [3] (1789)
- O que uma taleiga pode conter. Taleiga cheia (De taleiga). [8] (1913).
- O que uma taleiga pode conter. Taleiga cheia: uma taleiga de trigo. [12] (s/d)
- O que uma taleiga pode conter. Taleiga cheia. [24] (1988)
- Porção que enche uma taleiga ou um taleigo (De taleiga ou taleigo). [19] (1996)
- Conteúdo de uma taleiga. Porção que enche uma taleiga (De taleiga + suf. -ada). [2] (2001)
- Porção que enche uma taleiga ou um taleigo (De taleiga ou taleigo+-ada). [20] (s/d)
TALEIGÃO – Adjectivo e substantivo masculino. O mesmo que latagão (indivíduo robusto, forte, desempenado , e geralmente novo). [12] (s/d)
TALEIGO - Substantivo masculino. De acordo com os dicionaristas consultados:
- É um saco pequeno, como aquele em que o soldado leva às costas, pão de munição ou outra virtualha. Um taleigo leva dois alqueires de trigo (Deriva do castelhano “Talega” e este segundo Covarrubuias deriva do Grego). [4] (1721)
- Saco estreito e longo que leva dois alqueires. [3] (1789)
- Taleiga pequena. [8] (1913).
- Taleiga pequena. Saco. Cesto onde se transporta comida. O mesmo que barça. Saco onde se metia o falcão, na caça de altanaria. Antiga medida para secos, equivalente a dois alqueires. Víveres de reserva, para três dias, guardados num saco prlos homens de armas das hostes em campanha na Idade Média. O saco que continha esses víveres. [12] (s/d)
- Substantivo masculino e adjectivo, diminutivo de taleigão. [12] (s/d)
- Taleiga pequena. Saco. Cesto onde se transporta comida: O mesmo que barca. Saco onde se metia o falcão, na caça de altanaria. Antiga medida para secos, equivalente a dois alqueires. Víveres de reserva, para três dias, guardados num saco pelos homens de armas das hostes em campanha, na Idade Média. O saco que continha esses víveres. [24] (1988)
- Saco estreito e comprido. Taleiga pequena. (De taleiga) [19] (1996)
- Saco pequeno, estreito e comprido: Taleiga de dimensões reduzidas. Cesto usado para transportar comida. Medida antiga, equivalente a dois alqueires, usada para secos. Saco que era usado na caça de altanaria para levar o falcão. Saco que continha a comida para três dias, usado pelos homens de armas na Idade Média. Víveres contidos nesse saco. [2] (2001)
- Saco estreito e comprido. Taleiga pequena (De taleiga). [20] (s/d)
TALEIGUINHO – Substantivo masculino. Taleigo pequeno. (De taleigo e sufixo diminutivo -inho). [12] (s/d)
NOTAS DE LITERATURA ORAL
De acordo com o cancioneiro popular:
“Tenho um saco de cantigas,
E mais uma taleigada:
O saco é p’ra esta noite,
Taleiga p’ra madrugada.” [18]
A palavra “Taleigo” não figura, pelo menos actualmente na Onomástica Portuguesa como nome próprio. Assim o revela a consulta à lista dos vocábulos admitidos como nomes próprios, disponibilizada pelo Instituto dos Registos e do Notariado [13]. Todavia, a palavra é conhecida como sobrenome de nome próprio. A referência mais antiga que conhecemos figura num documento simples da Chancelaria Régia de D. Afonso V (liv. 14, fl. 85v), datado de 13 de Junho de 1466, o qual certifica que o monarca perdoou os 9 meses de degredo no couto de Marvão a Mem Rodrigues Taleigo, lavrador, morador em Évora Monte, o qual pagou 600 reais brancos para a Piedade. [6]
No Alentejo são conhecidas alcunhas em que figura a palavra “taleigo” ou palavras dela derivadas [22]:
- TALEGA - o visado faz comentários do estilo: "Grande talega!" (Marvão).
- TALEGUEIRO – o atingido anda sempre com um taleigo (Sines).
- TALEIGADAS (Avis).
- TALEIGO - Alcunha concedida a um sujeito baixo e gordo (Cuba e Portel).
- TALEIGUINHO - o receptor pendurou um taleigo num sobreiro (Santiago do Cacém) ou então é um indivíduo de baixa estatura (Aljustrel e Portei).
- TALEIGUINHO DA BUCHA - o receptor é baixo e gordo (Moura).
- TALEIGUINHO DAS ISCAS – o receptor quando ia à caça, levava sempre um taleiguinho com iscas (Aljustrel).
O adagiário português relativo ao taleigo é escasso:
- “Fazenda em duas aldeias, pão em duas talegas” [4]
- “O fidalgo, o galgo e o talego de sal, junto do fogo os hão de achar” [4]
- “O taleigo de sal quer cabedal” [5]
São conhecidas as seguintes imagens metafóricas usadas na gíria portuguesa:
Dar ao taleigo = Falar = Dar à língua = Parolar = Conversar [24], [25]
Dar aos taleigos = Parolar = Dar à língua [8]
Dar ao(s) taleigo (s) = Conversar demoradamente [23]
Dar ao(s) taleigo (s) = Dar á língua [19]
Dar ao(s) taleigo(s) = Conversar = Dar à língua [2]
No calão:
Talega = Grande Porção = Grande Peso = Saco de pano [25]
Taleiga = Carga excessiva = Grande quantidade [17]
Taleiga = Coisa Grande [14]
Taleiga = Naco = Pedaço de haxixe [21]
Taleiga = Saco Grande [25]
Taleigão = Latagão [25]
Taleigo = Prisão” [14], [25]
Taleigo = Saco pequeno [1], [25]
Na toponímia:
TALEGA = Freguesia do bispado de Elvas [16]
TALEIGÃO = Freguesia do concelho e distrito de Goa, Índia Portuguesa.
QUINTA DA TALEIGA = Lugar do concelho de Portalegre.
Os pregões usados pelos pregoeiros eram outra forma de literatura oral. Através deles se proclamava qualquer coisa, como por exemplo, aquilo que se tinha para vender. Era o caso do vendedor de picão que nos anos cinquenta do século passado percorria, todo enfarruscado, as ruas de Elvas, quando o frio de rachar aconselhava o uso da braseira. O pregão:
“Ah! Bom pi-cão”! "
anunciava a preciosa e sazonal mercadoria contida em taleigos transportados no dorso de pacientes asnos.
NOTA FINAL
Depois desta "taleigada" de considerações suscitadas pelo substantivo "talêgo" em termos linguísticos e de literatura oral, achamos por bem atar os cordões e dar o presente texto por terminado. Pelo menos por agora.
BIBLIOGRAFIA
[1] - BESSA, Alberto. A Gíria Portugueza. Gomes de Carvalho- Editor. Lisboa, 1901.
[2] – ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea. II Volume. Editorial Verbo. Lisboa, 2001.
[3] – BLUTEAU, Raphael; MORAES SILVA, António de. Diccionario da Língua Portugueza. Tomo Segundo. Officina de Simão Thaddeo Ferreira. Lisboa, 1789.
[4] – BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino. Vol. V. Officina de Pascoal da Sylva. Lisboa, 1721.
[5] – DELICADO, António. Adagios portuguezes reduzidos a lugares communs / pello lecenciado Antonio Delicado, Prior da Parrochial Igreja de Nossa Senhora da charidade, termo da cidade de Euora. Officina de Domingos Lopes Rosa. Lisboa, 1651.
[6] – DIRECÇÃO-GERAL DE ARQUIVOS [http://digitarq.dgarq.gov.pt/default.aspx?page=listShow&searchMode=as&sort=id&order=ASC]
[7] - FERREIRA, Diogo Fernandes. Arte da Caça de Altaneria. Vol. I. A Liberal. Lisboa, 1899.
[8] - Figueiredo, Cândido de. Novo Diccionário da Língua Portuguesa (2 vol.). Clássica Editora. Lisboa, 1913.
[9] - Figueiredo, Cândido de. Novo Dicionário de Língua Portuguesa. (2 vol.). Editora Portugal-Brasil Limitada, 1922.
[10] – FLORÊNCIO, Manuela. Dialecto Alentejano – contributos para o seu estudo. Edições Colibri. Lisboa, 2001.
[11] - GAMA, Eurico. Os Pregões de Elvas. Edição de Álvaro Pinto. Lisboa, 1954.
[12] – GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Vol. 30. Editorial Enciclopédia, Limitada. Lisboa, s/d.
[13] – INSTITUTO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO. Vocábulos admitidos e não admitidos como nomes próprios [http://www.irn.mj.pt/sections/irn/a_registral/registos-centrais/docs-da-nacionalidade/vocabulos-admitidos-e/downloadFile/file/2010-09-30_-_Lista_de_nomes.pdf?nocache=1287071845.45]
[14] – LAPA. Albino. Dicionário de Calão. Edição do Autor. Lisboa, 1959.
[15] – MACHADO, José Pedro Machado. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Vol. 5. 3ª edição. Livros Horizonte. Lisboa, 1977.
[16] - NIZA, Paulo Dias de. Portugal Sacro-Profano. Parte II. Oficina de Miguel Manescal da Costa. Lisboa, 1768.
[17] – NOBRE, Eduardo. Dicionário de Calão. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1986.
[18] - PIRES, A. Tomaz. Cantos Populares Portuguezes. Vol. IV. Typographia e Stereotipía Progresso. Elvas, 1912.
[19] - PORTILLO, Lorenzo. Grande Dicionário Enciclopédico Ediclube. Ediclube. Alfragide, 1996.
[20] – PORTO EDITORA. Grande Dicionário. Porto Editora. Porto, 2004.
[21] – PRAÇA, Afonso. Novo Dicionário de Calão. Editorial Notícias. Lisboa, 2001.
[22] – RAMOS, Francisco Martins e SILVA, Carlos Alberto da. Tratado das Alcunhas Alentejanas. 2ª edição. Edições Colibri. Lisboa, 2003.
[23] – SANTOS, António Nogueira. Novos dicionários de expressões idiomáticas. Edições João Sá da Costa. Lisboa, 1990.
[24] – SILVA, António de Morais. Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa. Vol. V. 4ª edição. Editorial Confluência. Mem Martins, 1988.
[25] – SIMÕES, Guilherme Augusto. Dicionário de Expressões Populares Portuguesas. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1993.
[26] - VITERBO, Joaquim de Santa Rosa de. Elucidário das Palavras, Termos e Frases. Edição Critica de Mário Fiúza. Vol. 2. Livraria Civilização. Porto, 1966.

