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domingo, 23 de março de 2025

Púcaros de barro de Estremoz

As Meninas (1656-57). Óleo sobre tela (318 x 276 cm), de Diego Velázquez (1599-1660),
 patente ao público no Museu do Prado, Madrid. A menina Maria Agustina Sarmiento
oferece um púcaro de barro vermelho de Estremoz, à princesa Margarida de Áustria.




Os púcaros de barro de Estremoz foram ao longo dos tempos, fonte de inspiração para autores alentejanos, tanto eruditos como populares. Assim, a nível de poesia erudita, o poeta, historiador, ensaísta, polemista, doutrinador e político monfortense António Sardinha (1) (1887-1925), é autor do poema:

O ELOGIO DO PÚCARO

Tu és a minha companha,
eu tenho-te á cabeceira
ó pucarinho de barro,
enfeite da cantareira.

Amigo certo e sabido,
matas a sede e o calor.
Tu vales mais do que pesas,
não se te paga o valor!

Meu bocadinho de barro,
chiando como um cortiço,
tu dás-te com toda a gente,
não te deshonras por isso!

Prantas a agua fresquinha,
sem ti não passa ninguem.
Mimo de reis e de bispos,
não custas mais que um vintem!

Assim, singelo e sem pompa,
ganhaste fama a Estremoz.
Ah, desgraçado daquele
que nunca a bôca te pôs!

És a cubiça das velhas,
contigo se enche um mercado.
Então a vista que metes,
quando tu és empedrado?!

Quero casar-me. Já tenho
dois pucarinhos pequenos.
Pois, p'ra principio de arranjo,
outros começam com menos!

- Amor, se fôres á feira
traz-me uma prenda galante.
Não tragas nada do ourives,
- um pucarinho é bastante!

Vae alta a febre, vae alta,
- p'ra que é que os médicos são?
Ó pucarinho de barro,
acode a esse febrão!

Eu nunca vi neste mundo,
que é gastador e que é louco,
coisa que tanto valesse,
mas que custasse tão pouco!

Assim, singelo e sem pompa,
tu déste fama a Estremoz!
- Ah, desgraçado daquele
que nunca á bôca te pôs!

Em termos de poesia erudita, é de referir também, de Maria de Santa Isabel (2),(3), o soneto:

PUCARINHOS DE BARRO

Pucarinhos de barro, quem me dera
Sentir, na minha boca, essa frescura
Da vossa água perfumada e pura,
Que me trás o sabor da primavera!

Quanta boca ansiosa vos procura,
Num símbolo de crença e de quiméra:
Simples imagem viva, bem sincera,
Dum mundo de ilusões e de ternura!

Meus santos pucarinhos, milagrosos,
Cumprindo as gratas obras do Senhor,
Dando a beber aos lábios sequiosos:

Minha boca vos beija com fervor,
Como se, noutros tempos luminosos,
Beijasse ainda o meu primeiro amor!

Também o cancioneiro popular alentejano exalta a excelência do púcaro:

Púcaro tão delicado
Que água tão saborosa!
Quem na bebe, é um cravo,
Quem na basa, é uma rosa. (4)

Dava-se água pelo púcaro, o que não era privilégio de todos:

Senhora, que a todos daes
Agua por púcaro novo,
Só a mim é que deixaes
Desconsolado de todo. (5)

Havia quem implorasse água do púcaro:

“M’nina que estás à janella,
Co’ pucarinho na mão,
Dá-lhe volta, se tem agua
Réga-me este coração.” (5)

Termino as referências literárias aos púcaros de barro com um texto do médico, escritor, jornalista e político aljustrelense, Manuel de Brito Camacho (1862-1934). Trata-se de um excerto do conto “O Romana” (6). Nele, o autor evoca a ida na sua juventude a uma feira, onde na secção de loiças:
“Iam-se-me os olhos nos pucarinhos de Estremoz, com incrustrações de pedras brancas, alguns com desenhos de fantasia, reproduzindo animaes duma fauna que se extinguiu m uito antes do diluvio universal. Por força que minha mãe havia de comprar-me um daqueles pucarinhos, e mais um barrelinho para ter agua fresca, no verão, e mais um galo com assobio, de grande crista vermelha, importando tudo bem regatiadinho, em quantia nunca inferior a doze vintens.”.

Publicado inicialmente a 13 de Março de 2013

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

O reencontro de dois caminhantes

 

Mestre Xico Tarefa e Hernâni Matos, dois caminhantes que se reencontram na sede
da ADOE.  De que estarão a falar? De olaria, pois claro!


