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sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

O guardador de memórias e o Mercado das Velharias em Estremoz

 

Caixa em madeira. Joaquim Carriço Rolo.


A identidade cultural alentejana
Participei em 1998 na batalha pela regionalização, apresentando publicamente uma comunicação [i], no fim da qual concluí:
“Julgo ter ficado sobejamente demonstrado que pela sua paisagem própria, pelo carácter do povo alentejano, pelo trajo popular, pela gastronomia, pela arte popular, pelo cancioneiro popular, pelo cante, pela casa tradicional, o Alentejo é uma região com uma identidade cultural própria.
Como diria o poeta, é preciso, é imperioso, é urgente, que cada um de nós tenha consciência dessa identidade cultural e lute pela sua preservação, valorização e aprofundamento.”

Guardador de memórias
A batalha pela regionalização foi perdida, mas tal desfecho não fez esmorecer em mim o que me motivara a intervir naquele Encontro - a minha actividade de guardador de memórias, epíteto que me viria a ser atribuído pelo António Júlio Rebelo [ii]:
“Hernâni Matos é um guardador de memórias.
Quem guarda memórias não vive no passado, faz do passado um tempo presente e futuro. Olhar para as raízes do tempo é compreender melhor o que está e o que virá, com sabedoria, com afectividade, e nunca o seu contrário.
Quem guarda memórias olha para os acontecimentos e vê neles um fio estendido, que vem de tão longe e pode projectar-se para tão longe.
Quem guarda memórias habita o mundo com um saber feito dos outros, da terra funda, da comunidade, e tudo isso passa para nós, é-nos proporcionado, dando-nos com dedicação esse mundo imenso feito de vida”.
Sou assumidamente um guardador de memórias. Memórias de camponeses, de ganhões, de pastores, de ceifeiros, de varejadores e de mulheres da azeitona. Memórias de artesãos e de poetas populares. Memórias de outras vidas, de outros saberes, de outros anseios, de outros modos de ver o mundo e a vida.
Como guardador de memórias, assumo-me como fiel guardião da nossa ancestral matriz identitária, incumbido duma nobre missão: a de transmitir às novas gerações a importância e a riqueza da pluralidade do passado e das tradições do nosso povo, para que elas tenham consciência de que urge resistir a uma globalização castrante que assimptoticamente procurará reduzir à chapa zero, as nossas identidades culturais, a nível local, regional e nacional.

O Mercado das Velharias em Estremoz
Em texto auto-biográfico datado de 2012[iii], escrevi:
“Desde os longínquos tempos do bibe e do pião que é recolector de objectos materiais que fazem vibrar as tensas cordas de violino da sua alma. Nessa conjuntura se tornou filatelista, cartofilista, bibliófilo, ex-librista e seareiro nos terrenos da arte popular, muito em especial a arte pastoril e a barrística popular de Estremoz.
Respigador nato, cão pisteiro, farejador de coisas velhas, o seu olhar cirúrgico procede sistemática e metodicamente ao varrimento de scanner no mercado das velharias em Estremoz, no qual é presença habitual e onde recolecta objectos que duma forma virtual, pré-existiam no seu pensamento.
O fascínio da ruralidade e o culto da tradição oral, levam-no a procurar o convívio de camponeses, artesãos e poetas populares, com os quais procura aprender e partilhar saberes.
A arte pastoril, um dos traços mais marcantes da identidade cultural alentejana, integra as suas memórias materiais de recolector. Para além do acto da colheita e mais que o fascínio da posse, importa-lhe a possibilidade de dissecação de cada peça recolhida e a cumplicidade com o autor no próprio acto de criação, constituindo um registo para memória futura e uma afirmação vigorosa da identidade cultural transtagana.”
O Mercado das Velharias em Estremoz é um os palcos da minha acção. Na antecâmera do novo ano que aí vem, dou-vos conta das mais recentes memórias no domínio da arte pastoril, que ali foram recolhidas por mim.
Termino, desejando-vos a todos um BOM ANO DE 2024.


[i] MATOS, Hernâni. A necessidade da criação da Região Administrativa do Alentejo in Encontro promovido pelo Movimento “Alentejo – Sim à Regionalização por Portugal”. Estremoz, Junta de Freguesia de Santa Maria, 24 de Outubro de 1998.
[ii] REBELO, António Júlio. Guardador de memórias. [Em linha]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2021/02/guardador-de-memorias.html [Consultado em 29 de Dezembro de 2023].
[iii] MATOS, Hernâni. Acerca de mim in catálogo da Exposição ARTE PASTORIL - MEMÓRIAS DE UM COLECCIONADOR. Museu Municipal de Estremoz. Estremoz, 6 de Maio de 2012. [Em linha]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/p/acercva-de-mim.html [Consultado em 29 de Dezembro de 2023].

Caixa em madeira. Joaquim Carriço Rolo.

Tarreta em cortiça. Autor desconhecido.

Tabaqueira em chifre e madeira. Joaquim Carriço Rolo.

Colher e garfo em madeira. Autor desconhecido.

Chavão ou pintadeira em madeira. Autor desconhecido.

Cágueda em madeira com decoração apotropaica. Autor desconhecido.

Castanholas em madeira. Joaquim Carriço Rolo.

Nossa Senhora do Rosário. escultura em madeira. Joaquim Carriço Rolo (?).


