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quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Museu do Neo-Realismo homenageia o estremocense Rogério Ribeiro



Sessão de homenagem a Rogério Ribeiro
No próximo dia 20 de Setembro, pelas 16 horas, decorrerá no Museu do Neo-Realismo em Vila Franca de Xira, uma sessão de homenagem ao pintor Rogério Ribeiro (1930-2008), no âmbito da exposição FAZER CRESCER A VIDA – ROGÉRIO RIBEIRO E O NEO-REALISMO, patente nos pisos 1 e 2 do Museu, e que se centra na fase neo-realista do artista.
A sessão conta com as presenças de Ana Isabel Ribeiro, filha de Rogério Ribeiro, José Luís Porfírio, museólogo e crítico de arte, António Mota Redol, em representação da Associação Promotora do Museu do Neo-Realismo e David Santos, director do Museu do Neo-Realismo. A entrada é livre.

Notas biográficas
Rogério Ribeiro nasceu em Estremoz em 1930, mas cerca de uma década depois já se encontra em Lisboa. Aí ingressa primeiro na Escola de Artes Decorativas António Arroio e depois na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, onde conclui a licenciatura em Pintura.
Nos anos 50, frequenta o atelier de Júlio Pomar, onde conhece Alice Jorge, Vasco Pereira da Conceição, Maria Barreira e Lima de Freitas. Tem depois o seu atelier com Cipriano Dourado.
Expõe pela primeira vez numa exposição colectiva na V Exposição Geral de Artes Plásticas (1950), sendo presença constante até à última dessas exposições (1956). A sua vasta obra desenvolve-se em diversas modalidades artísticas: pintura, gravura, ilustração, tapeçaria e azulejaria.
Em 1953 participa no Ciclo do arroz. Em 1956 foi um dos membros fundadores da Gravura – Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses, de cujo catálogo fez parte e na qual desenvolveu intensa actividade.
A sua carreira de professor inicia-se na Escola de Artes Decorativas António Arroio (1961), prossegue na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (anos 70) e mais tarde no Ar.Co (anos 80).
São de 1964 os primeiros trabalhos no âmbito do Design de Equipamento. Autor de cartões de tapeçaria, começou a colaborar com a Manufactura de Tapeçarias de Portalegre em 1961.Desenvolveu intenso labor no âmbito da azulejaria e teve uma actividade intensa como ilustrador.
Dirigiu, desde 1988, a Galeria Municipal de Arte de Almada e a partir de 1993 foi Director da Casa da Cerca — Centro de Arte Contemporânea, em Almada.
Expôs colectivamente desde 1950 e individualmente desde 1954. Está representado em diversas colecções particulares, instituições privadas e museus, tanto em Portugal como no estrangeiro.

Rogério Ribeiro e Estremoz
Rogério Ribeiro vive em Estremoz a sua primeira infância. Os pais fixam-se em Lisboa em 1940, mas ao longo da sua vida, mantém laços estreitos com Estremoz, não só através de familiares aqui residentes, como de amigos como Aníbal Falcato Alves, Jacinto Varela, Armando Carmelo, Francisco Falcato, Joaquim Vermelho e outros. Nos anos 80 do séc. XX chega a utilizar como atelier, o edifício da antiga cadeia, cedido pelo Município.
Rogério Ribeiro foi co-autor do projecto da extinta Galeria de Desenho do Museu Municipal de Estremoz, conjuntamente com Armando Alves, Joaquim Vermelho, José Aurélio e outros, concretizado em 1983, tendo dado um valioso contributo para a recolha de obras de arte por doação de artistas plásticos, as quais integram actualmente as valiosas reservas do Museu Municipal de Estremoz – Professor Joaquim Vermelho.
Estremoz foi palco de três exposições do pintor: - “Rogério Ribeiro / Pintura, desenho e ilustração” (1981), na Biblioteca Municipal; – “Rogério Ribeiro / “Mudam-se os tempos, ficam as vontades” (2005), no Museu Municipal; – “Evocação e memória. Pintura e desenho de Rogério Ribeiro” (2013), na Galeria Municipal D. Dinis.
Em 2006, o Município de Estremoz, presidido por José Alberto Fateixa, outorgou ao artista plástico e a título póstumo, a Medalha de Mérito Municipal - Grau Ouro.
Em 2013, o Município de Estremoz, presidido por Luís Mourinha, perpetuou o nome do pintor na toponímia local, passando a partir daí a existir o topónimo Rua Mestre Rogério Ribeiro.