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É sabido que não há caminho, como nos ensina o poeta sevilhano António Machado: “Caminhante, são teus rastos / o caminho, e nada mais; /caminhante, não há caminho, / faz-se caminho ao andar.” (…).

Cada um de nós segue o seu próprio caminho, o que não impede que alguns caminhos se cruzem. Foi assim que o meu caminho e o de Mestre Xico Tarefa se cruzaram em 1980 no Terreiro do Paço Ducal de Vila Viçosa. Tal ocorreu no decurso do I Encontro de Olaria Regional do Alto Alentejo, que ali teve lugar entre 4 e 15 de Junho desse ano.

Andámos ambos por ali e integrávamos a Comissão Organizadora do Encontro. Eu em representação da Casa da Cultura de Estremoz e ele em representação do Centro Cultural Popular Bento de Jesus Caraça. As nossas preocupações de então centravam-se na necessidade de salvaguarda da matriz identitária das olarias de cada Centro Oleiro do Alto Alentejo e na tomada de medidas que impedissem a descontinuidade de produção das olarias.

O Mestre Xico Tarefa era um operacional no terreno, que não parava quieto, andava sempre para aqui e para ali, a tratar de uma coisa ou outra. Entre as múltiplas tarefas de que foi encarregue esteve a produção de um prato comemorativo do Encontro, a ser oferecido aos participantes. Daí eu estar na posse de um exemplar que tive a honra de receber na época, o qual está na génese da minha condição de coleccionador de louça de barro vidrado de Redondo. O trabalho de roda é de Mestre Xico Tarefa e a pintura e o esgrafitado são da autoria de Mestre Álvaro Chalana (1916-1983).

Ao receber de bom grado o prato comemorativo do Encontro, herdei uma pesada responsabilidade e brotou em mim o fascínio pela cerâmica redondense, que nunca mais parou e cuja chama se mantem bem viva. Aquele prato tem para mim especial significado. Foi o primeiro exemplar da minha colecção de cerâmica redondense. Por mais raro e mais valioso que seja outro espécime adquirido ou que venha a adquirir, aquele ocupará sempre um lugar muito privilegiado no meu coração. É que foi o primeiro da minha colecção, saído das mãos de Mestre Xico Tarefa e de Mestre Álvaro Chalana e que ficou a selar o cruzamento do meu caminho com o primeiro destes mestres.

Decorridos 45 anos sobre o primeiro cruzamento dos nossos caminhos, voltámos a cruzar-nos. Desta feita, o terreiro é outro. Trata-se da ADOE - Associação Dinamizadora da Olaria de Estremoz. Ele como formador, na qualidade de Mestre Oleiro. Eu, como consultor had hoc, na qualidade de coleccionador e investigador da barrística popular de Estremoz.

De então para cá, o Mestre Xico Tarefa tem desenvolvido uma carreira notável como Mestre Oleiro e como formador das novas gerações, o que muito me regozija e enche de orgulho como seu amigo e admirador em que entretanto me tornei.

A sua obra fala por si e é um exemplo paradigmático para os mais novos. Encerra em si própria, o respeito pela ancestralidade da olaria popular alentejana, temperado pela criatividade inovadora que lhe brota da alma e que com fidelidade se transmite às mãos mágicas que são as suas.

Obrigado Mestre pela beleza criada para usufruto e deleite de espírito de todos aqueles que apreciam o seu trabalho.

Bem-haja, Mestre Xico!


Publicado no jornal E nº 350, de 14 de Fevereiro de 2025

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

A recuperação da olaria tradicional de Estremoz está na ordem do dia

 

A recuperação da olaria tradicional de Estremoz está na ordem do dia 

 “OLARIA NO CORAÇÃO…E MÃOS À OBRA” é o lema da ADOE-Associação Dinamizadora da Olaria de Estremoz, que no passado sábado, dia 8 de Fevereiro, pelas 16 horas, inaugurou as instalações da sua sede, acomodada na chamada Casa da Câmara na vila de Évora Monte.

 

Fachada do edifício dos Paços do concelho de Évora Monte,
em cujo 1º andar ficou instalada a sede da ADOE. 