Publicado em 17 de Maio de 2011

VIAJANTES A SEREM RECEBIDOS NUMA ESTALAGEM. O que está apeado transporta um taleigo suspenso de um pau. Iluminura do  “Tacuinum  Sanitatis” (Finais do séc. XIV), livro medieval sobre o bem-estar, com base na al Taqwin Taqwin تقوين الصحة ("Quadros de Saúde"), tratado do século XI da autoria do médico árabe Ibn Butlan de Bagdá,  o qual pertence à Biblioteca Casanatense, em Roma.

ABRIL - FÓLIO 9v, Iluminura do “Livro de Horas de D. Manuel “, Séc. XV. No pé de página, à beira-rio, duas levadas movem duas azenhas. À esquerda da do lado esquerdo uma mulher aproxima-se, transportando à cabeça um talêgo com grão para ser moído, o mesmo se passando do lado direito, onde um homem carrega um talêgo de grão às costas. Simultâneamente um homem montado num burro com talêgos de farinha, parece fazer-se ao caminho.

MARÇO - Iluminura do “Livro de Horas do Duque de Berry” (Século XV) manuscrito com iluminuras dos irmãos Paul, Jean et Herman de Limbourg, conservado no Museu Condé, em Chantilly, na França. Na iluminura estão representados trabalhos agrícolas. No segundo plano, à direita, um camponês dobrado sobre um taleigo, retira daí sementes, que de seguida irá semear. Ainda no segundo plano à esquerda, um camponês que poda a vinha, tem junto a si, no chão, uma enxada, um chapéu e um taleigo.


OUTUBRO - Iluminura do “Livro de Horas do Duque de Berry” (Século XV) manuscrito com iluminuras dos irmãos Paul, Jean et Herman de Limbourg, conservado no Museu Condé, em Chantilly, na França. Na iluminura estão representados trabalhos agrícolas. Em primeiro plano, um camponês semeia a terra. Próximo de si, um taleigo com sementes.

  
PADARIA. COLÓNIA SUÍÇA DE CANTAGALO – BRASIL (1835). Jean Baptiste Debret (1768-1848). Pormenor de Litografia. Firmin Didot Frères,  Paris.

O EMIGRANTE (1918). José Malhoa (1855-1933). Óleo sobre tela ( 80 x 104 cm). Colecção particular.

Ilustração de Alfredo Roque Gameiro (1864 - 1935) para “As Pupilas do Senhor Reitor”, de Júlio Diniz (1839-1871).

OS EMIGRANTES (1926). Domingos Rebelo (1891 - 1975). Óleo sobre tela. Museu Carlos Machado, Ponta Delgada.

TIPOS SALOIOS (MERCÊS-RINCHOA). Leal da Câmara (1876-1948). Ilustração de bilhete-postal editado pela Casa-Museu Leal da Câmara, Rinchoa.

 
SALOIOS EM LISBOA - Stuart Carvalhais (1887-1961). Tinta da China aguarelada sobre papel (25 x 30 cm). Colecção particular.

MOLEIRO COM DOIS BURROS CARREGADOS DE TALEIGOS – Capa da revista “Ilustração Portuguesa” nº 730 de 16 de Fevereiro de 1930.

SERRA DO CAMULO - MULHER COM CAPUCHA (1937). Aguarela de Alberto de Souza (1880-1961), reproduzida em bilhete-postal ilustrado nº 17 da "Série B" - Costumes Portugueses, tendo impresso no verso um selo do tipo "TUDO PELA NAÇÃO" de $25 (azul) ou de 1$00 (vermelho) e emitido pelos CTT, em 1941.


DENTRO DO MOINHO – aguarela de Raquel Roque Gameiro Ottolini (1889-1970).

