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quinta-feira, 8 de abril de 2021

E os passarinhos não se calam


Primavera 2021. Desenho a lápis de cor. Cristina Malaquias.

LER AINDA:

A ilustradora Cristina Malaquias publicou na sua página do Facebook, um magnífico desenho que não resisto a reproduzir aqui com a respectiva legenda “E os passarinhos não se calam”, que me mereceu o seguinte comentário:
Senão fosse o arco, eu diria que a figura era um "Amor é cego" que tirou a venda para a usar como máscara comunitária. Mas está lá o arco... E está muito bem, que isto de espetar o arco nas costas não lembra a ninguém.
O arco empunhado na mão direita tem outro encanto. Quem sabe se a figura não evoca um desfile de floristas em luta pelo direito a vender flores? Parece que estou a vê-las gritar:
- FLORES, SIM! COVID, NÃO!
Palavra de ordem que vão alternando, por vezes, com uma palavra de ordem mais reformista:
- COVID ESCUTA, QUE O POVO ESTÁ EM LUTA!
Todavia, as floristas mais revolucionárias clamam bem alto:
- MORRA O COVID! MORRA! PIM!
É caso para dizer:
- CAMARADAS: SÓ A MORTE DO BICHO, PORÁ FIM À NOSSA LUTA!
Cristina Malaquias respondeu:
- Lindo texto, sim senhor!!
Que dizer então? A minha resposta foi imediata e o seu relato vem de seguida:
Eu sou um contador de estórias. Que poderia fazer eu para além do óbvio lugar comum do "Parabéns Cristina pelo seu belo desenho!" Como diz o Hino da Intersindical:
- LUTAREMOS COM AS ARMAS QUE TEMOS NA MÃO!
Foi dito e feito. Contei uma estória que é uma das coisas que sei fazer. Foi a forma encontrada de lhe procurar retribuir a beleza com que nos prendou.

domingo, 11 de fevereiro de 2018

CARNAVAL DE ESTREMOZ: Oh tempo, volta para trás!


1 - Corso carnavalesco de 1919 na Praça Luís de Camões, onde ainda não existia o
passeio junto ao qual estacionam os táxis na actualidade. Na parte central ao fundo,
é visível a torre sineira da Igreja da Antiga Misericórdia, situada no local onde está
hoje sedeada a Sociedade Recreativa Popular Estremocense (Porta Nova).