Todos a Vila Franca!
Rogério Ribeiro é uma figura cimeira das artes plásticas portuguesas com projecção internacional e filho ilustre de Estremoz, cuja vida e obra nos deve encher de orgulho. Daí que eu sugira o envolvimento naquela homenagem, dos estremocenses em geral e do Executivo Municipal de Estremoz em particular. Rogério Ribeiro merece isso e muito mais.


Rogério Ribeiro (1930-2008) na Fábrica Viúva Lamego. Fotografia de Rosa Reis.

Rogério Ribeiro à direita, de camisa branca, no seu atelier em finais dos anos 50, 
acompanhado da esquerda para a direita pelos seus amigos Aníbal Falcato Alves, 
Jacinto Varela e Francisco Alves. Painel fotográfico patente na exposição.

segunda-feira, 21 de julho de 2025

"Alentejo" de Júlio Resende

 

 Júlio Resende (1917-2011). Alentejo. Linoleogravura sobre papel.
Prova Única. 24 x 24 cm. Assinada e datada de 1950. 
Colecção Hernâni Matos.


Primeira versão de "Alentejo"
A presente prova única de linoleogravura, intitulada “Alentejo”, assinada e datada de 1950, a lápis, representa dois alentejanos de chapéu e capote, montados em cavalos e outros dois apeados, um em pé e outro dobrado, juntos a outro cavalo. O grupo encontra-se à frente de casario e são visíveis árvores na linha do horizonte. A linoleogravura foi produzida no último ano de permanência do pintor no Alentejo, onde viveu e foi professor nos anos de 1949-50 na Escola de Cerâmica de Viana do Alentejo. Foi o período em que privou com o escritor Vergílio Ferreira e com o pintor António Charrua. A linoleogravura pertenceu à colecção do livreiro portuense Fernando Fernandes (1934-2018), que em 1953 integrou o MUD juvenil e em 1958 fundou a Livraria-Galeria Divulgação que uma década depois, se transformou na Livraria Leitura, um espaço de cultura de excelência, tanto no campo das letras como das artes. Aquisição através de leiloeira.

Versões posteriores de "Alentejo"
Em 1961, quando do VII Aniversário do Cine Clube de Estremoz, Júlio Resende produziu a versão 1961 da composição ”Alentejo” de 1950, de que resultou a linoleogravura da capa do programa de aniversário e com o formato dele (18 x 16,5 cm). A assinatura e a data são agora serigráficas.
É conhecida também a versão 2006 da composição “Alentejo” sob a forma de desenho a carvão (170 x 170 cm), com assinatura e data também a carvão. Integrou a exposição “Resende - ALENTEJO”, a qual teve lugar em 2017 no Palácio dos Marqueses da Praia e Monforte, em Estremoz. 
EM 2021 foi vendido pela leiloeira Palácio do Correio Velho, em Lisboa, um quadro a óleo sobre tela (164 x 170 cm) de Júlio Resende, intitulado "Figuras de Viana do Alentejo", assinado e datado de 1951, pertencente à Colecção Professor Doutor António Ferraz Júnior e Dr. José Manuel Ferraz. Este quadro tem uma composição análoga à da linoleogravura e vem reproduzido no livro de Júlio Resende: “Júlio Resende - A Arte como / vida". Editora Civilização. Porto, 1989, pág. 50.