Rosário em madeira e arame. Joaquim Carriço Rolo.

sábado, 19 de agosto de 2023

E vão 77. Hoje é dia de capicua

 

Hernâni Matos (1946 -  ). Desenho a carvão de Filipa da Silveira.

Setenta e sete é a partir de agora, o resultado da leitura do mais recente cardinal quantificador da minha idade.

A contagem decrescente
O aniversariante conhece o tempo de vida, mas desconhece completamente o tempo que lhe resta de vida. A morte é o resultado do aumento irreversível da entropia do corpo humano e o tempo de vida vai-se esgotando com a idade. Todavia é uma perda que não decorre a um ritmo uniforme, já que depende da falência de milhões de sistemas frágeis que ligados entre si constituem o corpo humano.
A minha contagem decrescente de tempo de vida sofreu recentemente uma imprevisível aceleração, fruto do aumento imprevisto da entropia corporal. Aparentemente parece estar tudo controlado. Todavia, certezas ninguém as tem.

As marcas
Foi há setenta e sete anos que rasguei o ventre a minha mãe e desde então iniciei a minha própria caminhada. Esta tem deixado marcas indeléveis, sobretudo na comunidade onde me insiro, Estremoz, mas que a transcendem.
Umas são marcas materiais e delas ressaltam os objectos etnográficos que me fascinaram como guardador de memórias. São, sobretudo, os Bonecos e a louça de barro vermelho de Estremoz, mas também os artefactos de arte pastoril e a louça de barro vidrado de Redondo. Mas são igualmente os meus escritos, palestras e exposições organizadas.
Outras marcas são de natureza imaterial e resultam da minha postura e intervenção na sociedade, onde sempre procurei agir por imperativo de consciência cívica e com espírito de missão laica, em defesa de valores universais, democráticos e plurais.
Todas as marcas no seu conjunto constituem um legado que creio possa permanecer perene após o meu passamento. O futuro o confirmará ou não.

quinta-feira, 20 de abril de 2023

A incomensurável beleza e diversidade da geometria natural

 

A Natureza na sua gigante insignificância. Fotografia de Manuela Mendes.


A NATUREZA NA SUA GIGANTE INSIGNIFICÂNCIA, foi a legenda associada por Manuela Mendes, à magnífica fotografia que publicou no seu Facebook, a qual aqui reproduzo.
A imagem, de uma beleza extraordinária, revela a coabitação num tronco de eucalipto, de dois frutos (cápsulas) deiscentes, que se abrem, um por 4 e outro por 5 válvulas apicais, por onde podem sair muitas sementes.
Sem rejeitar aquela legenda, alvitrei, todavia, como legenda alternativa a seguinte: A INCOMENSURÁVEL BELEZA E DIVERSIDADE DA GEOMETRIA NATURAL.
Repare-se que as válvulas num caso assumem a forma de uma cruz, simbolicamente associada a Jesus, encarado como condutor de multidões e salvador do mundo.
No outro caso, as válvulas assumem a forma de uma estrela de 5 pontas, curiosamente o símbolo do internacionalismo proletário, dos trabalhadores que lutam pela emancipação social.
A natureza parece oferecer dois caminhos distintos, que provavelmente sob um ponto de vista epistemológico não serão opostos, já que cada um à sua maneira, aposta na valorização humana.

 Hernâni Matos 

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Um benfiquista através do seu cabelo

 

Espelho de bolso, com ilustração alegórica ao Sport Lisboa e Benfica.
Cortesia de PATINE ESTREMOZ 

No princípio da minha juventude, aí pelos anos 60 do século passado, o rock an roll andava no ar e eu usava brilhantina ou brylcreem para modelar o cabelo à Elvis. Nas calças, dentro da carteira, trazia sempre um pentinho e um espelho, para poder compor o cabelo, para o que desse e viesse. O espelho era do Benfica. Pois claro!
Aí pelo Maio de 68, com 20 anos feitos, eu sonhava com as barricadas de Paris e punha-me ao lado de tudo aquilo que elas representavam. O cabelo dava-me então pelos ombros. Não havia pente que entrasse com ele. Passei a usar escova em casa. O pentinho e o espelho passaram à reforma, mas não a alma que continuou a ser benfiquista.
Já depois do 25 de Abril, passei a usar o cabelo mais curto, estilo senhor todo direitinho com os impostos e confissões em dia. É que não quis ser confundido com rapaziada que andava metida nos químicos para fugir ao real e usava o cabelo à Amália Rodrigues. Vermelho por dentro e por fora, continuei a ter o Benfica no coração.
Chegado à terceira idade, menos direitinho que dantes, mas com os impostos em dia e as confissões atrasadas, sou considerado um kota pela rapaziada de agora. A crina branca, sem fartura e a vastidão de outrora, só quer a escova e mais nada. Quanto ao resto: BENFICA, ATÉ DEBAIXO DE ÁGUA!

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Estremoz e o 5 de Outubro

 

Proclamação da República Portuguesa. Litografia de autor desconhecido. 1910.

