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quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Inauguração da Exposição "PARAÍSO" de Joana Santos na @arquivolivraria, em Leiria, no sábado, dia 2 de Março

 


Transcrito com a devida vénia da
de 28 de Fevereiro de 2024.


"O paraíso não é um lugar, é uma condição da alma." - Simone Weil

O que é o Paraíso? Onde é o Paraíso? O Paraíso existe?

O Paraíso pode ser um destino final. Um lugar celestial ao qual se chega no final dos dias corpóreos, como uma recompensa. Pode ser um espaço tangível, exótico, perfeito onde a natureza abundante é habitada por seres que vivem em uníssono e onde a felicidade é eterna.

O Paraíso pode ser um espaço que nos habita, que nasce e cresce dentro de nós.

Este é o Paraíso que nasceu das minhas mãos, materializado na delicadeza do grés branco, nos tons azuis e verdes dos cabelos livres das figuras que o habitam, no amarelo ocre das folhas de ginkgo biloba ou no vermelho coração. Uma reflexão sobre o amor, em particular o amor-próprio, vivido no feminino. Uma Ode ao Paraíso como corpo e à sua relação com o mundo físico que o encapsula. Ode também ao mundo interior que se preenche de sentimentos, ideias e tempo.

O Paraíso encontrado no ato da criação, da ideia ao desafio de lhe dar forma usando o barro, tornando físico o meu Paraíso particular e pessoal.

Convido-vos a virem descobrir o meu "Paraíso".

De 2 a 31 de março, na @arquivolivraria, em Leiria. Inauguração, dia 2 de Março, pelas 18h30!

Conto convosco?

Joana Santos


REPORTAGEM FOTOGRÁFICA DA EXPOSIÇÃO













 Hernâni Matos


domingo, 18 de fevereiro de 2024

Cristo na coluna


Cristo na coluna. José Moreira (1926-1991). Colecção particular.


A imagem devocional da figura, da autoria do barrista estremocense José Moreira (1926-1991), representa um episódio da Paixão de Cristo conhecido por flagelação de Jesus, também designado por Cristo na coluna. Trata-se de um episódio recorrente na arte cristã, sobretudo em ciclos da Paixão ou como parte dos ciclos da Vida de Cristo. O evento da flagelação[i] é mencionado em três dos quatro evangelhos canónicos: João 19:1, Marcos 14:65 e Mateus 27:26. A flagelação constituía um prelúdio comum à condenação pela crucificação sob o direito romano.
Jesus, de barba e cabelo compridos, com os pés assentes num chão pedregoso e as mãos atadas por uma corda, encontra-se amarrado a uma coluna[ii] e com o corpo vergado para a frente.
Enverga apenas uma protecção genital e ostenta por todo o corpo as marcas vermelhas da flagelação, fruto dos golpes infligidos pelos soldados romanos.
A exiguidade do vestuário de Jesus durante a flagelação e o martírio na coluna, traduz a humilhação a que os romanos o pretenderam submeter. Por sua vez, as marcas de flagelação simbolizam a humildade, o sofrimento e o sacrifício de Jesus em nome da humanidade.

BIBLIOGRAFIA
VATICAN NEWS. Os Santuários da Flagelação e da Condenação de Jesus. [Em linha]. Disponível em:
https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2023-04/santuarios-flagelacao-condenacao-jesus.html . [Consultado em 18 de Fevereiro de 2024].
WIKIPÉDIA. Flagelação de Jesus. [Em linha]. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Flagelação_de_Jesus . [Consultado em 18 de Fevereiro de 2024].
WIKIWAND. Flagelação de Jesus. [Em linha]. Disponível em:  https://www.wikiwand.com/pt/Flagelação_de_Jesus . [Consultado em 18 de Fevereiro de 2024].

 Hernâni Matos



[i] A flagelação era uma forma de suplício infringido pelos romanos, visando castigar crimes, obter confissões ou preparar execuções capitais. Para esse efeito, recorriam ao “flagelo”, chicote constituído por tiras de cabedal ou corda com pedaços de ferro nas pontas, com o qual açoitavam as vítimas.

[ii] No contexto do simbolismo e arte cristãos, a coluna é um dos “instrumentos maiores” da Paixão de Cristo. Outros são: a cruz, a coroa de espinhos, o chicote, a esponja, a lança, os pregos e o véu de Verónica. Para além destes, existem ainda outros que são considerados “instrumentos menores”. Uns e outro são vistos como armas que Jesus utilizou para derrotar Satã e são tratados como símbolos heráldicos.