Júlio Resende (1917-2011)
Júlio Resende nasceu no Porto em 1917. É autor de uma obra de pintura vastíssima, desenvolvida entre os anos 30 do século XX e a primeira década do século XXI. Concluiu a formação em Pintura, no ano de 1945, na Escola de Belas Artes do Porto, onde seria docente entre 1958 e 1987.
Realizou inúmeras exposições no país e no estrangeiro, tendo iniciado, em 1934, a participação em exposições colectivas, e um trajecto individual em 1943. Ao longo da sua carreira, foi distinguido com relevantes prémios. Realizou obra pública com trabalhos em técnicas que vão da cerâmica ao fresco, do vitral à tapeçaria, instalados em espaços do norte ao sul de Portugal. Ilustrou obras literárias, nomeadamente para a infância, realizou cenários e figurinos para teatro, bailado e espectáculos de grande impacto.
Sobre a sua produção debruçaram-se os principais críticos e historiadores de arte portugueses, mas também importantes escritores e poetas.
Em 1947 instala-se em Paris. Viajou por França, Bélgica, Holanda, Inglaterra e Itália, onde interactuou com inúmeros artistas Nos anos de 1949 / 50 foi professor na Escola de Cerâmica de Viana do Alentejo, período em que privou com o escritor Vergílio Ferreira e com os artistas Júlio e Charrua. Nos anos 50 promoveu, em Portugal, as Missões Internacionais de Arte, para as quais eram convidados artistas estrangeiros em diálogo com artistas portugueses. Em 1954 lecciona na Escola Secundária da Póvoa de Varzim e em 1955 promove a segunda “Missão Internacional de Arte”, naquela localidade. Em 1970 seria responsável pela orientação visual e estética do Espectáculo de Portugal na “Exposição Mundial de Osaka”, momento relevante da sua presença no estrangeiro.
A criação do Lugar do Desenho - Fundação Júlio Resende foi um dos principais projectos a que se dedicou a partir da década final do século XX. Dedica-se à preservação e à divulgação do acervo de desenhos de Júlio Resende, que é composto por mais de duas mil e quinhentas obras que o Pintor reuniu ao longo da sua carreira.

sábado, 19 de julho de 2025

Cipriano Dourado e a apanha da azeitona

 

Rabisco. Litografia sobre papel 6/20. 42 x 35,5 cm. 1956.


Conjuntamente com a terra, a mulher é o tema dominante na obra de Cipriano Dourado (1921-1981), tanto no desenho, como na gravura ou na pintura. Nos seus trabalhos e independentemente da adversidade do contexto, sobressai sempre o encanto da feminilidade, resultado da delicadeza do seu traço.
No núcleo neo-realista do meu acervo pessoal de artes plásticas, tenho duas obras onde o artista aborda a apanha da azeitona.

Rabisco. Litografia sobre papel 6/20. 42 x 35,5 cm. 1956.
A litografia representa uma mulher do povo, de cabeça coberta por um lenço, com avental de trabalho e descalça, o que indicia a sua condição de pobreza. Encontra-se junto a uma oliveira, dobrada sobre si própria e apanha azeitona caída da árvore. No tempo do fascismo havia quem por necessidade tivesse que “andar ao rabisco”, isto é, ir à apanha da azeitona caída no chão, uma vez que tivesse terminado a safra. Era uma actividade de subsistência e último recurso, praticada por quem vivia miseravelmente. Nalgumas regiões era uma prática consentida pelos proprietários dos olivais, noutras não. Neste último caso, não era raro ver desgraçados entrar numa vila ou aldeia qualquer, à frente da guarda a cavalo. Como não tinham com que pagar a coima prevista, iam descansar as costas na prisão.
A litografia participou na I Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian, a qual ocorreu entre 7 e 31 de Dezembro de 1957 nas salas de exposição da Sociedade Nacional de Belas-Artes em Lisboa. A tiragem da litografia foi de 20 exemplares e era vendida no local ao preço de 200$00 cada exemplar. Não foi editada pela GRAVURA, fundada no ano anterior, cujas tiragens eram na época de 100 exemplares e da qual Cipriano Dourado foi sócio fundador. Esta litografia fez parte da colecção do Eng. Frederico Marechal Spargo Pinheiro Chagas. Aquisição através de leiloeira.

