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sexta-feira, 13 de outubro de 2023

ANA DAS PELES na toponímia estremocense

 

Sá Lemos trocando impressões com Ana das Peles numa sala de aulas da Escola Industrial
 António Augusto Gonçalves. Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988),  publicada
no semanário estremocense “Brados do Alentejo” nº 250, de 10 de Novembro de 1935. 


Novos topónimos concelhios
Em reunião do Município realizada no passado dia 28 de Junho, foi aprovada uma proposta da Comissão de Toponímia do Concelho de Estremoz, a qual integra a acta da sua reunião de 24 de Maio do ano em curso, no sentido de serem atribuídos novos topónimos, assim distribuídos: Estremoz (12), Veiros (10), Arcos (4).
Entre os 12 novos topónimos aprovados para Estremoz, figura o nome da barrista ANA DAS PELES (1869-1945), que assim viu a sua memória perpetuada através da atribuição do seu nome à rua que se inicia na Avenida Tomaz Alcaide e termina na Avenida Condessa da Cuba, junto à Associação Cultural e Recreativa dos Marinheiros de Estremoz, instalada no local do antigo Dispensário de Assistência aos Tuberculosos.

Ana das Peles, o novo topónimo
A proposta de inclusão do antropónimo “Ana das Peles” na toponímia local, teve origem numa proposta do Presidente da União das Freguesias (Santa Maria e Santo André), aprovada por unanimidade na reunião ordinária da Junta de Freguesia, de 14 de Fevereiro passado. O teor da proposta aprovada é o seguinte:
A 19 de Fevereiro de 2023 completam-se 78 anos sobre a morte da bonequeira Ana das Peles (1869-1945), velha barrista que foi o instrumento primordial da recuperação da extinta tradição de manufactura dos Bonecos de Estremoz, empreendida pelo escultor José Maria de Sá Lemos (1892-1971) nos anos 30 do séc. XX.
Em 1935 os Bonecos de Ana das Peles participaram na “Quinzena de Arte Popular Portuguesa” realizada na Galeria Moos, em Genebra. Em 1936 estiveram presentes na Secção VI (Escultura) da Exposição de Arte Popular Portuguesa ocorrida em Lisboa, em 1937 na Exposição Internacional de Paris e em 1940 na Exposição do Mundo Português, promovida em Lisboa.
Os Bonecos de Ana das Peles, foram nestas exposições, um ex-líbris de excelência da cidade de Estremoz. Eles foram os melhores embaixadores da nossa Arte Popular e da nossa identidade cultural local e regional. Eles foram, simultaneamente, a primeira declaração e a primeira prova insofismável de que na nossa terra existiam criadores populares de grande qualidade. Os Bonecos de Estremoz, até então relativamente pouco conhecidos, adquiriram por mérito próprio e muito justamente grande notoriedade pública.
Ana das Peles partiu, mas os seus Bonecos muito apreciados e procurados, povoam vitrinas de coleccionadores e de museus para deleite de espírito. Com eles a imagem de marca da nossa identidade cultural local e transtagana, testemunho e herança de uma época.
78 anos volvidos sobre a morte de Ana das Peles, os seus gestos de modeladora de sonhos, continuam a ser repetidos, ainda que recriados pelos barristas de hoje. Por isso Ana das Peles é imortal e os Bonecos de Estremoz serão eternos.
Ana das Peles é uma figura que pela sua acção desempenhou um papel de relevo na construção da Memória de Estremoz, pelo que não pode ser olvidada nas páginas da História local.
Desde 7 de Dezembro de 2017 que a manufactura de Bonecos de Estremoz está inscrita na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade.
Como reconhecimento do papel desempenhado por Ana das Peles na recuperação duma tradição que corria o risco de se extinguir e que hoje é motivo de orgulho para todos os estremocenses, a Junta de Freguesia de Estremoz (Santa Maria e Santo André) propõe à Câmara Municipal de Estremoz, a perpetuação da Memória daquela barrista, incluindo o seu nome na toponímia local, usando a fórmula: “ANA DAS PELES / BARRISTA”.”

Quem se segue?
Até agora a toponímia estremocense já perpetuou o nome dos seguintes barristas: Mariano da Conceição (1903-1959), Sabina da Conceição Santos (1921-2005), Liberdade da Conceição (1913-1990), Maria Luísa da Conceição (1934-2015), Quirina Marmelo (1922-2009) e Ana das Peles (1869-1945). Todavia, para além deles há outros barristas falecidos que até agora foram esquecidos. São eles:
- António Lino de Sousa (1918-1982), oleiro da Olaria Alfacinha e discípulo de Mestre Mariano da Conceição, com quem aprendeu a manufacturar Bonecos de Estremoz, a cuja confecção se dedicou em exclusivo entre 1976 e a data do seu falecimento.
- José Moreira (1926-1991), discípulo de Ana das Peles e que foi o barrista que mais contribuiu para a divulgação dos Bonecos de Estremoz. Percorreu o país de lés a lés e não houve feira ou exposição de artesanato a que ele não fosse.
- Aclénia Pereira (1927-2012), que nos anos 40 do séc. XX foi discípula de Mestre Mariano da Conceição na Escola Industrial António Gonçalves e que foi barrista até ao fim da vida, mesmo depois de se ter transferido para Santarém, em cujo distrito foi uma grande embaixadora dos Bonecos de Estremoz.
- Isabel Carona (1949-2006), que foi uma das primeiras discípulas de Mestra Sabina da Conceição e que depois de trabalhar com ela durante dez anos, se fixou em Sarilhos Grandes, Montijo, onde continuou a arte bonequeira.
- Mário Lagartinho (1935-2016), o último oleiro de Estremoz, que como barrista confeccionou Bonecos de Estremoz nos anos 70-90 do século passado e que pela sua acção continuou a cadeia de transmissão de saberes.
- Arlindo Ginja (1938-2018), discípulo de Mário Lagartinho, que conjuntamente com seu irmão Afonso exerceu o mester durante 32 anos, até se aposentar em 2011.
Estes barristas, cada um à sua maneira, contribuiu para que a manufactura de Bonecos de Estremoz esteja actualmente inscrita na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade. Daí ser da mais elementar justiça que o seu nome seja igualmente perpetuado na toponímia estremocense. Ficamos à espera.


Estremoz, 27 de Julho de 2023
Publicado no jornal E nº 319, de 13 de Outubro de 2023

Ana das Peles a modelar uma figura. Fotografia de Albert t’Serstevens (1886-1974)

Ana das Peles a pintar Bonecos na sua oficina na Rua Brito Capelo nº 21 em Estremoz,
local onde também residia na época. Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988). 

A entrada da Rua Ana das Peles pelo lado da Avenida Condessa da Cuba.

