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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Treze é a dúzia do frade


A DEGUSTAÇÃO - Alessandro Sani (1856-1927). Óleo sobre tela (61,6 x 51,4 cm).
Colecção particular.

Nos meus tempos de criança, desde a mais tenra idade que nos era incutida no espírito a noção de número, associada ao acto de contar.
A informação começava por nos ser dada pelos nossos pais que nos ensinavam que tínhamos um nariz, dois olhos, quatro membros, cinco dedos em cada membro e vinte dedos ao todo. Começávamos assim, desde muito cedo, a associar uma quantidade às coisas e deste modo aprendíamos a contar.
Certas brincadeiras infantis, como é o caso do jogo dos “amalhões” exigiam que soubéssemos contar, senão éramos excluídos. Tínhamos pois que aprender a contar, depressa e bem.
Na Escola Primária ensinavam-nos lengalengas para aprender e reforçar a contagem. Primeiro, de um a quatro:

“Um, dois, três, quatro
A galinha mais o pato
Fugiram da capoeira
Foi atrás a cozinheira
Que lhes deu com um sapato
Um, dois, três, quatro ……”

Depois, de um a onze:

“Um atum,
Dois bois,
Três inês,
Quatro pato,
Cinco brinco,
Seis anéis,
Sete filete,
Oito biscoito,
Nove chove,
Dez lava os pés,
Onze os sinos de Mafra são de bronze.”

Havia também lengalengas para reforçar a aprendizagem da tabuada, como é o caso desta:

"A criada lá de cima
É feita de papelão,
Quando vai fazer a cama
Diz assim ao patrão:
Sete e sete são catorze,
Com mais sete vinte e um,
Tenho sete namorados
E não gosto de nenhum.”

E a brincar, a brincar, aprendíamos a fazer contas e a contar. O próprio cancioneiro popular, que conheci mais tarde, ensina-nos a contar:

“Tenho 1 amor, tenho 2,
tenho 3, e tenho 4.
Tenho 5, esse, é firme,
Tenho 6, não me retracto.“ [2]

Ensina igualmente a contar em sentido inverso à sequência natural dos números:

“Puz-me a contar às avessas
As pedras d’uma columna:
Contei 7, 6 e 5,
4, 3, duas e uma.“ [2]

Ensina também a tabuada:

“4 com 5 são nove,
A conta não quer mentir;
Bem tolo é quem se mata
Por criadas de servir. [2]

Como o povo sabe contar, a toponímia portuguesa regista topónimos que têm a ver com a acção de contar. A título de exemplo, cito:

- “DOIS PORTOS - Freguesia do concelho de Torres Vedras.“ [1]
- “TRÊS LAGARES - Lugar da freguesia de Arroios, concelho de Vila Real.“ [1]
- “QUATRO AZENHAS - Lugar da freguesia de Ribeira de Nisa, concelho de Portalegre.“ [1]
- “CINCO VILAS - Freguesia do concelho de Figueira de Castelo Rodrigo.“ [1]
- “SETE ESPIGAS - Lugar da Freguesia de Gomes Aires, concelho de Almodôvar.“ [1]
- “OITAVA - Lugar da Freguesia de Pias, concelho de Lousada.“ [1]

Porque o povo sabe contar, as alcunhas alentejanas registam múltiplos exemplos que envolvem números. Indico algumas:

- "DOIS CÚS - alcunha outorgada a indivíduo com o rabo muito grande (Mora)." [3]
- "TRÊS PERNAS – epíteto aplicado a indivíduo com o órgão sexual muito desenvolvido (Nisa)." [3]
- "QUATRO MÃOS – o receptor só se deixava subornar por quantias elevadas (Reguengos de Monsaraz)." [3]
- "CINCO RÉIS - cognome atribuído a um indivíduo que é baixo e magro (Odemira)." [3]
- "SEIS DEDOS – o alcunhado tem seis dedos numa mão (Campo Maior, Ferreira do Alentejo, Ourique, Redondo e Sousel)." [3]
- "SETE SAIAS - alcunha atribuída a um indivíduo que é muito mulherengo (Moura e Arraiolos)." [3]- "NOVE DEDOS - o nomeado só tem nove dedos (Moura)." [3]
- "DEZ CENTÍMETROS - designação atribuída a um indivíduo de baixa estatura." [3]
- "CEM À HORA - apodo atribuído a um indivíduo que anda muito depressa (Elvas, Estremoz e Ourique)." [3]
- "QUATROCENTOS CORNOS - O visado trabalhava com chifres (Mora)." [3]
- "MIL HOMENS – alcunha conferida a indivíduo possante (Marvão)." [3]

O povo, contador, registou as suas contas no adagiário popular que faz parte da nossa memória colectiva, parte do qual eu destaco aqui:

- “Mais vale um ovo hoje que uma galinha amanhã.“
- “Dois narigudos nunca se beijam.“
- “Às três é de vez.“
- “Quatro olhos vêem mais do que dois.“
- “Sobre cornos, cinco soldos.“
- “Juntaram-se três para o peso de seis.“
- “Homem de sete ofícios, em todos é remendão.“
- “O preguiçoso, para não dar um passo dá oito.“
- “Às nove, deita-te e dorme.“
- “Entre dez homens, nove são mulheres.”
- “Doze galinhas e um galo comem como um cavalo.“
- “Aos quarenta, ou vai ou arrebenta.“
- “Depois dos cinquenta tudo apoquenta.“
- “Mais caga um boi que mil mosquitos. “
- “De tostão em tostão vai-se ao milhão. “

Porém, há quem não saiba contar. Quem?
- O frade! Porquê? Perguntam, porquê? Está registado no adagiário:

TREZE É A DÚZIA DO FRADE.”

BIBLIOGRAFIA
[1] – FRAZÃO, A. C. Amaral. Novo Dicionário Corográfico de Portugal. Editorial Domingos Barreira. Porto, 1981.
[2] - PIRES, A. Tomaz. Cantos Populares Portuguezes. Vol. IV. Typographia e Stereotipía Progresso. Elvas, 1912.
[3] - RAMOS, Francisco Martins; SILVA, Carlos Alberto da. Tratado das Alcunhas Alentejanas. 2ª edição. Edições Colibri. Lisboa, 2003.

