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Tempo Novo
É sabido que não há caminho,
como nos ensina o poeta sevilhano António Machado: “Caminhante, são teus
rastos / o caminho, e nada mais; /caminhante, não há caminho, / faz-se caminho
ao andar.” (…).
Cada um de nós segue o seu
próprio caminho, o que não impede que alguns caminhos se cruzem. Foi assim que
o meu caminho e o de Mestre Xico Tarefa se cruzaram em 1980 no Terreiro do Paço
Ducal de Vila Viçosa. Tal ocorreu no decurso do I Encontro de Olaria Regional
do Alto Alentejo, que ali teve lugar entre 4 e 15 de Junho desse ano.
Andámos ambos por ali e
integrávamos a Comissão Organizadora do Encontro. Eu em representação da Casa
da Cultura de Estremoz e ele em representação do Centro Cultural Popular Bento
de Jesus Caraça. As nossas preocupações de então centravam-se na necessidade de
salvaguarda da matriz identitária das olarias de cada Centro Oleiro do Alto
Alentejo e na tomada de medidas que impedissem a descontinuidade de produção
das olarias.
O Mestre Xico Tarefa era um
operacional no terreno, que não parava quieto, andava sempre para aqui e para
ali, a tratar de uma coisa ou outra. Entre as múltiplas tarefas de que foi
encarregue esteve a produção de um prato comemorativo do Encontro, a ser
oferecido aos participantes. Daí eu estar na posse de um exemplar que tive a
honra de receber na época, o qual está na génese da minha condição de
coleccionador de louça de barro vidrado de Redondo. O trabalho de roda é de
Mestre Xico Tarefa e a pintura e o esgrafitado são da autoria de Mestre Álvaro
Chalana (1916-1983).
Ao receber de bom grado o
prato comemorativo do Encontro, herdei uma pesada responsabilidade e brotou em
mim o fascínio pela cerâmica redondense, que nunca mais parou e cuja chama se
mantem bem viva. Aquele prato tem para mim especial significado. Foi o primeiro
exemplar da minha colecção de cerâmica redondense. Por mais raro e mais valioso
que seja outro espécime adquirido ou que venha a adquirir, aquele ocupará
sempre um lugar muito privilegiado no meu coração. É que foi o primeiro da
minha colecção, saído das mãos de Mestre Xico Tarefa e de Mestre Álvaro Chalana
e que ficou a selar o cruzamento do meu caminho com o primeiro destes mestres.
Decorridos
45 anos sobre o primeiro cruzamento dos nossos caminhos, voltámos a cruzar-nos.
Desta feita, o terreiro é outro. Trata-se da ADOE - Associação Dinamizadora da
Olaria de Estremoz. Ele como formador, na qualidade de Mestre Oleiro. Eu, como
consultor had hoc, na qualidade de coleccionador e investigador da
barrística popular de Estremoz.
De então
para cá, o Mestre Xico Tarefa tem desenvolvido uma carreira notável como Mestre
Oleiro e como formador das novas gerações, o que muito me regozija e enche de
orgulho como seu amigo e admirador em que entretanto me tornei.
A sua
obra fala por si e é um exemplo paradigmático para os mais novos. Encerra em si
própria, o respeito pela ancestralidade da olaria popular alentejana, temperado
pela criatividade inovadora que lhe brota da alma e que com fidelidade se
transmite às mãos mágicas que são as suas.
Obrigado
Mestre pela beleza criada para usufruto e deleite de espírito de todos aqueles
que apreciam o seu trabalho.
Bem-haja,
Mestre Xico!