 

A  proclamação da República em Lisboa
O derrube da Monarquia a 5 de Outubro de 1910 foi fruto da acção doutrinária e política do Partido Republicano Português, criado em 1876 e cujo objectivo essencial foi desde o princípio, a substituição do regime.
Com a queda da Monarquia a 5 de Outubro de 1910, há uma mudança de paradigma. Uma Monarquia com oito séculos é substituída por uma República que tomou o poder nas ruas de Lisboa e depois de o proclamar às varandas da Câmara Municipal, o transmitiu para a província à velocidade do telégrafo.
As instituições e símbolos monárquicos (Rei, Cortes, Bandeira Monárquica e Hino da Carta) são proscritos e substituídos pelas instituições e símbolos republicanos (Presidente da República, Congresso da República, Bandeira Republicana e A Portuguesa), o mesmo se passando com a moeda e as fórmulas de franquia postais.

A proclamação da República em Estremoz
Desde 1891-92, que existia o Centro Republicano de Estremoz, fundado por Júlio Augusto Martins (1866-1936) no 1º andar do edifício da antiga Misericórdia, situado no chamado Largo da Porta Nova. No rés-do chão funcionava a Sociedade Recreativa Popular Estremocense (Porta Nova), também fundada nessa época. A semelhança dos congéneres espalhados pelo país, o Centro Republicano de Estremoz desenvolvia actividades que incluíam não só a militância política e a formação ideológica, mas também a acção cultural e pedagógica.
Em Estremoz quem recebeu o telegrama do Ministro do Interior António José de Almeida anunciando a proclamação da República em Lisboa, foi o empresário João Francisco Carreço Simões (1893-1954) seu amigo pessoal e igualmente membro do Partido Republicano. Seria ele a proclamar a República no dia 6 de Outubro de uma sacada da Câmara Municipal de Estremoz, da qual viria a ser Vice-Presidente, durante a presidência de Júlio António Martins (1910-1911). Após a proclamação decorreu um cortejo pelas ruas da cidade, no decurso do qual foi entoada “A Portuguesa” e gritados “Viva a República!”

Antes do 25 de Abril
“Antes do 25 de Abril, comemorava-se o 5 de Outubro com uma romagem ao cemitério de Estremoz, que reunia velhos republicanos como o Cândido ferrador, o Saturnino Martins, o Abílio Maleitas e o Francisco Joaquim Baptista, mais conhecido por Chico das Metralhadoras. Iam com uma bandeira nacional à frente, já que não podiam levar outra e a bandeira nacional era e é, a bandeira da República. Nesse dia, o Chico das Metralhadoras tinha a bandeira da República hasteada numa janela da sua casa, sita na rua das freiras. Era a sua maneira de ilustrar a “Trova do vento que passa” de Manuel Alegre:

“Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.”

Houve muitos homens que contribuíram para a formação da minha personalidade e para além do meu pai, um dos mais importantes foi, sem dúvida, o Chico das Metralhadoras, permanentemente envolvido em angariação de fundos para a rotativa do jornal República e para os bombeiros locais e que, por mesquinhez de alguns e por memória curta de outros, foi injustamente esquecido.
No 5 de Outubro íamos almoçar uma bacalhauzada à do Xico das Metralhadoras. Eu, o meu pai e outros amigos para ali convidados: O Pelágio do notariado, o Francisco Ramos do Mendes Meira e Niza, o Fernando Gomes mecânico, o Vicente Rosado da Sagres, o Sargento Luís do Tabaquinho e Gonçalves e o Zé Luna da Câmara e do Estremoz.” (1)

O Centenário da República
Em 5 de Outubro de 2010, a Câmara Municipal de Estremoz, em parceria com entidades militares e civis, assinalou o Centenário da República, visando comemorar o evento e recuperar a memória e homenagear aqueles que de entre nós, participaram na sua Proclamação.
As comemorações tiveram início de manhã, com lançamento de foguetes, a que se seguiu o desfile das bandas filarmónicas do concelho. Seguidamente, teve lugar a Cerimónia Oficial em frente aos Paços do Concelho. Esta iniciou-se com o içar da Bandeira Nacional, seguindo-se a execução sucessiva dos Hino Nacional, da Cidade de Estremoz e Maria da Fonte pelas bandas filarmónicas do concelho. Terminada esta, tiveram lugar intervenções do Vice-Presidente da Câmara e do Presidente da Assembleia Municipal.
Seguiu-se o descerramento de uma placa na parede do edifício dos Paços do Concelho, em homenagem a João Francisco Carreço Simões, que ali proclamou a República em 6 de Outubro de 1910. As comemorações terminaram na parte da manhã com a inauguração sucessiva de duas exposições: "República - Letras e Cores, Ideias e Autores" no claustro do edifício dos Paços do Concelho e "A República para além de Lisboa 1908-1912" no antigo Centro Republicano. Da parte da tarde, teve lugar uma romagem ao cemitério de Estremoz, visando homenagear João Francisco Carreço Simões, cuja figura foi exaltada através da intervenção de um familiar.

5 de Outubro de 2022
“Vamos limpar as muralhas da zona histórica!” – Assim se designa a acção a promover no próximo dia 5 de Outubro pela União de Freguesias de Estremoz – Santa Maria e Santo André, com o apoio da Câmara Municipal de Estremoz. De acordo com a Junta de Freguesia, a iniciativa tem um duplo objectivo: sensibilizar para as questões ambientais e contribuir para a limpeza do terreno junto às muralhas. De acordo com a entidade organizadora trata-se de uma oportunidade única para mudar comportamentos de cidadãos, que dispondo de contentores em número suficiente no local, deliberadamente despejam lixos doméstico naquela zona, o que dá uma má imagem da cidade.
Não é a primeira vez que uma actividade deste tipo é promovida no local, saldando-se por uma reincidência de incivilidade comportamental dos moradores da zona. Daí que não seja de admirar a existência de algumas atitudes de pessimismo face à eficácia da acção a promover pela Junta. Por outras palavras, há quem pense que a zona vai ficar limpa, mas depois vai voltar tudo ao mesmo. Há ainda quem teça outros comentários, que pelo seu teor e índole discriminatória, me recuso a veicular aqui.
Pela minha parte, aplaudo a iniciativa da Junta e faço votos para que seja bem-sucedida, o que não é um dado adquirido e que só o futuro confirmará. Além disso, permito-me produzir uma reflexão sobre o assunto.

