domingo, 16 de novembro de 2025
Estórias do autor
quinta-feira, 2 de outubro de 2025
A tradição oleira de Estremoz
terça-feira, 30 de setembro de 2025
O curso natural das coisas
Nasci
em 1946 no número 14 do Largo do Espírito Santo em Estremoz, mesmo ali ao
cantinho (Fig. 1 e Fig. 2). Ao meio da Rua dos Banhos, do lado direito, morava o mestre oleiro e
barrista Mariano da Conceição. Bem perto da casa dos meus pais era também a rua
do Lavadouro, onde ao meio funcionara a Cerâmica Estremocense de Mestre Emídio
Viana. Não seria isto um augúrio de que iria estar ligado à olaria? É caso para
dizer que “Eu não acredito em coincidências, mas que as há, há”.
Na
minha juventude, os passeios pelo Rossio levavam-me invariavelmente a deter nos
stands da Olaria Alfacinha (Fig. 3) e da Olaria Regional, onde mirava e remirava as
peças oláricas, mas onde não comprava nada, não só porque não chegara ainda a
altura de o fazer, mas porque como jovem de então, só tinha cotão nos bolsos
das calças.
Em 1963, a participação da olaria e da barrística no Cortejo Etnográfico integrado nas Festas da Exaltação da Santa Cruz (Fig. 4 a Fig. 11) foram determinantes na tomada de consciência de um jovem de 17 anos como eu, de que tanto a olaria como a barrística eram manifestações vigorosas não só da identidade cultural estremocense, como da identidade cultural alentejana.
Entretanto,
ingressei na Universidade e só em 1972 comecei a comprar objectos oláricos e
Bonecos de Estremoz, após ter ingressado como professor na então Escola
Industrial e Comercial de Estremoz. Eram compras às pinguinhas, já que em
início de carreira ganhava pouco mais do que coisa nenhuma,
Naturalmente, que as aquisições causadas pelo fascínio do barro precisavam de ser consolidadas com conhecimentos. Foram determinantes na minha formação como coleccionador, livros como “Barros de Estremoz” de Azinhal Abelho (Fig. 12), “Algumas palavras acerca de Púcaros de Portugal” de Carolina Michaëlis de Vasconcelos,(Fig. 12), “La céramique populaire du Haut-Alentejo” de Solange Parvaux (Fig. 13),e mais tarde “Barros de Estremoz”, de Joaquim Vermelho (Fig. 13),, a que se seguiram outros livros e brochuras, adquiridos muitas vezes no mercado alfarrabista.
As
leituras levaram-me a formular questões relativamente àquilo que leio e aos
objectos oláricos que vou adquirindo, pelo que a minha formação científica me
induz a investigar, visando "Pôr o preto no branco".
Com a morte em 2016 de Mestre Mário Lagartinho, decano da olaria e o último oleiro de Estremoz, constituiu uma tragédia cultural. Tornou-se real a necessidade de preservação e salvaguarda da olaria tradicional de Estremoz, acção que em devido tempo veio a ser despoletada pelo Município de Estremoz, em parceria com entidades oficiais para isso vocacionadas.
segunda-feira, 29 de setembro de 2025
As primeiras memórias da olaria
Até
então, a água era distribuída por aguadeiros que a acarretavam em
cântaros de folha de Flandres ou de barro, transportados em cangalhas assentes
no dorso de burros ou em divisórias de carroças para o transporte de água. Recolhida nas fontes, assim ia parar à casa
dos fregueses. À chegada, à porta da rua, a água era transvasada do cântaro que
a transportara para um cântaro de barro do freguês.
Os
aguadeiros eram figuras do quotidiano diário da época que ficaram perpetuadas
na barrística de Estremoz.
Tal
como os aguadeiros também as mulheres das castanhas, como figuras
do quotidiano diário da época, ficaram perpetuadas na barrística de Estremoz.
Qualquer
das memórias desperta em mim outras memórias. Assim, a memória dos aguadeiros
carrega consigo a memória da frescura e do sabor inigualável da água contida em
recipiente de barro. Por outro lado, a memória das mulheres das castanhas
transporta consigo o odor e o sabor das castanhas assadas. É caso para dizer
que as memórias são como as cerejas, vêm umas atrás das outras.
Hernâni Matos
domingo, 28 de setembro de 2025
O guardador de memórias
Tenho
o coleccionismo na massa do sangue. Sou geneticamente um coleccionador e
cumulativamente um contador de estórias, não só de estórias
reais, mas também das estórias que as coisas me contam sobre os segredos que a
sua existência encerra.
Ao
longo da minha vida de coleccionador reuni mais de 200 objectos oláricos de
diferentes tipologias, morfologias, funcionalidades e tamanhos, os quais têm
entre si um elo comum: foram produzidos pelas extintas olarias de Estremoz. São,
pois, memórias do passado. Ao reunir um acervo pessoal dessas peças, tornei-me,
eu próprio, um guardador de memórias.