Camponesa. Litografia sobre papel – prova de ensaio. 
45 x 33 cm. 1957.

Camponesa. Litografia sobre papel – prova de ensaio. 45 x 33 cm. 1957.
A litografia representa uma camponesa alentejana a colher azeitona de uma oliveira, a qual deposita no avental arregaçado. A cabeça encontra-se bem protegida por um lenço e as saias foram apanhadas em forma de calças, tal como usavam as ceifeiras. Aquisição feita a um antiquário. Litografia editada pela GRAVURA numa tiragem normal de 100 exemplares.

Cipriano Dourado (1921-1981)
Cipriano Dourado nasceu em 8 de Fevereiro de 1921 em Penhascoso (Mação). Em Lisboa, após frequentar a Escola Industrial Marquês de Pombal, inicia o seu percurso artístico como autodidacta. Com 14 anos, começou a trabalhar como desenhador-litógrafo e a perícia adquirida faz com que nas suas mãos, a litografia passe a ser gravura como arte maior.
O seu talento e vocação para as artes plásticas levaram-no a frequentar em 1939 a Sociedade Nacional de Belas Artes em Lisboa, como aluno do curso nocturno, iniciando a sua participação nas exposições com trabalhos a aguarela, pois a gravura não tinha ainda entrada em exposições oficiais. Nos Salões de Inverno da SNBA, onde a aguarela e o desenho tinham acesso, Cipriano Dourado participou em 1947, com trabalhos de aguarela que obtiveram o 2º prémio Roque Gameiro e uma menção honrosa.
Entre 1949 e 1956 participou nas Exposições Gerais de Artes Plásticas, na qualidade de desenhador, pintor e gravador. Em 1953, participou no “Ciclo do arroz” e em 1956 foi um dos sócios fundadores da Gravura – Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses. Como ilustrador colaborou em publicações como Seara Nova, Vértice, Colóquio-Letras e ilustrou livros de Orlando Gonçalves, Armindo Rodrigues, Mário Braga, Augusto Gil e Antunes da Silva, entre outros.
Participou em inúmeras exposições, tanto em Portugal como no estrangeiro. Encontra-se representado em museus como: Museu Nacional de Arte Contemporânea (Lisboa), Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa), Museu do Neo-Realismo (Vila Franca de Xira) e outros, bem como em inúmeras colecções públicas e privadas.

quinta-feira, 17 de julho de 2025

António Cunhal (1910-1932), artista plástico neo-realista


António Cunhal (1910-1932). Semeador. Desenho a
tinta-da-china sobre cartolina. 25 x 16 cm. Assinado
e não datado. Colecção Hernâni Matos.

Um Cunhal menos conhecido
ANTÓNIO CUNHAL (1910-1932), natural de Coimbra, faleceu em Lisboa em 1932, vítima de tuberculose e gangrena pulmonar. Filho de Avelino Cunhal (1887-1966) e irmão de Álvaro Cunhal (1913-2005), advogados, políticos, escritores e artistas plásticos neo-realistas.

Artista plástico
Com 21 anos de idade, António Cunhal expôs 26 trabalhos seus no Salão “PINTURAS E DESENHOS DE ANTÓNIO CUNHAL”, patente ao público entre 1 e 15 de Junho de 1931, na prestigiada Papelaria Progresso, situada na Rua do Ouro 151 a 155, em Lisboa.
Nesse salão esteve exposto “O semeador”, desenho a tinta-da-china sobre cartolina, aqui reproduzido, adquirido por mim em leiloeira, o qual pertenceu à colecção do Dr. Fernando Abranches Ferrão (1908-1985), advogado de defesa de opositores ao regime do Estado Novo, onde se destacam os processos da Revolta da Mealhada (1947), da Comissão Distrital de Lisboa do MUD - Movimento de Unidade Democrática (1948), de Humberto Delgado na sequência das eleições Presidenciais (1958), do Golpe de Beja (1962) e dos estudantes (1965).
“O semeador” está assinado mas não está datado, pelo que será de 1931 ou de data anterior, qualquer delas afastadas dos finais dos anos 30, apontados como período de surgimento do neo-realismo português. Todavia, não só pelo conteúdo temático, mas sobretudo pela estética da representação, sou levado a considerar “O semeador” como uma obra neo-realista e a incluir António Cunhal no rol dos artistas plásticos neo-realistas.
António Cunhal está representado no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa e em colecções particulares.