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

CERÂMICA DE REDONDO – Garrafão falante de Mestre Álvaro Chalana

 

Garrafão falante de Mestre Álvaro Chalana (1916-1983). 

Garrafão em barro de tonalidade vermelha, vidrado, de base circular plana, corpo ovóide, colo cilindriforme e carenado a meia altura da parede, bordo ligeiramente extrovertido e arredondado. Imediatamente abaixo da carena deriva uma asa de secção rectangular, que finda na zona de diâmetro máximo do bojo.

A superfície exterior está decorada com três manchas de engobe, de cor amarelo de palha, de forma irregular, dispostas praticamente a partir do início do colo e até à base. Estas manchas receberam decoração esponjada, a verde e a amarelo.

Sobre cada uma das três manchas de engobe estão esgrafitadas as inscrições: “Ai que belo”, “Viva a boa pinga” e a quadra:

“Sou pequeno mas alegre
Isto que digo e a verdade
O meu amigo come e bebe
Mas pode beber a vontade”

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

CERÂMICA DE REDONDO – Brasão de Lisboa em prato falante de Mestre Álvaro Chalana


Brasão de Lisboa. Prato falante de Mestre Álvaro Chalana (1916-1983)

Prato de barro vermelho vidrado, modelado, cozido e decorado na olaria redondense de Mestre Álvaro Chalana (1916-1983).

Prato covo, falante, brasonado, de grandes dimensões, com superfície interna de cor creme, de aba larga ligeiramente côncava e bordo plano. Decoração esgrafitada e pintada com base em quadricromia verde-amarelo-castanho-negro.

Decorado no bordo com motivos fitomórficos constituídos por pés de flores, bi-folheados, de dois tipos que se sucedem alternadamente. Decorado no fundo com motivo configurando o escudo do Brasão de Armas de Lisboa, com um barco castanho, um corvo na popa e outro corvo na proa. O barco assenta num mar de cinco faixas onduladas, quatro de castanho e três verdes. Do mastro, central, pende cordame em direcção à proa e à popa. No topo do mastro está içada a Bandeira de Lisboa ou Bandeira de São Vicente, gironada de quatro peças, creme e negro, símbolo do município de Lisboa. As velas, verdes, estão recolhidas. Em torno do topo do barco, riscos a castanho parecem configurar bases de nuvens e/ou aves a planar.

Hernâni Matos

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Cerâmica de Redondo - Prato de aranhões decorado por Jacinto Ramalhosa



Prato de barro vermelho vidrado, confeccionado e cozido na olaria redondense de Mestre Pintassilgo [João Mértola (1929-2022)], decorado a azul cobalto por Jacinto Ramalhosa.

No covo está desenhada uma corça rodeada de motivos vegetalistas. A aba, larga, encontra-se decorada com pares de pêssegos estilizados (os pêssegos, originários da China, são símbolos relacionados com o casamento e a imortalidade) que alternam com folhas de artemísia (planta medicinal utilizada na medicina tradicional chinesa). Inspirado na faiança portuguesa do séc. XVII.

Neste período, o fascínio pela porcelana chinesa no nosso país, leva a que a faiança portuguesa seja caracterizada por uma original adaptação de motivos ornamentais do Oriente, que são reinterpretados em novas composições, de estilo híbrido, nas quais se combinam influências orientalizantes e a permanência de valores tradicionais. Pertencem a esse estilo, os chamados pratos de “aranhões”. Estes resultam da simplificação interpretativa dos motivos empregues na porcelana chinesa, nomeadamente as folhas de artemísia, frequentemente usadas na decoração da porcelana “kraak”. Esta era um tipo de porcelana chinesa de exportação, produzida sobretudo no reinado do Imperador Wanli (1563-1620) da dinastia Ming (1368-1644), até cerca de 1640 e que chegava em abundância à Europa.

Hernâni Matos


segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Um singular berço das pombinhas de Ricardo Fonseca

 


Fig. 1

O presente berço do Menino Jesus, conhecido por “berço das pombinhas” (Fig. 1), cuja simbologia já foi por mim analisada [i], é duma tipologia que já era executado por oficina de barristas de Estremoz desconhecidos, de finais do séc. XIX – princípios do séc XX, os quais assinalavam a sua produção com a marca incisa “EXIREMOZ”, aposta por percussão de carimbo. Este tipo de berço continuou a ser produzido por Gertrudes Rosa Marques (1840-1921), Ana das Peles (1869-1945), Mariano da Conceição (1903-1959), Sabina Santos (1921-2005), Liberdade da Conceição (1913-1990), José Moreira (1926-1991), Maria Luísa da Conceição (1934-2015), Fátima Estróia (1948 -  ) e Irmãs Flores [(Maria Inácia (1957 -  ) e Perpétua (1958 -  )] [ii].