Acto inaugural
Ao acto inaugural compareceram cerca de 5 dezenas de pessoas entre associados, familiares e convidados que ali foram testemunhar o apreço que nutrem pela ADOE, face à nobre missão que esta se propõe, a qual está implícita na sua própria designação e que no essencial consiste em recuperar a olaria tradicional de Estremoz. De salientar, a presença do Presidente da Junta de Freguesia de Évora Monte, António Serrano, dos vereadores da Câmara Municipal de Estremoz, Nuno Rato e Joaquim Crujo (MIETZ) e do Presidente da LACE - Liga dos Amigos do Castelo de Évora Monte, Eduardo Basso.
O evento foi iniciado por Inês Crujo, Presidente da Direcção da ADOE, a qual agradeceu a presença de todos e justificou algumas ausências. Congratulou-se seguidamente pelo facto de a instalação da ADOE em sede própria ter chegado a bom termo, o que facilitará de futuro àquela associação a prossecução dos seus objectivos estatutários. Agradeceu a todos os que tornaram possível aquele momento e citou nomes, com especial relevo e palavras muito carinhosas para o Mestre Oleiro Xico Tarefa, considerado por todos a alma da ADOE e a quem esta muito deve a sua existência, não só pela formação já realizada e que terá continuidade, como pelo impulso e estímulo conferido à própria constituição da ADOE. A terminar, agradeceu à Junta de Freguesia de Évora Monte a disponibilização das instalações, fruto do protocolo com ela celebrado.
Seguiu-se no uso da palavra, o presidente da Junta de Freguesia de Évora Monte, António Serrano, o qual igualmente se congratulou com a instalação da ADOE no edifício administrado pela Junta, uma vez que as actividades aí desenvolvidas irão contribuir para a animação cultural da Freguesia, conforme está previsto no protocolo celebrado entre ambas as partes.
O acto inaugural terminou com um beberete e convívio entre os presentes.
No evento foi divulgado um folheto desdobrável, através do qual a ADOE dá conta das razões da sua constituição, da missão a que se propõe, do que pretende realizar daqui para a frente e do que poderá ser encontrado na sede.

O Presidente da Junta de Freguesia de Évora Monte, António Serrano, no uso da palavra.

Um aspecto parcial da assistência.

Outro aspecto parcial da assistência. 

Sorrisos que espelham satisfação pela inauguração da sede social da ADOE.

A recuperação da tradição oleira de Estremoz
Visando recuperar a antiga tradição oleira, o Município de Estremoz em parceria com o CEARTE - Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património, promoveu a partir de 2021 um Curso de Olaria por módulos, o qual decorreu no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz e teve continuidade em 2022.
Em 2021 foi ministrado um módulo (de 50 horas) e em 2022 três módulos (de 75 horas). A formação, num total de 275 horas, esteve a cargo do Mestre Oleiro Francisco Rosado (Xico Tarefa).

A criação da ADOE
Em 21 de Janeiro de 2023 foi criada por escritura notarial, uma associação cultural sem fins lucrativos e por tempo indeterminado, a qual recebeu a designação de ADOE - Associação Dinamizadora da Olaria de Estremoz, a qual é inteiramente estranha a toda a espécie de actividades de índole político-partidária.
”A ADOE tem como objecto recuperar, preservar, valorizar e divulgar a Olaria de Estremoz, bem como promover o desenvolvimento artístico, aprimoramento técnico e expansão criativa dos associados. São objectivos da ADOE: a) Estreitar e incentivar o relacionamento e a solidariedade pessoal e profissional entre os associados; b) Promover a formação dos associados; c) Fomentar o desenvolvimento de encontros, conferências, seminários que contribuam para a actualização dos associados; d) Recolher, tratar e divulgar informação relacionada com os objectivos da Associação; e) Cooperar com outras entidades que promovam objectivos idênticos aos da Associação.”

Corpos Sociais da ADOE
A composição dos Corpos Sociais da ADOE para o biénio 2023-2025 é a seguinte: - MESA DA ASSEMBLEIA GERAL: Vera Magalhães (Presidente), Luís Rosa (Secretário), Fátima Lopes (Vogal), Jorge Carrapiço (Vogal); - DIRECÇÃO: Inês Crujo (Presidente), Ana Calado (Secretária), Maria Leonor Carapinha (Tesoureira); - CONSELHO FISCAL: Luísa Tejo (Presidente), Pedro Cardoso (Secretário), Sara Sapateiro (Redactora), Madalena Meireles (Vogal), Francisco Rosado (Vogal).

Actividades da ADOE (2023 e 2024)
Realizaram-se Oficinas de Olaria no decurso dos seguintes eventos: 2023 - FIAPE 2023; 2023 - COZINHA DOS GANHÕES 2023; 2023 - BOM DIA CERÂMICA - Integradas nas Jornadas Europeias das Cidades Cerâmicas; 2023 – FEIRA INTERNACIONAL DE ARTESANATO DE LISBOA 2023; 2024 - FIAPE 2024; 2024 - FEIRA NACIONAL DE ARTESANATO DE VILA DO CONDE 2024.

