quinta-feira, 31 de julho de 2025

Bonecos de Estremoz nos contentores do lixo? Não, obrigado!


Imagem recolhida com a devida vénia no website "7 MARAVILHAS DA NOVA

Desenterrando uma velha crónica (1)
Como era expectável, a inscrição da "Produção de Figurado em Barro de Estremoz" na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade, foi aprovada no decurso da 12.ª Reunião do Comité Intergovernamental da UNESCO para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, que entre 4 e 9 de Dezembro de 2017 decorreu no Centro Internacional de Convenções Jeju, na ilha de Jeju, na República da Coreia.
A referida inscrição foi alcançada na sequência de candidatura apresentada pelo Município de Estremoz (2) e corresponde ao reconhecimento planetário do labor e criatividade dos barristas do passado e do presente, que com as suas mãos mágicas e desde as bonequeiras de setecentos, transmitiram de geração em geração e até à actualidade, uma manufactura “sui generis” de figurado de barro, dita ao “modo de Estremoz”.
A 7 de Dezembro de 2017, a Assembleia da República aprovou por unanimidade um voto de congratulação, no qual é afirmado que “A Assembleia da República felicita, de forma destacada, todas as artesãs e artesãos, pelo seu insubstituível papel de preservação e divulgação deste património, cujo reconhecimento pela UNESCO engrandece a cultura popular e o País.”
O voto de congratulação que uniu deputados de todas as bancadas foi reflexo do regozijo sentido em todo o país e muito particularmente em Estremoz. Desde então, os Bonecos de Estremoz, factor de união entre estremocenses, reforçaram ainda mais o seu papel de ex-líbris e embaixadores culturais da cidade. Daí, que a meu ver, os Bonecos de Estremoz devessem merecer o respeito de toda a comunidade e não fossem alvo de qualquer tipo de aproveitamento que nada tem a ver com a sua origem, com a sua produção e com os artesãos seus criadores. Talvez por isso, o Município tenha registado em devido tempo a designação “Bonecos de Estremoz”.

Cosmética dos contentores do lixo
Recentemente uma lista candidata à Câmara Municipal de Estremoz nas próximas eleições autárquicas, anunciou publicamente que ”Nós não queremos ver os caixotes do lixo. Queremos fazer uma protecção dos caixotes do lixo e pintá-la com desenhos de Bonecos de Estremoz”.
Pessoalmente também perfilho a ideia de que os contentores municipais do lixo são inestéticos, não só em Estremoz como no resto do país. De resto, creio que o problema maior neste domínio e no caso particular de Estremoz é a licenciosidade ou melhor o modo libertino como alguns moradores num desprezo olímpico pelo resto da comunidade, não separam o lixo para os ecopontos e atafulham contentores com lixo a granel, para além de não respeitarem a regulamentação municipal relativa à deposição de lixos grossos.
Julgo ser prioritário diminuir o número de contentores e aumentar o número de ecopontos subterrâneos, bem como incentivar a educação ambiental de moradores prevaricadores, recorrendo para tal aos competentes serviços do Município.
Quaisquer protecções visando cobrir os contentores, independentemente dos motivos decorativos que as embelezem, correm o risco de servir para pouco mais que coisa nenhuma, enquanto se mantiver a incivilidade na utilização de contentores por parte de alguns moradores.

Bonecos de Estremoz e identidade cultural local
Há muito que os Bonecos de Estremoz são considerados ex-libris e embaixadores desta terra transtagana. Todavia, foi o seu reconhecimento pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da Humanidade que os ligou indissociavelmente à identidade cultural local, a qual importa preservar e salvaguardar.
Os Bonecos de Estremoz adquiriram um estatuto de respeitabilidade e honorabilidade que não é compatível com qualquer tipo de aproveitamento que nada tem a ver com a sua origem, com a sua produção e com os artesãos seus criadores. Como tal, choca-me a intenção manifestada por uma lista candidata à Câmara Municipal de Estremoz nas próximas eleições autárquicas, de vir a implementar protecções nos caixotes do lixo e pintá-las com desenhos de Bonecos de Estremoz. Quer se queira quer não, a concretização da ideia corresponderia na prática a associar Bonecos de Estremoz ao lixo, o que me repugna e rejeito liminarmente. Daí que proclame com todo o vigor que me é conhecido:
- BONECOS DE ESTREMOZ NOS CONTENTORES DO LIXO? NÃO, OBRIGADO!

Hernâni Matos (3)
Estremoz, 25 de Julho de 2025
Publicado no jornal E nº 362 de 1 de Agosto de 2025

(1) - Publicada no jornal "Brados do Alentejo" de 29 de Julho de 2021.
(2) - Então liderado por Luís Mourinha.
(3) - Coleccionador, investigador e publicista dos Bonecos de Estremoz. Autor do livro BONECOS DE ESTREMOZ. Edições Afrontamento. Estremoz / Póvoa de Varzim, Outono de 2018.

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