Placa toponímica da RUA ANA DAS PELES / BARRISTA

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Porta Nova era, Porta Nova ficou

 

ESTREMOZ – Largo do General Graça, cerca de 1900. Bilhete-postal ilustrado, edição de
Faustino António Martins, Lisboa. Chapa fotográfica nº 1206. O local foi designado por
Largo da Porta Nova até 1891, ano a partir do qual passou a ser identificado como Largo
General Graça, topónimo que se manteve até 1911, ano em que foi renomeado como
Largo da República.

Mudam os nomes, mas o local continua
Em Estremoz, o actual Largo da República já se chamou Largo General Graça e antes disso Largo da Porta Nova. Quando e porquê ocorreram tais mudanças de nomes? É uma pergunta a que procurarei dar resposta na presente crónica.

Primórdios da Porta Nova
1492 – No fundo da Santa Casa da Misericórdia de Estremoz, depositado no Arquivo Municipal da cidade, existe entre outros, o Livro de Tombo nº 9, contendo as cópias dos termos originais do livro pequeno de pergaminho com o nº 8 e dele transcrito em 30 de Outubro de 1687. Na folha 9, desse livro pequeno de pergaminho, com data de 12 de Novembro de 1492, constava a carta de aforamento que a Confraria da Misericórdia fez a João Bailhão, carpinteiro, de uns lagares que estavam nos arrabaldes das covas (local que viria a ser designado por Terreiro das Covas), à Porta Nova.
Aquela que parece ser a ocorrência mais antiga do topónimo Porta Nova, corresponde ao ano de 1492, no decurso do reinado de D. João II (1481-1495), que tomou a iniciativa de criar novas muralhas que protegessem as localidades fronteiriças das incursões dos espanhóis. O mesmo se havia já passado no reinado de D. Fernando I (1367-1383). Presume-se que a designação Porta Nova, tenha tido origem numa porta aberta nas muralhas então construídas num daqueles reinados, a qual seria a porta mais recente no conjunto de todas as muralhas existentes naquela época. A expansão da vila terá exigido o derrube dessas muralhas mais recentes, mantendo-se, todavia, o topónimo Porta Nova.
1610 – A Irmandade da Misericórdia, instalada na Igreja de São Miguel (ou do Anjo da Guarda) desde 1534, de acordo com alvará de Filipe II, datado de 6 de Fevereiro de 1610, transfere-se para um edifício existente no Terreiro da Porta Nova, actualmente ocupado pela Sociedade Recreativa Popular Estremocense e pela Sociedade Filarmónica Artística Estremocense.
1648 - Devido á falta de pão que havia na vila, foi eleito Manuel Martins Prioste morador da mesma, para ir à cidade de Lisboa comprar 600 mil reis de trigo, que se obrigava a trazer á Porta Nova para ser vendido á ordem do juiz de fora e dos vereadores (Acta da Sessão da Câmara - 23 de Março de 1648).
1689 - Referência à existência de açougues na Porta Nova (Acta da Sessão da Câmara - 29 de Janeiro de 1689).
1766 - É mandada arrematar a venda da pólvora a Francisco Ferreira, tendeiro, morador á Porta Nova (Acta da Sessão da Câmara – 26 de Fevereiro de 1766).
1885 – A Porta Nova está referenciada na planta da vila, executada em 1855 por Frederico Perry Vidal.
1859 - A Rua da Porta Nova consta da Relação dos bairros, ruas, calçadas, terreiros, travessas e largos da vila de Estremoz que compõem a freguesia de Santo André.

Porta Nova com dragonas de General
1891 - É aprovada por unanimidade a proposta do vereador Domingos Joaquim da Silva para que ao Largo da Porta Nova se dê o nome de Largo General Graça, como forma de reconhecimento e homenagem pelos serviços prestados ao concelho pelo General Manuel Vicente Graça, enquanto Director das Obras Públicas do Distrito de Évora (Acta da Sessão da Câmara – 4 de Março de 1891).

E viva a República!
1911 - Foi deliberado que o Largo General Graça passe a ser denominado Largo da República e que o Largo de D. José I, passe a denominar-se Largo de General Graça (Acta da Sessão da Câmara – 13 de Setembro de 1911).
Com a queda da Monarquia a 5 de Outubro de 1910, tornava-se necessária a afirmação do novo regime. Daí que a nível local tenham ocorrido alterações toponímicas. Entre elas, a aqui referida e que só ocorre após a aprovação da nova Constituição pela Assembleia Constituinte, em 21 de Agosto desse ano.

O peso da tradição oral
A Sociedade Recreativa Popular Estremocense, situada no Largo da República e fundada em 1887, anteriormente à aprovação da designação Largo General Graça (1891), continua a ser popularmente designada como Sociedade da Porta Nova ou simplesmente Porta Nova, o que é revelador do peso da tradição oral. O povo continua a reconhecer-se no topónimo primitivo e inicial, de índole topográfica. Nem um general monárquico nem a República, o fazem esquecer. De resto, a mesma tradição oral regista os provérbios: "O povo é quem mais ordena" e "A voz do povo, é a voz de Deus".

Agradecimentos
Esta crónica não teria sido possível sem o apoio documental do Arquivo Municipal de Estremoz, a quem compete a salvaguarda, valorização e divulgação do espólio documental concelhio, o qual retrata a vida e a história da comunidade e está ao seu serviço.
O Arquivo Municipal de Estremoz conta com uma valiosa equipa de “formiguinhas” que dedicadamente trabalham na sombra, afastadas das luzes da ribalta, assegurando que ele possa cumprir a missão que lhe está atribuída. BEM HAJAM, FORMIGUINHAS!

Publicado no nº 300 do jornal E, de 24 de Novembro de 2011

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Rua do Outeiro, berço de barristas

 

Rua do Outeiro (1944). Roberto Augusto Carmelo Alcaide (1903-1979).


Como é sabido, sou assíduo frequentador do Mercado das Velharias em Estremoz. Ali tenho comprado coisas invulgares, umas pré-existentes na minha mente, outras descobertas por mero acaso. Foi o que aconteceu há cerca de 20 anos com uma pintura que me aqueceu a alma como investigador da barristica popular estremocense. Daí que a tenha utilizado como imagem de abertura do meu livro “Bonecos de Estremoz”, publicado em 2018 pelas edições Afrontamento. Trata-se da Rua do Outeiro (1944), um gouache sobre cartão (27 cm x 19 cm), da autoria de Roberto Augusto Carmelo Alcaide (1903-1979), autodidacta, caricaturista, maquetista, cenógrafo e dramaturgo. Casado com a poetisa Maria Palmira Osório de Castro Sande Meneses e Vasconcellos (1910-1992), que sob o pseudónimo Maria de Santa Isabel, publicou obra poética, a qual inclui: Flor de Esteva (1948), Solidão Maior (1957), Terra Ardente (1961), Fronteira de Bruma (1997), Poesia Inédita (A editar).
Nascido em 1946, tive o privilégio de conhecer em vida, não só a poetisa como o seu esposo, pertencente como eu a ramos distintos da Família Carmelo, ele da 9.º geração e eu da 10.ª.
Da rua do Outeiro, rua de oleiros e bonequeiras, nos fala a “Marcha do Outeiro”, vencedora do concurso de Marchas Populares de Estremoz, em 1948: “O outeiro iluminado / de rubras malvas bordado, / tanta graça Deus lhe pôs!) / que foi berço das primeiras / fantasias das oleiras / nos bonecos de Estremoz!”. A letra da marcha era da autoria de Luís Rui, pseudónimo literário de Joaquim Vermelho (1927-2002), que se tornaria um destacado estudioso da barrística popular estremocense.