No berço de Ricardo Fonseca (1986-  ) é dominante uma dicromia quente-frio, materializada cromaticamente pelo binário ocre amarelo – azul do Ultramar, tradicionalmente usado na arquitectura popular desta terra transtagana, iluminada pelas claridades do Sul. A cor de fundo do berço é o ocre amarelo, à excepção do folho que encima o espaldar do berço e cuja coloração é a do azul do Ultramar.

A dicromia dominante dá uma forte contribuição para contextualizar o berço em termos identitários alentejanos. Esta contextualização é reforçada pela decoração do berço com elementos fitomórficos associados à região: espiga de trigo, papoila e ramo de oliveira (no espaldar) e ramo de sobreiro (na cercadura lateral do berço).

A manta listada que cobre o Menino Jesus é amovível (Fig. 2), o mesmo se passando com o Menino Jesus (Fig. 3), que estava assente num pano branco, por sua vez assente em palhinhas.

Este exemplar de berço do Menino Jesus constitui um bom exemplo da possibilidade que existe de introduzir inovação morfológica e contextualização regional em exemplares do Figurado de Estremoz, sem que estes deixem de pertencer ao chamado núcleo central daquele Figurado.

Hernâni Matos



[i] MATOS, Hernâni. “Contributo para uma Simbólica das Figuras de Presépioin jornal E, n.º 324, Estremoz, 21 de Dezembro de 2023. [Em linha]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2023/12/contributo-para-uma-simbolica-das.html [Consultado em 31 de Dezembro de 2023].

[ii] Sabina Santos produziu também outro tipo de berço, habitualmente designado por “berço dos anjinhos”, que foi igualmente confeccionado pelos barristas que se lhe seguiram.


Fig. 2



Fig. 3

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

O guardador de memórias e o Mercado das Velharias em Estremoz

 

Caixa em madeira. Joaquim Carriço Rolo.


A identidade cultural alentejana
Participei em 1998 na batalha pela regionalização, apresentando publicamente uma comunicação [i], no fim da qual concluí:
“Julgo ter ficado sobejamente demonstrado que pela sua paisagem própria, pelo carácter do povo alentejano, pelo trajo popular, pela gastronomia, pela arte popular, pelo cancioneiro popular, pelo cante, pela casa tradicional, o Alentejo é uma região com uma identidade cultural própria.
Como diria o poeta, é preciso, é imperioso, é urgente, que cada um de nós tenha consciência dessa identidade cultural e lute pela sua preservação, valorização e aprofundamento.”

Guardador de memórias
A batalha pela regionalização foi perdida, mas tal desfecho não fez esmorecer em mim o que me motivara a intervir naquele Encontro - a minha actividade de guardador de memórias, epíteto que me viria a ser atribuído pelo António Júlio Rebelo [ii]:
“Hernâni Matos é um guardador de memórias.
Quem guarda memórias não vive no passado, faz do passado um tempo presente e futuro. Olhar para as raízes do tempo é compreender melhor o que está e o que virá, com sabedoria, com afectividade, e nunca o seu contrário.
Quem guarda memórias olha para os acontecimentos e vê neles um fio estendido, que vem de tão longe e pode projectar-se para tão longe.
Quem guarda memórias habita o mundo com um saber feito dos outros, da terra funda, da comunidade, e tudo isso passa para nós, é-nos proporcionado, dando-nos com dedicação esse mundo imenso feito de vida”.
Sou assumidamente um guardador de memórias. Memórias de camponeses, de ganhões, de pastores, de ceifeiros, de varejadores e de mulheres da azeitona. Memórias de artesãos e de poetas populares. Memórias de outras vidas, de outros saberes, de outros anseios, de outros modos de ver o mundo e a vida.
Como guardador de memórias, assumo-me como fiel guardião da nossa ancestral matriz identitária, incumbido duma nobre missão: a de transmitir às novas gerações a importância e a riqueza da pluralidade do passado e das tradições do nosso povo, para que elas tenham consciência de que urge resistir a uma globalização castrante que assimptoticamente procurará reduzir à chapa zero, as nossas identidades culturais, a nível local, regional e nacional.