Publicado inicialmente em 21 de Fevereiro de 2011
Publicado no meu livro Memórias do Tempo da Outra Senhora

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O número cem na literatura de tradição oral


PAVÂO - Argos Panoptes, gigante com cem olhos, a quem Hermes cortou a cabeça,
foi transformado por Hera, em pavão, ave sagrada em cuja cauda pôs os seus cem olhos.


 VENHAM MAIS CEM!
É sabido que em termos dialécticos, o acumular de quantidade gera uma nova qualidade. Este facto indesmentível que povoa os múltiplos aspectos do conhecimento humano, faz com que um jornal como o “Ecos” [1] ao editar o seu número cem, se liberte da sua condição de decenário para transitar por direito próprio para outro patamar, agora o correspondente à sua condição de centenário. Fazemos votos para que este salto dialéctico consubstancie uma mudança de paradigma.
Somos habitantes dum mundo em permanente devir, em que os fenómenos da globalização apátrida tendem a pulverizar e desintegrar todo e qualquer arreganho de identidade cultural nacional. A análise da conjuntura levou-nos há muito a partilhar esforços com outros, nomeadamente todos aqueles que pensam diferente de nós, visando a possibilidade de terçarmos em defesa da nossa dama: a Cultura Popular. Esse é o sentido de sermos colunistas do “Ecos”, com o posto anarco-libertário de “franco-atirador” num espaço de intervenção jornalística plural.
Se o “Ecos” fosse um bolo, pôr-lhe-íamos cem velas. Porém não é um bolo e velas não se coadunam muito com o papel que serve de suporte físico à imprensa escrita. Como assinalar então esta efeméride? Através duma viagem meteórica pela literatura de tradição oral.

BÍBLIA
O número “cem” é profusamente referido na Bíblia, onde logo no primeiro dos livros sagrados se destacam referências como:
- “Eis a descendência de Sem: Sem, com a idade de cem anos, gerou Arfaxad, dois anos depois do dilúvio.” (Génesis 11:10) - “Abraão prostrou-se com o rosto por terra e começou a rir, dizendo consigo mesmo: "Poderia nascer um filho a um homem de cem anos? Seria possível a Sara conceber ainda na idade de noventa anos?" (Génesis 17:17)
- “UIac semeou naquela terra, e colheu o cêntuplo naquele mesmo ano; o Senhor o abençoava. (Génesis 26:12)
- “Comprou por cem moedas de prata aos filhos de Hemor, pai de Siquém, o pedaço de terra onde havia levantado a sua tenda. (Génesis 33:19)

MITOLOGIA GREGA
O número “cem” está na mitologia grega associado a personagens como Argos Panoptes, Ládon ou os Hecatônquiros.
Argos Panoptes era um gigante com cem olhos. Servo fiel de Hera, foi incumbido pela deusa de tomar conta de Io, princesa e amante de Zeus transformada em novilha. Era um excelente boieiro, visto que mantinha cinquenta dos seus olhos abertos, enquanto dormia. Para a libertar do jugo de Zeus, Hermes o pôs a dormir e de seguida cortou a sua cabeça. Hera homenageou-o, transformando-o em pavão, ave sagrada em cuja cauda pôs os seus cem olhos.
Ládon era um dragão com um corpo de serpente onde tinha cem cabeças que falavam línguas diferentes, Foi a que ele que Hera, mulher de Zeus, tornou guardião do jardim das Hespérides, com a tarefa de proteger a macieira de frutos de ouro, árvore que Gaia lhe tinha oferecido no dia de casamento com Zeus.
Os Hecatônquiros ou Centimanos eram três gigantes da mitologia grega, que possuíam cem braços e cinquenta cabeças. Eram irmãos dos 12 Titãs e dos 3 Ciclopes, filhos de Urano e Gaia: Briareu, Coto e Giges.

PROVÉRBIOS
São de referir os seguintes:
- A cem avisa quem um castiga.
- A cem fustiga quem um castiga.
- Ao cabo de cem anos os reis são vilões e ao cabo de cento e dez são os vilões reis.
- Cem amigos é pouco e um inimigo é muito.
- Cem cães a um osso.
- Cento de um ventre, cada um de sua mente.
- Cento de vida, cento de renda e cem léguas de parentes.
- Deus fecha uma porta e abre um cento.
- Guerra, caça e amores, por um prazer cem dores.
- Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão.
- Largos dias têm cem anos.
- Mais vale um dia do discreto que cem do néscio.
- Mais vale um farto que cem famintos.
- Mais vale um que saiba mandar, do que cem a trabalhar.
- Mais vale uma aguilhada que cem arres.
- Mais vale uma dor que cem. 
- Mais vale uma vista do dono que cem brados do abegão.
- Mede cem vezes e corta uma.
- Perdido por cem, perdido por mil.
- Perdido por um, perdido por cem.
- Quem engana ao ladrão, cem dias ganha de perdão.
- Quem num jogo fará um erro, fará cento.
- Quem faz um cesto, faz um cento.
- Um doido fará cem.
- Um louco é capaz de fazer cem loucos.
- Um pai para cem filhos e não cem filhos para um pai.
- Um só doido endoidece cem.

TRAVALÍNGUAS
A nível de travalínguas é conhecido o seguinte:
Se com cem serras
Se serram cem ciprestes
Quantos ciprestes
Se serram com seiscentas serras?

ADIVINHAS
É conhecida uma adivinha em cuja formulação entra o número “cem”:

Um gavião quando andava a caçar, passa por cima de um pombal e diz:
- Olá pombal das 100 pombas!
Ao que uma pomba branca respondeu:
- Para serem 100 pombas são precisas estas, outras tantas como estas, metade destas, mais um quarto destas e contigo gavião 100 pombas serão.
Pergunta-se: quantas pombas tinha o pombal?

CANCIONEIRO POPULAR
No que se refere ao cancioneiro popular, este também assinala a presença do número “cem”:
De cantigas tenho um cento,
E fil-as todas num dia,
Todas estas cantiguinhas
Eu canto à minha Maria.
Évora é grande, grandiosa,
muito linda em monumentos;
tem por lá mui belas coisas,
coisas d’arte são aos centos.