Roberto Augusto Carmelo Alcaide (1903-1979).

sábado, 20 de abril de 2019

Sabina da Conceição na toponímia estremocense


Sabina da Conceição (1921-2005) nos anos 70 do séc. XX, tendo à sua direita as discípulas
Maria Inácia Fonseca (1957-) e Perpétua Sousa (1958-). Fotografia de Xenia V. Bahder.
 Arquivo fotográfico do autor.

A barrista Sabina da Conceição (1921-2005) viu a sua memória perpetuada através da atribuição do seu nome a uma rua da cidade, situada no Monte Pistola, junto à antiga passagem de nível. A deliberação foi tomada em reunião da Câmara realizada no passado dia 3 de Abril, tendo sido homologada por unanimidade a acta da reunião da Comissão de Toponímia do Concelho de Estremoz, realizada no passado dia 15 de Março e, consequentemente, aprovadas as propostas dos topónimos aí constantes, entre os quais se incluía o nome daquela barrista.
A atribuição do nome de Sabina da Conceição a uma rua da cidade corresponde ao reconhecimento do papel por ela desempenhado como continuadora duma tradição que corria o risco de se extinguir e que hoje é motivo de orgulho para todos os estremocenses. O trabalho desenvolvido por Sabina da Conceição deu um forte contributo para que desde 7 de Dezembro de 2017, a manufactura de Bonecos de Estremoz esteja inscrita na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade.
Sabina Augusta da Conceição nasceu a 1 de Julho de 1921 num prédio da calçada da Frandina, em Estremoz. Filha legítima de Narciso Augusto da Conceição, oleiro, de 50 anos de idade, natural da freguesia de Santo Antão, Évora e de Leonor das Neves, doméstica, de 45 anos, exposta, natural da freguesia de Santo André, Estremoz. Neta paterna de Caetano Augusto da Conceição, fundador da Olaria Alfacinha e de Sabina Augusta, doméstica. Neta materna de avós incógnitos.
Com 12 anos de idade e com o pai já falecido, candidata-se em 23 de Agosto de 1933 ao exame de admissão à Escola Industrial António Augusto Gonçalves e, tendo sido aprovada, matricula-se no Curso de Tapeceira (3 anos).
Em 5 de Julho de 1942, com 21 anos de idade, casa-se na Igreja de Santa Maria em Estremoz, com Joaquim Luiz de Matos Santos, empregado de escritório, de 24 anos de idade.
Em 1960, depois da morte prematura do seu irmão Mestre Mariano da Conceição (1903-1959), oleiro e bonequeiro, dá continuidade à manufactura dos Bonecos de Estremoz na Olaria Alfacinha, o que faz até se aposentar em 1988, fixando-se então em Ribamar, Lourinhã.
A importância de Sabina na barrística popular estremocense é incomensurável. Por um lado, tomou a atitude corajosa de prosseguir com estilo muito próprio, a manufactura dos Bonecos de Estremoz, depois da morte de Mariano, fazendo assim com que a arte não se perdesse. Sabina nunca tinha confeccionado Bonecos, apenas vira o irmão fazê-los. Formou-se a ela própria, usando como modelos os Bonecos do seu irmão. Por outro lado, Sabina foi a barrista que mais discípulas formou: Isabel Carona, Fátima Estróia, Maria Inácia Fonseca e Perpétua Fonseca. Algumas aparecem com ela no filme “Bonecos de Estremoz”, que Lauro António realizou em 1976 e que se encontra disponível no YouTube.
Sabina morre a 19 de Abril de 2005, com a idade de 83 anos, tendo sido sepultada no cemitério de Ribamar. O elogio fúnebre de Sabina da Conceição foi feito por Hugo Guerreiro em artigo intitulado “Morreu Sabina Santos”, publicado no jornal Brados do Alentejo em 29 de Abril de 2005.
Sabina da Conceição está fortemente representada no acervo do Museu Municipal de Estremoz Professor Joaquim Vermelho, uma vez que o Município de Estremoz adquiriu à filha de Sabina, Professora Maria Leonor da Conceição Santos (1943-2014), uma colecção de mais de uma centena de figuras que a barrista executara ao longo da sua extensa carreira. 
Estremoz, 7 de Abril de 2019
(Jornal E nº 221 – 19-04-2019)
LER AINDA:

quarta-feira, 14 de março de 2018

Estremoz - Rua 31 de Janeiro


1 - RUA DE SANTA CATARINA (1891) – Ao fundo ainda não existe a Fonte do Hospital
Real de São João de Deus. Os candeeiros da iluminação pública estão implantados
nas paredes dos prédios. Fotografia de C. J. Walowski (1891).