Origem do Carnaval
O período de três dias que precedem a Quaresma é conhecido por Carnaval e nele decorrem alegres brincadeiras e festas populares, que assumem múltiplas formas.
Apontado por muitos como tendo uma remota origem pré-cristã, o Carnaval assumiu importância no séc. IV d.C., quando a Igreja Católica estabeleceu a Semana Santa antecedida dos quarenta dias da Quaresma. Um período de tão longa penitência e privações, incentivaria a realização de festas populares nos três dias que antecediam a Quarta-feira de Cinzas, o primeiro dia da Quaresma. Os três dias de Carnaval são conhecidos por dias gordos, especialmente a Terça-feira Gorda.
Carnavais com personalidade própria
O Carnaval é uma festa de âmbito planetário. Por esse mundo fora ocorrem Carnavais afamados como os de Veneza, Nice, Santa Cruz de Tenerife, Nova Orleães e Rio de Janeiro. Cada um deles tem a sua identidade cultural intrínseca, forjada por vezes há mais de 100 anos e consolidada pelo tempo. São Carnavais com personalidade própria, que não têm necessidade de copiar outros Carnavais. Sem sombra de dúvida que o mais famoso de todos é o Carnaval do Rio de Janeiro, considerado a maior festa do mundo, que decorre durante 5 dias e se manifesta de múltiplas formas, das quais a mais mediática é o desfile das escolas de samba no Sambódromo da Marquês de Sapucaí.
Em Portugal são inúmeros os locais onde de modos variados é comemorado o Carnaval. Deles destaco os Carnavais de Lindoso, Podence, Lazarim, Cabanas de Viriato, Guimarães, Barcelos, Torres Vedras e Loures, por terem individualidade própria e não serem decalcados de outros.
A 1ª Batalha de Flores em Estremoz
Em Estremoz, a primeira notícia conhecida e referente à realização de um corso carnavalesco, remonta a Fevereiro de 1919, na sequência do final da I Grande Guerra Mundial, travada entre 28 de Julho de 1914 e 11 de Novembro de 1918. A seguir ao horror e à destruição daquele conflito europeu e entre muitas outras coisas, alteraram-se os padrões de vida. Daí não ser de estranhar a criação de um corso carnavalesco em Estremoz. Estava-se na ante porta dos loucos anos 20 e o corso assumiu a forma de uma “Batalha de flores”. Os carros, pertencentes a lavradores e a elementos da melhor sociedade de então, iam enfeitados com flores que deles eram também lançadas sobre a assistência que se encontrava ao longo do percurso, o qual é seguido ainda hoje. Tratou-se de uma batalha amigável em que os projécteis eram flores de cores variegadas e que perfumavam o ar.
O Orfeão e a revitalização do Carnaval de Estremoz
Após a criação em 1930 do Orfeão de Estremoz "Tomaz Alcaide", este chamou a si a iniciativa de promover corsos carnavalescos designados também por “Batalhas de flores”, integradas por carros alegóricos, grupos de cavaleiros, grupos de ciclistas, grupos de foliões e ranchos folclóricos do concelho. Os corsos eram abrilhantados pelas bandas locais, Sociedade Filarmónica Luzitana e Sociedade Filarmónica Artística Estremocense, as quais tocavam música portuguesa, assegurando a animação do evento. “Cabeçudos” e “gigantones” completavam o ramalhete de animação que percorria as ruas da parte baixa da cidade, previamente engalanadas.
O primeiro corso carnavalesco organizado pelo Orfeão teve lugar em 1935 e saldou-se por um assinalável êxito, não só pela participação da população, como pelo impacto junto de forasteiros que visitaram a cidade. O sucesso reeditou-se nos anos subsequentes até 1939, ano em que em 1 de Setembro teve início a II Guerra Mundial. Após o interregno causado pelo conflito bélico, o Orfeão retomou a organização dos corsos carnavalescos em Estremoz em 1951. O auge do Carnaval de Estremoz terá acontecido nos anos 50-60 do século passado. As flores já eram de papel e os projécteis eram papelinhos, serpentinas e saquinhos com serradura. Também apareciam saquinhos com areia e dalguns carros lançavam-se tremoços ou grão-de-bico e ocorriam também as inevitáveis farinhadas e bisnagadas. A música era bem portuguesa e havia foliões que em grupo ou individualmente fizeram História: Joaquim António Chouriço, José Gancho, João Mourinha, Padre-Santo, José Manuel Figo, Francisco Chouriço, José Albano França, Joaquim Viana, António José Martins (Costeleta), Ezequiel Chouriço e António Pegado (Pendão). Não deixavam o seu crédito por mãos alheias, quer encarnassem o papel de um personagem respeitável ou pelo contrário fossem caricaturalmente exagerados. Eram a elite vanguardista e bem disposta de um Carnaval bem português: o Carnaval de Estremoz. Isto no “Tempo da Outra Senhora”. 
Abrasileiramento do Carnaval de Estremoz
Com o eclodir da Guerra Colonial em 1961, os corsos carnavalescos viriam a ser interrompidos e só seriam retomados pontualmente em 1972 e 1973, graças à iniciativa particular de um grupo de foliões estremocenses. Fruto de múltiplas condicionantes, a organização dos corsos carnavalescos só seria retomada pelo Orfeão em 1993, ano em que para além daquilo que era tradicional no Carnaval de Estremoz, alguém teve a triste ideia de acrescentar “escolas de samba”. Foi o abrasileiramento do Carnaval de Estremoz, que fez com que este se abastardasse e que por isso constituiu um atentado histórico e social à sua identidade cultural local.
Actualmente, o Carnaval de Estremoz tem o samba como música de fundo, ao som da qual os blocos de marchantes “sacodem as pulgas”, enquanto no seu imaginário é projectado um filme em que se sentem bailarinos duma escola de samba. Foram obliterados pela colonização brasileira e sentem-se como passistas no Sambódromo da Marquês de Sapucaí no Rio de Janeiro, quando afinal estão no Rossio Marquês de Pombal, em Estremoz. Querer transformar as ruas de Estremoz em sambódromo é como em Lisboa, querer meter o Rossio na Rua da Betesga.
O samba, expressão privilegiada da cultura popular brasileira, música e dança alegre para quem as sente no corpo e na alma porque é brasileiro, faz tanto sentido no Carnaval de Estremoz como um elefante numa loja de cristais. Quem desfila por aqui ao som da aparelhagem sonora, não consegue transmitir a alegria nem tem o poder de comunicação dos marchantes cariocas. É uma tristeza. É como se Domingo e Terça-feira Gorda se tivessem transformado em Quarta-feira de Cinzas. O Carnaval de Estremoz é um arremedo do Carnaval carioca. Daí que seja legítimo questionar:
- Quem te manda a ti sapateiro, tocar rabecão?
No corso carnavalesco de Estremoz constata-se a ausência de qualquer tipo de crítica social ou política. Para além disso e pese embora o Carnaval ser um período propício a consumos proscritos durante a Quaresma, não é pedagógica e eticamente aceitável que marchantes consumam álcool durante o desfile, já que esse consumo pode transmitir a ideia errada que para haver alegria é preciso haver consumo de álcool.     
É Carnaval, ninguém leva a mal
Curiosamente, no desfile deste ano, o locutor de serviço proclamava de vez em quando:
- O Carnaval de Estremoz tem o apoio incondicional da Câmara Municipal de Estremoz!
Da minha parte só uma resposta é possível:
- É Carnaval. Ninguém leva a mal.