Cinesta de animação
António Cunhal realizou em 1930 com Raul Faria da Fonseca, o filme de animação “A lenda de Miragaia”. O argumento é da autoria de ambos, inspirado no Romanceiro de Almeida Garrett. Baseia-se numa lenda popular que relata como o rei Ramiro II de Leão raptou a princesa moura Zahara e como o seu irmão Alboazar raptou a esposa de Ramiro, a rainha Gaia.
Trata-se do primeiro filme de animação português, recorrendo à técnica inovadora de animação de silhuetas recortadas, as quis foram fotografadas uma a uma para criar o movimento.
O filme, com 400 metros de extensão, era constituído por 24 800 fotogramas, que representavam outros tantos desenhos e movimentos.
“A Lenda de Miragaia”, produção da Ulyssea Film, estreou-se em Lisboa, no Jardim Cinema, a 1 de Junho de 1931.

Epílogo
Talvez a obra de António Cunhal merecesse uma investigação apurada, visando concluir se é ou não um artista plástico neo-realista, tal como eu aqui o proclamo.

Publicado inicialmente em 3 de Fevereiro de 2024

quarta-feira, 16 de julho de 2025

Ceifeira adormecida - Litografia de Manuel Ribeiro de Pavia


Ceifeira adormecida (1955). Manuel Ribeiro de Pavia (1907-1957).
 Litografia sobre papel - prova nº 7. 26 x 36 cm (mancha).
Colecção Hernãni Matos

Ceifeira adormecida (1955). Manuel Ribeiro de Pavia (1907-1957).
Litografia sobre papel 19/50. 26 x 36 cm (mancha).
Colecção Hernãni Matos.

No Alentejo de outros tempos, a colheita do trigo recorria à ceifa manual, actividade sazonal dificultada pelo rigor do clima. Ceifeiros e ceifeiras sentiam-no bem no corpo. O trabalho penoso e mal pago, realizava-se de “sol a sol”, interrompido apenas por refeições rápidas e frugais. A “bucha” ao pegar no trabalho, o “almoço” pelas 10 horas da manhã, o “jantar” sensivelmente pelas 2 da tarde, a que se seguia a “sesta” de duas horas para um retemperar de forças. A sesta ocorria à sombra de uma azinheira ou de molhos de trigo e durava até serem acordados pelo manajeiro. A faina prolongava-se até às 8 da noite, altura em que tinha lugar a “ceia”, a última refeição do dia, finda a qual trabalhavam até haver luz e o manajeiro dar a ordem de “solta”. Depois era o descanso nocturno, até ao nascer do sol do dia seguinte.

A sesta dos ceifeiros é um tema recorrente na arte portuguesa. Manuel Ribeiro de Pavia na litografia “Ceifeira adormecida” (Fig. 2 e Fig. 3) patenteia uma ceifeira a descansar, encostada a uma árvore e protegida pela sua sombra. Observe-se que a litografia é anterior à criação da GRAVURA - Sociedade Portuguesa de Gravadores (1956). A prova nº 7 da litografia “Ceifeira adormecida” (Fig. 1) é uma prova de cor com um cromatismo mais vivo que o trabalho final (Fig. 2), o qual teve uma tiragem de 50 exemplares cujo cromatismo é mais sóbrio.

José Malhoa (Fig. 3) no óleo sobre tela “A sesta dos ceifeiros” (1895), mostra um grupo de ceifeiros a descansar à sombra de uma árvore, a qual não aparece representada.