GÍRIA PORTUGUESA
No âmbito da gíria portuguesa são conhecidas expressões como:
Andar com cem olhos = Estar muito vigilante
Cavalo de cem moedas = Coisa ou pessoa muito vistosa
Cem cães a um osso = Muitos a desejar a mesma coisa
Cem por cento = Pessoa impecável = Eficiente
Centenas de vezes = Muitas vezes

ALCUNHAS
No que respeita a alcunhas alentejanas são conhecidas as seguintes:
- CEM – Alcunha outorgada a um homem que tinha este número quando andava na tropa (Portel e Castro Verde).
- CEM À HORA – O receptor anda muito depressa (Elvas, Ourique e Estremoz).
- CEM GRAMAS - Designação atribuída a um indivíduo que é muito magro (Odemira).

TOPONÍMIA
Quanto à toponímia são conhecidos os seguintes topónimos:
CEM – Lugar da freguesia de Folhada, concelho de Marco de Canaveses.
CEM – Lugar da freguesia de Lagares, concelho de Felgueiras.
CEM – Lugar da freguesia de Rio de Moinhos, concelho de Arcos de Valdevez.
CEM DE BAIXO – Lugar da freguesia de Lagares, concelho de Felgueiras.
CEM DE RIBA – Lugar da freguesia de Lagares, concelho de Felgueiras.
CEM SOLDOS – Lugar da freguesia da Madalena, concelho de Tomar.

PARA ONDE VAI A TRADIÇÂO ORAL?
A importância da literatura de tradição oral resulta de ela ser veiculada através do diálogo inter-geracional, transmissor de valores familiares, sociais, morais e culturais. Sem a transmissão desses valores, perde-se a memória do passado e a identidade cultural regional e nacional. É o que acontece, quando tagarelas de “internetês” comunicam freneticamente em chats ou redes sociais. Essa malta usa o número cem na forma decimal para substituir a proposição "sem" ou numa palavra as sílabas “sem”, “sen” “cen”, como ilustram exemplos como: “100abrigo”, “100pre”, “100tar”, “100to”. Trata-se da demolição da língua portuguesa, pelo uso da fonética em detrimento da etimologia, pelo eliminar da pontuação e da acentuação, com o mais completo desrespeito pelas regras gramaticais que muitos não chegaram sequer a conhecer, o que é algo inteiramente execrável. Como Fernando Pessoa somos levados a dizer “A minha pátria é a língua portuguesa.”, bem como “Ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida”. Como Zeca Afonso, de quem parafraseámos o título de aberura do presente post, somos levados a dizer:

Não me obriguem a vir para a rua
Gritar
Que é já tempo d' embalar a trouxa
E zarpar


[1] - Quinzenário de Estremoz, onde mantenho a coluna “O FRANCO-ATIRADOR”.
 
O SACRIFÍCIO DE ABRAÃO (1635) - Rembrandt (1606-1669).
Óleo sobre tela (132,8x139,5 cm). Museu Hermitage, Leningrado.
Segundo o Génesis, Abraão teria sido pai de Isaac aos 100 anos
 e mais tarde Deus pediu-lhe uma verdadeira prova de fé,
determinando que levasse o seu filho para oferecê-lo em holocausto.
Porém, quando levantou a mão para sacrificar o seu filho, foi impedido
pelo Anjo do Senhor.
HERMES MATANDO ARGUS PANOPTES - Vaso grego do séc. V a.C., atribuído ao pintor Argos.
Museu de História da Arte, Viena.
O DRAGÃO LÁDON - Iustração de Arthur Rackham (1867-1938)
(Imagem recolhida em Intellecta Design).

 HECATÔNQUIRO (Cartoon recolhido em Templo de apolo.net).
A DEMOLIÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA ATRAVÉS DO INTERNETÊS
(Cartoon recolhido em Língua Portuguesa).

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Nós e os números - O número Quatro

CRISTO REI COM OS QUATRO EVANGELISTAS, NO INÍCIO DO NOVO TESTAMENTO - Iluminura do ”Codex Amiatinus”, o mais antigo manuscrito sobrevivente da Bíblia quase completa na versão Vulgata Latina, considerado o exemplar mais preciso do texto de São Jerónimo. Criado no reino anglo-saxónico de Northumbria no século VIII, como um presente para o Papa. Conservado em Florença, na Biblioteca Medicea Laurenziana.

AONDE SE FALA DO QUATRO

Na MATEMÁTICA, “quatro” é o sucessor de “três”, o quarto número natural, o segundo número par e o primeiro número composto, com divisores 1, 2 e 4, cuja soma é 7. Além disso, “quatro” é o segundo quadrado perfeito, é divisível por dois e é também o dobro e o quadrado de dois. “Quatro” é ainda o número de lados do quadrilátero, polígono que por decomposição pode originar “quatro” triângulos iguais.
Na MATEMÁTICA existe o chamado “Teorema das quatro cores”, cujo enunciado é o seguinte: “Dado um mapa plano, dividido em regiões, quatro cores chegam para o colorir, de forma a que regiões vizinhas não partilhem a mesma cor.” Note-se que regiões que só se tocam num ponto não são consideradas vizinhas. O teorema foi demonstrado em 1976 por Appel (matemático americano) e Haken (matemático alemão), com recurso a um computador IBM360. Em 1994, foi feita uma demonstração mais simples da autoria dos matemáticos americanos Paul Seymour, Neil Robertson, Daniel Sanders e Robin Thomas, mas o recurso ao computador continua a ser indispensável.
Na MATEMÁTICA existe também o chamado “Problema dos quatro quatros”, formulado no romance infanto-juvenil ”O Homem que Calculava”, do autor brasileiro Júlio César de Mello e Souza, que sob o pseudónimo Malba Tahan, narra as aventuras e proezas matemáticas do calculista persa Beremiz Samir na Bagdá do século XIII. De acordo com o autor, é possível gerar todos os números inteiros entre 0 e 100, utilizando, para além dos quatro quatros, operações como: adição (+), subtracção (-), multiplicação (*), divisão (/), factorial (n!), termial (n?) e exponenciação (x n). Entretanto, foi demonstrada a existência de uma solução geral para o problema. Para os inteiros até ao número 10, a solução é a seguinte:


O “quatro” é objecto de uma superstição conhecida por “Tetrafobia”, que consiste na aversão ou medo ao número “quatro”. Esta superstição é partilhada por países do Leste Asiático, como a China continental, a ilha de Taiwan, o Japão e a Coreia, nos quais a palavra “quatro” é homófona da palavra “morte”. O número 4 é assim ignorado, tal como os números 14, 24, 34, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, devido à presença do dígito 4 na composição destes números. Números como estes são eliminados da numeração de portas, andares, mesas em restaurantes, matrículas de automóveis, comboios, aviões, barcos, etc. Em vez de 4, 14, 24, escreve-se 3A, 13A e 23A e num arranha-céus, a seguir ao andar 39 é logo o 50, isto é atribui-se o 50 onde devia ser 40. Quem exporta para estes países tem que ter em conta esta realidade na numeração de objectos e na designação de modelos de série, para não incorrer no risco de ver a mercadoria recusada.
Na FÍSICA, “quatro” é o número atómico do metal Berílio, os tempos do motor de explosão (admissão, compressão, explosão e escape), as fases da Lua, as estações do ano (Primavera, Verão, Outono, Inverno), os trimestres e os quartos da hora.
Na GEOGRAFIA, “quatro” são os pontos cardeais (Norte, Sul, Leste e Oeste), bem como as cores suficientes para pintar qualquer mapa plano, de modo a que dois países vizinhos não partilhem a mesma cor.
Na ZOOLOGIA, “quatro” membros têm os primatas e os quadrúpedes e “quatro” são as cavidades do coração (duas aurículas e dois ventrículos).
Na MINERALOGIA: “quatro” é a dureza da Fluorite na escala de dureza de Mohs e a fusibilidade da Actinolite na escala de fusibilidade de Kobell.
Em IMPRESSÃO utiliza-se a chamada “Quadricromia”, processo de impressão a “quatro” cores, que emprega o sistema CMYK de três cores primárias mais o preto, ou seja, Ciano (Cyan), Magenta (Magenta), Amarelo (Yellow) e Preto (blacK). A letra K no final significa Key (Chave) pois o preto que é obtido com as três primeiras cores, CMY, não reproduz fielmente tons mais escuros, sendo necessário a aplicação de preto "puro". As 4 cores principais do sistema CMYK são: Ciano, Magenta, Amarelo (Yellow) e Preto (Black). As cores secundárias deste sistema são: azul violeta (magenta + ciano), vermelho (magenta + amarelo) e verde (amarelo + ciano). A união de todas essas cores da escala, origina a cor preta no centro dela. Com o sistema CMYK consegue-se reproduzir a maioria das cores do espectro visível e tem-se uma base para quase toda a reprodução gráfica.
Nos BARALHOS DE CARTAS, “quatro” naipes tem o baralho (ouros, copas, espadas e paus, no baralho francês).
Nos JOGOS, “quatro” linhas têm os campos de jogos.
Na HISTÓRIA, “quatro” são as dinastias portuguesas (Afonsina, Joanina, Filipina e Brigantina).
Na POESIA, “quatro” versos tem a quadra e “quatro estrofes” tem um soneto (Duas quadras e dois tercetos).
Na MÚSICA, “O Anel do Nibelungo” é um ciclo de “quatro” óperas épicas do compositor alemão Richard Wagner (1813-1883), constituído pelas óperas “Ouro do Reno”, “A Valquíria”, “Siegfried” e “Crepúsculo dos Deuses”.
Na FILOSOFIA, “quatro” são os elementos de Empédocles (495/490-435/430 a.C.) (Terra, Água, Ar e Fogo) e “quatro” são as qualidades (Quente, Frio, Húmido e Seco), assim como “quatro” são as virtudes fundamentais (Sabedoria, Fortaleza, Temperança e Coragem) para Platão (428/427 – 348/347 a.C.), , no seu livro “República”. Para os pitagóricos, quatro representava a justiça, por ser um quadrado perfeito, o produto de dois factores iguais. Para Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) e de acordo com a “Teoria dos Quatro Discursos”, o discurso humano é uma potência única, que se actualiza de quatro maneiras diversas: a poética, a retórica, a dialética e a lógica.
Na MEDICINA GREGA e segundo o médico grego Hipócrates (460-377 a.C.), defensor da “Teoria dos quatro Humores”, existiam no organismo quatro humores (sangue, linfa, bílis amarela e bílis negra), relacionados com os quatro elementos da natureza (terra, água, ar e fogo) e com as quatro qualidades (calor, secura, frio e humidade). Da relação entre esses quatro humores resultariam os diferentes temperamentos: sanguíneo, fleumático, bilioso e melancólico. O estado de equilíbrio ou de desequilíbrio entre os humores, dava origem respectivamente a estados de saúde ou de doença.
Na BOTÂNICA o aparecimento de trevos de quatro folhas é raro, pelo que são prenúncio de sorte. De acordo com lendas celtas, os druidas praticavam rituais de colheita de plantas e animais que traziam boa ou má sorte. Acreditavam assim, por exemplo, que quem possuísse um trevo de quatro folhas poderia incorporar os poderes da floresta e a sorte dos deuses, adquirindo então o dom da prosperidade. Para tal, era necessário ganhá-lo de presente e depois presentear três pessoas. Porquê? Porque três é a Trindade, o resultado da procriação do homem e da mulher que é o filho, formando o trio. Três é o primeiro número perfeito e tem significado espiritual, sendo representado por um triângulo. Por outro lado, oferecer a alguém um objecto, que incorpore na sua decoração um trevo de quatro folhas, é formular-lhe votos de prosperidade, saúde e fortuna. Há quem considere ainda que cada folha do trevo tem um significado próprio: Esperança, Fé, Amor, Sorte, bem como o número de folhas (4) - representa um ciclo completo, como as 4 Estações, as 4 fases da Lua ou os 4 elementos da Natureza: Ar, Fogo, Terra e Água, segundo a “Teoria dos 4 Elementos”. Tradicionalmente o trevo de quatro folhas é considerado como um poderoso amuleto e usado em iconografia diversa.