Hernâni Matos
Cronista do Jornal E, folião e tudo
Publicado inicialmente em 11 de Fevereiro de 2018
(Texto publicado no jornal E nº 194, de 22-02-2018)

CRÉDITOS DAS FOTOGRAFIAS
1 - Fotografia de Mendes Lopes – Jaime dos Santos. Arquivo de Hernâni Matos.
2,3,6,7 – Fotografias de Rogério de Carvalho (1915-1988). Arquivo do Orfeão de Estremoz “Tomaz Alcaide”.
4 - Fotografia de Manuel Gato (1908-1994). Arquivo de Hernâni Matos.
5 - Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988). Arquivo de Hernâni Matos.


  2 Corso carnavalesco de 1935. Carro alegórico da papelaria “A Tabaqueira”.

 3 - Corso carnavalesco de 1935. Carro alegórico de temática equestre frente ao
Quiosque Maniés.


4 - Anos 30 do séc. XX. Mascarados fazendo-se transportar numa Dona-elvira
descapotável e florida, com uma matrícula digna de figurar num vetusto
relicário. Ao fundo, o edifício do RC3 com uma cerca de tabuinhas,
no mesmo local onde hoje existe uma sebe de buxo.

 
 5 - Corso carnavalesco de 1951, frente ao edifício do extinto Círculo Estremocense,
sociedade recreativa frequentada pela alta sociedade da época e cuja criação
em 1850 foi autorizada por alvará régio de D. Pedro V.

6 -Corso carnavalesco de 1954. Grupo de “cabeçudos” e “gigantones”
junto ao Jardim Municipal. 

7 - Corso carnavalesco de 1957. Carro Alegórico do Orfeão de Estremoz “Tomaz Alcaide”.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Os xexés


Xexé (1921). Ilustração de Leal da Câmara (1876-1948). Capa da revista “ILUSTRAÇÃO PORTUGUESA”, nº 781 de 5 de Fevereiro de 1921

Uma figura característica do Carnaval doutros tempos, pelo menos até ao primeiro quartel do século XX, era o “xexé”, caricatura do Portugal miguelista, caído em desgraça. O personagem foi retratado entre outros por José Malhoa (1895), Rafael Bordalo Pinheiro (1903), Augusto Bobone (antes de 1910) e Leal da Câmara (1921). O xéxé trajava uma casaca de seda colorida, calção e meia branca, sapatos de fivela, cabeleira de estopa, punhos de renda e um enorme chapéu bicorne, à moda de finais do séc. XVIII - séc XIX. Usava muitas vezes lunetas, andava armado com um grande facalhão de madeira e um cacete adornado com um chavelho. De acordo com o “Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa” [2], “Xexé” é um substantivo masculino que designa “Personagem carnavalesco típico, caracterizado como um velho ridículo e senil”. Para este dicionário, o termo terá sido utilizado pela primeira vez no “Dicionário Contemporâneo de Língua Portuguesa”, de Caldas Aulete. Como refere a “Gíria Portugueza” [1], “Chéché” é um termo popular que designa “Mascarado repelente e ridículo, em Lisboa, que importuna os transeuntes pedindo “dez reisinhos p’r’o velho””. De acordo com o “Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa” [2], “Xexé” é também um substantivo e adjectivo com os dois géneros, aplicável a “quem está desprovido de lucidez em decorrência de idade avançada”, sendo sinónimo de ”senil”, “caduco” e “gagá”. É ainda aplicável “àqueles que possuem comportamento ridículo ou estúpido”. Julgo que é neste último sentido, que o termo seja aplicável aos responsáveis políticos ao mais alto grau que:
- Se queixam-se que as suas reformas chorudas não chegam para as despesas pessoais;
- Chamam “piegas” àqueles que civicamente protestam pela dureza das condições de vida que lhes estão a ser impostas;
- Mandam os licenciados, mestres e doutores emigrarem, por cá não arranjarem emprego; 
- Mandam os militares sair das fileiras, quando estes protestam civicamente;
- Reformados da política, nos sugam dinheiro diariamente com as suas benesses vitalícias.
Perante um panorama sombrio deste quilate, apenas uma atitude é possível: o direito à indignação, acompanhado da legítima conclusão de que somos governados por “xéxés”. É caso para bradar bem alto:
- ACABEMOS COM ESTE CARNAVAL!