Dordio Gomes (Fig. 4) no óleo sobre tela “A sesta dos ceifeiros” (1918), representa ceifeiros a descansar, protegidos por molhos de trigo. 

 Hernâni Matos

Publicado inicialmente a 16 de Julho de 2024

Fig. 3 - A sesta dos ceifeiros (1885). José Malhoa (1855-1933). Óleo sobre tela (95 x 132 cm).
Museu de Arte Contemporânea Armando Martins, Lisboa.

Fig. 4 - A sesta dos ceifeiros – Alentejo (1918). Dórdio Gomes (1890-1976).
Óleo sobre tela (74 x 59 cm). Museu Nacional de Arte Contemporânea, Lisboa.

domingo, 1 de junho de 2025

Estremocense, Mestre do Neo-Realismo, em terras de Vila Franca

 



Ontem, dia 31 de Maio, estive presente, por iniciativa própria, no acto inaugural da exposição “Fazer crescer a vida - Rogério Ribeiro e o Neo-Realismo”.

Com curadoria de David Santos, a exposição ocupa os pisos 1 e 2 do Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, mostrando cerca de duzentas e cinquenta obras de pintura, desenho, gravura e cerâmica de Rogério Ribeiro, um dos maiores protagonistas do neo-realismo visual português.

Rogério Ribeiro (1930-2008) é natural de Estremoz, onde nasceu em 1930. Tive o privilégio de o entrevistar em 1981 para o jornal Brados do Alentejo. Aí se falou de neo-realismo. Num enquadramento da presente exposição está patente um painel que destaca um excerto dessa entrevista.

O Município de Estremoz galardoou o artista em 2006 com a Medalha de Mérito Municipal - Grau Ouro e desde 2013 que a toponímia estremocense assinala a existência da rua “Mestre Rogério Ribeiro”.

A exposição “Fazer crescer a vida -. Rogério Ribeiro e o Neo-Realismo”, integra duas obras cedidas para o efeito pelo Museu Municipal de Estremoz e pertencentes ao seu acervo. São elas: - Estudo, 1952. Aguarela sobre papel, 30 x 43 cm; - Mondadeiras, 1952. Tinta-da-China e gouache sobre papel, 35 x 45 cm.

De Estremoz, presentes ao acto inaugural e por iniciativa própria, estive eu e duas pessoas que me acompanharam. Convenhamos que sabe a pouco.











quarta-feira, 7 de maio de 2025

Espiga Pinto na Memória de Antigos Alunos

 

Da esquerda para a direita: José Manuel Varge, Hernâni Matos,
Hilário Modas e José Capitão Pardal.

Encerramento da exposição “Memórias do Alentejo”, de Espiga Pinto
Terminou no passado dia 27 de Abril em Estremoz, a exposição “Memórias do Alentejo”, apresentada pela Galeria Howard’s Folly e pelo Legado de Espiga Pinto, a qual ali esteve patente desde 16 de Março.
A mostra, que incluía pintura, desenho, gravura e escultura, visava celebrar o 85º aniversário do consagrado artista plástico José Manuel Espiga Pinto (1940-2014), natural de Vila Viçosa, pintor da 3ª Geração Modernista e da fase tardia do Neo-realismo, o qual foi professor de Desenho na Escola Industrial e Comercial de Estremoz (1960-1965),
As obras expostas, num total de 40, foram criadas na região na década de 60. Interpretam duma forma magistral as mais variadas cenas da vida agro-pastoril do Alentejo da época, constituindo assim um reflexo da identidade cultural alentejana. .