O Mercado das Velharias em Estremoz
Em texto auto-biográfico datado de 2012[iii], escrevi:
“Desde os longínquos tempos do bibe e do pião que é recolector de objectos materiais que fazem vibrar as tensas cordas de violino da sua alma. Nessa conjuntura se tornou filatelista, cartofilista, bibliófilo, ex-librista e seareiro nos terrenos da arte popular, muito em especial a arte pastoril e a barrística popular de Estremoz.
Respigador nato, cão pisteiro, farejador de coisas velhas, o seu olhar cirúrgico procede sistemática e metodicamente ao varrimento de scanner no mercado das velharias em Estremoz, no qual é presença habitual e onde recolecta objectos que duma forma virtual, pré-existiam no seu pensamento.
O fascínio da ruralidade e o culto da tradição oral, levam-no a procurar o convívio de camponeses, artesãos e poetas populares, com os quais procura aprender e partilhar saberes.
A arte pastoril, um dos traços mais marcantes da identidade cultural alentejana, integra as suas memórias materiais de recolector. Para além do acto da colheita e mais que o fascínio da posse, importa-lhe a possibilidade de dissecação de cada peça recolhida e a cumplicidade com o autor no próprio acto de criação, constituindo um registo para memória futura e uma afirmação vigorosa da identidade cultural transtagana.”
O Mercado das Velharias em Estremoz é um os palcos da minha acção. Na antecâmera do novo ano que aí vem, dou-vos conta das mais recentes memórias no domínio da arte pastoril, que ali foram recolhidas por mim.
Termino, desejando-vos a todos um BOM ANO DE 2024.


[i] MATOS, Hernâni. A necessidade da criação da Região Administrativa do Alentejo in Encontro promovido pelo Movimento “Alentejo – Sim à Regionalização por Portugal”. Estremoz, Junta de Freguesia de Santa Maria, 24 de Outubro de 1998.
[ii] REBELO, António Júlio. Guardador de memórias. [Em linha]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2021/02/guardador-de-memorias.html [Consultado em 29 de Dezembro de 2023].
[iii] MATOS, Hernâni. Acerca de mim in catálogo da Exposição ARTE PASTORIL - MEMÓRIAS DE UM COLECCIONADOR. Museu Municipal de Estremoz. Estremoz, 6 de Maio de 2012. [Em linha]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/p/acercva-de-mim.html [Consultado em 29 de Dezembro de 2023].

Caixa em madeira. Joaquim Carriço Rolo.

Tarreta em cortiça. Autor desconhecido.

Tabaqueira em chifre e madeira. Joaquim Carriço Rolo.

Colher e garfo em madeira. Autor desconhecido.

Chavão ou pintadeira em madeira. Autor desconhecido.

Cágueda em madeira com decoração apotropaica. Autor desconhecido.

Castanholas em madeira. Joaquim Carriço Rolo.

Nossa Senhora do Rosário. escultura em madeira. Joaquim Carriço Rolo (?).


Rosário em madeira e arame. Joaquim Carriço Rolo.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Contributo para uma Simbólica das Figuras de Presépio


Fig. 1 - Berço das pombinhas (1983). Liberdade da Conceição (1913-1990).
Colecção Jorge da Conceição.

Referências bíblicas
O Presépio é um dos grandes símbolos religiosos que retrata o Natal e o nascimento de Jesus. Etimologicamente, a palavra “Presépio” provém do latim “Praesepium”, que genericamente significa curral, estábulo, lugar onde se recolhe gado e que, numa outra óptica, designa qualquer representação do nascimento de Cristo, de acordo com os Evangelhos (LUCAS 2: 1 a 18) e (MATEUS 2: 1 a 11). Deles destaco a Anunciação do Anjo do Senhor aos pastores: “Isto vos servirá de sinal: achareis um recém-nascido envolto em faixas e posto numa manjedoura.” (LUCAS 2: 12), bem como “Foram com grande pressa e acharam Maria e José, e o Menino deitado na manjedoura.” (LUCAS 2: 16).
Um elemento chave dos Presépios tradicionais de Estremoz é o chamado “Berço do Menino Jesus”, cuja simbólica me proponho aqui analisar em dois casos concretos.

