DISCURSO DO BACALHAU
(Proferido no dia 1 de Dezembro de 2012, no decurso
do XII Aniversário da Academia do Bacalhau de Estremoz,
no Teatro Bernardim Ribeiro desta cidade.)
A história que eu vou contar é uma história singela e cuja origem é muito antiga. É anterior ao tempo da outra senhora e mais velha que o tempo dos afonsinhos. É uma história que tem quase cinco mil milhões de anos, que é a idade estimada para o planeta Terra.
Quem nos conta a história é o Génesis, o primeiro livro do Antigo Testamento, que a tradição judaico-cristã atribui a Moisés. No seu capítulo I, de uma forma narrativa dá-nos uma visão mitológica da Criação do Mundo. Aí, nos versículos 20. e 21., é-nos referido o que Deus fez no quinto dia da Criação:
Versículo 20. Deus disse: “Que as águas fiquem cheias de seres vivos e os pássaros voem sobre a Terra, sob o firmamento do céu”.
Versículo 21. Deus criou as baleias e os seres vivos que deslizam e vivem na água, conforme a espécie de cada um, e as aves de asas conforme a espécie de cada uma. E Deus viu que era bom.
Aqui termina o relato necessariamente sucinto do cronista bíblico, o qual por motivos compreensíveis se esgota aqui. É a altura adequada para nós entramos em acção, como cronistas assumidos de tempos tão antigos, que já não cheiram a naftalina, porque este hidrocarboneto aromático teve mais que tempo para sublimar. É caso para perguntarem:
É uma pergunta sem resposta. E sabem porquê. É que se
“O tempo pergunta ao tempo
Apenas vos sabemos dizer que o personagem principal desta história se chama “bacalhau” e tem gostos que estão nos antípodas dos prazeres dos alentejanos. Estes protegem-se do frio, por dentro e por fora. Como? Bebem uns tintos e vestem capote. Sim! Porque um homem tem duas almas: a alma interior e a alma exterior. E o bacalhau? O bacalhau gosta de águas frias e por isso se instalou com armas e bagagens na Noruega, na Islândia e na Terra Nova. Aí os portugueses pescam bacalhau desde o século XV. Há sinais de consumo importante de bacalhau em Portugal desde o século XVI, sendo o peixe preferido dos pobres, a par da sardinha. Entretanto, o estatuto culinário do bacalhau mudou. De alimento popular passou a prato sofisticado, submetido a preparações muito elaboradas.
Actualmente a gastronomia do bacalhau é vasta e multifacetada. Há mais de mil e uma maneiras de cozinhar bacalhau, espelhando cada uma delas a suprema criatividade de sabores e saberes dos seus criadores, alquimistas de serviço, cuja matéria-prima principal são postas demolhadas do fiel amigo. A título meramente exemplificativo, permitimo-nos salientar alguns pratos consignados pelo uso: Açorda de bacalhau, Bacalhau à Brás, Bacalhau à espanhola, Bacalhau à Gomes de Sá, Bacalhau à lagareiro, Bacalhau à minhota, Bacalhau à Zé do Pipo, Bacalhau assado na brasa com batatas a murro, Bacalhau assado no forno, Bacalhau com broa, Bacalhau com natas, Bacalhau espiritual, Bacalhau na brasa, Empadão de bacalhau, Ensopado de bacalhau, Migas de bacalhau, Pastéis de bacalhau, Punheta de bacalhau, Pataniscas de bacalhau, Rissóis de bacalhau, Salada de bacalhau e Tiborna de bacalhau.
São pratos de lamber os beiços e chorar por mais. Todos têm um elo comum, o serem confeccionados com o “fiel amigo”. As razões desta designação assentam no facto de apesar de a costa portuguesa fornecer peixe, a maioria deste deteriorava-se rapidamente, só penetrando no interior espécies como a sardinha salgada, o polvo seco e no Sul, atum de barrica. Daí que entre nós, o bacalhau passasse a ser o peixe salgado e seco mais consumido. De resto, como “fiel amigo” que não apodrecia nas longas viagens marítimas, ele desempenhou um papel importante na alimentação dos homens de quinhentos, que com a força da raça desta nação lusitana, souberam dar Novos Mundos ao Mundo.
É sabido que somos sacerdotes da memória dos nossos ancestrais, o que nos tornou arqueólogos da oralidade da língua com a missão explícita de escavar os múltiplos géneros da nossa literatura popular. Daí que vos apresentemos aqui “pela rama” e “a talhe de foice”, alguns frutos dessas escavações.
Quanto a adagário, recolhemos dois provérbios:
- Dia de S. Silvestre (31 de Dezembro), não comas bacalhau que é peste.
- Bacalhau quer alho.
Isto é bem bom,
Tudo Remechido
Sabe a bacalhau.
Pires de Lima no “Cancioneiro de Vila Real” recolheu a seguinte quadra:
Ó Castedo, Ó Castedo
Finalmente o “Cancioneiro da Serra d'Arga” cataloga esta quadra bastante brejeira:
A mulher para ser boa,
Tem que ter pernas de pau,
A barriga de manteiga,
As mamas de bacalhau.