CONFRATERNIZAÇÃO INFANTIL – Laura Costa. Desenho policromo reproduzido em bilhete-postal de Boas Festas dos CTT, emitido em 1944 com selo de $30 do tipo Caravela e impresso em off-set na litografia Maia, no Porto.

quinta-feira, 31 de julho de 2025

Bonecos de Estremoz nos contentores do lixo? Não, obrigado!


Imagem recolhida com a devida vénia no website "7 MARAVILHAS DA NOVA

Desenterrando uma velha crónica (1)
Como era expectável, a inscrição da "Produção de Figurado em Barro de Estremoz" na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade, foi aprovada no decurso da 12.ª Reunião do Comité Intergovernamental da UNESCO para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, que entre 4 e 9 de Dezembro de 2017 decorreu no Centro Internacional de Convenções Jeju, na ilha de Jeju, na República da Coreia.
A referida inscrição foi alcançada na sequência de candidatura apresentada pelo Município de Estremoz (2) e corresponde ao reconhecimento planetário do labor e criatividade dos barristas do passado e do presente, que com as suas mãos mágicas e desde as bonequeiras de setecentos, transmitiram de geração em geração e até à actualidade, uma manufactura “sui generis” de figurado de barro, dita ao “modo de Estremoz”.
A 7 de Dezembro de 2017, a Assembleia da República aprovou por unanimidade um voto de congratulação, no qual é afirmado que “A Assembleia da República felicita, de forma destacada, todas as artesãs e artesãos, pelo seu insubstituível papel de preservação e divulgação deste património, cujo reconhecimento pela UNESCO engrandece a cultura popular e o País.”
O voto de congratulação que uniu deputados de todas as bancadas foi reflexo do regozijo sentido em todo o país e muito particularmente em Estremoz. Desde então, os Bonecos de Estremoz, factor de união entre estremocenses, reforçaram ainda mais o seu papel de ex-líbris e embaixadores culturais da cidade. Daí, que a meu ver, os Bonecos de Estremoz devessem merecer o respeito de toda a comunidade e não fossem alvo de qualquer tipo de aproveitamento que nada tem a ver com a sua origem, com a sua produção e com os artesãos seus criadores. Talvez por isso, o Município tenha registado em devido tempo a designação “Bonecos de Estremoz”.

Cosmética dos contentores do lixo
Recentemente uma lista candidata à Câmara Municipal de Estremoz nas próximas eleições autárquicas, anunciou publicamente que ”Nós não queremos ver os caixotes do lixo. Queremos fazer uma protecção dos caixotes do lixo e pintá-la com desenhos de Bonecos de Estremoz”.
Pessoalmente também perfilho a ideia de que os contentores municipais do lixo são inestéticos, não só em Estremoz como no resto do país. De resto, creio que o problema maior neste domínio e no caso particular de Estremoz é a licenciosidade ou melhor o modo libertino como alguns moradores num desprezo olímpico pelo resto da comunidade, não separam o lixo para os ecopontos e atafulham contentores com lixo a granel, para além de não respeitarem a regulamentação municipal relativa à deposição de lixos grossos.
Julgo ser prioritário diminuir o número de contentores e aumentar o número de ecopontos subterrâneos, bem como incentivar a educação ambiental de moradores prevaricadores, recorrendo para tal aos competentes serviços do Município.
Quaisquer protecções visando cobrir os contentores, independentemente dos motivos decorativos que as embelezem, correm o risco de servir para pouco mais que coisa nenhuma, enquanto se mantiver a incivilidade na utilização de contentores por parte de alguns moradores.

Bonecos de Estremoz e identidade cultural local
Há muito que os Bonecos de Estremoz são considerados ex-libris e embaixadores desta terra transtagana. Todavia, foi o seu reconhecimento pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da Humanidade que os ligou indissociavelmente à identidade cultural local, a qual importa preservar e salvaguardar.
Os Bonecos de Estremoz adquiriram um estatuto de respeitabilidade e honorabilidade que não é compatível com qualquer tipo de aproveitamento que nada tem a ver com a sua origem, com a sua produção e com os artesãos seus criadores. Como tal, choca-me a intenção manifestada por uma lista candidata à Câmara Municipal de Estremoz nas próximas eleições autárquicas, de vir a implementar protecções nos caixotes do lixo e pintá-las com desenhos de Bonecos de Estremoz. Quer se queira quer não, a concretização da ideia corresponderia na prática a associar Bonecos de Estremoz ao lixo, o que me repugna e rejeito liminarmente. Daí que proclame com todo o vigor que me é conhecido:
- BONECOS DE ESTREMOZ NOS CONTENTORES DO LIXO? NÃO, OBRIGADO!