Simbólica do Berço das pombinhas
O “Berço das pombinhas” (Fig. 1) é revelador da modificação introduzida pelos barristas de Estremoz no contexto do nascimento de Jesus. Nele, a manjedoura de Belém transfigurou-se em berço com espaldar à maneira das camas senhoriais, já que para os cristãos, Jesus Cristo é Rei e Senhor do Universo. O berço é decorado com recurso ao azul do Ultramar e ao ocre amarelo. Trata-se de cores garridas associadas às claridades do Sul e utilizadas no embelezamento das habitações populares desta terra transtagana.
Na simbologia judaico-cristã, a pomba é um símbolo de pureza e de simplicidade, bem como daquilo que de imorredouro existe no Homem, o princípio vital, a Alma. As quatro pombas brancas poderão ser uma representação alegórica dos quatro evangelistas (Mateus, Marcos, Lucas e João), que narraram a vida e a doutrina de Jesus Cristo como um Evangelho, visando preservar os seus ensinamentos ou revelar aspectos da natureza de Deus.
O simbolismo do galo está associado aos cultos solares da antiguidade, nos quais o Sol era venerado como divindade. De acordo com a tradição do culto mitraísta, o galo cantou no momento do nascimento de Mitra, o deus do Sol, da sabedoria e da guerra na Mitologia Persa. O mito viria a ser recuperado pela Religião Cristã, estando na origem da Missa do Galo, celebrada na passagem de 24 para 25 de Dezembro, assinalando o nascimento de Jesus. Não há confirmação histórica de que Jesus tenha nascido na data em que se comemorava o nascimento de Mitra. Todavia, ela foi adoptada pelo Cristianismo, visando fundir os dois cultos, uma vez que o culto a Mitra estava enraizado entre os romanos. A data corresponde também no Hemisfério Norte ao início do Solstício de Inverno, no qual os mitraístas celebravam o seu culto. O Cristianismo adoptou o galo como símbolo do arauto anunciador de boas novas, uma vez que o nascimento de Jesus correspondia ao despontar de uma nova luz para o mundo. Segundo a lenda, a única vez que o galo cantou foi à meia-noite, anunciando o nascimento de Jesus.
De acordo com a Mitologia Popular Portuguesa: - "O galo quando canta diz: - “Jesus é Cristo”; - "O canto do galo à meia-noite faz dispersar a assembleia do Diabo e das Bruxas"; - "É mau agouro um galo cantar antes da meia-noite". Para o Adagiário Português: - “Galo que fora de horas canta / Cutelo na garganta”; - "O galo preto espanta as coisas ruins"; - “Galo branco não dá manhã certa”.
A figura do Menino Jesus está deitada sobre o seu lado direito. O braço esquerdo apoia-se no peito. Trata-se possivelmente de uma alegoria ao “Sagrado Coração de Jesus”. Recorde-se que no antigo Egipto, a mão colocada sobre o peito, indicava a atitude do sábio, que no caso de Jesus é Sabedoria Divina. Já a mão direita no pescoço assinalava a posição do sacrifício, aqui uma possível alegoria ao sacrifício de Jesus na cruz.

Fig. 2 - Berço dos anjinhos (2017). Ricardo Fonseca (1986 - ).
Colecção Hernâni Matos.