Actividades da ADOE em 2025
No Plano de Actividades da ADOE para 2025, assumem especial importância as seguintes actividades: - Aprofundamento da formação em olaria com o Mestre Francisco Rosado e decoradoras que trabalharam nas extintas olarias de Estremoz; - Produção de peças oláricas; - Realização de oficinas de olaria em Feiras, Exposições e no Mercado Municipal de Estremoz; - Cooperação com Instituições do concelho, da região e de outras regiões.

A Sede da ADOE
A sede da ADOE encontra-se instalada no 1º andar do vetusto edifício dos Paços do concelho de Évora Monte, situado na Rua da Convenção daquela vila. O edifício é administrado pela Junta de Freguesia de Évora Monte e foi objecto de um protocolo celebrado entre aquela Junta e a direcção da ADOE.
As instalações constam de 3 salas amplas e arejadas, providas de janelas rasgadas que fornecem a sempre preciosa luz natural. Existem também instalações sanitárias situadas no topo da escada de acesso ao 1º andar.
Do lado esquerdo de quem sobe, situa-se uma sala provida de chaminé e poial para arrumos, na qual funcionará a oficina de olaria. Ali estão para já instaladas 2 rodas de oleiro eléctricas, cedidas pelo CEARTE, às quais em devido tempo se seguirão outras. Na mesma sala está ainda instalado um cilindro eléctrico para aquecimento de água utilizada na lavagem das rodas e dos utensílios de modelação.
Do lado direito de quem sobe, existem duas salas na continuação uma da outra. A primeira é uma sala de exposições, na qual será feita a recepção aos visitantes e na qual será feita também a comercialização das peças oláricas produzidas pelos associados da ADOE e expostas em estantes aí localizadas. Ao longo das paredes desta sala estão expostos 8 painéis de grandes dimensões, profusamente ilustrados, que sob a epígrafe OLARIA TRADICIONAL DE ESTREMOZ, procuram caracterizar o estado da arte. Nesse sentido, começam por inventariar as principais referências histórico-literárias aos barros de Estremoz. De seguida caracterizam a tradição oleira local e referem a tragédia cultural que culminou com a extinção da olaria de Estremoz em 2016, por morte de Mário Lagartinho sem deixar continuadores. Em continuação é salientada a importância de que se revestiu a realização de um Curso de Formação de Olaria por iniciativa do Município de Estremoz em parceria com o CEARTE - Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património. A finalizar é historiada a criação da ADOE, referidos os seus objectivos e relatada a actividade desenvolvida no biénio 2023-2024.
A segunda sala é destinada à decoração de peças oláricas e para tal dispõe de bancadas e assentos para esse efeito. Existem aí também estantes para armazenagem de stocks e é nesta sala que está instalada a mufla eléctrica onde será cozida a produção.

Uma mensagem de esperança
No painel com que finaliza a abordagem do tema OLARIA TRADICIONAL DE ESTREMOZ, a ADOE considera que: “O legado que nos foi deixado pela antiga tradição oleira de Estremoz é em grande parte observável no Museu Municipal de Estremoz. A excelência das peças oláricas aí patentes ao público, é reveladora da dureza da tarefa hercúlea que constitui a recuperação e preservação da extinta tradição oleira de Estremoz. Propomo-nos com humildade e muito trabalho e dedicação atingir esses objectivos, através da formação continuada a ministrar pelo Mestre Oleiro Francisco Rosado (Xico Tarefa), visando o aperfeiçoamento técnico e artístico dos nossos associados. Para tal contamos com o apoio indispensável e insubstituível do Município de Estremoz e do CEARTE - Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património.
É uma tarefa árdua a que nos propomos, mas é simultaneamente um desafio estimulante, já que a tradição oleira de Estremoz constitui indiscutivelmente Património Cultural Imaterial de Interesse Municipal cuja necessidade de recuperação e preservação é indissociável da salvaguarda da identidade cultural estremocense.
Com todo este trabalho iremos crescendo enquanto artesãos, ao mesmo tempo que procuramos divulgar e valorizar a tradição oleira de Estremoz através do nosso trabalho.
Tudo isto constitui uma missão gratificante que já faz parte integrante do nosso percurso de vida.”

Contactos da ADOE
ENDEREÇO: Associação Dinamizadora da Olaria de Estremoz / Casa da Câmara / Rua da Convenção / 7100-308 ÉVORA MONTE; TELEFONE: 962 919 427; EMAIL: adoestremoz@gmail.com .