Hernâni Matos (3)
Estremoz, 25 de Julho de 2025
Publicado no jornal E nº 362 de 1 de Agosto de 2025

(1) - Publicada no jornal "Brados do Alentejo" de 29 de Julho de 2021.
(2) - Então liderado por Luís Mourinha.
(3) - Coleccionador, investigador e publicista dos Bonecos de Estremoz. Autor do livro BONECOS DE ESTREMOZ. Edições Afrontamento. Estremoz / Póvoa de Varzim, Outono de 2018.

quarta-feira, 30 de julho de 2025

Matar a sede no Alentejo


A ceifa. Dordio Gomes (1890-1976). Óleo sobre tela (154 x 194 cm).


                                                                                   À minha filha Catarina

INTRODUÇÃO
O corpo humano de um adulto é composto por 60% de água, a qual está presente em todos os tecidos e desempenha múltiplos papéis: dissolve todos os nutrientes e transporta-os a todas as células, assim como às toxinas que o organismo necessita de eliminar. A água regula ainda a temperatura corporal através da produção de suor.
Através da transpiração, respiração, urina e fezes, perdemos diariamente cerca de 2,5 litros de água ou mesmo mais, se a temperatura for muito elevada e/ou o esforço físico for intenso. Esta perda deve ser reposta.
As necessidades de água do ser humano dependem das perdas e o bom funcionamento do nosso organismo passa pela água que consumimos. Através dos alimentos obtemos cerca de metade da água necessária, o resto deve ser ingerido, bebendo pelo menos, 1,5 litros de água por dia.

SEDES DE OUTRORA
Noutros tempos, nos campos do Alentejo, bebia-se água de algumas ribeiras, assim como de nascentes e poços. Quem andava nas fainas agro-pastoris, bebia normalmente água por um coxo, feito de cortiça.
Fainas violentas como as ceifas, exigiam que houvesse distribuição regular de água, o que era feito, geralmente por uma aguadeira da ceifa, transportando um cântaro de barro e um coxo, por onde se bebia à vez.
Os pastores na sua vida de nómadas conheciam bem a localização das nascentes e poços, onde matar a sede.
Dos poços a água era tirada com caldeiros de zinco, embora em sua substituição se vissem muitas vezes, à beira dos poços, grandes chocalhos com a mesma função. Lá diz o cancioneiro:

“O' lá Cabeço de Vide,
Toda coberta de neve,
Terra do neto da bruxa,
Quem não traz chocalho não bebe.” [1]

Nas aldeias e vilas, as mulheres iam às fontes, encher os cântaros de barro, que transportavam depois à cabeça, equilibrados miraculosamente pela sogra, que a maioria das vezes não passaria duma rodilha enrolada em forma de anel.
Nas cidades, existiam aguadeiros, proprietários de carro com grade para transporte de cântaros, puxados por muar ou burro. Igualmente os havia com recursos mais elementares. Havia quem transportasse os cântaros em cangalhas de madeira assentes no lombo das bestas. Havia também aqueles que nem besta tinham e efectuavam o transporte dos cântaros em carros de mão, que eles próprios empurravam. Os cântaros usados, eram geralmente em zinco, com tampa, não só para não partirem, como para não entornarem. Cada aguadeiro tinha, de resto, a sua própria rede de clientes certos, que eram abastecidos a partir da fonte que frequentava.

SEDES DE HOJE
Hoje é impensável e desaconselhável beber água de ribeiros e de poços, já que os aquíferos estão contaminados por adubos químicos e pesticidas, quando não por águas residuais, domésticas ou industriais. O mesmo relativamente à água das fontes das nossas vilas e aldeias.
Hoje temos que beber água da rede, muitas vezes com sabor a cloro ou então, água engarrafada. Esse o preço do progresso. Um preço que poderia ter sido evitado, praticando uma agricultura biológica, em equilíbrio com os agroecossistemas, assim como um tratamento e convenientemente encaminhamento das águas residuais, que em muitos casos ainda não é feito. Até quando?

BIBLIOGRAFIA
[1] - THOMAZ PIRES, A. Tradições Populares Transtaganas. Tipographia Moderna. Elvas, 1927.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente em 13 de Julho de de 2011

terça-feira, 22 de julho de 2025

No tempo em que não havia “Barbies”






BONECAS DE TRAPO
(Colecção Hernâni Matos)

No tempo em que não havia “Barbies”, as crianças brincavam com bonecas de pano, vulgo “bonecas de trapo”, feitas por uma mulher da Família, aproveitando retalhos de tecidos que tinham sobrado da confecção de peças de vestuário. Havia ainda a possibilidade de aproveitar peças de vestuário que tinham caído em desuso, porque estavam puídas, rotas, rasgadas ou desbotadas.