Simbólica do Berço dos anjinhos
À semelhança do “Berço das pombinhas” (Fig. 1), também o ”Berço dos anjinhos” (Fig. 2) é revelador da modificação introduzida pelos barristas de Estremoz no contexto do nascimento de Jesus. É igualmente decorado com recurso ao azul do Ultramar e ao ocre amarelo.
O simbolismo do galo é análogo ao do “Berço das pombinhas”. O galo está ladeado de dois anjinhos, mensageiros de Deus junto dos homens. Ostentam asas numa alusão clara à sua capacidade de ascensão ao Céu. São em número de dois, já que Jesus Cristo manifesta dois aspectos: o Divino e o humano. Tocam trombeta, instrumento musical usado para anunciar os grandes acontecimentos históricos e cósmicos. As trombetas associam aqui o Céu e a Terra numa celebração única: o nascimento de Jesus Cristo.
O espaldar do berço está enfeitado com um laço dourado. Na antiga Grécia existia o costume de atar as imagens dos Deuses com um laço, para que não abandonassem o local e o povo. No antigo Egipto, o laço simbolizava a eternidade, pela união entre os deuses e os homens, o Céu e a Terra. Por outras palavras, o laço pode ser encarado como um supremo privilégio de domínio dos deuses. No Cristianismo, os laços das vestimentas representam os três votos: a obediência, a pobreza e a castidade. Modernamente, o laço dourado é símbolo de promoção do valor da amamentação para a sociedade. A cor dourada simboliza a amamentação como padrão ouro para a alimentação infantil. Uma parte do laço representa a mãe e a restante representa a criança. O laço é simétrico, o que significa que a mãe e a criança são ambos vitais para o sucesso da amamentação. Sem o nó não haveria laço, pelo que o nó representa o pai, a família e a sociedade, sem os quais a amamentação não teria êxito. O laço encontra-se ladeado de folhas de sobreiro com bolotas, numa alegoria ao Alentejo.
O berço encontra-se marginado por arcos sensivelmente ogivais, parcialmente encobertos por ramos de palma, verdes. Os ramos de palma simbolizam o martírio de Jesus, uma vez que a palma é considerada um atributo dos mártires, que na arte cristã ocidental são representados empunhando um ramo de palma. Esta, desde a época pré-cristã que é considerada como um símbolo de vitória e de ascensão, pelo que os heróis eram saudados com ramos de palma ao retornarem vitoriosos das batalhas. Os romanos usaram os ramos de palma como símbolo de vitória contra os judeus. Estes viriam a reagir, pelo que de acordo com os quatro evangelhos canónicos, Jesus foi recebido festivamente com ramos de palma na sua entrada triunfal em Jerusalém. Por isso a palma veio a ser adoptada pelos primeiros cristãos como símbolo da vitória dos fiéis sobre os inimigos da alma e é ainda encarada pelos cristãos como símbolo da vitória na guerra travada pelo espírito contra a carne. Daí que no Domingo de Ramos, os fiéis transportem ramos de palma abençoados pelo sacerdote no início da Procissão de Ramos. Pelo facto de se manter sempre verde, a palma encerra em si um simbolismo associado à Ressurreição e Imortalidade de Cristo após o drama do Calvário.
Entre os arcos ogivais, 4 corolas de gerbera que simbolizam a pureza e a inocência das crianças e aqui do Menino Jesus. Da esquerda para a direita e em sequência espectral, as cores e o respectivo simbolismo são sucessivamente: violeta (espiritualidade, mistério e misticismo), azul (nobreza, harmonia e serenidade), laranja (alegria e vitalidade) e vermelho (paixão e amor). As corolas são em número de 4, já que para Pitágoras o número 4 era perfeito, pelo que foi o número utilizado para fazer referência ao nome de Deus. Aquele número está também ligado ao simbolismo da cruz e ao número de evangelistas que descreveram a vida de Jesus.
A figura do Menino Jesus está deitada de costas em cima das palhinhas e com o braço esquerdo apoiado no peito, o que tem interpretação análoga à do “Presépio das pombinhas”. O braço direito encontra-se esticado ao longo do corpo, com a palma da mão aberta, o que significa que não tem nada a esconder. Trata-se da mão direita, a mão que abençoa. A palma está virada para o Céu, simbolizando pacificação e dissipação de todo o medo.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente em 21 de Dezembro de 2023
Publicado no jornal E, n.º 324, de 21 de Dezembro de 2023
 

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Vera Magalhães recebeu o Certificado de Artesã Produtora de Bonecos de Estremoz

 

A barrista Vera Magalhães ladeada pelo  Presidente do Município, José Daniel Sadio
pelo Presidente da Assembléia Municipal, Ricardo Catarino.
 Fotografia de Município de Estremoz.

Teve lugar ontem no Salão Nobre dos Paços do Concelho de Estremoz, uma Sessão Comemorativa do 6.º aniversárioda Inscrição da Produção de Figurado em Barro de Estremoz na ListaRepresentativa de Património Cultural Imaterial da UNESCO.

No decurso da cerimónia foi entregue à barrista Vera Magalhães, o Certificado de Artesã Produtora de Bonecos deEstremoz, que lhe foi outorgado pela Adere-CERTIFICA, entidade credenciada para conceder aquela certificação.

Anteriormente, a barrista Vera Magalhães frequentou um “Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz”, que entre 20 de Setembro a 6 de Dezembro de 2019, teve lugar no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte, em Estremoz. O Curso foi promovido pelo CEARTE – Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património, em parceria com o Município de Estremoz. O Curso com a duração de 150 horas e de Nível QNQ 2, teve formação técnica a cargo do barrista Jorge da Conceição. Foi frequentado por 16 formandos, dos quais até à presente data, 4 foram certificados pela Adere – CERTIFICA, como artesãos produtores de Bonecos em Barro de Estremoz.

Mais recentemente, a barrista teve a Exposição “TRADIÇÃO E CULTURA - Bonecos de Estremoz de Vera Magalhães” patente ao público no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz, entre os dias 9 de Setembro e 26 de Novembro.



quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Aconteceu há 6 anos: Inscrição da Produção de Figurado em Barro de Estremoz na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade

Parte da delegação portuguesa que se deslocou à República da Coreia. Da esquerda
para a direita: Luís Mourinha (Presidente da Câmara Municipal de Estremoz), Manuel
António Gonçalves de Jesus (Embaixador de Portugal na República da Coreia), António
Ceia da Silva (Presidente do Turismo do Alentejo) e Hugo Guerreiro (Director do Museu
Municipal de Estremoz e Responsável Técnico da Candidatura). Fotografia reproduzida
com a devida vénia, a partir do Facebook de António Ceia da Silva.