Publicado no jornal E nº 350, de 14 de fevereiro de 2025 

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Inspiração maçónica em bilha de Estremoz

 


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Bilha de grandes dimensões, com base circular e plana. Corpo cilindróide com um gargalo na parte superior, terminando por uma abertura afunilada para entrada e saída de água, a qual é provida de tampa.
Uma asa de secção cilíndrica, que configura um tronco de sobreiro, liga o gargalo ao tronco. Neste são visíveis três faixas polidas a toda a volta da bilha
Decoração mista, polida e relevada. A decoração polida é de natureza geométrica. A decoração relevada é, por um lado, fitomórfica, com ramos, folhas e frutos de sobreiro. E é, por outro lado, antropomórfica, na qual uma figura feminina (supostamente a República) ergue um facho de luz (razão) com a mão esquerda, enquanto que com a mão direita empunha uma espada (defesa). A alegoria parece ser óbvia “Numa mão a espada e na outra a razão” e será provavelmente de índole maçónica, dada a importância de que se reveste a espada e a luz nos rituais maçónicos. Fabrico da Olaria Alfacinha. 2º quartel do séc. XX.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Rua do Outeiro, berço de barristas

 

Rua do Outeiro (1944). Roberto Augusto Carmelo Alcaide (1903-1979).


Como é sabido, sou assíduo frequentador do Mercado das Velharias em Estremoz. Ali tenho comprado coisas invulgares, umas pré-existentes na minha mente, outras descobertas por mero acaso. Foi o que aconteceu há cerca de 20 anos com uma pintura que me aqueceu a alma como investigador da barristica popular estremocense. Daí que a tenha utilizado como imagem de abertura do meu livro “Bonecos de Estremoz”, publicado em 2018 pelas edições Afrontamento. Trata-se da Rua do Outeiro (1944), um gouache sobre cartão (27 cm x 19 cm), da autoria de Roberto Augusto Carmelo Alcaide (1903-1979), autodidacta, caricaturista, maquetista, cenógrafo e dramaturgo. Casado com a poetisa Maria Palmira Osório de Castro Sande Meneses e Vasconcellos (1910-1992), que sob o pseudónimo Maria de Santa Isabel, publicou obra poética, a qual inclui: Flor de Esteva (1948), Solidão Maior (1957), Terra Ardente (1961), Fronteira de Bruma (1997), Poesia Inédita (A editar).
Nascido em 1946, tive o privilégio de conhecer em vida, não só a poetisa como o seu esposo, pertencente como eu a ramos distintos da Família Carmelo, ele da 9.º geração e eu da 10.ª.
Da rua do Outeiro, rua de oleiros e bonequeiras, nos fala a “Marcha do Outeiro”, vencedora do concurso de Marchas Populares de Estremoz, em 1948: “O outeiro iluminado / de rubras malvas bordado, / tanta graça Deus lhe pôs!) / que foi berço das primeiras / fantasias das oleiras / nos bonecos de Estremoz!”. A letra da marcha era da autoria de Luís Rui, pseudónimo literário de Joaquim Vermelho (1927-2002), que se tornaria um destacado estudioso da barrística popular estremocense.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente em 12 de Setembro de 2022

Roberto Augusto Carmelo Alcaide (1903-1979).

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Redundância olárica em moringue de Estremoz

 




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Moringue de barro vermelho de Estremoz. Morfologia ovóide, base circular e asa que liga duas zonas em posições opostas sobre a superfície do bojo. Produção da Olaria Regional de Mestre Mário Lagartinho (1935-2016).
Embelezado por decoração mista, riscada, empedrada e relevada, qualquer delas integrando os cânones da tradição oleira local. Alto relevo da Torre de Menagem do Castelo de Estremoz, com o nome da cidade nele inscrito. Obtido por moldagem, seguida de colagem com barbutina no bojo.
A Torre de Menagem do Castelo de Estremoz há muito que foi adoptada como indiscutível ex-líbris desta terra transtagana, já que se situa no centro do burgo medieval, dominando tudo, altaneira e vigilante sobre a planície, outrora heróica e actualmente rendida à cultura da vinha.
A coexistência do alto relevo da afamada Torre com a inscrição ESTREMOZ nela inserida, é como que uma redundância olárica, já que a meu ver esta inscrição era desnecessária, visto o perfil da Torre ser sobejamente conhecido.

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Púcaro de barro vermelho de Estremoz (séc. XVIII ?)