Com uma tal manufactura, a mulher da Família (mãe, avó, tia ou irmã) dava à criança a quem a boneca era destinada, três grandes lições:

- A primeira era uma lição de economia circular, já que havia o reaproveitamento de tecidos que havia sido abatidos ao serviço, mas que assim continuavam a ter préstimo. A criança ficava assim a perceber a importância do combate ao desperdício;

- A segunda era uma lição de amor, dada pela mulher da Família à criança que a recebia, o que contribuía para o reforço dos laços inter-geracionais;

- A terceira lição era uma lição de pedagogia. já que a dádiva constituía um incentivo ao brincar, actividade insubstituível na formação e socialização da criança.

Nem sempre o passado foi melhor que o presente, mas em muitos casos foi e há contextos que podem ser apontados como exemplos a seguir. É o caso das “bonecas de trapo”, aqui apresentado como paradigma.

 Hernâni Matos 

Publicado inicialmente em 22 de Julho de 2024

sábado, 29 de março de 2025

Costurar é preciso!

 

Mulher a cozer à máquina. José Carlos Rodrigues (1970- ). 
Bonequeiro de Estremoz certificado pela Adere-Certifica.

A máquina de costura é um objecto primordial que povoa o universo de memórias da minha infância.
Nasci no número 14 do Largo do Espírito Santo em Estremoz, no dia 19 de Agosto de 1946. Ali se situava a primeira oficina de alfaiate do meu pai. Daí que algumas das memórias de infância sejam de natureza acústica e tenham a ver com o regime de funcionamento da máquina, entre um arranca e um pára, ao sabor do tamanho da costura. Familiarizei-me, de resto, com diferenças de sonoridade associadas a costuras lineares, em ziguezague e pespontadas. Todavia, também há outras que fui registando desde muito cedo, até porque menos agradáveis. Entre elas, o partir da linha, o enfiar da agulha, a mudança de bobine e até mesmo o partir da agulha. Tudo contratempos que perturbavam o ritmo do ganha pão diário lá de casa.
Lá fui crescendo no meio de costureiras que tratavam o meu pai respeitosamente por Mestre e aí pelos 15 anos fui recrutado como aprendiz no decurso das férias escolares. Com uma cajadada, o meu pai matou dois coelhos: para o que desse e viesse, pôs-me a aprender os rudimentos do ofício, ao mesmo que me subtraía à rua, onde entre a rapaziada já havia quem gostasse de “Rock'n and Roll” e sem ele o saber, eu era um deles.
Parece que tinha o destino marcado e lá comecei a desempenhar as tarefas mais simples destinadas a um aprendiz, o que incluía não só cozer à mão, como também à máquina. E era aqui que eu renascia sempre que ao cozer entretelas, descarregava as tensões acumuladas ao ritmo do pedal da máquina. Era um indício bastante forte de que a minha vida não iria ser aquela.
Por isso, quando o meu pai equacionou o meu ingresso no Ensino Secundário, eu acarinhei a ideia com o compromisso solene de me empenhar mais que até aí, acordo que sempre cumpri.
A partir daí passei a encarar a máquina de costura com outros olhos.
Como estudante de Física vim a perceber que o movimento de vaivém do pedal da máquina, é transformado pelo sistema biela-manivela, em movimento de rotação da roda grande inferior, o qual através duma correia se transmite à roda pequena superior, que assim atinge uma velocidade muito superior, indispensável ao funcionamento eficaz da máquina de costura. Percebi também que é graças à inércia de rotação, que a máquina continua a trabalhar, mesmo após termos deixado de dar ao pedal.
Como membro responsável desta aldeia global que é o mundo, reconheço o contributo da máquina de costura caseira para a sustentabilidade do planeta. Com ela se podem reparar rasgões ou tapar buracos, reconverter modelos ou ajustá-los ao tamanho dum novo utilizador. Tudo isto numa prática de economia circular, a qual combate o desperdício da Sociedade do Descartável, que inescapavelmente conduz ao ecocídio.
Não é de estranhar que a máquina de costura ocupe um lugar privilegiado cá em casa, não como mero adorno decorativo, mas como instrumento de economia circular ao serviço da sustentabilidade do planeta. Trata-se de uma máquina SINGER centenária, que me foi oferecida pela minha mãe há cerca de 50 anos, após a sua aquisição aos herdeiros de uma velha senhora, acompanhada do catálogo do modelo e do respectivo recibo de compra.
Como coleccionador, investigador e publicista de Bonecos de Estremoz, não podia deixar de me encantar com uma criação do barrista José Carlos Rodrigues, representando a “Mulher a cozer à máquina”, em contexto de inícios do séc. XX com matriz alentejana (chão de tijoleira e cadeira pintada com flores).
Felicito vivamente o bonequeiro por este seu trabalho, não só pelo trabalho em si, mas porque nele estão interligados dois conceitos que me são gratos: a economia circular ao serviço da sustentabilidade do planeta e o Património Cultural Imaterial da Humanidade cuja salvaguarda é imperativa.
Publicado inicialmente em 23 de Julho de 2023

sábado, 22 de março de 2025

Adágios para o Dia Mundial da Água



AGUADEIRO (Alentejo - Século XIX-XX). José Malhoa (1855-1933). Óleo sobre
tela (44,5 x 41,3 cm). Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto.