Estas
memórias guardadas, conjuntamente com muitas outras memórias, integram a
chamada memória colectiva, a qual nos ajuda a construir e manter
a nossa identidade cultural e histórica, preservando tradições, valores e
experiências comuns.
É a
memória colectiva que nos permite aprender com os erros e sucessos do passado,
o que é essencial para o desenvolvimento e a evolução da sociedade.
Como
guardador de memórias, assumo-me como fiel guardião da nossa ancestral matriz
identitária, incumbido duma nobre missão: a de transmitir às novas gerações, a
importância e a riqueza da pluralidade do passado e das tradições do nosso
povo, para que elas tenham consciência de que urge resistir a uma globalização
castrante, que assimptoticamente procurará reduzir à chapa zero, as nossas
identidades culturais, a nível local, regional e nacional.
sexta-feira, 22 de agosto de 2025
79 voltas ao Sol
No passado dia 19 de Agosto
concluí o meu 79º passeio solar. Convenhamos que começa a ser monótono,
repetitivo e mesmo cansativo. Com a agravante de ter plena consciência de que
como passageiro terrestre a duração do meu passeio ser finita, ainda que indeterminada.
O meu corpo em desagregação lenta
mas inexorável como todos os outros, é regido pelas leis da Física Quântica.
Daí que quando a minha viagem chegar ao fim, cumprir-se-á uma espécie de lei de
Lavoisier generalizada, já que “Na Natureza nada se perde, nada se cria, tudo
se transforma”. A minha estrutura orgânica decompor-se-á numa miríade de átomos
de elementos constitutivos da Tabela Periódica, com especial predominância de
átomos de oxigénio, carbono, hidrogénio, azoto, cálcio, fósforo, potássio,
enxofre, sódio, cloro e magnésio. Libertos do meu corpo irão desempenhar novos papéis, novas funções, novas missões, sabe-se lá
quais. A minha decomposição orgânica será também acompanhada da libertação de
energia que mantinha coesa a minha estrutura orgânica. Também ela irá
desempenhar novos papéis, novas funções, novas missões.
O fim da viagem cósmica é um acto
de libertação das amarras gravitacionais da matéria e do
espaço-tempo-energia. A partir daqui há
um universo de crenças que não quero ferir por respeito às crenças que
constituem um direito individual de cada um. Para além disso esta conversa já
vai longa.
Como passageiros terrestres desta
viagem cósmica em que nos vemos envolvidos, cumprimos rituais tribais cuja
origem se perdem nos alvores do tempo. Uma delas é assinalar anualmente cada
volta ao Sol em convívio e comunhão de espírito com a Família e amigos.
No dia em que completei a mais recente volta ao Sol, optei por me cingir à companhia da célula familiar e lá fui com a Fátima, minha mulher e a Catarina, minha filha, rumo à Mercearia Gadanha, prestigiado restaurante estremocense, que figura no Guia Michelin e onde fomos principescamente atendidos. Abstenho-me de revelar a ementa, mas asseguro-vos que o ritual tribal de comemorar mais uma volta completa ao Sol, foi deveras gratificante e reconfortante.
terça-feira, 19 de agosto de 2025
Hernâni, meu velho amigo - António Simões
Hernâni. meu velho amigo (*)
António Simões (1934- )
Hernâni, meu velho amigo
E grande coleccionista –
Quer o novo, quer antigo,
Vai comprar onde ele exista!
Assim que tu abalaste,
Pus-me a pensar no assunto.
Pensei pouco ou pensei muito,
Foi com muita ou pouca arte? –
Deixemos isso de parte,
Enquanto a rimar prossigo.
Eis a quadra, mais não digo,
Outros dirão, que não eu –
Minha mente a concebeu,
Hernâni, meu velho amigo.
A quadra já está feita,
E pra que não se esqueça,
Vai de e-mail, mais depressa.
‘spero que chegue direita.
Inspiração desta feita
Não se esquivou ao artista –
Não há ninguém que resista
Ao seu sagrado fulgor,
Hernâni que és professor
E grande coleccionista.
Neste frio mês de Janeiro,
Com vento e chuva feroz,
Às vezes ficamos sós
A pensar junto ao braseiro.
A gente pensa primeiro
No mundo cheio de p’rigo
Em que irmão é inimigo –
E tu segues porfiando,
Hernâni coleccionando,
Quer o novo, quem antigo.
Enquanto eu meditava,
Quem é coleccionador
Vai tratando com amor
Da peça coleccionada,
Antes ade a ter arrumada
Nalgum sítio bem à vista.