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Púcaro de barro vermelho de Estremoz, acusando marcas de erosão. Recolhido em areal do rio Tejo, próximo de Abrantes. A morfologia do púcaro é uma das identificadas por VASCONCELOS, Carolina Michaëlis de. Algumas palavras a respeito de púcaros de Portugal.  Nova edição da revista Ocidente. Lisboa, 1957. (Pag. 64). Trata-se de uma morfologia muito antiga, presumivelmente do séc. XVIII.

A fama dos púcaros de barro vermelho de Estremoz, propagandeada desde sempre por visitantes ilustres, levava a que eles fossem comercializados a partir da área geográfica de produção para “os quatro cantos do mundo”, seguindo rotas terrestres, fluviais e marítimas, o que poderá justificar o local de recolha.

Hernâni Matos

terça-feira, 15 de outubro de 2024

A olaria tradicional como parte integrante da identidade cultural estremocense





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Jarro em barro vermelho de Estremoz, rodado e modelado. Morfologia ovóide com asa que une o bojo ao bordo. Base circular e abertura com bica.
Decoração mista, relevada, picada e polida, qualquer delas consignada pela tradição oleira local.
Alto relevo do Templo Romano de Évora, com o nome da cidade nele inscrito. Obtido por moldagem, seguida de colagem com barbutina no bojo.
Junto à base, faixa polida com recurso a teque.
Picagem realizada com escarpador em ferro na área disponível.
Ausência de tampa, presumivelmente extraviada.
Produção da Olaria Regional de Mário Lagartinho.
Jarro que é um registo material da antiga tradição oleira, cuja necessidade de recuperação é indissociável da salvaguarda da identidade cultural estremocense.





 

sábado, 14 de setembro de 2024

A olaria tradicional de Estremoz é de se lhe tirar o chapéu


Moringue

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A olaria tradicional de Estremoz é extremamente rica em múltiplos aspectos. Na verdade, observando-a como um todo, revela-se de imediato uma grande variedade de funcionalidades, tipologias, morfologias, tipos de decoração e tamanhos.

Assim, por exemplo, a funcionalidade “recipiente para água”, depara-se imediatamente com a possibilidade de assumir várias tipologias: ânfora, barril, bilha, cafeteira, cântaro, cantil, copo, depósito, garrafa, jarro, moringue, pote, púcaro, reservatório, tronco. A qualquer uma destas tipologias, podem corresponder múltiplas morfologias, dependendo do modo como a volumetria do objecto olárico foi preenchendo o espaço tri-dimensional, à medida que o mesmo crescia na roda, até atingir a sua forma final. Daí que seja notável, por exemplo, a diversidade morfológica dos moringues. A uma tal variedade há que acrescentar a multiplicidade introduzida pelo tipo de decoração escolhido: pedrado, riscado, polido, relevado e suas possíveis combinações.

Creio que o leitor perceberá agora a razão de ser do presente texto, assim como perceberá decerto a dureza da tarefa hercúlea que constitui a recuperação da extinta olaria tradicional de Estremoz. 

Hernâni Matos

Publicado em 14 de Setembro de 2024

Pote com tampa

Depósito com tampa


Cafeteira

Ânfora


Bilha


Garrafão

Tronco

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Peça olárica de Estremoz, alegórica ao corso carnavalesco de 1935

  

Cavalheiro de cartola e monóculo. Decoração relevada em garrafa
alegórica ao corso carnavalesco de Estremoz, em 1935.

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O Orfeão e a revitalização do Carnaval de Estremoz [1]
"Após a criação em 1930 do Orfeão de Estremoz "Tomaz Alcaide", este chamou a si a iniciativa de promover corsos carnavalescos designados também por “Batalhas de flores”, integradas por carros alegóricos, grupos de cavaleiros, grupos de ciclistas, grupos de foliões e ranchos folclóricos do concelho. Os corsos eram abrilhantados pelas bandas locais, Sociedade Filarmónica Luzitana e Sociedade Filarmónica Artística Estremocense, as quais tocavam música portuguesa, assegurando a animação do evento. “Cabeçudos” e “gigantones” completavam o ramalhete de animação que percorria as ruas da parte baixa da cidade, previamente engalanadas.
O primeiro corso carnavalesco organizado pelo Orfeão teve lugar em 1935 e saldou-se por um assinalável êxito.”