Educar é preciso!
A zona onde a Junta de Freguesia vai desenvolver a iniciativa a que se propôs, corresponde ao Bairro de Santiago, o qual é desde sempre a zona mais pobre, desfavorecida e degradada da cidade, eufemisticamente conhecida por “ilha brava” nos anos 60 do séc. XX. A condição social do Bairro reflectiu-se sempre numa baixa escolaridade que o tornou parcialmente impermeável a conceitos de cidadania transmitidos através da instrução e educação escolar. É uma situação que ainda perdura e que urge ultrapassar, usando mediadores sociais que sejam aceites pela comunidade e que lhes façam sentir como eles são importantes na resolução de um problema que acaba por os afectar a eles próprios.
Sobre o descarte de lixos torna-se necessário fazer compreender que ele deve ser feito nos contentores ou ilhas ecológicas, para permitir a respectiva gestão através da reciclagem, compostagem, aterro sanitário ou incineração. É preciso também fazer compreender que o descarte inadequado dos lixos fora dos contentores ou ilhas ecológicas, tem impactos ambientais que se traduzem na contaminação do solo, da água e do ar, que podem estar na origem de doenças diversas e conduzir à degradação ambiental e ter reflexos no turismo, o que se traduz em custos sociais e económicos.
Seguidamente é preciso fazer compreender que na compra de artigos de consumo, se não pudermos comprar certos produtos a granel, há que optar por embalagens recicláveis, visando diminuir o consumo de recursos não renováveis, como petróleo e minerais, bem como o consumo de energia que a maioria das vezes não provém de energias renováveis.
Creio que tudo isto é necessário, porque a educação e a cultura são vectores de transformação da mente humana, que tornam as pessoas mais livres de preconceitos e condicionantes, tornando-as mais responsáveis e sociáveis.

(1) - MATOS, Hernâni. FRANCO-ATIRADOR, TEXTOS DE CIDADANIA DE UM ALENTEJANO DE ESTREMOZ. Edições Colibri. Lisboa, 2017.

Publicado no jornal E nº 296 de 29 de Setembro de 2022 

Romagem de republicanos ao cemitério de Estremoz no dia 5 de Outubro de 1962.
aqui estão parados na Avenida de Santo António. Presentes entre outros, António
Vão (estafeta), Xarepe (Máquinas Oliva), Saturnino Martins (Casa Verde), António
Parelho (Brados do Alentejo), António Cândido (ferrador), Furtado da Loja, Francisco
Gonçalves (Farmácia Godinho), Artur Assunção (Farmácia Costa), Abel Violante
Augusto (moldurador) com a bandeira, Francisco Baptista (ferroviário), Machadinho
(enfermeiro),  Eduardo Movilha (carpinteiro) e Carmem Movilha (neta) – Cortesia de
Carmem Movilha.

Placa descerrada em 5 de Outubro de 2010 na parede do edifício dos
Paços do Concelho de Estremoz.

Cartaz anunciador da iniciativa da União das Freguesias de Estremoz
no dia 5 de Outubro de 2022.

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Esta é a estória de ser coleccionador



Ando sempre à "coca" de coisas que povoam o meu imaginário. Nessas andanças descubro também, coisas que nunca me passou pela cabeça que pudessem existir e outras que jamais pensei que pudessem vir até mim. Sim, porque por vezes, as coisas vêm até mim, sem as procurar. É como se eu as atraísse e há coisas a que de modo algum consigo resistir..
Tenho o coleccionismo na massa do sangue. Sou geneticamente um coleccionador e cumulativamente um contador de estórias, não só de estórias reais, mas também das estórias que as coisas me contam sobre os segredos que a sua existência encerra. Bom e há ainda também as estórias que eu invento, que me nascem, florescem e frutificam na cabeça. São estórias e mais estórias...

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

O princípio da eternidade


 
LER AINDA:

O usufruto do direito à vida, há muito que me levou a declarar guerra à morte. Tem sido um combate sem quartel, feito de muitas batalhas das quais tenho saído sempre vencedor. Consciente de que o envelhecimento conduz à morte, na passagem do meu 75º aniversário fui levado a proclamar:
Apesar da minha firme determinação, o Facebook ignorou a minha vontade e anunciou o dia de hoje como data do meu aniversário, o que corresponderia a eu fazer hoje 76 anos, número composto dos algarismos 7 e 6, que somados dão 13, considerado número do azar. Todavia eu não acredito em maus agouros, pelo que prefiro reflectir sobre o significado dos algarismos associados à minha suposta idade.
O número 7 representa a totalidade do Universo em expansão, uma vez que resulta da associação do 4 (que simboliza a Terra com os seus quatro pontos cardeais) com o 3 (que simboliza o Céu). Quanto ao número 6 representa a perfeição (expressa graficamente por um triângulo equilátero inscrito num círculo de lado igual ao raio do hexágono).
Como ínfima parte do macrocosmos, enquanto todo organizado e harmónico, a etiquetagem com o número 76 assegura-me o princípio da eternidade, encarada como “posse simultânea e perfeita de uma existência sem fim”. [ Boécio (480-524) . De consolatione philosophiae].