Estudo de toponímia local

 “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, / Muda-se o ser, muda-se a confiança: / Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades.” (Camões). É assim que os topónimos identificadores das ruas são modificados no decurso do tempo. A presente crónica procura trazer à luz do dia, as razões históricas que estiveram na origem das alterações sucessivas dum topónimo estremocense, conhecido actualmente como Rua 31 de Janeiro.
Guerra da Restauração
Em 1580 ocorreu a ocupação filipina de Portugal, tendo o nosso país vivido sob o domínio espanhol até à Restauração da Independência em 1 de Dezembro de 1640. Nesta data ocorreu em Lisboa um golpe de estado revolucionário que se propagou a todo reino e levou à aclamação de D. João IV como rei de Portugal. A partir daquela data, Portugal travou com Espanha a chamada Guerra da Restauração. Esta só terminaria a 13 de Fevereiro de 1668 com a assinatura do Tratado de Lisboa entre Afonso VI de Portugal e Carlos II de Espanha, no qual é reconhecida a total independência de Portugal.
No decurso da Guerra da Restauração houve necessidade de defender o reino da ofensiva espanhola, mormente em localidades fronteiriças, as quais tiveram que ser fortificadas. Foi o que aconteceu em Estremoz que ganhou importância na contextura militar nacional, uma vez que funcionava como 2ª linha de defesa do território, sobretudo em termos logísticos, já que armazenava armas e mantimentos e aquartelava tropas.
Foi D. João IV que em 1642 ordenou ao engenheiro militar holandês João Pascácio Cosmander, o traçado da futura muralha poligonal abaluartada que cinge o centro histórico num perímetro com mais de 5 Km, cuja maior parte ainda hoje existe. Após a morte de Cosmander em 1648, foi o engenheiro-militar francês Nicolau de Langres, que a partir de 1662 foi encarregue das obras que terminaram em 1671, sob a direcção de Luís Serrão Pimentel, engenheiro-mor do exército. As portas monumentais da muralha só foram concluídas entre 1676 e 1680. Uma dessas portas que ainda hoje estabelece comunicação com as estradas para Sousel-Fronteira e Veiros-Monforte-Portalegre, é a Porta de Santa Catarina, que inclui um nicho de devoção à padroeira, Santa Catarina de Alexandria. Em termos toponímicos e na perspectiva da época seria natural designar por Rua de Santa Catarina a rua que até ao Hospital Real de São João de Deus dava acesso aquela porta, o que veio a acontecer. A partir do Hospital e até à porta a designação toponímica recebida pelo arruamento foi a de Largo de Santa Catarina.
Proclamação da República
A 5 de Outubro de 1910 ocorre o derrube da Monarquia, fruto da acção doutrinária e política do Partido Republicano Português, criado em 1876 e cujo objectivo essencial foi desde o princípio, a substituição do regime. As questões ideológicas não eram primordiais na estratégia dos republicanos, uma vez que para a maioria dos seus simpatizantes, bastava ser contra a Monarquia, a Igreja e a corrupção política dos partidos tradicionais.
Na noite de 3 para 4 de Outubro de 1910, eclodiu em Lisboa um Movimento Revolucionário impulsionado pelo Partido Republicano e apoiado pela Marinha de Guerra e por forças do Exército. Após dois dias de combate, o Movimento Revolucionário triunfa e a República é proclamada na manhã de 5 de Outubro das janelas da Câmara Municipal de Lisboa e é constituído imediatamente um Governo Provisório, presidido pelo Dr. Teófilo Braga, que assume como tarefa fundamental uma mudança radical nas instituições vigentes.
Com a queda da Monarquia a 5 de Outubro de 1910, há uma mudança de paradigma. Uma Monarquia com oito séculos é substituída por uma República que tomou o poder nas ruas de Lisboa e depois de o proclamar às varandas da Câmara Municipal, o transmitiu para a província à velocidade do telégrafo.
Em Estremoz quem recebeu o telegrama do Ministro do Interior António José de Almeida anunciando a proclamação da República em Lisboa, foi o empresário João Francisco Carreço Simões (1893-1954) seu amigo pessoal e igualmente membro do Partido Republicano. Seria ele a proclamar a República no dia 6 de Outubro de uma sacada da Câmara Municipal de Estremoz, da qual viria a ser Vice-Presidente.
Na sequência da revolução republicana de 5 de Outubro de 1910, as instituições e símbolos monárquicos (Rei, Cortes, Bandeira Monárquica e Hino da Carta) são proscritos e substituídos pelas instituições e símbolos republicanos (Presidente da República, Congresso da República, Bandeira Republicana e A Portuguesa), o mesmo se passando com a moeda, as fórmulas de franquia postais e os topónimos.
A 1ª República decretou em 1911 uma “Lei de Separação da Igreja do Estado”, de acordo com a qual a religião católica apostólica romana deixou de ser a religião do Estado, cuja laicidade passou a ser defendida. A influência secular da Igreja Católica fazia-se sentir mesmo a nível de toponímia, pelo que os republicanos entenderam que a mesma deveria ser laicizada. Daí que em Estremoz, a Rua de Santa Catarina tenha sido rebaptizada laicamente como Rua 31 de Janeiro, em memória de um marco importante na luta pela implantação da República, que foi a Revolta de 31 de Janeiro de 1891, primeiro movimento revolucionário que teve por objectivo a implantação do regime republicano em Portugal.
Aquela revolta eclodiu ao início da madrugada no Porto, cidade onde foi proclamada a República, na varanda da Câmara Municipal. A revolta surgiu como reacção às cedências do Governo (e da Coroa) ao ultimato britânico de 1890 por causa do Mapa Cor-de-Rosa, que pretendia ligar, por terra, Angola a Moçambique. Cerca das 10 horas da manhã, os revoltosos são forçados a render-se, atingidos pela fuzilaria e pela artilharia da Guarda Municipal. A Revolta saldou-se por 12 mortos e 40 feridos entre os revoltosos civis e militares, os quais foram julgados e condenados em Conselhos de Guerra realizados a bordo de navios, ao largo de Leixões.
28 de Maio
Desde os primórdios que a I República Portuguesa deu indícios de fragilidade. Num período de 16 anos, que findou a 28 de Maio de 1926, a I República Portuguesa teve 7 Parlamentos, 8 Presidentes da República, 39 Governos, 40 Chefes de Governo, uma Junta Constitucional e uma Junta Revolucionária. O clima era de instabilidade e o país encontrava-se permanentemente à beira da guerra civil.
A de 28 de Maio de 1926 ocorreu um pronunciamento militar de cunho nacionalista e antiparlamentar, que derrubou a I República Portuguesa e implantou uma Ditadura Militar, que eufemisticamente se viria a autodenominar Ditadura Nacional. Após a aprovação da Constituição de 1933, a Ditadura Nacional rebaptizou-se com a designação de Estado Novo, regime autoritário de partido único, chefiado sucessivamente por Oliveira Salazar e por Marcelo Caetano, que se manteve no poder até 25 de Abril de 1974.
A necessidade de apagar todos os vestígios locais de republicanismo e de num acto de vassalagem homenagear o então “Dono disto tudo”, terão estado na origem dos responsáveis municipais de então, terem travestido a Rua 31 de Janeiro em Rua Dr. Oliveira Salazar.
25 de Abril
O derrube da ditadura mais velha da Europa – o regime de Salazar e de Caetano - foi conseguido em 25 de Abril de 1974, graças à acção militar coordenada do Movimento das Forças Armadas – MFA, cuja origem remonta ao clima de instabilidade no interior das próprias Forças Armadas.
Um Esquadrão do RC3, comandado pelo Capitão Andrade Moura, tendo como adjunto o Capitão Alberto Ferreira e com a participação do 1º Sargento Francisco Brás, teve papel determinante no desfecho dos acontecimentos do 25 de Abril de 1974, em Lisboa. Daí que à sua chegada a Estremoz no dia 27 de Abril, tenha sido objecto de honras militares e de aclamação popular, junto ao quartel do Regimento. Foi o reconhecimento local e possível pela liberdade reconquistada.
Logo a seguir ao 25 de Abril, opositores ao regime reuniram-se numa casa da rua do Mau Foro, vulgo Rua Alexandre Herculano. Ali funcionaria mais tarde a primeira sede do PS. Tinha sido ali a sede do Círculo Cultural de Estremoz, associação cultural de antes de Abril, no tempo do Dr. Luís Pascoal Rosado e cuja história está ainda por fazer. Era propriedade dos irmãos José e Afonso Costa. Ali se preparou o primeiro 1º de Maio. Eu e o meu pai estávamos lá. O camarada Binadade Velez, comunista da clandestinidade e que já estivera preso, levava uma lista de ruas com nomes ligados ao fascismo, as quais entendia ser preciso mudar. Uma delas era a Rua Dr. Oliveira Salazar, o que logo ali teve o acordo de todos. E foi assim que um topónimo, associado a um ditador de tão triste memória, entrou na rampa de lançamento para ser banido do nosso quotidiano diário, o que veio a ser concretizado pelo poder municipal, democraticamente legitimado. E foi assim que a rua foi rebaptizada laica e republicanamente com a sua designação anterior: Rua 31 de Janeiro. E viva a Liberdade!
Cronista do E, toponomista, republicano e tudo.
(Texto publicado no jornal E nº 195, de 08-03-2018) 