Publicado inicialmente a 15 de Dezembro de 2012

BIBLIOGRAFIA
[1] - BESSA, Alberto. A Gíria Portugueza. Gomes de Carvalho - Editor. Lisboa, 1901.
[2] – HOUAISS, António et al. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Círculo de Leitores. Lisboa, 2003.

Xexé (1895). José Malhoa (1855-1933). Óleo sobre tela (27,4 x 47,4 cm).
Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves, Lisboa.

Xexé (1898), desfilando na Praça D. Pedro IV, em Lisboa. Fotógrafo não identificado.
Negativo de gelatina e prata em vidro (9 x 12 cm). Arquivo Fotográfico da Câmara
Municipal de Lisboa.

Xexé (1903). Ilustração de Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905). Capa da revista “A PARÓDIA”,
nº5 de 18 de Fevereiro de 1903.

Xexé (anterior a 1910), desfilando na Avenida da Liberdade, em Lisboa. Augusto Bobone
(1852-1910). Negativo de gelatina e prata em vidro (9 x 12 cm). Arquivo Fotográfico da
Câmara Municipal de Lisboa.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Do Carnaval à Quaresma - Notas de Literatura Oral


O Combate entre o Carnaval e a Quaresma (1559). Pieter Bruegel, o Velho (1526/1530–1569). Óleo
sobre madeira (164,5 x 118 cm). Museu de História de Arte, Viena. Do lado esquerdo, obeso, o
príncipe Carnaval que representa supostamente os protestantes, ao passo que à direita, o
indivíduo magro e triste, encarna os católicos.

A ACÇÃO DA IGREJA CATÓLICA
A Quaresma é o período de quarenta dias que antecipam o Domingo de Páscoa, durante o qual se comemora a ressurreição de Jesus Cristo, que segundo a Igreja, passou quarenta dias no deserto, em jejum e oração, como preparação para a vida pública.
A Quaresma começa na quarta-feira de cinzas e termina na chamada Quinta-Feira Santa, data da celebração da última ceia de Jesus Cristo com os doze apóstolos. Após a Quaresma, inicia-se o chamado Tríduo Pascal, que finda no Domingo de Páscoa.
Na prática, o tempo de Quaresma são quarenta e sete dias, já que de acordo com o Cristianismo, o domingo, dedicado já como dia do Senhor, não é contado durante a Quaresma.
Durante a Quaresma, a Igreja convida os fiéis a um período de penitência e de meditação, através da prática do jejum, da esmola e da oração, como preparação para o Domingo de Páscoa.
Qual a origem da Quaresma? Em 313 da era cristã, o imperador romano Constantino, promulgou o Édito de Milão, que declarava a religião Cristã como legal e dotada de plena liberdade, ao mesmo tempo que anulava o vínculo até então existente entre o Estado Romano e a Religião pagã. Como consequência desse Édito, os templos e outros bens imóveis confiscados aos cristãos, foram devolvidos. Multidões de pagãos quiseram então entrar na Igreja. Foi assim que no séc. IV d. C, a Igreja criou a Quaresma.
O período de três dias que precedem a Quaresma é conhecido por Entrudo (Do latim introitus, -us, entrada, começo) ou Carnaval (Do francês carnaval, do italiano carnevale, de carnelevare, retirar a carne) e nele decorrem alegres brincadeiras e festas populares, que assumem múltiplas formas.
Apontado por muitos como tendo uma remota origem pré-cristã, o Carnaval assumiu importância no séc. IV d.C., quando a Igreja Católica, estabeleceu a Semana Santa antecedida dos quarenta dias da Quaresma. Um período de tão longa penitência e privações, incentivaria a realização de festas populares nos três dias que antecediam a Quarta-feira de Cinzas, o primeiro dia da Quaresma. Os três dias de Carnaval são conhecidos por dias gordos, especialmente a Terça-feira gorda.