Na POESIA CLÁSSICA, para o poeta grego Hesíodo (cerca do Séc. VIII a.C.), na sua obra “Os trabalhos e os dias”, ao longo da História, o Homem conheceu quatro raças ou idades: a do ouro, a da prata, a do bronze e a do ferro. Este mito das idades ilustra a ideia de Justiça de Hesíodo. Estas quatro eras cronológicas da Mitologia Grega Clássica, serão retomadas por Ovídio (43 a.C. - 17 d.C.) nas suas “Metamorfoses”.
Na MITOLOGIA GREGA, os ventos eram nove deuses responsáveis pelo vento, todos comandados por Éolo e a cada um dos quais estava atribuída uma direcção cardinal. Havia Quatro Grandes Ventos:
- Bóreas (N), o vento norte, frio e violento;
- Zéfiro (O), o vento oeste, suave e agradável;
- Eurus (L), o vento leste, criador de tempestades;
- Nótus (S), o vento sul, quente e formador de nuvens;
Havia ainda Quatro Ventos Menores:
- Kaikias (NE), o vento nordeste;
- Apeliotes (SE), o vento sudeste;
- Lips (SO), o vento sudoeste;
- Siroco (NO), o vento noroeste;
Na MITOLOGIA ROMANA, a deusa Ceres equivalente à deusa Demeter da MITOLOGIA GREGA é a deusa da Terra, responsável pela existência das “quatro” Estações.
Na MITOLOGIA HINDU, Brama o deus da criação é representado com “quatro” cabeças.
Na MITOLOGIA CHINESA há “quatro” animais sagrados associados à criação do Mundo. São eles: o dragão, o unicórnio, a fénix e a tartaruga.
Na MITOLOGIA NÓRDICA existem “quatro” anões guardiães dos quadrantes. São eles: Nordhri (Norte), Austri (Leste), Sudhri (Sul), e Vestri (Oeste). Segundo esta mitologia, das tetas da vaca Audumla, símbolo da fecundidade, corriam “quatro” rios de leite.
No CRISTIANISMO são “quatro” os evangelistas: Mateus (antigo publicano, chamado por Jesus Cristo para ser um dos doze Apóstolos), Marcos (discípulo de São Pedro), Lucas (médico) e São João (discípulo de Jesus e o mais novo dos doze Apóstolos. Eles são os autores dos Evangelhos que têm o respectivo nome, aceites simultaneamente pela Igreja Católica e pela Igreja Evangélica e que assim integram o Novo Testamento da Bíblia.
NA BÍBLIA, é farta a referência ao “quatro”. A título meramente exemplificativo:
- E saía um rio do Éden para regar o jardim; e dali se dividia e se tornava em quatro braços (Génesis 2:10).
- E fundiu quatro argolas para as quatro extremidades do crivo de cobre, para os lugares dos varais (Êxodo 38:59).
- Se alguém furtar boi ou ovelha, e o degolar ou vender, por um boi pagará cinco bois, e pela ovelha quatro ovelhas (Êxodo 22:1).
- Todo o insecto que voa, que anda sobre quatro pés, será para vós uma abominação (Levítico 11:20).
- Tudo o que anda sobre o ventre, e tudo o que anda sobre quatro pés, ou que tem muitos pés, entre todo o réptil que se arrasta sobre a terra, não comereis, porquanto são uma abominação (Levítico 11:42).
- Franjas porás nas quatro bordas da tua manta, com que te cobrires (Deuteronómio 22:12).
- E quatro homens leprosos estavam à entrada da porta, os quais disseram uns aos outros: Para que estaremos nós aqui até morrermos? (2 Reis 7:3).
- Os porteiros estavam aos quatro lados; ao oriente, ao ocidente, ao norte, e ao sul (1 Crónicas 9:24).
- Estas três coisas me maravilham; e quatro há que não conheço (Provérbios 30:18).- Por três coisas se alvoroça a terra; e por quatro que não pode suportar (Provérbios 30:21).
- Estes três têm um bom andar, e quatro passeiam airosamente (Provérbios 30:29).
- Porque visitá-los-ei com quatro géneros de males, diz o SENHOR: com espada para matar, e com cães, para os arrastarem, e com aves dos céus, e com animais da terra, para os devorarem e destruírem (Jeremias 15:3).
- E ele me disse: Profetiza ao espírito, profetiza, ó filho do homem, e dize ao espírito: Assim diz o Senhor DEUS: Vem dos quatro ventos, ó espírito, e assopra sobre estes mortos, para que vivam (Ezequiel 37:9).
- E cada um tinha quatro rostos, como também cada um deles quatro asas (Ezequiel 1:6).
- E o SENHOR me mostrou quatro carpinteiros (Zacarias 1:20).
- E tinha este quatro filhas virgens, que profetizavam (Actos dos Apóstolos 21:9).
- E havia diante do trono como que um mar de vidro, semelhante ao cristal. E no meio do trono, e ao redor do trono, quatro animais cheios de olhos, por diante e por detrás (Apocalipse 4:6).
- E depois destas coisas vi quatro anjos que estavam sobre os quatro cantos da terra, retendo os quatro ventos da terra, para que nenhum vento soprasse sobre a terra, nem sobre o mar, nem contra árvore alguma (Apocalipse 7:1).
- E vi outro anjo subir do lado do sol nascente, e que tinha o selo do Deus vivo; e clamou com grande voz aos quatro anjos, a quem fora dado o poder de danificar a terra e o mar, (Apocalipse 7:2).
- A qual dizia ao sexto anjo, que tinha a trombeta: Solta os quatro anjos, que estão presos junto ao grande rio Eufrates (Apocalipse 9:14).
- E foram soltos os quatro anjos, que estavam preparados para a hora, e dia, e mês, e ano, a fim de matarem a terça parte dos homens (Apocalipse 9:15).
- E sairá a enganar as nações que estão sobre os quatro cantos da terra, Gogue e Magogue, cujo número é como a areia do mar, para as ajuntar em batalha (Apocalipse 20:8).
Os “quatro” anjos de que fala o apóstolo João no livro bíblico “Apocalipse”, são conhecidos como os “Quatro Cavaleiros do Apocalipse” (Conquista, Guerra, Fome e Morte).
A simbologia bíblica, o número quatro representa quadrangulação em simetria, como em “quatro ventos” (Apocalipse 7:1) e “quatro cantos da Terra” (Apocalipse 20:8).
Na LINGUAGEM METAFÓRICA, são de salientar as expressões:

Foi o diabo a quatro = Foi um cargo dos trabalhos = Houve incidentes de toda a ordem
Moita quatro vinténs = Quando o outro não dá resposta
É tão certo como dois e dois serem quatro = É absolutamente verdadeiro
O rapaz come por quatro = O rapaz come muito
O homem bebe por quatro = O homem bebe muito
Aos quatro ventos = Por toda a parte
Trecho a quatro mãos = Trecho para ser executado no mesmo piano, simultaneamente por duas pessoas

Nos PROVÉRBIOS, merecem destaque os seguintes:

- Bela, boa, rica e casta é mulher de quatro andares.
- Homem velhaco, três barbas ou quatro.
- Mesmo a um homem morto, quatro homens para o tirar de casa.
- Mulher grávida de três meses encobre, de quatro quer mas não pode.
- O diabo a quatro.
- Quatro coisas destroem a justiça: o amor, o ódio, o medo e a ganância.
 Quatro horas dorme o santo, cinco o que não é tanto, seis o estudante, sete o caminhante, oito o porco e nove o morto.
- Quatro olhos vêem mais que dois.
- Quatro virtudes engrandecem o homem: delicadeza, sabedoria, honestidade e fidelidade.
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Na MEDICINA POPULAR, identificámos a prescrição:
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“Quatro sardinhas assadas,
Tiradas da salgadeira;
É remédio aprovado
Para o mal da catarreira.”
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A nível de SUPERSTIÇÕES, lembramo-nos desta:
 - Quando um galo canta quatro vezes antes da meia-noite, é sinal de morte.
No domínio das ORAÇÕES POPULARES, há alguma como esta que outrora era rezada em Beja, ao deitar:
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“Quatro cantos tem a casa,
Quatro velas a arder,
Nossa Senhora me acompanhe
Esta noite, se eu morrer.

Jesus na boca, Jesus no peito,
Jesus na cama onde m’eu deito.” [1]

No contexto do CANCIONEIRO POPULAR, para além de quadras que já foram citadas a propósito do número "três", são de destacar a propósito do número "quatro" as seguintes:

“4 com 5 são nove,
A conta não quer mentir;
Bem tolo é quem se mata
Por criadas de servir. [1]

“4 com 5 são nove,
Mais amores tenho eu;
Se eu quizesse mais teria,
Foi sorte que Deus me deu.” [1]

“Grande árvore é o carvalho,
Dá quatro castas de fruto:
Bugalho e bugalhinhos,
Landes e maçãs de cuco.” [2]

No âmbito das LENGALENGAS, salientamos:

“Um, dois, três, quatro;
Quantos pêlos tem o gato?
- Ainda estão para nascer!
Um, dois, três quatro!” [2]

[1] - PIRES, A. Thomaz. Cantos Populares Portugueses, vol. IV. Typographia e Stereotypia Progresso. Elvas, 1910.
[2] – DELGADO, Manuel Joaquim. A Etnografia e o Folclore do Baixo Alentejo. Separata da Revista Ocidente. Lisboa, 1956.



OS QUATRO CAVALEIROS DO APOCALIPSE – Pintura de Viktor Vasnetsov (1848-1926), executada em 1887.

ZÉFIRO, O DEUS GREGO DO VENTO OESTE E A DEUSA CHLORIS – Pintura de 1875 de William-Adolphe Bouguereau (1825-1905), datada de 1875.

CERES (VERÃO) – óleo sobre tela do pintor francês Jean-Antoine Watteau (1684-1721), executado em 1712 e existente na Galeria Nacional de Arte, em Washington, nos EUA.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Nós e os números - O número três

A Adoração dos Magos, de Albrecht Dürer (1471-1528), Galeria Uffizi, Florença.