BIBLIOGRAFIA
CHEVALIER; Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. 6ª ed. José Olímpio. Rio de Janeiro, 1992

quinta-feira, 7 de julho de 2022

Município e ambiente - Uma no cravo, outra na ferradura

 

Pintura do projecto “O mar começa aqui” do Jardim de Infância de Santa Maria,
concretizado num sumidouro, junto à Praça de Táxis na Praça Luís de Camões,
em Estremoz. A memória descritiva do projecto, pode ser lida aqui .

Fotografias reproduzidas
com a devida vénia
do sítio do projecto

Sob o lema “Salvar os oceanos, proteger o futuro”, decorreu entre 27 de Junho e 1 de Julho passado, em Lisboa, a Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, co-organizada pelos governos de Portugal e do Quénia.
Entre muitas outras conclusões, o documento final da Conferência dos Oceanos reconhece a importância da contribuição das crianças e jovens no sentido do avanço de uma economia sustentável baseada nos oceanos, o que pressupõe uma educação de qualidade e da literacia dos oceanos. Vejamos o que já foi feito nesse sentido em Estremoz.

Projecto "O mar começa aqui"
No início do mês de Junho foram pintadas pelo Agrupamento de Escolas de Estremoz, sarjetas e sumidouros na cidade. A iniciativa integrou-se no projecto Eco-Escolas “O mar começa aqui”, o qual contou com a participação de: Escola da Mata, Escola do Caldeiro, Jardim de Infância de Santa Maria e Escola Básica Sebastião da Gama. Estas aceitaram o desafio nacional lançado pela Associação Bandeira Azul da Europa – ABAE. A acção visava alertar toda a gente para o facto de que tudo o que entra naqueles escoadouros, através dos cursos naturais de água, flui em direcção ao mar.
De salientar que os objectivos globais do referido projecto, incluem: - Compreender a necessidade de preservação dos ecossistemas e da biodiversidade em geral e da qualidade da água doce e salgada em particular; - Educar para uma cidadania activa incitando os jovens a passar a mensagem de que “Tudo o que cai no chão, vai parar ao mar” a toda a comunidade educativa, - Estimular a criatividade dos alunos, através do desenvolvimento de competências em áreas como a expressão plástica; - Implementar estratégias de cooperação escolas-autarquias para a promoção da sustentabilidade. Esta pode ser definida como a capacidade de o ser humano interagir com o mundo, preservando o meio ambiente para não comprometer os recursos naturais das gerações futuras.

Estremoz Fun Running 2022
Integrada na Feira Internacional de Desporto de Estremoz - FIDMOZ, decorreu no passado dia 12 de Junho, a “Estremoz Fun Running”, iniciativa que visava conjugar a actividade física com diversão. A partida teve lugar pelas 17 horas, no Parque de Feiras e Exposições de Estremoz, percorreu diversas ruas da cidade e terminou no local onde começara.
Ao longo do percurso existiam estações de cor (verde, azul, vermelho, amarelo), de passagem obrigatória, onde os participantes foram pulverizados com pó colorido, constituído por amido de milho e corante alimentar, inócuo, biodegradável e lavável. Para que o pó aderisse melhor à roupa, em certos pontos do percurso existiam nebulizadores de água.
Assisti à “Corrida Alegre de Estremoz” na Praça Luís de Camões e vi os participantes atravessarem a estação de cor situada no Pelourinho, local onde foram pulverizados e nebulizados. No final, a presença de um autotanque dos Bombeiros Voluntários de Estremoz, permitiu que o piso fosse lavado á mangueirada, escorrendo a água colorida para dois sumidouros estrategicamente posicionados frente ao Pelourinho.

Sustentabilidade
Tanto o projecto "O mar começa aqui" como o evento “Corrida Alegre de Estremoz” contaram com o inestimável apoio do Município de Estremoz, para isso vocacionado, já que o primeiro é do âmbito educativo e o segundo dos domínios desportivo e lúdico.
Trata-se de eventos que não dispondo de públicos alvo inteiramente disjuntos, têm, todavia, alcances distintos. O projecto “O mar começa aqui” tem enorme alcance pedagógico. Como bem ensina o velho rifonário português, “É de pequenino que se torce o pepino”. Daí que o projecto procure educar as crianças para uma cidadania activa que induza na comunidade educativa, uma mudança de comportamentos que privilegiem a sustentabilidade.

E os miúdos?
Não sei se miúdos envolvidos no projecto "O mar começa aqui”, assistiram ou não à lavagem das estações de cor, uma vez terminada a "Corrida Alegre de Estremoz”. Em caso afirmativo, não sei também se alguns deles ficaram ou não confusos, ao ver água colorida escorrer para os sumidouros ou sargetas. Não sei também se terão ou não questionado o(a)s professor(a)s sobre aquilo que viram. Não sei também se o(a)s professor(a)s tiveram ou não dificuldade em fazê-los compreender que aquilo que estava a entrar nos sumidouros ou sargetas, não era prejudicial, porque não era contaminante. Admito que, dado o seu empenhamento pedagógico, o tenham conseguido fazer. Todavia, suponho que terá sido mais difícil explicar às crianças o desperdício de água usada, numa altura de seca que irá afectar a actividade agrícola nos próximos meses.
Quem sabe se o(a)s professor(a)s, aproveitando o ocorrido, não terão aproveitado para explicar o significado dos provérbios “Uma no cravo, outra na ferradura” e "Bem prega Frei Tomás, olha para o que ele diz, não olhes para o que ele faz."

