Fig. 1 - Com cerca de 1 ano de idade, no Largo do Espírito Santo, em Estremoz.
Excerto da comunicação por mim proferida
no decurso do colóquio "RECENTRAR / Memória, Barro e Saber-fazer",
que entre 20 e 21 de Setembro teve lugar no Castelo de Évora Monte,
integrado no Encontro Nacional de Olaria.
Nasci
em 1946 no número 14 do Largo do Espírito Santo em Estremoz, mesmo ali ao
cantinho (Fig. 1 e Fig. 2). Ao meio da Rua dos Banhos, do lado direito, morava o mestre oleiro e
barrista Mariano da Conceição. Bem perto da casa dos meus pais era também a rua
do Lavadouro, onde ao meio funcionara a Cerâmica Estremocense de Mestre Emídio
Viana. Não seria isto um augúrio de que iria estar ligado à olaria? É caso para
dizer que “Eu não acredito em coincidências, mas que as há, há”.
Fig. 2 - Largo do Espírito Santo - Estremoz. Foto Tony, cerca de 1950.
Na
minha juventude, os passeios pelo Rossio levavam-me invariavelmente a deter nos
stands da Olaria Alfacinha (Fig. 3) e da Olaria Regional, onde mirava e remirava as
peças oláricas, mas onde não comprava nada, não só porque não chegara ainda a
altura de o fazer, mas porque como jovem de então, só tinha cotão nos bolsos
das calças.
Fig. 3 - Stand da Olaria Alfacinha no Rossio Marquês de Pombal em Estremoz, no ano de 1974.
Em
1963, a participação da olaria e da barrística no Cortejo Etnográfico integrado
nas Festas da Exaltação da Santa Cruz (Fig. 4 a Fig. 11) foram determinantes na tomada de
consciência de um jovem de 17 anos como eu, de que tanto a olaria como a
barrística eram manifestações vigorosas não só da identidade cultural
estremocense, como da identidade cultural alentejana.
Fig. 4 - Acarreto de barro previamente extraído do barreiro.
Fig. 5 - Oleiro modelando uma peça na roda.
Fig. 6 - Brunideiras decorando o vasilhame de barro antes de ser cozido.
Fig. 7 - Bonequeiras modelando e pintando Bonecos de Estremoz.
Fig. 8 - Fabrico de tijolo burro por moldagem.
Fig. 9 - Retirados dos moldes os tijolos burros são postos a secar ao sol durante vários dias, antes de ser cozidos no forno
Fig. 10 - Uma carrada de lenha para alimentar o forno onde são cozidas as peças de barro.
Fig. 11 - Alimentação com lenha do forno onde será efectuada a cozedura
das peças de barro.
Entretanto,
ingressei na Universidade e só em 1972 comecei a comprar objectos oláricos e
Bonecos de Estremoz, após ter ingressado como professor na então Escola
Industrial e Comercial de Estremoz. Eram compras às pinguinhas, já que em
início de carreira ganhava pouco mais do que coisa nenhuma,
Naturalmente,
que as aquisições causadas pelo fascínio do barro precisavam de ser
consolidadas com conhecimentos. Foram determinantes na minha formação como
coleccionador, livros como “Barros de Estremoz” de Azinhal Abelho (Fig. 12), “Algumas
palavras acerca de Púcaros de Portugal” de Carolina Michaëlis de
Vasconcelos,(Fig. 12), “La céramique populaire du Haut-Alentejo” de Solange
Parvaux (Fig. 13),e mais tarde “Barros de Estremoz”, de Joaquim Vermelho (Fig. 13),, a que se
seguiram outros livros e brochuras, adquiridos muitas vezes no mercado alfarrabista.
Fig. 12 - “Barros de Estremoz” de Azinhal Abelho e “Algumas palavras acerca de Púcaros
de Portugal” de Carolina Michaëlis de Vasconcelos.
Fig. 13 - “La céramique populaire du Haut-Alentejo” de Solange Parvaux e “Barros de
Estremoz”, de Joaquim Vermelho.
As
leituras levaram-me a formular questões relativamente àquilo que leio e aos
objectos oláricos que vou adquirindo, pelo que a minha formação científica me
induz a investigar, visando "Pôr o preto no branco".
Em 2009, criei o blogue “Do tempo da Outra Senhora” (Fig. 14), onde vou publicando escritos de olaria e de barrística de Estremoz, com a pedalada que me é possível, pois as minhas motivações culturais dispersam-se simultaneamente por outros centros de interesse. Foi assim que em 2018 publiquei o livro “BONECOS DE ESTREMOZ” (Fig. 15), dado à estampa pelas Edições Afrontamento.
Fig. 14 - Aspecto parcial da página de entrada do blogue "Do Tempo da Outra Senhora".
Fig. 15 - "BONECOS DE ESTREMOZ”, de Hernâni Matos. Edições Afrontamento, 2018.
Com a morte em 2016 de Mestre Mário Lagartinho, decano da olaria e o último oleiro de Estremoz, constituiu uma tragédia cultural. Tornou-se real a necessidade de preservação e salvaguarda da olaria tradicional de Estremoz, acção que em devido tempo veio a ser despoletada pelo Município de Estremoz, em parceria com entidades oficiais para isso vocacionadas.
Fig. 16 - Mestre Mário Lagartinho (1935-2016), decano da olaria e o último oleiro de Estremoz.
Fotografia do Arquivo Fotográfico Municipal de Estremoz / BMETZ –
Colecção Joaquim Vermelho.
Fig. 17 - Uma aula do 1º módulo do Curso de Olaria em 2021. Fotografia da ADOE.
Creio que a realização do presente colóquio, integrado neste 1º Encontro Nacional de Olaria, indicia que os trabalhos de preservação e salvaguarda da olaria tradicional de Estremoz, marcham no bom caminho. Creio igualmente que nessas tarefas de missão é relevante o papel dos coleccionadores, no duplo papel de colectores e de investigadores, produtores de conhecimento, que dão um inestimável contributo para a arte avançar. Daí que me atreva a efectuar aqui, ainda que duma forma sucinta, aquela que é na minha óptica a caracterização da tradição oleira de Estremoz.
Hernâni Matos