2 - RUA DE SANTA CATARINA (Entre 1901 e 1909) – Ao fundo é visível a Fonte do Hospital
Real de São João de Deus. Esta fonte foi mandada construir pela Câmara de 1834, no
muro contíguo à ermida de São Brás e a edilidade de 1901 ordenou que fosse removida
para o local onde ainda hoje se encontra. Os candeeiros da iluminação pública estão
agora implantados nos passeios. Em segundo plano do lado direito é visível um típico
carro  de canudo alentejano e na frontaria do prédio contíguo é perceptível  um letreiro
que parece dizer “HOTEL GRADE”. Entre as crianças que brincam na rua, uma delas que
está agachada, parece estar a aparar um pião. A imagem é de um bilhete-postal ilustrado,
edição MALVA (Lisboa nº 697). No verso a data do carimbo de expedição dos correios é de 1909.

3 - RUA DE SANTA CATARINA (Entre 1901 e 1909). A legenda do bilhete-postal ilustrado
é “ESTREMOZ – Rua de Santa Catarina, (hoje Rua 31 de Janeiro). A imagem ainda que
colorida  é a mesma da figura 2. A edição deste bilhete-postal ilustrado, de editor não
identificado, terá ocorrido entre 1910 e 1915, já que esta é a data de circulação mais
antiga que eu tenho num bilhete-postal ilustrado desta série.

3 - RUA DE SANTA CATARINA (Entre 1901 e 1909). A legenda do bilhete-postal ilustrado
é “ESTREMOZ – Rua de Santa Catarina, (hoje Rua 31 de Janeiro). A imagem ainda que
colorida  é a mesma da figura 2. A edição deste bilhete-postal ilustrado, de editor não
identificado, terá ocorrido entre 1910 e 1915, já que esta é a data de circulação mais
antiga que eu tenho num bilhete-postal ilustrado desta série.

5 - RUA DR. OLIVEIRA SALAZAR (Anos 60 do séc. XX). Fonte do Hospital Real de São
João de Deus. Bilhete-postal ilustrado editado por FOTO TONY.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Pedonalização da rua de Santo André


Uma imagem habitual do estacionamento na rua de Santo André.

A rua de Santo André, que na parte baixa do Centro Histórico de Estremoz, liga a Praça Luís de Camões ao Largo dos Combatentes da Grande Guerra, irá ser encerrada ao trânsito automóvel e ficará reservada ao trânsito pedonal.
PEDU inicial e PEDU final
A pedonalização da rua de Santo André está prevista no Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano do Município de Estremoz (PEDU ETZ). Este foi objecto de um contrato celebrado a 31 de Maio de 2016, em Santa Maria da Feira, entre a Autoridade de Gestão do Programa Operacional Regional do Alentejo e o Município de Estremoz.
O PEDU inicial contém a medida “4.5 Promoção de estratégias de baixo teor de carbono para todos os tipos de território, nomeadamente as zonas urbanas, incluindo a promoção da mobilidade urbana multimodal sustentável e medidas de adaptação relevantes para a atenuação”. É nesta medida que se insere a Intervenção “Criação de Via Pedonal - Rua de Santo André”, a ser promovida pelo Município de Estremoz, a que corresponde um investimento público de 150.000 €, dos quais 127.000 € (85%) são financiados pelo FEDER.
Por sua vez, o Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano 2015 | 2020 do Município de Estremoz – PEDU final, reitera a intenção da referida intervenção, que se traduzirá no encerramento do trânsito na rua de Santo André. Com tal intervenção, visa o Município eliminar os problemas relacionados com o estacionamento ilegal, que provoca congestionamento no atravessamento do trajecto, bem como incentivar a mobilidade pedonal e a dinamização do comércio local. Este último documento fixa o período temporal da intervenção em 2016-2018 e revela o custo da intervenção como sendo 170.000 €, montante que substituiu o investimento público de 150.000 €, anteriormente previsto.
Consultando o website do “ALENTEJO 2000”, Programa Operacional Regional do Alentejo para o período 2014-2020, disponível em: http://www.alentejo.portugal2020.pt/index.php/projetos-aprovados/category/73-projetos-aprovados, constata-se que aquela intervenção não integra o conjunto de operações aprovadas à data de 30 de Setembro de 2017, o que causa alguma perplexidade, uma vez que já nos encontramos no ano em que deveria findar o período temporal da intervenção. Faço votos para que a pedonalização prevista para a rua de Santo André, transvaze do papel para a rua, do que tenho dúvidas, uma vez que não é conhecido qualquer projecto de pormenor.
História possível duma rua
A rua de Santo André recebeu esta designação, por se localizar nas traseiras da monumental Igreja Paroquial de Santo André, imponente no seu estilo barroco, cuja construção foi iniciada em 1705 e que viria a ser inaugurada em 15 de Setembro de 1725. A 8 de Outubro de 1940, abateu a nave central da Igreja, que reconstruída em 1944, viria a ser demolida em 1960, para ali ser edificado o actual Palácio da Justiça, inaugurado a 3 de Abril de 1964.
A rua de Santo André remonta ao séc. XVIII e tem início no nº 1, casa setecentista com sacadas de ferro, a que há que juntar outras duas em iguais circunstâncias, situadas nos nºs 12 e 30, bem como outra mais modesta, identificada com o nº 10, cuja fachada exibe um registo de 4 azulejos com duas alminhas e a inscrição P.N.A.M. Trata-se de uma manifestação de religiosidade popular, envolvendo uma representação de almas de defuntos no Purgatório, implorando aos vivos que orem por elas, a fim de se poderem purificar e ascender ao Céu.
A rua, de sentido único, nos anos 50 do séc. XX chegou a ter circulação automóvel no sentido inverso. Actualmente vocacionada para o comércio, desde o derrube da Igreja de Santo André em 1960 que não dispõe à entrada de uma placa toponímica. Foi uma das poucas que na parte baixa do Centro Histórico não foi vítima da sanha alcatroadora do Município, nos anos 90 do séc. XX.
Estado actual da rua
A degradação da rua é notória, sendo de salientar múltiplas situações chocantes: - Estacionamento ilegal por parte de quem não respeitando os direitos de cidadania dos outros, congestiona o trânsito sem ser penalizado, devido a inércia da PSP local; - Piso irregular, devido a múltiplos abatimentos causados pela travessia de veículos pesados e pela cedência de esgotos com tampa de laje, provavelmente do 1º quartel do século passado; - Passeios que aqui e além têm pedras soltas ou ausência de pedras, devido a múltiplas intervenções de prestadores de serviços, que a fiscalização do Município por inércia não monitorizou; - Restauração e comércio da zona, que vertem todos os desperdícios em 4 contentores ali existentes, à excepção das garrafas que depositam no vidrão, ignorando olimpicamente os ecopontos situados no largo da República e na rua 5 de Outubro; - Lixo junto aos contentores e que cai dos mesmos, quando o seu conteúdo é vazado pelos cantoneiros de limpeza na camioneta do lixo; - Contentores que são lavados e desinfectados com pouca frequência; - Falta de remoção de vegetação espontânea por parte de cantoneiros de limpeza; - Varredura cuja qualidade oscila entre a deficiência e a ausência da mesma; - Depósito pelo público de lixos grossos junto aos contentores, fora dos dias a isso destinados; - Bêbados que vão urinarem junto às paredes do Palácio da Justiça; - Deficiente iluminação da rua; - Autismo por parte de quem devia fazer cumprir a lei e não faz, fingindo desconhecer todo o desperdício e porcaria que por ali grassa.
Pedonalizar, sim! Mas como?
Morador na rua desde 1973 (há 45 anos), encaro com bons olhos a pedonalização equacionada pelo Município, uma vez que a mesma se pode traduzir no aumento da qualidade de vida de quem por aqui vive e trabalha. Todavia e uma vez que desconheço a existência de qualquer projecto de pormenor, não posso assegurar que entre mim e o Município possa existir identidade de pontos de vista acerca da pedonalização.
A meu ver, esta deveria passar por: - Remover toda a calçada e passeios; - Renovar os esgotos e a rede de distribuição de água às casas; - Utilizar a abertura de valas para implantar uma conduta que pudesse alojar cabos de fornecimento de sinal eléctrico, telefónico ou de televisão, que permitisse eliminar toda a parafernália de cabos que inesteticamente cruzam a rua de um lado para o outro, com os quais os fornecedores de sinal têm poluído visualmente a cidade; - Eliminar as sarjetas; - Calcetar a rua, de modo que a calçada ficasse ligeiramente inclinada da periferia para o eixo central, no qual existiriam espaçadamente grelhas de ferro para escoamento de águas pluviais; - Levar os proprietários dos edifícios a fazer escoar os algerozes dos telhados directamente para a rede de escoamento de águas pluviais; - Implementar um ecoponto no local onde se encontram actualmente os contentores; - Pavimentar a rua com calçada à portuguesa, preferencialmente com representações do Figurado em Barro de Estremoz, já que a sua Produção integra a Lista Representativa do Património Cultural da Humanidade; - Melhorar a iluminação da rua.
Com uma pedonalização executada do modo apontado, a rua ficaria catita e a intervenção poderia constituir um projecto-piloto para que Estremoz pudesse, de facto, ter mais encanto. Os munícipes agradeceriam.