À CATARINA, MINHA FILHA:

PRÓLOGO

A comemoração do Dia Mundial da Água, recurso finito, do qual estamos dependentes, passa pela consciencialização pública da importância de que se reveste a conservação, preservação e protecção da água.
Resolvemos dar um contributo para essa consciencialização, recorrendo à tradição oral e mais particularmente ao adagiário português sobre a água. Da nossa colecção de duzentos e noventa e cinco adágios sobre a água, extraímos alguns, visando contribuir para aqueles objectivos e sistematizar também o nosso pensamento sobre o assunto.

SINOPSE DUM ADAGIÁRIO PORTUGUÊS DA ÁGUA

A água é um agente de erosão:
- A água bate na rocha mas quem paga é o mexilhão.
- A água cava a dura pedra.
- A água é branda e a pedra dura; mas, gota a gota, fará fundura.
- Água escava a rocha, amolecendo-a.
- Água mole em pedra dura, tanto dá até que fura.
- Não há água como a do Norte que até às pedras amolece.
A água tem alguns efeitos nocivos:
- A água arromba os navios.
- A água faz desabar as paredes.
A água é uma bebida de excelência:
- A água é a melhor bebida.
- Água que veja o sol: sem cor, sem cheiro e sem sabor,
- Antes sem luz que sem água.
- Bebedice de água nunca acaba.
- Estar com o bico na água e não beber.
- Ir com muita sede ao pote.
- Na fonte onde hás-de beber, não deites pedras.
- Não bebas água que não vejas, nem assines carta que não leias.
- Não sujes a água que hás de beber.
- Não vá com tanta sede ao pote.
- Ninguém suje a água que tem de beber.
- Nunca digas, desta água não beberei.
- Quando a vasilha é nova e tem água boa, todos querem beber por ela.
- Quando não puderes beber na fonte, não bebas no ribeiro.
- Quando puderes beber na fonte, não bebas no ribeiro.
- Quanto mais água, mais sede.
- Quem bebe água na bica, aqui fica.
- Quem come salgado, bebe dobrado.
- Quem tanta água há-de beber, há mister comer.
- Quem vai à fonte e não bebe... não sabe o que perde.
Os bêbados escarnecem da água:
- A água é boa para lavar os pés.
- A água é para os peixes e o minar para a toupeira.
- A água faz bem, mas só daquela que o vinho contém.
- A água faz criar rãs na barriga.
- Água não quebra osso.
- Água para os peixes, vinho para os homens.
- Com água cantam as rãs.
- Com água ninguém canta.
Todavia, os bêbados são escarnecidos devido à água:
- A água não empobrece, nem envelhece.
- Afoga-se mais gente em vinho do que em água.
- Com água ninguém se embebeda.
- Quem almoça vinho, janta água.
- Quem bebe água não se empenha.
- Quem ceia vinho, almoça água.
Quer-se água corrente para beber:
- Água corrente não faz mal à gente.
- Água corrente não mata a gente.
- Água corrente, água inocente.
- Água corrente, esterco não consente.
- Água corrida. não faz mal à barriga.
Para beber são desaconselhadas as águas paradas:
- A Água detida é má para bebida.
- A água silenciosa é a mais perigosa.
- Água de alagoa nunca é boa.
- Água detida é má para bebida.
- Água detida faz mal à vida.
- Água parada cria limos.
- Água parada: água estragada.
- Água que não soa não é boa.
- Água silenciosa é sempre perigosa.
- Águas paradas, cautela com elas.
- Não há água mais perigosa do que a que não soa.
- Não há pior água que a mansa.
- Não te fies em vilão, nem bebas água de charqueirão.
Aconselha-se a ferver a água:
- Água danificada, fervida ou coada.
- Água fervida alimenta a vida.
- Água fervida ampara a vida.
- Água fervida tem mão na vida.
A Medicina Popular refere-se à água:
- Água ao figo e à pêra vinho.
- Água fria e pão quente, mata a gente.
- Água fria e pão quente, nunca fizeram bom ventre.
- Água fria lava e cria.
- Água fria tem mão na vida.
- Água fria, sarna cria; água roxa, sarna escocha.
- Água gelada e pão quente, não fazem bom ventre.
- Água sobre mel, sabe bem e não faz bem.
- Água sobre mel, sabe mal e não faz bem.
- Com malvas e água fria, faz-se um boticário num dia.
- Come pão, bebe água: viverás sem mágoa.
- Onde a água sobra, a saúde falta.
- Quando Deus quer, água fria é remédio.
- Se queres beber sem receio, bebe água viva.
É variável a preferência por água fria ou água quente:
- A água é fria, mas mais é quem com ela convida.
- A quem tem vida, água fria é mezinha.