ONOMÁSTICA E ALCUNHAS ALENTEJANAS
A onomástica portuguesa não permite que alguém tenha como nome próprio, “Carnaval” ou “Entrudo”. Permite todavia que alguém, homem ou mulher use o nome “Quaresma”, como segundo elemento do nome, podendo até o termo “Quaresma” ser pronome de família. [4] [6] Todavia o sábio povo alentejano soube tornear o problema, através da atribuição de alcunhas alentejanas: São conhecidas as seguintes:
- CARNAVAL – O visado nasceu em dia de Carnaval (Redondo e Castro Verde). [13]
- ENTRUDO – Alcunha atribuída em Reguengos de Monsaraz. [13]
- ENTRUDO CASTELHANO - alcunha aplicada em Moura. [13]
- QUARESMO(A) - alcunha outorgada em Avis e Grândola. [13]

TOPÓNIMOS E CALÃO
São desconhecidos topónimos [3] e praticamente desconhecidos termos de calão, tendo por base as palavras “Carnaval”, “Entrudo” e “Quaresma”. [7][9][10][12][14]. Todavia, o termo “Carnaval” é sinónimo de orgia [2] e designativo de tudo o que dá para a galhofa. [15] Por sua vez, no calão transmontano, “Entrudo”, designa uma pessoa gorda. [15]

SUPERSTIÇÕES POPULARES
São significativas as superstições populares relativas ao "Carnaval" e à "Quaresma". Destacamos algumas:
- “Não se deve fiar na Terça-Feira de Carnaval, porque isso seria fiar as barbas ao Entrudo. Se alguém fosse visto fazendo isso em tal dia, não passaria sem ver a roca e o fuso queimados.“ [17]
- “Na Quarta-Feira de Trevas não se deve fiar depois do pôr-do-sol, porque foi então que os Judeus fiaram as cordas com que prenderam Nosso Senhor Jesus Cristo.” [17]
- “É bom em Quarta-Feira de Trevas pôr um ferro sobre a ave que choca ovos, para que estes não gorem.” [17]
- “Desde Quarta-Feira de Trevas até à hora da Ressurreição de Sábado d'Aleluia não se deve secar roupa porque ela apareceria com pintas de sangue.” [17]
- “É um preservativo para afugentar as trovoadas, queimar palma benta em Domingo de Ramos e espalhar o fumo pela casa.” [17]
- “Quando fazem trovões, para que não aconteça mal algum, é bom acender um coto de vela, que tivesse estado aceso nalguma igreja em Quinta-Feira ou Sexta-Feira Santa.” [17]
- “No Sábado de Aleluia, é bom furtar-se água da pia de baptismo de uma igreja; três gotas desta água deitadas no comer livram de feitiços a quem as toma, mas há-de ser depois de o comer ser tirado do lume, porque antes é pecado.” [17]

ADIVINHAS
As adivinhas são outro elemento importante da nossa literatura oral, com presença significativa no período que temos vindo a abordar. Curiosamente não conseguimos localizar adivinhas relativas ao "Entrudo" ou "Carnaval", mas são múltiplas, aquelas cuja solução óbvia é “A Quaresma”:

“Posto que velha me vejas,
Já fui moça e sou formosa;
Deu-me o céu, em sete filhas,
Descendência venturosa.

Cinco destas são mui justas;
Uma por santa se exalta;
A mais velha é muito boa,
Teve contudo uma falta.