Hernâni Matos
Morador há 45 anos na rua de Santo André
(Texto publicado no jornal E nº 194, de 22-02-2018)

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Maria de Santa Isabel - Um nome que falta na toponímia estremocense


Maria de Santa Isabel (1910-1992)

O contexto familiar
Em 16 de Abril de 2010 teve lugar o I Centenário do Nascimento de Maria Palmira Osório de Castro Sande Meneses e Vasconcellos Alcaide (16/04/1910-13/01/1992), grande poetisa estremocense, conhecida por Maria de Santa Isabel.
Era filha de Ruy Sande Menezes Vasconcellos, proprietário, natural de Estremoz e de Maria Ana de Souza Coutinho Osório de Castro, doméstica, natural de Mangualde.
O seu avô paterno, Alberto de Castro Osório (1868-1946) foi juiz, político, escritor e poeta.
A sua tia-avó, Ana de Castro Osório (1872-1935), grande paixão do poeta Camilo Pessanha (1867-1926), foi escritora, jornalista, pedagoga, feminista, maçónica e militante republicana.
O poeta Mário Pires Gomes Beirão (1890-1965) foi parente de Maria Palmira.
O avô, a tia-avó e o parente frequentavam a Casa da Horta Primeira na Rua da Levada em Estremoz, onde Maria Palmira vivia com os pais e via a mãe a pintar. Foi num ambiente familiar artístico-literário que Maria Palmira cresceu a ouvir poesia, o que modelou o seu espírito e a sua sensibilidade de poetisa e contribuiu para que a poesia passasse a preencher a sua Vida.
Maria Palmira casou a 15 de Abril de 1928 com Roberto Augusto Carmelo Alcaide (9/8/1903-27/7/1979), então empregado de comércio, filho do capitão de cavalaria, Roberto Maria Alcaide, do Alandroal e de Maria das Pedras Alvas Gomes Carmelo, de Estremoz. O noivo era irmão de Tomaz de Aquino Carmelo Alcaide (16/02/1901-9/11/1967), tenor lírico de projecção internacional e viria a estabelecer-se por conta própria com um armazém de tabacos no Largo General Graça. Autodidacta, revelar-se-ia um excelente pintor, caricaturista, maquetista, cenógrafo e dramaturgo.

A obra poética
Maria Palmira foi colaboradora assídua do semanário estremocense Brados do Alentejo na secção Musa Alentejana, bem como da revista católica Stela, onde publicou poesia sob o pseudónimo Maria de Santa Isabel.
Nos anos 40-50 do séc. XX desenvolveu em conjunto com o seu marido, intensa actividade cultural no Orfeão de Estremoz Tomaz Alcaide, de quem o seu cunhado era patrono. São dessa época, as peças de teatro musicado “Chitas e buréis”, “S.O.S”, “Feitiço de Ilusão”, “Terra de Folia”, que foram objecto de intercâmbio com grupos corais do Alentejo, Beiras e Algarve. O casal cooperou, de resto, em inúmeras actividades associativas e realizações populares como marchas e ranchos que deram animação à cidade.
A bibliografia poética de Maria de Santa Isabel inclui: FLOR DE ESTEVA (1948), SOLIDÃO MAIOR (1957), TERRA ARDENTE (1961), FRONTEIRA DE BRUMA (1997), POESIA INÉDITA (A editar).
De Maria de Santa Isabel nos fala Urbano Tavares Rodrigues na Obra “O ALENTEJO – ANTOLOGIA DA TERRA PORTUGUESA”: “Tanto em Mário Beirão, como na sua discípula Maria de Santa Isabel (“Flor de Esteva”, “Terra Ardente”, 1951, “Solidão Maior”, 1957), delicadamente receptiva à paisagem — “Solidão Maior”, o seu último livro e o menos retórico, é um valioso documento de sensibilidade alentejana, vibrante, magoada e desolada como essa mesma terra com que visceralmente ela se identifica — vizinham os motivos alentejanos e espanhóis: as fuscas azinheiras, “o cilício doirado dos restolhos”, a par dos austeros pragais castelhanos e estremenhos e da passional alacridade anda­luza, explosiva e odorante.”
No jornal Brados do Alentejo de 1 de Fevereiro de 1992, é dada notícia do falecimento de Maria de Santa Isabel e ao que julgo pela pena de Joaquim Vermelho, o único membro da redacção que privara com ela e conhecia bem a sua Obra. Aí é caracterizada a sua poesia nestes termos: “Todo o seu trabalho deixa transparecer o seu amor ao Alentejo, porque mesmo o que se nos apresenta mais marcadamente intimista e pessoal, denuncia a sua alma alentejana, o clima e ambiente onde cresceu; esta paisagem dramática; esta natureza agreste mas cativante, onde tudo tem um ar sério e grave”.