Pós-escrito
“A minha Pátria é a Língua Portuguesa´´. Assim o proclamou Bernardo Soares (Fernando Pessoa) no “Livro do Desassossego”, afirmação que se tornou numa divisa seguida por figuras altaneiras da Cultura Portuguesa, como Manuel Alegre, Agustina Bessa Luís, Sophia de Mello Breyner Andresen e Vasco da Graça Moura, para só citar alguns.
Constitucionalmente, assiste-me o direito de me insurgir contra o abastardamento da língua portuguesa, seja qual for a sua origem. No caso presente, a utilização do anglicismo “Fun Running” é absolutamente desnecessária e estúpida, já que o conceito que lhe está subjacente é perfeitamente traduzível através da bem portuguesa designação “Corrida Alegre”.
Tal como Jesus expulsou os vendilhões do Templo, é imperioso expurgar a língua portuguesa de locuções anglicistas ou outras, estranhas à nossa matriz identitária. Quem não o fizer, está a apunhalar a Língua Portuguesa, pelo que terá de assumir as suas responsabilidades.

Hernâni Matos
Publicado no jornal E n.º 293, de 7 de Julho de 2022

SEQUÊNCIA DE IMAGENS RELATIVAS ÀS DIFERENTES FASES DE EXECUÇÃO DO PROJECTO "O MAR COMEÇA AQUI" PELO JARDIM DE INFÂNCIA DE SANTA MARIA



 



quarta-feira, 11 de maio de 2022

Fiape 2022 - Fénix renascida das cinzas



Memórias do passado
Assisti em 1983 ao nascimento da I Feira de Arte Popular e Artesanato do Concelho de Estremoz, bem como ao nascimento da Feira da Agricultura, assim como à fusão de ambas naquilo que se viria a designar por FIAPE e que a dada altura se passou a localizar onde actualmente decorre. No presente ano de 2022, após a interrupção de 2 anos pandémicos, teve lugar a 34.ª edição da FIAPE, o que me levou a retroceder no tempo e a reflectir no que aconteceu de há 39 anos a esta parte. Começarei pela Arte Popular e pelo Artesanato. Falarei depois dos restantes componentes da Feira.

Uma viagem ao passado do Artesanato
A nível local e de 1983 para cá, muitos artesãos do concelho deixaram de estar entre nós. Lembro-me de alguns: - BARRISTAS: Sabina da Conceição, Liberdade da Conceição, Maria Luísa da Conceição, José Moreira, António Lino de Sousa, Quirina Marmelo, Aclénia Pereira, Isabel Carona, Arlindo Ginga, Mário Lagartinho; - OLARIA: A Olaria Alfacinha encerrou definitivamente a sua actividade em 1995. A Olaria Regional de Mário Lagartinho deixou de existir com a morte deste, em 2016; - ARTESÃOS DA MADEIRA, DO CHIFRE E DA CORTIÇA: António Joaquim Amaral, Jacinto Lagarto Oliveira, Joaquim Manuel Velhinho, José Carrilho (Troncho), José Francisco Chagas, Manuel do Carmo Casaca, Roberto Carreiras, Teresa Serol Gomes; – ARTE CONVENTUAL: Guilhermina Maldonado; - PAPEL RECORTADO: Joana e Joaquina Simões; PINTURA SOBRE VIDRO: Natália Alves; TRAPOLOGIA: Adelaide Gomes. A nível local houve ainda quem tivesse cessado a sua actividade, devido ao avanço da idade (Joaquim Carriço (Rolo)) , bem como outros que reconverteram a sua actividade (Miguel Gomes).
De 1983 para cá, que o Município de Estremoz procurou a participação de outras regiões do país, não só para dar conta do que aí se faz em termos de artesanato, como para preencher as lacunas deixadas por artesãos locais que, entretanto, faleceram. Durante estes anos todos, nem sempre o Município tratou da melhor maneira os artesãos que nos visitavam, dos quais muitos deixaram de o fazer, por falta de incentivos locais, acrescidos por vezes, de baixo volume de vendas. Para “aguentar o barco”, o Município foi aceitando participações de índole diversa, algumas de artesanato ou suposto artesanato doutras nacionalidades e outras muito dificilmente enquadráveis naquilo que se convencionou designar por artesanato urbano. Com tudo isto, a Feira de Artesanato perdeu qualidade e a FIAPE desprestigiou-se.

E o resto?
O resto foi indo pouco mais ou menos, mais para menos que para mais, mas lá se foi aguentando.