O bacalhau é um termo muito usado na gíria popular. Vejamos então:
- Apertar o bacalhau a alguém = Cumprimentar uma pessoa com um aperto de mão
Em termos de alcunhas alentejanas há a registar as seguintes:
A nível de antroponímia, “Bacalhau” é sobrenome ou nome de família que tem a ver com a ascendência do utilizador. Referindo-me só a personalidades recentes temos:
- Avenida Prof. Dr. José Bacalhau (Espinhal);
- Desculpe-me minha senhora!
- Puxa! Carago! Esta mulher é mesmo alta!
No que toca a lengalengas respigámos várias, das quais aqui apresentamos duas:
No que toca a lengalengas respigámos várias, das quais aqui apresentamos duas:
ANA RITA, PIROLITA
Ó Maria Cotovia,
Fecha a porta,
Já é dia,
Vem aí
O bicho mau
- Porque é que a água do mar é salgada? (RESPOSTA: Porque tem bacalhau de molho).
- Qual é a coisa, qual é ela
Faz-se cozido
E vende-se cru. (RESPOSTA: Bacalhau).
E vende-se cru. (RESPOSTA: Bacalhau).
- Qual a parte da mulher que cheira bacalhau? (RESPOSTA: O nariz).
PREPAREM-SE QUE ESTA É TERRÍVEL!
- Sabem quais são os três alimentos que fazem mal à saúde?
Depois de tanta brejeirice é altura de falar mais a sério, mais em termos institucionais. Há dois tipos de associações centradas no bacalhau:
- A Confraria Gastronómica do Bacalhau, sediada na cidade de Ílhavo, a “Capital do Bacalhau”. Tem por objectivos: divulgar as ementas à base de bacalhau, dinamizar as várias maneiras de o confeccionar, bem como divulgar a história da epopeia da faina maior.
- As Academias do Bacalhau, espalhadas pelo mundo da Lusofonia, que reúnem pessoas que independentemente da sua etnia, posição social ou grau de cultura, se congregam sem finalidades políticas, religiosas, comerciais ou lucrativas, para fomentar, encorajar e desenvolver laços de amizade, cooperação, confraternização entre elas, bem como a defesa do prestígio e expansão da Portugalidade, o que passa pela difusão da cultura e valores tradicionais portugueses, assim como pela assistência moral e material aos mais carenciados.
- A Confraria Gastronómica do Bacalhau, sediada na cidade de Ílhavo, a “Capital do Bacalhau”. Tem por objectivos: divulgar as ementas à base de bacalhau, dinamizar as várias maneiras de o confeccionar, bem como divulgar a história da epopeia da faina maior.
- As Academias do Bacalhau, espalhadas pelo mundo da Lusofonia, que reúnem pessoas que independentemente da sua etnia, posição social ou grau de cultura, se congregam sem finalidades políticas, religiosas, comerciais ou lucrativas, para fomentar, encorajar e desenvolver laços de amizade, cooperação, confraternização entre elas, bem como a defesa do prestígio e expansão da Portugalidade, o que passa pela difusão da cultura e valores tradicionais portugueses, assim como pela assistência moral e material aos mais carenciados.
Um deles é para vos dar a conhecer uma receita conhecida por “Bacalhau à Salazar”. Trata-se de bacalhau cozido com batatas, temperado com vinagre, alho e pimenta. De acordo com o inspirador do prato, não leva azeite, pois se o bacalhau for gordo é um desperdício e se for magro, um desperdício é. Trata-se de um prato que não admite reclamações, pois de contrário, a coisa pode dar para o torto.
O outro apontamento é um apontamento de natureza estatutária. Eu quero aqui propor uma alteração aos Estatutos da Academia do Bacalhau de Estremoz. Proponho que o Presidente deixe de se chamar Presidente e se passe a chamar “Bacalhau-Mor”! Estão de acordo? Sim? Está aprovado.
Para a Academia do Bacalhau de Estremoz e para o meu amigo Chico Ramos que teve a coragem de aqui me trazer, sem saber bem onde isto podia ir parar, peço uma calorosa salva de palmas.
Para a Academia do Bacalhau de Estremoz e para o meu amigo Chico Ramos que teve a coragem de aqui me trazer, sem saber bem onde isto podia ir parar, peço uma calorosa salva de palmas.
Juntando às mil e uma maneira de cozinhar bacalhau.
ResponderEliminarAparecem as mil e uma maneira de falar do bacalhau ou não houvessem as famosas línguas de bacalhau, que em miúda adorava comê-las. O rei da culinária o bacalhau com todos etc. Pois é professor traz sempre algo mais inédito para enriquecimento de qualquer assunto em questão. muito obrigada por partilhar connosco esses seus conhecimentos.
ROSA CASQUINHA
Rosa:
ResponderEliminarMuito obrigado pelo seu comentário.
Daqui lhe envio um grande bacalhau, seguido também dum grande abraço.