Importa aqui e mais uma vez, salientar o mérito daqueles a quem se deve o êxito de uma candidatura que se viria a tornar vitoriosa:
1º) Hugo Guerreiro, Director do Museu Municipal de Estremoz, que despoletou e argumentou a candidatura, a qual veio a ter êxito e que corresponde ao primeiro figurado do mundo a merecer a distinção de Património Cultural Imaterial da Humanidade.
2º) Os barristas do passado e do presente, que com o labor e criatividade das suas mãos mágicas e desde as bonequeiras de setecentos, transmitiram de geração em geração e até à actualidade, uma produção sui generis de Bonecos em barro, dita ao “modo de Estremoz”.
3.º) O escultor José Maria de Sá Lemos, que nos anos 30 do séc. XX e recorrendo à velha bonequeira Ana das Peles primeiro e ao Mestre oleiro Mariano da Conceição depois, deu um contributo decisivo para a revitalização da produção de Bonecos de Estremoz, considerada extinta desde 1921.
4º) Os estudiosos, investigadores, escritores e publicistas que com o seu esforço não deixaram morrer a memória dos Bonecos de Estremoz: Luís Chaves, D. Sebastião Pessanha, Virgílio Correia, Azinhal Abelho, Solange Parvaux, Joaquim Vermelho e outros.
5.º) Os coleccionadores, dos quais o mais destacado é Júlio dos Reis Pereira, que ao longo de décadas foram reunindo, catalogando, estudando, comparando e interpretando espécimes que viabilizaram a apresentação de uma candidatura pelo Município de Estremoz.
- BEM HAJAM!

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Exposição "Menino Jesus no Berço"



Transcrito com a devida vénia de
newsletter do Município de Estremoz,
de 6 de Dezembro de 2023

O Centro Interpretativo para a Valorização e Salvaguarda do Boneco de Estremoz apresenta, a partir de 9 de dezembro, na sua Sala de Exposições Temporárias, a Exposição “Menino Jesus no Berço” – Figurado de Estremoz.
Esta exposição surge a partir do desafio lançado aos barristas, atualmente a produzirem figurado de Estremoz, para que fizessem, nesta época em que se celebra o nascimento de Jesus, a figura do Menino Jesus deitado no Berço.
Nesta mostra contamos com a participação dos Barristas Afonso e Matilde Ginja, Ana Catarina Grilo, Carlos Alberto Alves, Fátima Estróia, Inocência Lopes, Irmãs Flores, Isabel Pires, Jorge da Conceição, José Carlos Rodrigues, Luís Parente, Luísa Batalha, Madalena Bilro, Manuel Broa, Ricardo Fonseca e Vera Magalhães.
A exposição poderá ser visitada até 28 de janeiro de 2024.
Venha visitar!


quarta-feira, 29 de novembro de 2023

XVII Exposição de Presépios de Artesãos de Estremoz



Transcrito com a devida vénia de
newsletter do Município de Estremoz,
de 29 de Novembro de 2023

A Galeria D. Dinis vai receber a XVII Exposição de Presépios de Artesãos de Estremoz, de 1 de dezembro a 7 de janeiro de 2024.Esta mostra, que é já uma referência no Alentejo, contará com mais de 20 Presépios, produzidos em diversos materiais: Cerâmica, tecido, pedra, madeira, cortiça, vidro e metal.

Os artesãos participantes são: Afonso Ginja, Ana Catarina Grilo, António Moreira, Carlos Alberto Alves, Carlos Pereira, Conceição Perdigão, Duarte Catela, Fátima Lopes, Inocência Lopes, Irmãs Flores, Isabel Pires, Jorge Carrapiço, Jorge da Conceição, José Carlos Rodrigues, Luís Parente, Luísa Batalha, Madalena Bilro, Manuel Broa, Maria José Camões, Perfeito Neves, Ricardo Fonseca, Sara Sapateiro, Sofia Luna e Vera Magalhães.

Visite e sinta, através dos presépios, o espírito de um Natal Feliz.








terça-feira, 21 de novembro de 2023

6.º aniversário da inscrição da Produção de Figurado em Barro de Estremoz na Lista Representativa de Património Cultural Imaterial da UNESCO

 



Transcrito com a devida vénia de
newsletter do Município de Estremoz,
de 21 de Novembro de 2023.