Todo o mundo nos tributa
Mais ou menos atenções;
Trata a todos com respeito.
Segue as nossas devoções.” [5]

“Sou uma velha, muito velha,
Com o ranço na garganta;
De sete filhas que tive
Só uma me saiu santa.” [5]

“Uma mãe com sete filhas: uma com faltas, cinco justas e uma santa. Qual é a mãe?” [5]

“Uma mãe com sete filhas:
Cinco justas,
Uma santa
E outra com falta” [11]

“Sete irmãs são,
uma é santa
e seis não.” [16]

O ADAGIÁRIO PORTUGUÊS
É interessante o adagiário relativo ao "Entrudo" ou "Carnaval". Como se trata de um período de certa licenciosidade, que é ansiosamente aguardado, o Povo sabe contar os dias:
-”Dos Santos ao Natal, cada dia mais mal; do Natal ao Entrudo, come-se capital e tudo.”
-”Do Natal ao Entrudo é um mês, quem bem contar sete semanas lhe há-de achar.”
-”Esta vida são dois dias e o Carnaval são três.”
-”Do Carnaval à Páscoa vão sete semanas.”
Há adágios que exprimem bem as características especiais de que se reveste a quadra festiva:
-”É Carnaval, ninguém leva a mal.”
-”No Carnaval nada parece mal.”
-”Em dia de Entrudo não há querela.”
-”No Entrudo, come-se tudo”.
-”Farta-te gato, que é dia de Entrudo.”
-“Namoro de Carnaval, não chega ao Natal.”
-”Alegria, Entrudo, que amanhã será cinza.”
-“O Entrudo, leva tudo.”
A observação do céu levou a criação de máximas relativas à astrologia do tempo, como é o caso desta:
-”Não há Entrudo sem Lua Nova, nem Páscoa sem Lua Cheia.”
Os adágios tecem, por vezes, considerações de natureza meteorológica:
-”Entrudo borralheiro, Páscoa soalheira.”
-”Carnaval na eira, Páscoa à lareira.”
-”Entrudo borralheiro, Natal em casa, Páscoa na praça.”
Outras vezes é a própria fauna que é observada:
-”Pelo Entrudo – cartaxo penudo.”
O adagiário, dá de resto, orientações relativas ao trabalho:
-”No Natal, fiar; no Entrudo, dobar; na Quaresma, tecer; e na Páscoa, coser.”
Dá igualmente recomendações para a Agricultura:
-”Pelo Natal semeia o teu alhal, e se o quiseres cabeçudo, semeia-o pelo Entrudo.”
-”Quem quiser o alho cabeçudo, sache-o pelo Entrudo.”
-”Quem quiser o alho cachapernudo, plante-o no mês do Entrudo.”
A "Quaresma" é mais escassa de adágios que o "Entrudo" ou "Carnaval", já que sendo um período de penitência, é menos do agrado popular. Com fundamento religioso é conhecido o adágio:
- “A Quaresma é muito pequena para quem tem de pagar a Páscoa.”
Por lei geral da Igreja, os fiéis de mais de 14 anos, não dispensados, devem abster-se de comer carne em certos dias do ano. Em Portugal, são dias de abstinência a Quarta-Feira de Cinzas e as sextas-feiras do ano que não coincidam com solenidades litúrgicas. Desta tradição penitencial da Igreja, nasceu o adágio:
- “Salmão e sermão têm na Quaresma a sua estação.”
A disciplina penitencial podia ser quebrada por Indulto Pontifício através duma licença canónica, a chamada Bula, que permitia comer carne nos dias de abstinência, mediante o pagamento de dinheiro que visava segundo a Igreja, a fundação e manutenção dos seminários. Assim, os ricos que já podiam comer carne todos os dias, também podiam pagar a Bula à Santa Sé, para comerem carne pela Quaresma. Pagavam à Igreja pelo pecado e eram abatidos da lista dos que iam para o Inferno. Daí que haja adágios que, como profunda crítica social, relatam a opinião dos pobres:
- “A Quaresma e a cadeia para o pobre é feita.”
- “A Quaresma e a cadeia para pobres é feita.”
A Bula, como forma de indulto vigorava desde 31 de Dezembro de 1914 (Papa Bento XV) e só cessou com a nova disciplina penitencial decretada pela Constituição Apostólica Paenitemini, que trata do jejum e da abstinência na Igreja Católica e foi promulgada por Paulo VI, em 1966.