AONDE SE FALA DO TRÊS

Na MATEMÁTICA, “três” é o sucessor de “dois”, o terceiro número natural, o segundo número ímpar e o segundo número primo. “Três” são os tipos de sistemas de equações (possíveis, impossíveis e indeterminados) e “três” são as posições relativas de duas rectas (concorrentes, paralelas e coincidentes). “Três” lados tem o triângulo, “três” são os tipos de triângulos quanto aos ângulos (acutângulos, rectângulos e obtusângulos), “três” são os tipos de triângulos quanto aos lados (equiláteros, isósceles e escalenos) e “três” partes tem um teorema (hipótese, tese e demonstração).
Na FÍSICA, “três” são as leis de Newton (Lei da Inércia, Lei da Igualdade da Acção e Reacção e, Lei Fundamental).
Na MINERALOGIA, “três” é a dureza do Espato de Islândia na escala de dureza de Mohs e a fusibilidade da Almandina na escala de fusibilidade de Kobell.
No DESPORTO, “três” é o número de provas do triatlo, de medalhas de cada modalidade olímpica (ouro, prata e bronze) e o número de elementos duma equipa de arbitragem num jogo de futebol.
NA BÍBLIA, é abundante a referência ao “três”:
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A Bíblia foi escrita originalmente em três idiomas (hebraico, aramaico e grego).
Lucifer levou consigo a terça parte dos anjos.
Três são as pessoas da Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo).
São três as primeiras criaturas de Deus que mantêm o primeiro diálogo (Adão, Eva e o diabo).
Três foram os filhos de Noé (Sem, Cam e Jafé), que repovoaram a terra após o dilúvio.
Abraão viu três homens, que seriam três anjos.
Moisés trouxe três dias de trevas sobre o Egipto.
Daniel orava três vezes por dia.
Jonas esteve três dias e três noites no ventre do grande peixe.
Mateus viu três pessoas no momento da transfiguração: Jesus, Moisés e Elias.
Durante três anos da sua vida Jesus curou enfermos e perdoou pecados.
Três são os dias ao fim dos quais Jesus ressuscitou.
Três foram os reis magos (Belchior, Baltasar e Gaspar) que trouxeram presentes a Jesus quando ele nasceu.
Pedro negou Cristo três vezes.
Pedro teve uma visão, na qual ouviu três vezes uma voz.
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No CRISTIANISMO, “três” são as Virtudes Teologais (Fé, Esperança e Caridade) e “três” são os Santos Populares Portugueses (Santo António, São Pedro e São João).
Na SUPERSTIÇÃO, há múltiplas crenças:
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“É bom trazer uma noz de três quinas na algibeira, porque dá fortuna.“
“É mau agoiro estalar três vezes a luz de azeite“
“Na Beira Alta quando morre um homem, o sino dá três sinais e quando mulher dois.”
“No Sábado de Aleluia, é bom furtar-se água da pia de baptismo de uma igreja; três gotas desta água deitadas no comer livram de feitiços a quem as toma, mas há - de ser depois de o comer ser tirado do lume, porque antes é pecado.“
“Se encontrar um corcunda pela manhã em jejum, deve-se dizer três vezes: "Benza-te Deus, dinheiro fresco nos mande Deus", porque se alcança dinheiro em breve.“
“Três luzes numa casa é sinal de casamento da pessoa mais nova dessa casa “
“Três pessoas a fazerem uma cama, morre a mais nova.“
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O “três” faz igualmente parte da LINGUAGEM METAFÓRICA:
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Às duas por três = De repente
Em três tempos = Depressa
Três da vida airada = Três amigos inseparáveis
Três o diabo fez = Exclamação para afastar um terceiro concorrente de qualquer combinação
Perder os três = Perder a virgindade
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De resto, o “três” é um número que aparece em muitos PROVÉRBIOS:
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“A duas palavras, três porradas“
“A pão de quinze dias, fome de três semanas“
“Abril águas mil, coadas por um mandil e em Maio três ou quatro“
“Ao terceiro dia, maior dor na ferida“
“Às três vai de vez“
“Bom comer, três vezes beber“
“Companhia de três é má rês“
“Dois detestam-se, três aborrecem-se“
“Dois divertem-se, três aborrecem-se“
“Frade, freira e mulher rezadeira, três pessoas distintas e nenhuma verdadeira“
“Hoje um, amanhã dois, ao outro dia três ou quatro, depressa enche o saco“
“Homem velhaco, três barbas ou quatro“
"Juntaram-se três para o peso de seis"
“Mais vale um gosto na vida que três vinténs“
“Mulher grávida de três meses encobre, de quatro quer mas não pode“
“Negro quando pinta, três vezes trinta“
“O hóspede e o peixe aos três dias aborrece“
“O peixe deve nadar três vezes: em água, em molho e em vinho“
“O que não se faz numa vez, faz-se em duas ou três“
“Onde comem dois, comem três““Três à carga, carga no chão“
“Três ao burro, burro no chão“
“Três coisas destroem um homem: muito falar e pouco saber, muito gastar e pouco ter e muito presumir e pouco saber“
“Três coisas enganam o homem: as mulheres, os copos pequenos e a chuva miúda“
“Três coisas fazem o homem mudar: a ciência, o mar e a casa real“
“Três coisas mudam o homem: a mulher, o estudo e o vinho“
“Três foi a conta que Deus fez"
“Três horas dorme o santo, três e quem não é tanto, cinco o estudante, seis o extravagante, sete o porco e mais o morto“
“Três irmãos, três fortalezas“
“Três luzes a arder deitam uma casa a perder“
“Três manhas tem a mulher: chorar quando quer, como quer e quanto quer“
“Três manhas tem a mulher: mentir sem cuidar, chorar sem querer e urinar onde quer“
“Três vezes nove vinte e sete, quem matou o cão foi o valete
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A presença do número "três" no CANCIONEIRO POPULAR é também significativa:
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“Tenho 1 amor, tenho 2,
tenho 3, e tenho 4.
Tenho 5, esse, é firme,
Tenho 6, não me retracto.“[1]

“Eu tenho 5 namoros,
3 de manhã, dois de tarde
A todos elles eu minto,
Só a um falo verdade.” [1]
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“Tenho 3 lenços de seda,
Dois azues, 1 encarnado,
Também tenho 3 amores,
1 firme, 2 enganados.” [1]

“Eu tenho 4 vestidos,
1 branco, 3 encarnados
Tambem tenho 4 amores,
1 firme, 3 enganados.” [1]

“Tu, ingrato amas a duas
Tambem podes amar 3,
Tambem podes amar 4,
Cada uma por sua vez.” [1]

“Há 3 dias que não janto,
Há 4 que não almoço,
E há cinco que te não vejo,
Meu amor, porque não posso.“ [1]
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“Puz-me a contar às avessas
As pedras d’uma columna:
Contei 7, 6 e 5,
4, 3, duas e uma.“ [1]

“À uma hora nasci,
Às duas fui baptizado,
Ás 3 andava de amores,
Às 4 estava casado.“ [1]
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Para os pitagóricos, o número “três” representa a síntese espiritual, a resolução do conflito colocado pelo dualismo.
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A importância do três é tão grande que os pilares da Democracia assentam em três poderes (executivo, legislativo e judicial).

[1] - PIRES, A. Thomaz. Cantos Populares Portugueses, vol. IV. Typographia e Stereotypia Progresso. Elvas, 1910.

sábado, 5 de junho de 2010

Nós e os números - O número dois


Mulher do Minho, ornada com filigrana portuguesa,
nomeadamente um par de brincos.