- Água quente adivinha outra.
- Água quente escalda a gente.
- Água quente, nem a são, nem a doente.
- Água quente, saúde para o ventre.
A água é um agente de lavagem:
- A água lava tudo.
- A água lava tudo, menos as más acções.
- A água lava tudo, menos as más-línguas.
- A água lava tudo, menos quem se louva e as más-línguas.
- Água suja sempre lava.
- Até ao lavar dos cestos é vindima.
- Lava mais água suja do que mulher asseada.
Com água se apagam fogos:
- O fogo e a água, são maus amos e bons criados.
- Queimada a casa, acudir com água.
- Sobre fogos, água; sobre peras, vinho.
A água é um agente de rega:
- A água é o sangue da terra.
- A água rega, o Sol cria.
A água comanda todo o calendário agrícola:
- A água de Janeiro traz azeite ao olival, vinho ao lagar e palha ao palheiro.
- A água de Janeiro vale dinheiro.
- Água de Janeiro mata o onzeneiro
- Janeiro quente trás o diabo no ventre.
- Por São Vicente (22 de Janeiro), toda a água é quente.
- Água de Fevereiro vale muito dinheiro.
- Água de Fevereiro, mata o Onzeneiro.
- Em Fevereiro entra o sol em cada ribeiro.
- Quando não chove em Fevereiro, nem bom prado nem bom celeiro.
- Água de Março é pior do que nódoa no fato.
- Quando o Março sai ventoso, sai o Abril chuvoso.
- A água com que no Verão se há-de regar, em Abril há-de ficar.
- A água de Abril é água de cuco, molha quem está enxuto.
- A água, em Abril, carrega o carro e o carril.
- Abril frio e molhado, enche o celeiro e farta o gado.
- Abril, chuvas mil.
- Em Abril águas mil.
- Em Abril, lavra as altas, mesmo com água pelo machil.
- O Abril bem molhado, enche a tulha e farta o gado.
- A água, Maio a dá, Maio a leva.
- Água de Maio, pão para todo o ano.
- Águas da Ascensão, das palhas fazem grão.
- Uma água de Maio e três de Abril valem por mil.
- Chuva de São João (24 de Junho) tira vinho e azeite e não dá pão.
- A água de Junho, bem chovidinha, na meda faz farinha.
- A água de Santa Marinha (18 de Julho), na meda faz farinha.
- Água de Julho, no rio não faz barulho.
- Quando é Junho a valer, pouco costuma chover.
- A água de Agosto faz mal ao rosto.
- Água de Agosto: açafrão, mel e mosto.
- Águas verdadeiras, por São Mateus (21 de Setembro) as primeiras.
- Setembro molhado, figo estragado.
- Dos Santos (1 de Novembro) ao Natal (25 de Dezembro) é Inverno natural.
- Dos Santos (1 de Novembro) ao Natal (25 de Dezembro) ou bom chover ou bom nevar.
- Depois de São Martinho (11 de Novembro), bebe o vinho e deixa a água para o moinho.
- Água de nevão dá muito pão.
A água está presente na pesca:
- Água preta não dá peixe.
- Grandes peixes pescam-se em grandes rios.
- Na água revolta, pesca o pescador.
A água é um bem em movimento:
- A água acode sempre ao mais baixo.
- A água ao moinho de longe vem.
- A água corre para a água.
- A água corre para o mar.
- A água corre para o poço.
- A água corre sempre para o mais baixo.
- A água corredia, não guardes cortesia.
- A água o dá, a água o leva.
- A água, por onde passa, molha.
- Água vem, água vai.
- Águas passadas não movem moinhos.
- Corre a água para o mar e cada um para o seu natural.
A água é um bem com valor:
- Quando a fonte seca é que a água tem valor.
- Só se sente a falta de água, quando o cântaro está vazio.
A água é um bem finito, que deve ser conservado:
- A água da fonte é muita, mas também se acaba.
- A água falta nos meses, mas nunca falta no ano.
- Água que não hás-de beber, deixa-a correr.
- Quem não poupa água e lenha, não poupa o mais que tenha.
A água não podia deixar de estar presente na religião:
- Água benta e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém.
- Presunção e água benta, cada um toma a que quer.
- Presunção e água benta, cada um toma a que quer; mas a pia se esvazia, quando passa uma mulher.
- Quando a água benta é pouca e os diabos são muitos, não há quem os vença.
Referências também à água e à mulher:
- Água e mulher, só boa se quer.
- Quando uma mulher não sabe o que responder é porque não há mais água no mar.

EPÍLOGO
Mais poderíamos acrescentar, mas esta prosa já vai longa, pelo que preferimos rematá-la, acrescentando:

- Conselhos e água só se dão a quem pedir.

Publicado inicialmente a 22 de Março de 2012