Homenagem Póstuma
No dia 16 de Abril de 1994, Maria de Santa Isabel, foi alvo de uma Homenagem Póstuma, promovida pela Câmara Municipal de Estremoz e pelo Orfeão de Estremoz Tomaz Alcaide. A cerimónia, presidida pelo então Presidente do Município, José do Nascimento Dias Sena, incluiu múltiplos actos: - Na Biblioteca Municipal inauguração da Exposição Documental e Fotográfica sobre a Obra da Homenageada; - No Salão Nobre dos Paços do Concelho, conferência do escritor António Manuel Couto Viana, que falou sobre a Obra Poética da Homenageada, com declamação de poemas a cargo da declamadora Maria Germana Tanger; - Descerramento de uma lápide invocadora na fachada da Casa da Horta Primeira, onde nasceu, viveu e faleceu a poetisa; - Missa de Sufrágio na Igreja de São Francisco.

A ausência na Toponímia
Maria de Santa Isabel morou sempre na chamada “Rua da Levada / Rua Narciso Ribeiro”, cuja denominação resultou de o seu subsolo ser atravessado por uma conduta de água que parte do Lago do Gadanha e que depois de atravessar as hortas, vai desaguar no chamado “Ribeiro da Vila”. Actualmente toda a cidade é atravessada por condutas de água, pelo que o topónimo perdeu a importância de outrora e carece presentemente de significado. Tal facto constitui razão suficiente para alteração, conforme prevê o Regulamento de Toponímia e Numeração de Polícia do Concelho de Estremoz.
Maria de Santa Isabel foi uma individualidade de relevo, não só a nível concelhio, como também nacional, pelas suas elevadas qualidades humanas, cívicas, culturais e sociais, que são princípios a ter em conta na atribuição e alteração de topónimos, conforme estipula aquele Regulamento.
Face ao exposto e nas condições do Artigo 21.º da referida Regulamentação, o signatário propõe à Câmara Municipal de Estremoz a alteração do topónimo “Rua da Levada / Rua Narciso Ribeiro” para “Rua Maria de Santa Isabel” e, por arrastamento, a alteração do topónimo “Travessa da Levada” para “Travessa Maria de Santa Isabel”. Ao fazê-lo, o signatário tem plena consciência de interpretar uma justa aspiração de familiares, amigos e admiradores, que dela sentem uma enorme saudade e que entendem ser esta a via mais adequada de perpetuar a sua Memória, indiscutivelmente justificada pela sua Vida e Obra.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Auto dos barristas falecidos


 ESTREMOZ – Fotografia obtida nos anos 40-50 do séc. XX, pelo
fotógrafo Artur Pastor (1922-1999), natural de Alter do Chão.