Mesteiral das palavras, lá isso sou. Mão de obra gratuita à disposição da comunidade, eventualmente usada para zurzir os que se portam mal e me fazem chegar a mostarda ao nariz. Todavia, prefiro filigranar palavras que traduzem sentimentos e emoções que têm a ver com a matriz identitária alentejana. E o que eu gosto de transmitir uma visão polifacetada das coisas... Creio firmemente que a realidade possa ser no limite o resultado da sobreposição dum número considerável de visões de diferentes actores no palco da vida. Como tal, a minha visão global sobre qualquer coisa é fruto do modo como eu vejo essa qualquer coisa sobre múltiplos pontos de vista. O Homem não é uma alimária que tenha que estar sujeita a ver numa única direcção. Isso é o que querem os manipuladores de consciências. Mas com eles, há muito que perdi a paciência ou melhor, as paciências.
Hereticamente, através de ideias
e de palavras próprias solidamente fundamentadas, ousei ao longo da minha vida ser diferente, mantendo-me
igual a mim próprio ao fazer frente a alguns que ilusoriamente julgam ter a
faca e o queijo na mão, ad eternum.
A minha heresia condenou-me a futuramente
ser apagado dos registos que os revisionistas da História do Presente irão
manipular a soldo de qualquer uma dessas nomenklaturas em que esbarro a
torto e a direito, mas que nem por um instante me fazem vacilar.
Congratula-me a consciência da minha heresia, convicto da existência de justos criadores de mudanças de paradigma, os quais em devido tempo se encarregarão de reavivar a minha Memória e recambiar os revisionistas e seus mandantes para o caixote do lixo da História.
Cai o pano para 2024 e entra 2025. Lançámos um desafio aos nossos colaboradores pedindo-lhes que nos fizessem chegar os seus votos para o novo ano, respondendo a uma pergunta: “O que gostaria de ver (ou ter) em Estremoz para o ano de 2025?” Hernâni Matos respondeu ao repto.
Jornal E
Estremoz
é uma cidade que me dói, por tudo aquilo que lhe falta. O que é não só
consequência da falta de visão estratégica de algumas edilidades, como pela
definição de prioridades questionáveis ao longo dos tempos.
Estremoz
carece de uma resposta urgente a problemas prementes que na minha óptica são de
priorizar sequencialmente assim: rede de abastecimento de água, rede de
esgotos, requalificação urbana, construção habitacional, rede de ecopontos, mobilidade
e acessibilidade urbanas.
2025
é ano de eleições autárquicas a ocorrer em Setembro. Neste momento, os cabeças
de lista das várias formações em confronto já terão obtido o beneplácito dos
estados maiores partidários ou o acordo pró-forma dos seus apaniguados. Já
terão, decerto, constituído as suas equipas ou estarão em vias de as
concretizar.
Será
que o Executivo Municipal gerado pelas eleições setembrinas, elaborou uma lista de faltas semelhante
à minha? Não sei, mas provavelmente não. Apenas sei que qualquer dia começam a
meter-nos papelinhos debaixo das portas, a contactar-nos pessoalmente com o seu
melhor sorriso e a azucrinar-nos com os seus hinos, enquanto apregoam bacalhau a pataco. E as artimanhas são muitas. Lá
diz o rifão: “Com papas e bolos se enganam os
tolos”. Convém aguentar as investidas
a pé firme e mesmo de pé atrás. Pela
minha parte não se admirem, se eu não estiver nos meus dias e lhes atirar à
cara com esta do Aleixo: “Vós que lá do vosso
império / prometeis um mundo novo, / calai-vos, que pode o povo / q'rer um
mundo novo a sério!”
CONCERTO DOS UHF – A
heroína ali foi a música [1]
Crónica rock [2] ou talvez não, por Hernâni Matos
Uma viola baixo, uma viola ritmo
e uma bateria poderão não fazer uma orquestra. Fazem, porém, um concerto de
rock. Que o digam a meia bancada e o terço de ringue que no passado dia 18 de Setembro [3],
na Esplanada Parque em Estremoz, assistiram ao concerto dos UHF.
Amplificador que difunde
vibrações, volts transformados em decibéis, poluição sonora estandardizada dum
conjunto desfalcado dum vocalista que é também viola ritmo.
Montanhas de amplificadores e um
aparato de projectores verde-laranja-branco, verde-laranja-branco, verde-… Poça
que já me doía a vista.