CANCIONEIRO POPULAR
O Entrudo, de que o povo muito gosta, é um período de excelência gastronómica, cuidadosamente preparado:

“Eu hei-de mandar fazer,
Que eu não posso fazer tudo,
Uma ponte de filhoses
Para passar o Entrudo.” [8] – Castro Verde

O Entrudo é, naturalmente, um período de divertimento popular, considerado curto:

“Divertimos o Entrudo
Que se nos vai acabando;
Sabe Deus quem chegará
Desde que vem a um ano.” [8] – Castro Verde

Com o Entrudo, termina a gastronomia de excelência e entra-se na Quaresma, que exige penitência:

“Já lá se vai o Entrudo
Com galinhas e capões;
Agora vem na Quaresma,
Estudam-se as orações.” [8] – Vila Verde de Ficalho

“Já se acabou o Entrudo,
Já não se fazem funções;
Agora vem a Quaresma:
Calabaças com feijões. [8] – Alandroal

O povo, que gosta do Entrudo, refere o fim deste, de uma forma algo mordaz:

“Aí vai já o Entrudo
Pelo caminho do poço;
Vai gritando em altas vozes
Que lhe cortaram o pescoço.” [8] – Castro Verde

Todavia, para gáudio do Povo, decorrido um ano, aí estará de novo o Entrudo, qual Fénix renascida das cinzas.

Pulicado pela primeira vez em 10 de Fevereiro de 2011

BIBLIOGRAFIA
[1] - BESSA, Alberto. A Gíria Portugueza. Gomes de Carvalho - Editor. Lisboa, 1901.
[2] - BÍVAR, Artur. Dicionário Geral e Analógico da Lingua Portuguesa. Lello e Irmão, editores. Porto, 1948.
[3] – FRAZÃO, A. C. Amaral. Novo Dicionário Corográfico de Portugal. Editorial Domingos Barreira. Porto, 1981.
[4] – GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Volume 23. Editorial Enciclopédia, Limitada. Lisboa, s/d.
[5] - GUERREIRO, M. Viegas. Adivinhas Portuguesas. Fundação Nacional Para A Alegria No Trabalho. Lisboa, 1957.
[6] - INSTITUTO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO. Vocábulos admitidos e não admitidos como nomes próprios. [http://www.irn.mj.pt/sections/irn/a_registral/registos-centrais/docs-da-nacionalidade/vocabulos-admitidos-e/downloadFile/file/2010-09-30_-_Lista_de_nomes.pdf?nocache=1287071845.45]
[7] – LAPA. Albino. Dicionário de Calão. Edição do Autor. Lisboa, 1959.
[8] – LEITE DE VASCONCELLOS, José. Cancioneiro Popular Português, vol. III. Acta Universitatis Conimbrigensis, Coimbra, 1983
[9] - NEVES, Orlando. Dicionário de Expressões Correntes. Editorial Notícias. Lisboa, 1998.
[10] - NOBRE, Eduardo. Dicionário de Calão. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1986.
[11] - PIRES DE LIMA, Augusto C. O Livro das Adivinhas. 2ª Edição. Editiorial Domingos Barreira. Porto, s/d.
[12] - PRAÇA, Afonso. Novo Dicionário de Calão. Editorial Notícias. Lisboa, 2001.
[13] - RAMOS, Francisco Martins; SILVA, Carlos Alberto da. Tratado das Alcunhas Alentejanas. 2ª edição. Edições Colibri. Lisboa, 2003.
[14] – SANTOS, António Nogueira. Novos dicionários de expressões idiomáticas. Edições João Sá da Costa. Lisboa, 1990.
[15] – SIMÕES, Guilherme Augusto. Dicionário de Expressões Populares Portuguesas. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1993.
[16] - VIALE MOUTINHO, José. Adivinhas Populares Portuguesas. 6ª Edição. Editorial Notícias. Lisboa, 2000.
[17] - PEDROSO, Consiglieri. Contribuições para uma Mitologia Popular Portuguesa e Outros Escritos Etnográficos. Publicações D. Quixote. Lisboa, 1988.

Entrudo familiar. Augustus Earle (1793-1838). Aguarela sobre papel (34 x 21,6 cm).
 Biblioteca Nacional da Austrália, Canberra.

Carnaval. Capa da revista "Ilustração Portuguesa" nº 781, de 5 de Fevereiro de 1921,
com ilustração de Leal da Câmara (1876-1948).

Carnaval. Cartoon de Stuart de Carvalhais (1887-1961) na revista "Ilustração Portuguesa"
nº 524, de 6 de Março de 1916.

Carnaval. Capa da revista “Ilustração portugueza” nº 886, de 10 de Fevereiro de 1923,
com ilustração de Melendez.