A empatia entre o Orfeão e a Olaria Alfacinha
Em 1933 já alguns membros do clã Alfacinha[2] integravam o coro do Orfeão de Estremoz "Tomaz Alcaide", o qual constituía na época um polo dinamizador da cultura local. Por sua vez, Mariano da Conceição, o mais velho dos irmãos Alfacinha, desde 1930 que era Mestre de Olaria na Escola Industrial António Augusto Gonçalves e a Olaria Alfacinha era pujante na sua laboração e como tal um referencial na arte popular local. É, pois, natural, que se tenha gerado uma perfeita empatia entre o Orfeão e a Olaria, que se veio manifestando ao longo dos tempos. É assim que a Olaria é tema de operetas levadas à cena pelo Orfeão. É assim que a Olaria e com ela os Bonecos de Estremoz vêm a ser glosados por poetas estremocense como Maria de Santa Isabel,
Maria Guiomar Ávila, Maria Antónia Martinez e Joaquim Vermelho, cujas ligações e afinidades com o Orfeão são sobejamente conhecidas.

Corso carnavalesco de 1935 perpetuado no barro de Estremoz
É a profunda empatia entre a Olaria Alfacinha e o Orfeão de Estremoz Tomaz Alcaide que me leva a admitir que a garrafa em barro vermelho que ilustra o presente texto, com decoração fitomótfica polida e relevada com figuras carnavalescas, seja uma peça olárica, alegórica ao corso carnavalesco organizado pelo Orfeão em 1935, a qual foi produzida na Olaria Alfacinha.




[1] MATOS, Hernâni. CARNAVAL DE ESTREMOZ: Oh tempo, volta para trás! Jornal E nº 194, 22-02-2018. Estremoz, 2018
[2] Uma fotografia da época regista a presença no coro dos Irmãos Mariano da Conceição, Caetano da Conceição, Diocleciano da Conceição e Sabina da Conceição.

Comadre (matrafona). Decoração relevada em garrafa alegórica
ao corso carnavalesco de Estremoz, em 1935.

"Pirata" de cachimbo. Decoração relevada em garrafa alegórica
ao corso carnavalesco de Estremoz, em 1935.

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Tudo o que é pequeno tem graça

 

 Cantil com decoração por polimento com simetria radial. Prenda de aniversário da Catarina.


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Tudo o que é pequeno tem graça” é uma máxima perpetuada na nossa memória colectiva. Trata-se de uma premissa que “assenta que nem uma luva”, não só aos brinquedos de louça de barro vermelho de Estremoz, como também aos exemplares da mais ínfima dimensão do vasilhame de barro desta cidade. É o que se passa com o cantil da figura, de pequenas dimensões (10 x 8,5 cm) e uma decoração por polimento com simetria radial, muito simples mas vistosa. Com efeito, o contraste entre o polido e a superfície sobrante que após a modelação na roda não sofreu mais nenhuma intervenção, surte um belíssimo e encantador efeito visual.

As miniaturas de louça de barro vermelho de Estremoz, exerceram desde sempre forte atracção sobre a garotada. Fialho de Almeida no conto “O Romana” [1]  evoca a ida na sua juventude a uma feira, onde na secção de loiças: “Iam-se-me os olhos nos pucarinhos de Estremoz, com incrustrações de pedras brancas, alguns com desenhos de fantasia, reproduzindo animaes duma fauna que se extinguiu muito antes do diluvio universal. Por força que minha mãe havia de comprar-me um daqueles pucarinhos, e mais um barrelinho para ter agua fresca, no verão, e mais um galo com assobio, de grande crista vermelha, importando tudo bem regatiadinho, em quantia nunca inferior a doze vintens.”

Hernâni Matos

 


[1] ALMEIDA, Fialho de. Gente rústicaGuimarães e Cª, Lisboa, s/d.           

domingo, 25 de agosto de 2024

Olaria tradicional de Estremoz


Jarro com decoração fitomóRfica, relevada e polida. Prenda de aniversário da Fátima


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As peças oláricas tradicionais são um registo e um regalo de memórias da antiga tradição oleira, cuja recuperação é indissociável da salvaguarda da identidade cultural estremocense.

Modeladas em barro vermelho de Estremoz, aliam à beleza morfológica consignada pela tradição oleira local, uma decoração sui-generis, rica e diversificada, rematada por um acabamento sem mácula.

Em suma: são verdadeiras obras de arte!

domingo, 28 de julho de 2024

A ADOE-Associação Dinamizadora da Olaria de Estremoz participou na Feira de Artesanato de Vila do Conde

 


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A ADOE-Associação Dinamizadora da Olaria de Estremoz participou entre 20 e 27 de Julho na 46ª Feira Nacional de Artesanato de Vila do Conde. Fê-lo em stand próprio, na condição de associação independente, com personalidade jurídica, que se inscreveu por sua própria iniciativa e se deslocou pelos seus próprios meios.