Os sonhos
"Eu tenho um sonho" (“I have a dream”) confessou o pastor norte americano Martin Luther King, ao defender em 1963, a coexistência pacífica entre negros e brancos. À semelhança do que se passou com aquele líder do Movimento Americano pelos Direitos Civis, também eu tive há muito um sonho. O de que um dia seria possível reverter o caminho para o aniquilamento previsível da Feira de Artesanato. Para isso e a meu ver, bastaria que houvesse vontade política para o fazer, o que exigia a existência de um Executivo Municipal com ganas, estratégia, capacidade e meios para o fazer. Ora isso aconteceu com o actual Executivo Municipal, o qual transporta na lapela, o lema: “VIVE – Viver, Investir, Visitar Estremoz”. Também ele ousou sonhar com determinação de vencer e venceu, uma vez “… / Que o sonho comanda a vida / E que sempre que o homem sonha / O mundo pula e avança… ”, como proclama o poema “Pedra Filosofal” de António Gedeão, imortalizado pela voz e pela guitarra inconfundíveis de Manuel Freire.

Sonhos que se tornam realidade
A Feira de Artesanato retomou este ano a sua primitiva dignidade, facto a que não são estranhas as condições concedidas pelo Município aos artesãos visitantes e à maior participação de barristas de Estremoz.
Por ouro lado, no pavilhão B, destacava-se a presença do stand do Município dedicado às artes do barro. Aí era dada ênfase à vitória da candidatura dos Bonecos de Estremoz a Património Cultural Imaterial da Humanidade, que muito honrou o Município e dignificou e valorizou o trabalho dos barristas.
No mesmo local, era igualmente divulgada a realização dum Curso de Olaria, orientado por Xico Tarefa, Mestre Oleiro de Redondo, com um estrito respeito pela tipologia, morfologia e tipos de decoração característicos das peças oláricas de Estremoz. Trata-se de um primeiro, mas importante passo do Município no sentido de recuperar a olaria de Estremoz, considerada extinta com a morte de Mestre Mário Lagartinho em 2016.

A FIAPE 2022 no seu todo
A FIAPE deste ano apresentou um atractivo especial que consistiu em as entradas serem livres, só se pagando as entradas nos concertos, o que fomentou o fluxo de visitantes. A Feira conheceu um novo e mais interessante traçado, expandindo-se em área. A componente agro-pecuária da Feira revelou-se forte como nunca, não só em termos de concursos de gado como exposição-venda de maquinaria agrícola. Houve excelentes representações institucionais e de actividades económicas, assim como de restaurantes e tasquinhas. Ao longo dos 5 dias de Feira, houve animação musical no recinto e espectáculos diversificados e de qualidade, no palco de espectáculos, no palco da Feira e no palco do pavilhão B.
A meu ver. a FIAPE 2022 foi uma aposta ganha pelo Município. Com ela ocorreu uma mudança de paradigma. Para além de ser revertida a regressão que vinha grassando, a Feira viu-se catapultada a um patamar situado num nível mais elevado, que aqui apraz registar. Tudo leva a crer que a Feira venha ainda a crescer, reforçando a sua qualidade e importância, de modo a posicionar-se como uma das maiores do país entre as congéneres. MÃOS À OBRA, JÁ!

Publicado no jornal E n.º 289, de 12 de Maio de 2022

terça-feira, 3 de maio de 2022

Seis esculturas em alto-relevo

 

Fig. 1 - Ceifeira. Irmãs Flores. (1957 -  , 1958 -  ).

Em Junho de 2021 debrucei-me sobre o tema das esculturas em alto-relevo, uma tipologia menos vulgar da barrística de Estremoz. Para tal, ilustrei o meu texto com as imagens de três dessas esculturas, duas das quais da autoria das Irmãs Flores (Fig. 1 e Fig. 2) e a outra da autoria de José Moreira (Fig. 3). Consegui, entretanto, adquirir estas esculturas, as quais passaram a integrar a minha colecção.
Na mesma altura, levantei um desafio aos barristas: “Porquê não retomar a produção deste tipo de figuras?”
Até ao momento, houve três barristas que corresponderam ao meu desafio: Luísa Batalha (Fig. 4), Vera Magalhães (Fig. 5) e Jorge Carrapiço (Fig. 6), cujos trabalhos oportunamente divulguei e passaram desde então a integrar a minha colecção.
É um desafio que continua em aberto, pelo que creio que a minha singular colecção de esculturas em alto-relevo, possa vir ainda a aumentar a sua amplitude.

BIBLIOGRAFIA
MATOS, Hernâni. Esculturas em alto-relevo. [Em linha]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2021/06/esculturas-em-alto-relevo.html [Consultado em 03 de Maio de 2022].
MATOS, Hernâni. Jorge Carrapiço e a escultura em alto-relevo. [Em linha]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2022/02/jorge-carrapico-e-escultura-em-alto.html [Consultado em 03 de Maio de 2022].
MATOS, Hernâni. Luísa Batalha e a escultura em alto-relevo. [Em linha]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2021/09/luisa-batalha-e-escultura-em-alto-relevo.html [Consultado em 03 de Maio de 2022].
MATOS, Hernâni. Vera Magalhães e a escultura em alto-relevo. [Em linha]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2022/02/vera-magalhaes-e-escultura-em-alto.html [Consultado em 03 de Maio de 2022].


Fig. 2 - Pastor. Irmãs Flores (1957 -   , 1958 -  ).

Fig. 3 - Ceifeira. José Moreira (1926 - 1991).

Fig. 4 - Senhora de pezinhos. Luísa Batalha (1974 -   ).

Fig. 5 - Peralta. Vera Magalhães (1966 -   ).

Fig. 7 - Sargento Jorge Carrapiço (1968 -   ).

quinta-feira, 28 de abril de 2022

Qual morte, qual carapuça!