O Município de Estremoz irá comemorar o 6.º aniversário da inscrição da Produçãode Figurado em Barro de Estremoz na Lista Representativa de Património CulturalImaterial da UNESCO", no dia 7 de dezembro de 2023, com o seguinte programa:

SALÃO NOBRE (CÂMARA MUNICIPAL DE ESTREMOZ)

- 18:00 horas - Cerimónia de Celebração do 6.º aniversário da inscrição da Produção de Figurado em Barro de Estremoz na Lista Representativa de Património Cultural Imaterial da UNESCO"

Hugo Alexandre Nunes Guerreiro, coordenador da candidatura e responsável pelo Plano de Salvaguarda;

José Daniel Pena Sádio, Presidente da Câmara Municipal de Estremoz.

- 18:20 horas - Entrega de Certificado de Produtor de Bonecos de Estremoz a Vera Magalhães.

- 18:25 horas - Conferências:

Ana Fonseca (CME) e Mathilda L. Coutinho (Centro Hercules da Universidade de Évora): Bonecos de Estremoz - à descoberta do imaterial;

Ana Cristina Mendes (Diretora adjunta do CEARE): Indicações Geográficas Europeias.

TEATRO BERNARDIM RIBEIRO

- 22:00 horas - Dezalinhados Filarmónica Rock Show com a Banda Sociedade Filarmónica Artística Estremocense e a Banda Filarmónica do Grupo União e Recreio Azarujense.

Entrada livre que carece de levantamento de bilhete no Teatro Bernardim Ribeiro ou Posto de Turismo.

Venha celebrar connosco!


Hernâni Matos

terça-feira, 24 de outubro de 2023

Uma Primavera de Mestre Jorge da Conceição

 

Fig. 1 - Primavera (aspecto frontal). Mestre Jorge da Conceição (1963 - ).


É sabido que colecciono Bonecos de Estremoz produzidos por todos os barristas, independentemente da época e do tema. E faço-o, por entender que não há uma maneira única de os produzir, já que cada barrista tem o seu próprio estilo e as suas próprias marcas identitárias, fruto de circunstâncias diversas, as quais me dispenso de analisar aqui. No acto de criação, apenas é exigido ao barrista que respeite a técnica de produção e a estética do Boneco em barro vermelho de Estremoz.
A minha colecção, apesar de invejada por muitos, apresenta alguns “calcanhares de Aquiles”. Um deles é não integrar como eu gostaria, um número julgado apropriado e representativo da produção de Mestre Jorge da Conceição. Daí que eu tenha resolvido tratar este calcanhar, o que me levou tempos atrás a encomendar-lhe algumas figuras. A primeira a ser-me entregue foi uma Primavera (Fig. 1 e Fig. 2), que de imediato, despertou em mim uma emoção que iria desembocar na redondilha maior que então compus:

Aquece-me o coração
Esta linda Primavera
De Jorge da Conceição,
Cuja posse era quimera.

A beleza da figura resulta de uma modelação perfeita, fortemente naturalista, conjugada com um cromatismo harmonioso. Para além disso, uma observação mais minuciosa do exemplar, torna possível deduzir que, no decurso da sua manufactura, ocorreu uma mudança de paradigma relativamente à produção de barristas que antecederam Mestre Jorge da Conceição.
Em primeiro lugar, as flores do arco deixaram de estar representadas por discos cilíndricos coloridos e pintalgados, para serem mostradas, ainda que de uma maneira generalista, por flores com tridimensionalidade, ostentando uma parte frontal e uma parte posterior, distintas.
Em segundo lugar, o vestido deixa de apresentar folhos apenas no fundo, para os apresentar também nos punhos e no amplo decote que vai de ombro a ombro.
Em terceiro lugar, a fita do chapéu deixa de ser uma mera pintura e adquire ela própria, tridimensionalidade.
Em quarto lugar, o topo da base deixa de ser sarapintado, pompeando aquilo que configura ser um chão atapetado de flores.
Tudo isto é de se lhe “tirar o chapéu” e dai que, apesar de ser paisano, me ponha duplamente em sentido. Em primeiro lugar, pelo trabalho de excelência de Mestre Jorge da Conceição. Em segundo lugar, pelo facto de a Primavera envergar um vestido com as cores da nossa bandeira nacional, que de imediato despertam em mim um sentimento patriótico.
Obrigado Mestre Jorge da Conceição por me ter enchido as medidas com esta criação germinada a partir da sua grande alma de artista e à qual a magia das suas mãos conferiu forma e cor, transmitindo-lhe harmonia, perfeição, beleza e elegância. Bem-haja!


Fig. 2 - Primavera (aspecto posterior). Mestre Jorge da Conceição (1963 - ).