A ADOE constitui-se em 2023, na sequência do Curso de Olaria que por módulos teve lugar a partir de 2021, no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz. O Curso foi fruto de uma parceria entre o Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património (CEARTE) e o Município de Estremoz. Teve como formador Mestre Xico Tarefa, Mestre oleiro prestigiado, com longa experiência e sempre pronto a ajudar os formandos.

A ADOE é constituída entre outros por: Inês Crujo, Ana Calado, Luís Rosa, Vera Magalhães, Xico Tarefa, Jorge Carrapiço, André Carvalho, Pedro Capão, Graça Paulo e Sara Sapateiro.

A ADOE propõe-se recuperar a olaria tradicional de Estremoz, o que constitui uma iniciativa muito louvável e de alcance incomensurável. Desejo-lhe os maiores êxitos na prossecução dos seus objectivos estatutários. Bem hajam!

Hernâni Matos

terça-feira, 23 de julho de 2024

Os Bonecos de Estremoz foram à Feira de Vila do Conde

 

Stand de Carlos Alberto Alves

Stand de Inocência Lopes

Stand de Maria Isabel Pires e de Sara Sapateiro

A Feira
Foi inaugurada no passado dia 20 de Julho a 46ª Feira Nacional de Artesanato de Vila do Conde, a qual decorrerá nos Jardins da Avenida Júlio Graça e ali estará aberta ao público até ao próximo dia 4 de Agosto.
O evento é uma organização conjunta da Câmara Municipal de Vila do Conde e da Associação para Defesa do Artesanato e Património de Vila do Conde.
O prestigiado certame reúne duas centenas de artesãos nacionais que asseguram a cobertura geográfica do País e a presença dos mais diversos materiais e formas de expressão que afirmam a excelência do artesanato português.
Na 46ª edição da Feira participa como país convidado, São Tomé e Príncipe, cujas artes tradicionais estarão em destaque.

Embaixada estremocense
Na Feira deste ano participam como bonequeiros de Estremoz, os barristas Carlos Alberto Alves, Inocência Lopes, Maria Isabel Pires e Sara Sapateiro, que se inscreveram a título individual e se apresentam em stands próprios. De registar ainda a participação da ADOE-Associação Dinamizadora da Olaria de Estremoz, liderada por Inês Crujo. De salientar igualmente a participação de Mestre Xico Tarefa, o qual foi formador dos jovens que integram a ADOE e se encontra ali a defender a sua dama: a olaria redondense.
À excepção do barrista Carlos Alberto Alves que cumprirá o período integral da Feira, todos os demais terminarão a sua participação no próximo sábado, dia 27 de Julho.

Concursos da Feira
No decurso da Feira terá lugar a 2ª edição do “Concurso Jovem Artesão”, destinado a galardoar um trabalho numa das áreas do artesanato tradicional e que visa incentivar e dar destaque à criatividade dos jovens até aos 30 anos. A ele concorrem 29 jovens artesãos, entre os quais três jovens barristas de Estremoz: Sara Sapateiro (Presépio de altar), André Filipe Carriço Carvalho (O Mestre Oleiro) e Maria do Carmo Ramos Padeiro Baptista Crujo (O meu avô).
Será reeditado ainda o “Prémio Feira Nacional de Artesanato”, o qual procura dignificar o artesanato e incentivar a qualidade e a defesa de valores de raiz histórico-cultural. Subordinado ao tema “Liberdade”, este prémio visa assinalar os 50 anos da Revolução de Abril e a ele concorrem 63 artesãos, entre os quais o barrista Carlos Alberto Alves com a composição “Liberdade”, que representa um carro de combate em cima do qual figuram militares e povo, festejando o 25 de Abril.
Qualquer dos prémios tem o patrocínio do Crédito Agrícola e os trabalhos submetidos a concurso estarão expostos durante o certame.

Animação e gastronomia
Nem só de artesanato vive a Feira. A música, a dança e os cantares tradicionais são uma presença constante, que anima o recinto e o palco da Feira. Também as Jornadas Gastronómicas permitem aos visitantes percorrer o País de Norte a Sul, fazendo uma viagem pelo melhor da Cozinha Portuguesa e, nos dois primeiros dias do evento, pelos sabores da inconfundível cozinha de São Tomé e Príncipe.

Stand da Associação Dinamizadora da Olaria de Estremoz

Stand da Olaria de Mestre Xico Tarefa