O presente texto de reflexão foi elaborado
 na sequência da recepção de um email do senhor João Ferro,
 enviado no passado dia 16 de Abril, a todos os colaboradores do Jornal E


O senhor João Ferro queixa-se de que quiseram matar os "Brados", jornal que defende tal como eu, que nele tenho sido cronista em diferentes momentos do seu e do meu percurso de vida. Equaciona ainda se "Valerá a pena, haver na nossa terra dois jornais?". Ora, isto "cheira-me a gato escondido com o rabo de fora". Será que o senhor João Ferro entende que o "Jornal E" deveria acabar? Usando as suas palavras: achará ele que o jornal E, deveria ser morto? Só ele é que poderá responder. E é bom que responda.
Pela minha parte, na qualidade de cronista do "Jornal E" em diferentes momentos do seu e do meu percurso de vida, acho que não. Acho que isso seria um disparate de todo o tamanho.
Na minha perspectiva cívica, ética, cultural e também ideológica, uma sociedade democrática é necessariamente plural. Palavra de honra que me chateia a tentação de alguns de que se cante a uma só voz, o que é terrivelmente monótono. Então não é mais interessante e valiosa a polifonia?
O "Jornal E" e os "Brados" são igualmente respeitáveis, apesar do segundo já ter cabelos brancos e o primeiro ainda não.
Cada um deles tem o seu público e há quem seja público dos dois, como é o meu caso.
Cada um deles é uma voz importante em termos locais e regionais e dá-se o caso de conviverem bem um com o outro.
Parafraseando Ives Montand, diria até que são companheiros de estrada. Ora, é sabido que os companheiros de estrada são livres na sua caminhada. Grande parte do percurso é comum, mas há uma altura em que um deles diz: “- Eu não vou por aí!” E não vai, o que constitui seu legítimo direito. É assim que deve ser em termos da vivência democrática proporcionada pelas "Portas que Abril, abriu”, como oportunamente pregoou o saudoso José Carlos Ary dos Santos.
Daí que eu rejeite liminarmente a “ideia peregrina” do senhor João Ferro e parafraseando o senhor Pinto da Costa, proclame alto e bom som:
- “Cada macaco no seu galho!”
É que não é legítimo nem ético, advogar a morte de alguém, para assegurar a vida a quem já desejaram que morresse, mas não morreu e felizmente está vivo.

Hernâni Matos
Publicado no "Jornal E" n.º 299. de 29 de Abril de 2022.

sexta-feira, 22 de abril de 2022

Joana Santos e o “Ti Manel do tarro”



Ti Manel do Tarro (1922). Joana Santos (1978-  ). 

É sabido que de há largos anos a esta parte, sou coleccionador e estudioso da Arte Pastoril Alentejana. Quer daquela que saiu das mãos de criadores anónimos, como da criada por aqueles que tendo saído do anonimato, me concederam a prerrogativa da sua amizade. Foi o caso do veirense Roberto Carreiras (1930-2017), com quem tive o privilégio e o prazer de privar, bem como com sua esposa Rosa Mariano Machado, no decurso das Feiras de Artesanato em Estremoz.
Roberto Carreiras partiu há 5 anos, completados no transacto dia 8 de Janeiro. No elogio fúnebre (*) que lhe fiz na altura do seu falecimento, disse: “Pessoalmente, orgulho-me de as minhas colecções de Arte Pastoril integrarem especímenes afeiçoados pelas suas mãos, que comandadas pela sua alma de visionário, nunca se renderam à rudeza do uso do cajado e do mester de vaqueiro. Foram mãos hábeis que aliadas a um espírito sensível, conseguiram filigranar e esculpir os materiais com mestria.”
Decorridos 5 anos, a barrista Joana Santos teve acesso a uma excelente fotografia de Isabel Borda d'Água, na qual figura Roberto Carreiras, sentado, a manufacturar um tarro de cortiça. De imediato, pensou em criar um Boneco de Estremoz, que perpetuasse no barro a actividade daquele lídimo representante da Arte Pastoril Alentejana. E se bem o pensou, melhor o fez, para gáudio daquele que viria a ser o seu felizardo destinatário, que como devem ter calculado fui eu.
“Ti Manel do tarro” chamou a barrista à sua criação. Ora, Manuel é um nome bastante comum no Alentejo, pelo que ao cognominar a figura com aquele epíteto, a barrista regionaliza a sua criação, que assim transcende a figuração de Roberto Carreiras e ascende à condição de representação generalista dum mesteiral de Arte Pastoril Alentejana.
Fascinado pela obra da barrista, dei-lhe conta desse meu estado de espírito, através da presente missiva:
"Joana:
O “Ti Manel do tarro” está uma maravilha das maravilhas. É um monumento e simultaneamente um hino à matriz identitária da Arte Popular Alentejana. Digo hino, porque para deleite de espírito, da figura que criou, flui o cante da Alma Alentejana. A mesma alma que conjuntamente com as suas mãos benditas, perpetuou no barro a figura icónica do meu grande amigo, o veirense Roberto Carreiras, uma referência eterna da Arte Pastoril Concelhia.
Bem-haja Joana, por toda a beleza que vem criando e connosco partilha."


(*) – MATOS, Hernâni. Roberto, guardador de vacas e artista popular. [Em linha]. Disponível em:





Roberto Carreiras (1930-2017). Fotografia de Isabel Borda d'Água.