A memória colectiva da cidade de Estremoz conta no seu acervo com um núcleo notável de figuras populares muito estimadas pela comunidade. Entre elas figuram os barristas nascidos no século XX e já falecidos. Foram eles que com as suas mãos mágicas, transmitiram de geração em geração, a arte de fazer bonecos ao modo de Estremoz, a qual chegou até nós e viabilizou a “Candidatura do Figurado de Estremoz a Património Cultural Imaterial da Humanidade”. Daí que não seja de admirar que, na sua reunião de 23 de Novembro de 2016, a CME tenha deliberado por unanimidade, homologar a acta da reunião da Comissão de Toponímia do Concelho de Estremoz realizada em 7 de Março de 2016 e consequentemente, aprovar a atribuição de 7 topónimos na freguesia de Arcos e de 27 na União das Freguesias de Estremoz. Entre eles incluem-se os nomes das barristas Maria Luísa da Conceição e Quirina Alice Marmelo. Tratou-se de um atitude louvável, mas que não teve em conta os nomes de outros barristas falecidos, o que provocou celeuma na comunidade, não só no seio daqueles que ainda por aqui andam, como no espírito daqueles que já estão no outro mundo. Só assim se compreende que o espírito de Mariano da Conceição, decano dos barristas nascidos no século XX e já finados, tenha convocado um plenário de oficiais do mesmo ofício, a fim de em conjunto, poderem reflectir sobre um assunto que a seu ver é delicado para a classe.   
Na sequência dessa convocatória, os espíritos dos barristas encontraram-se e reuniram-se num local arejado e luminoso, mesmo por cima da cidade de Estremoz, que tanto dignificaram com a sua arte. Começaram por se cumprimentar, tendo em conta que alguns já não se encontravam há muito. Terminadas as afectividades, Mariano deu início à assembleia, proferindo as seguintes palavras:
- Todos sabem o que aqui nos traz. Eu, pela minha parte, sinto-me incomodado por ter uma rua com o meu nome e a Ti Ana das Peles, com qual aprendi a arte, não ter sido ainda contemplada com essa distinção.
Ti Ana das Peles intervém, desabafando:
- Não tem importância Mestre Mariano. Se calhar não sabem sequer que eu existi ou o que fiz. Mas isso, para mim não importa. 
Mariano replica:
- Tem importância e muita, Ti Ana. Foi graças a si, que a nossa arte não se perdeu, quando muitos a consideravam já extinta.
José Moreira dá o seu assentimento:
- Concordo inteiramente com o Mestre Mariano. Foi com ela que eu também aprendi a nossa arte e penso que é inteiramente justo que tenha uma rua com o seu nome.
Enérgico, Mariano prossegue:
- Ninguém diz mais nada?
Responde Liberdade, a sua mulher:
- Eu não tenho razão de queixa, pois atribuíram o meu nome a uma rua, no tempo do Presidente Fateixa, que era nosso vizinho.
A filha, Maria Luísa, sente necessidade de intervir e diz:
- Deu o nome da mãe, mas não deu o do pai, o que só fez da segunda vez que passou pela Câmara.
Quirina não se aguenta mais e confessa:
- Eu cá também não me sinto bem, por terem dado o meu nome a uma rua e não se terem lembrado do meu marido, com o qual aprendi a nossa arte.
Responde-lhe António Lino:
Não te rales mulher, que não merece a pena.
Contrapõe Quirina:
- Isso é que merece!
Lino, sente então que também dever dar a sua opinião:
- Pela minha parte, acho mal não terem dado a nenhuma rua o nome da Dona Sabina, que foi minha patroa na Olaria Alfacinha. Foi ela que a seguir a Mestre Mariano deu continuidade à arte, trabalhou durante mais tempo e criou Escola, pois foi Mestra da Isabel Carona, da Fátima Estróia e da Maria Inácia e da Perpétua Fonseca.
Sabina acha que também não deve ficar calada e argumenta:
- Eu também acho mal não terem dado a uma rua, o nome do José Moreira. É que ele foi o barrista que mais contribuiu para a divulgação dos bonecos de Estremoz. Percorreu o país de lés a lés e não houve feira ou exposição de artesanato a que ele não fosse.
Mariano intervém novamente, dizendo:
- A meu ver é também da mais elementar justiça, atribuir a uma rua o nome de Aclénia Pereira, que nos anos 40 do séc. XX foi minha discípula na Escola Industrial António Gonçalves e que foi barrista até ao fim da vida, mesmo depois de se ter transferido para Santarém, em cujo distrito foi uma grande embaixadora da nossa arte.
Aclénia embevecida pelas palavras de Mariano, confessa:
- Desde que criança que por influencia familiar gostei de artes manuais como a tapeçaria, os bordados e os registos, mas foi com os bonecos que aprendi a fazer com o Mestre, que me senti realizada.
António Lino acha que nem tudo está dito e pede para falar novamente:
- O Mário Lagartinho também não pode ficar de fora, pois além de oleiro como eu e o Mestre Mariano, também fez bonecos de muita categoria, que vendia no stand do Rossio.  
Mário Lagartinho intervém, exprimindo-se assim: 
- Vocês é que sabem. Eu sou novo por aqui e por isso tenho estado calado.
Depois de todos terem falado, Mariano com a desenvoltura que sempre lhe foi habitual, apresentou uma proposta de recomendação à Comissão de Toponímia do Concelho de Estremoz, a qual foi aprovada por unanimidade. Diz o seguinte: “A atribuição a ruas de Estremoz dos nomes de apenas alguns barristas não é justa, pois há nomes que foram omitidos. Uns não podem ser filhos e os outros enteados. É da mais elementar justiça que na próxima atribuição de nomes a ruas da cidade, seja contemplada a memória dos barristas que agora foram esquecidos.”
Mariano ia dar a reunião por encerrada, quando com uma trombeta na mão, surge um Anjo semelhante aos que decoram o berço do Menino Jesus, que todos incluíram nos seus presépios. Diz o Anjo:
- Sou o vosso Anjo Protector e tenho estado a pairar sobre vós, sem terdes dado por isso. Quero manifestar-vos a minha inteira solidariedade face à questão que vos mobilizou. 
Seguidamente, pensando na Comissão de Toponímia do Concelho de Estremoz, ergue os olhos para o alto e implora:
- Perdoai-lhes Pai, que eles não sabem o que fazem!
Só então Mariano dá a reunião por encerrada, dela sendo então lavrada uma acta, que sob a forma de auto, foi transmitida por sonhos ao autor destas linhas, coleccionador e estudioso do figurado de Estremoz.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Venham mais cinco!



É sabido que compete às Câmaras Municipais a atribuição de nomes às ruas, o que pode ser feito mediante recomendação da Assembleia Municipal e das Juntas de Freguesia do Concelho, bem como por Associações de Moradores, Culturais ou Desportivas, grupos de cidadãos ou munícipes a titulo individual.
Antes de serem objecto de deliberação pela Câmara Municipal, as propostas devem ser apreciadas por uma Comissão de Toponímia de âmbito concelhio. Só após ter recebido as propostas que lhe foram apresentadas pela Comissão de Toponímia, é que a Câmara Municipal delibera, como legalmente é de sua competência exclusiva.
Tudo isto é o que é habitual por este país fora. Todavia, há uma observação legítima que não deve deixar de ser feita. O artigo 22º do “Regulamento de Toponímia e Numeração de Polícia do Concelho de Estremoz” diz que a Comissão de Toponímia é constituída no mínimo por 3 elementos: Um eleito da Câmara Municipal que presidirá às reuniões, um representante da Junta de Freguesia da área geográfica referente às toponímias em apreciação e um representante dos CTT. Contudo, nada obriga a que a Comissão seja constituída apenas por 3 elementos. Ter só 3 ou ter mais, depende exclusivamente da vontade do executivo municipal e este tem determinado que a Comissão funcione apenas com 3 elementos.
A situação apontada leva-me a parafrasear o saudoso Zeca Afonso, recorrendo ao título da sua bem conhecida canção “Venham, mais cinco”. Pensando na Comissão de Toponímia do Concelho de Estremoz, sou levado a sugerir “Venham mais alguns!”. 
Sabem porquê? É que há concelhos em que no início de cada mandato, a Câmara Municipal convida para integrar a Comissão de Toponímia, um certo número de cidadãos de reconhecido mérito, pelos seus conhecimentos ou estudos sobre o concelho. Esse número é bastante variável de concelho para concelho. Das inúmeras soluções encontradas, destaco: Lagoa (De 1 a 3), São João da Pesqueira (4), Portimão (5), Lagos (Até 9).
Uma opção deste tipo, valoriza a Comissão de Toponímia, uma vez que esses cidadãos de reconhecido mérito têm um espectro largo de conhecimentos e de memórias, que potenciam e valorizam a reflexão sobre a atribuição de topónimos, tornando-a mais sólida e consistente, ao mesmo tempo que pode vir a prevenir a ocorrência de omissões e de injustiças relativas, que ainda que involuntárias são sempre desagradáveis. Foi o que aconteceu na reunião da Comissão de Toponímia ocorrida no passado dia 7 de Março, cuja acta foi homologadas em reunião de Câmara, realizada no passado dia 23 de Novembro. Foram distinguidos com nomes de ruas, duas barristas já falecidas e não foram tida(o)s em conta, quatro outra(o)s barristas igualmente já falecida(o)s e que não tiveram mérito inferior às agraciadas. Uma ocorrência que causou incomodidade, que não devia ter acontecido e que urge ser corrigida numa próxima atribuição de topónimos. Uma situação que talvez não tivesse ocorrido, se a Comissão de Toponímia não fosse tão restrita.
A atribuição de um nome a uma rua, corresponde ao reconhecimento público do valor identitário da nossa Cultura e da nossa História e do mérito daqueles que com o seu exemplo e esforço, contribuíram para a edificação do presente. Constitui também um estímulo para uma cidadania activa ao serviço da Comunidade, na medida em que é uma forma de sinalizar que esta reconhece o trabalho voluntarioso e generoso dos seus membros. Daí que seja imperioso tomar providências, para que casos como o ocorrido não se voltem a repetir.