AONDE SE FALA DO DOIS

Na MATEMÁTICA, “dois” é o sucessor de “um”, o antecessor de “três”, o dobro de “um”, o segundo número natural, o primeiro número primo e máximo divisor comum de “dois” com todos os números.
Na FÍSICA, “duas” são as leis da reflexão da luz, “dois” sentidos tem a corrente eléctrica alterna e “dois” é o número máximo de electrões de um elemento do primeiro período da Tabela Periódica dos Elementos.
Na GEOGRAFIA, “dois” Equinócios (Vernal e Outonal) e “dois” Soistícios (de Verão e de Inverno) tem o ano, “dois” são os hemisférios terrestres e “duas” são as margens de um rio.
Na ZOOLOGIA, “dois” é o número de alguns órgãos da espécie humana (braços, mãos, pernas, pés, orelhas, olhos, narinas, nádegas, rins, pulmões) e “dois” cornos tem o gado bovino, caprino e ovino. “Duas” são as asas e as patas das aves, assim como “duas” são as conchas dos moluscos bivalves (amêijoas, ostras, vieiras, etc.).
Na MINERALOGIA, “dois” é a dureza da selenite na escala de dureza de Mohs e a fusibilidade da natrolite na escala de fusibilidade de Kobell.
No ANO, “dois” são os semestres.
No DESPORTO, “duas” balizas têm os campos de futebol, andebol, basquetebol, hóquei e pólo, tal como “dois” pedais tem uma bicicleta.
No TRÂNSITO “duas” são as bermas de uma estrada.
Na TECELAGEM, “duas” séries de fios perpendiculares (urdidura e trama) por entrelaçamento no tear produzem o tecido.
No ADORNO “dois” são os brincos da mulher.
Na HISTÓRIA, “duas” foram as bombas atómicas lançadas pelo exército americano sobre o Japão, durante a segunda guerra mundial. (Hiroshima e Nagasáki).
Na BÍBLIA “dois” braços tem a cruz onde foi pregado Jesus e “dois” foram os ladrões que morreram com ele na cruz.
Na SUPERSTIÇÃO, crê-se que “Quando “dois” relógios dão horas ao mesmo tempo, é sinal de morte repentina". Igualmente se crê que “O homem é sempre acompanhado de “dois” anjos. O anjo da guarda à sua direita e o anjo mau (o demónio) à sua esquerda”.
Na LÓGICA, “dois” são os opostos [sim e não, yin e yang (taoismo), preto e branco, alto e baixo, gordo e magro, esquerdo e direito, dentro e fora, cima e baixo, frente e trás, longe e perto, positivo e negativo, céu e inferno, antes e depois, princípio e fim].
O cardinal “dois” faz parte da LINGUAGEM METAFÓRICA:

Fazer dominó para os dois lados = Fazer jogo duplo
Ficar como dois com um sapato = Ficar indeciso, ficar desfalcado
Levar duas lamparinas = Levar um par de estalos
Navegar em duas águas = Fazer jogo duplo
Tão certo como dois e dois serem quatro = Coisa que não sofre discussão

Também o ordinal “segundo” integra a LINGUAGEM METAFÓRICA:

 Pão segundo = Pão de mistura de farinhas diferentes de trigo
Segundo estado = Matrimónio
Segundo a segundo = Constantemente
Sem segundo = Sem rival

O “dois” é um número que também aparece em muitos PROVÉRBIOS, tais como:

”Abre um olho para ver e dois para comprar”
”As duas faces da mesma moeda”
"A duas palavras, três porradas"
"Companhia de dois, companhia de bons"
”Dá duas vezes quem de pronto dá”
”Dá-lhe uma e promete-lhe duas”
”Dois detestam-se, três aborrecem-se”
”Dois divertem-se, três aborrecem-se”
”Dois não brigam quando um não quer"
"Dois narigudos nunca se beijam"
”Dois pesos, duas medidas”
”Dois pobres à mesma mesa, um deles fica sem esmola”
”Dois proveitos não cabem no mesmo saco”
”Dois sacos vazios não ficam em pé”
”Duas aves de rapina não se fazem companhia”
”Duas ceias em um só ventre cabem”
”Duas crias más cabem num ventre”
”Duas mortes sofre, quem por mão alheia morre”
”Duas mulheres e um pato fazem uma feira”
"Duas orelhas, uma só língua: ouve duas vezes por cada vez que falas"
”Duas pedras duras não fazem farinha”
”Duas pedras duras não ligam bem”
”Duas velas a arder, deitam a casa a perder”
”Duas vezes é perdido o que ao ingrato é concedido”
”Duas vezes é tolo: quem faz o mal e o apregoa”
"Entre dois dentes molares nunca metas os polegares"
”Há pessoas que têm duas caras como o feijão-frade”
”Hoje um, amanhã dois, ao outro dia três ou quatro, depressa enche o saco”
”Homem prevenido vale por dois”
”Jogar com um pau de dois bicos”
”Mais vale um ano de tarimba do que dois em Coimbra”
”Mais vale um pé que duas muletas”
”Mais vale um toma que dois te darei”
”Matar dois coelhos de uma cajadada”
”Moços e bois de um ano a dois”
”O que não se faz numa vez, faz-se em duas ou três”
”O segundo é o primeiro dos últimos”
”Onde comem dois, comem três”
"Quem a dois amos quer servir, a um há-de mentir"
”Quem se abriga debaixo de folha, duas vezes se molha”
"Quem em pedra duas vezes tropeça, não é muito quebrar a cabeça"

O número “dois” tem a ver com a partilha de funções, com a complementaridade de funções, com a lógica binária do sim ou não. Para os pitagóricos representa a opinião ou se quisermos o conflito, a oposição e a imobilidade momentânea quando as forças são iguais.
"Dois” que matematicamente resulta de somar “um” com “um”, quantitativamente é mais do que as partes, o que lembra o provérbio “A união faz a força”, que é ainda o título de uma fábula de Esopo, que pode ser contada assim:
Um lavrador estava gravemente doente. Preocupado com os conflitos permanentes entre os seus quatro filhos, resolveu dar-lhes uma lição. Chamou-os, mostrou-lhes um feixe de gravetos amarrados e disse-lhes:
 - "Como vocês sabem, estou doente e posso morrer a qualquer instante. Aquele que conseguir despedaçar estes gravetos só com as mãos, será o meu único herdeiro”.
Os filhos estranharam, mas aceitaram o repto. Todos tentaram e não conseguiram. Foi então que o lavrador pediu o feixe a anunciou que ele mesmo iria quebrá-lo. Incrédulos assistiram ao pai a desfazer o feixe e a quebrar os gravetos um por um. Disse então aos filhos:
-“Vocês são como este feixe. Enquanto estiverem unidos, poderão sempre contar com o apoio uns dos outros. Porém, separados, vocês são tão frágeis como cada um destes gravetos isolados”.
Trata-se apenas duma fábula, mas a verdade que encerra “A união faz a força” essa é inquestionável.

A união faz a força – cartoon de Netto, publicado em “Tribal Wars”