Corpo forrado de jeans, camisetes
e ténis. Homens programados, gestos computorizados, corpos electrificados
geradores de música. E nas convoluções epilépticas, violas tricotam música que
as malhas que o som tece lá vão aquecendo a malta. É preciso é conjugar o verbo
pular.
Embora se vissem senhoras em
traje de passeio, predominava a juventude, que o rock não liga com o reumático.
Havia tipos exóticos, cabelos à Black Power, rapazes tipo West Side com Marias
para todos os paladares. Havia também uma bebedeira com um lenço ao pescoço e
um chapéu à 3 mosqueteiros, enfiado num pau de virar tripas. É que estas coisas
têm os seus próprios regulamentos e a malta tem de ir fardada a rigor.
Ambiente morno, que em Estremoz
nada pega. Um palco decorado com barreiras e uma mão cheia de PSP´s e PE’s que
não chegaram a fazer falta, que não houve problemas com a malta. Oh, meu! Ainda
dizem que a juventude é violenta!
Na escuridão, beijos generosos
que se dão e óculos escuros que se tiram, pois à noite todos os gatos são
pardos.
Os cigarros que tremulam são os
novos pirilampos da sociedade de consumo.
Há quem deambule por aqui e por
ali e há quem beba cerveja, que o escuro não mata a sede.
As coisas aqueceram aí pelo “Modelo
Fotográfico”, não percebemos se vestido se despido, que por essa altura os
tímpanos já tinham pifado. O quê? Queres um fósforo? Toma lá pá! Não tens de quê!
Com o “Cavalo de Corrida”
atingiu-se o auge da morneza, com a malta de braços erguidos como quem protesta
contra o preço da carne, o que não era o caso, pois ali todos tinham ido ao
concerto por sua livre vontade.
Quanto à encenação, aquilo tava
uma maravilha, pá! Era a gaja da saia transparente que tirava fotografias à contraluz
e foi o blusão despido aí por alturas do “Cavalo de Corrida”, que era p’ra a
gente acreditar que aquilo estava mesmo a aquecer. E até deu p’ra haver
publicidade, que um sumo que se bebe no palco é sede comercial que é preciso
promover.
Vale tudo menos tirar olhos. Não
pensava isto quem no outro dia ia tirando um ao António Manuel Ribeiro (vocalista - viola ritmo),
pois estava acompanhando o rock ao ritmo da fisga. Aquilo de colcheias e projecteis
à mistura não resultou e o Tó Manel ia ficando como o Luís Vaz, vulgo Camões.
Isqueiros que se se acendem aqui
e ali nos braços erguidos ao alto, como quem paga uma promessa a Fátima.
E eis que um fogo de artifício
cria a apoteose que os espectáculos devem apresentar no fim. E aqui houve
encenação de pormenor na cor cardinalícia que conferiu a solenidade que a
apoteose precisava ter. E no momento em
que termina o concerto, os músicos erguem as violas bem alto, como um sacerdote
num templo ao proceder à consagração da hóstia.
Música que se extingue, artifício
de fogo que se acaba. Resta o fumo que o vento acaba por levar. E com aquela
nuvem passageira, os músicos saem pela esquerda baixa para logo de seguida,
numa semi-escuridão e com blusas trocadas entre si por questões de segurança,
irem direitinhos à cozinha do bufete. A traça não perdoa. É preciso encher a
mula, pá!
Uma hora de espectáculo. 13 composições,
85 contos de cachet. Nada mau. E o “Estremoz”[4]?
Terá reforçado a verba ou averbado o esforço?
E é isto o rock. Rock à Portuguesa,
pois claro!
Quando tiver um puto, hei de lhe
dizer:
- Porta-te bem ou levo-te ao
rock!
[1]
“Gandaia” é um termo pertencente à gíria popular, cujo significado é: “Acto de remexer o lixo à procura do que nele se pode aproveitar”.
[2] Sinopse recolhida em https://tradestories.pt/carlos-lopes/livro/gandaia .