E pra que nunca desista
D’ampliar a colecção,
Objecto de estimação
Vai comprar onde ele exista.
quinta-feira, 8 de maio de 2025
A rua onde eu moro, que impressão me faz
terça-feira, 15 de abril de 2025
Benfica - Arouca
O emproamento verbal de quem se regozija com o empate Benfica-Arouca, leva-me a concluir que “A mau falar, boa resposta dar”, acrescido de “Quem muito fala, pouco acerta” e como nada está decidido, remato proclamando: “Bom é saber calar até ser tempo de falar”.
terça-feira, 1 de abril de 2025
Rua de Santo André em Estremoz vai ter cara lavada
Estremoz, 1 de Abril de 2025
Foi tornado público que o Município de Estremoz deliberou
recentemente regularizar a intransitável calçada da Rua de Santo André, bem
como combater o estacionamento selvagem ali patente.
Trata-se de um gesto de elevada compreensão pelas
dificuldades sentidas pelo trânsito pedonal naquela artéria citadina.
Trata-se igualmente de um gesto magnânimo relativamente aos
peões que por ali se vêem forçados a transitar, não só moradores como também clientes
dos estabelecimentos comerciais instalados naquela via urbana.
Pessoalmente, congratulo-me com o alcance social das providências
tomadas pelo Município.
Bem hajam!
sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025
O reencontro de dois caminhantes
É sabido que não há caminho,
como nos ensina o poeta sevilhano António Machado: “Caminhante, são teus
rastos / o caminho, e nada mais; /caminhante, não há caminho, / faz-se caminho
ao andar.” (…).
Cada um de nós segue o seu
próprio caminho, o que não impede que alguns caminhos se cruzem. Foi assim que
o meu caminho e o de Mestre Xico Tarefa se cruzaram em 1980 no Terreiro do Paço
Ducal de Vila Viçosa. Tal ocorreu no decurso do I Encontro de Olaria Regional
do Alto Alentejo, que ali teve lugar entre 4 e 15 de Junho desse ano.
Andámos ambos por ali e
integrávamos a Comissão Organizadora do Encontro. Eu em representação da Casa
da Cultura de Estremoz e ele em representação do Centro Cultural Popular Bento
de Jesus Caraça. As nossas preocupações de então centravam-se na necessidade de
salvaguarda da matriz identitária das olarias de cada Centro Oleiro do Alto
Alentejo e na tomada de medidas que impedissem a descontinuidade de produção
das olarias.
O Mestre Xico Tarefa era um
operacional no terreno, que não parava quieto, andava sempre para aqui e para
ali, a tratar de uma coisa ou outra. Entre as múltiplas tarefas de que foi
encarregue esteve a produção de um prato comemorativo do Encontro, a ser
oferecido aos participantes. Daí eu estar na posse de um exemplar que tive a
honra de receber na época, o qual está na génese da minha condição de
coleccionador de louça de barro vidrado de Redondo. O trabalho de roda é de
Mestre Xico Tarefa e a pintura e o esgrafitado são da autoria de Mestre Álvaro
Chalana (1916-1983).
Ao receber de bom grado o
prato comemorativo do Encontro, herdei uma pesada responsabilidade e brotou em
mim o fascínio pela cerâmica redondense, que nunca mais parou e cuja chama se
mantem bem viva. Aquele prato tem para mim especial significado. Foi o primeiro
exemplar da minha colecção de cerâmica redondense. Por mais raro e mais valioso
que seja outro espécime adquirido ou que venha a adquirir, aquele ocupará
sempre um lugar muito privilegiado no meu coração. É que foi o primeiro da
minha colecção, saído das mãos de Mestre Xico Tarefa e de Mestre Álvaro Chalana
e que ficou a selar o cruzamento do meu caminho com o primeiro destes mestres.
Decorridos
45 anos sobre o primeiro cruzamento dos nossos caminhos, voltámos a cruzar-nos.
Desta feita, o terreiro é outro. Trata-se da ADOE - Associação Dinamizadora da
Olaria de Estremoz. Ele como formador, na qualidade de Mestre Oleiro. Eu, como
consultor had hoc, na qualidade de coleccionador e investigador da
barrística popular de Estremoz.
De então
para cá, o Mestre Xico Tarefa tem desenvolvido uma carreira notável como Mestre
Oleiro e como formador das novas gerações, o que muito me regozija e enche de
orgulho como seu amigo e admirador em que entretanto me tornei.
A sua
obra fala por si e é um exemplo paradigmático para os mais novos. Encerra em si
própria, o respeito pela ancestralidade da olaria popular alentejana, temperado
pela criatividade inovadora que lhe brota da alma e que com fidelidade se
transmite às mãos mágicas que são as suas.
Obrigado
Mestre pela beleza criada para usufruto e deleite de espírito de todos aqueles
que apreciam o seu trabalho.
Bem-haja,
Mestre Xico!
