Encontro de antigos alunos de Espiga Pinto
O encontro ocasional de antigos alunos de Espiga Pinto no acto inaugural da exposição, levou-os a recordar a sua vivência com aquele professor/artista durante a sua permanência em Estremoz. Falaram então da simpatia que gerou entre eles, da importância que teve no seu crescimento enquanto jovens e que os marcou muito positivamente. Vá daí que tenham pensado em transmitir individualmente e duma forma organizada esse testemunho, aos filhos Aurora e Leonardo Espiga Pinto, presentes no acto inaugural. Estes acolheram entusiasticamente a ideia, pelo que eu, que não fui aluno do pintor, na qualidade de admirador e de coleccionador, me disponibilizei a dinamizar um Encontro de antigos alunos de Espiga Pinto, o que acabou por ser feito depois de ter sido acordado o local, a data e a hora.
Foi assim que no último dia da exposição e no local da mesma, foram recolhidos a partir das 15 horas, os testemunhos individuais de antigos alunos que foram gravados em vídeo para memória futura. Presentes António Mourato, Arcângela Figueiredo, Conceição Baleizão, Filomena Proença, José Manuel Varge, Hilário Modas, João Proença, João Fortio, José Capitã Pardal, José Luís Garcia e Teodora Mau-Homem Dimas. No final do Encontro era visível a satisfação patente nos seus rostos após o relato da sua vivência com o professor e pelo reencontro de alguns que já não se viam há bastante tempo.

O Encontro visto pelos filhos de Espiga Pinto
Em missiva que me foi enviada após o Encontro e falando em seu nome e em nome de sua irmã Aurora, diz Leonardo Espiga Pinto em jeito de balanço geral do evento: “Foi para nós uma oportunidade inesquecível, de conhecer melhor a faceta de professor do nosso pai, Espiga Pinto (1940-2014). Os testemunhos que recolhemos em Estremoz relatam vivências emocionadas e emocionantes de alunos de 10-13 anos de idade, no Portugal profundo dos anos sessenta do séc. XX, e o impacto que um jovem professor de desenho trouxe às suas vidas.”
Esmiuçando o Encontro acrescenta: “Os ex-alunos foram unânimes na descrição de um homem firme, mas que os marcou pela forma positiva como manifestava a sua crença no potencial único de cada um. Ouvimos histórias sobre este jovem professor — tinha então pouco mais de vinte anos e recém-chegado a Estremoz vindo da Escola Superior de Belas-Artes — que aplicou métodos muito próprios e inovadores de experimentação artística, criando memórias que, sessenta anos volvidos, ainda despertam emoções e saudade.”
Referindo-se à exposição “Memórias do Alentejo”, prossegue: “Quando aceitámos o convite de Howard Bilton, proprietário da Galeria Howard's Folly, para expor a arte de ESPIGA Pinto em Estremoz, foi precisamente com a esperança de que memórias como estas surgissem e de que aqueles que conheceram e privaram com o nosso pai pudessem revisitar a sua obra.” E acrescenta: “Ficamos com sentimento de missão cumprida pelo significativo número de pessoas que visitaram a exposição, vindas um pouco de todo o país, mas especialmente, aos Alentejanos que quiseram partilhar estas Memórias.” Finaliza, expressando “a nossa gratidão a todos os ex-alunos que puderam vir e pela generosidade com que partilharam memórias tão ricas e vividas do nosso pai."

Epílogo
A meu ver, a evocação da memória de Espiga Pinto por alguns dos seus antigos alunos de há sessenta anos, merecia e devia ser retomada, agora duma forma institucional pela Escola onde foi Professor e da qual actualmente é herdeira, a Escola Secundária da Rainha Santa Isabel, em Estremoz. Aqui fica o alvitre.

Publicado no jornal E nº 356 de 8 de Maio de 2025

sexta-feira, 14 de março de 2025

Exposição "Memórias do Alentejo" de José Manuel Espiga Pinto na Galeria Howard's Folly

 



Transcrito com a devida vénia de
do jornal E, nº 352,
de 14 de Março de 2025

A Galeria Howard’s Folly, em Estremoz, e o Legado de Espiga Pinto vão apresentar, no espaço daquela galeria, a exposição “Memórias do Alentejo”, por ocasião da celebração do 85º aniversário do artista plástico José Manuel Espiga Pinto (1940-2014).

A mostra, que inclui pintura, desenho e escultura, vai estar patente ao público entre 16 de março e 27 de abril e conta com o apoio institucional da BIALE, Bienal Internacional do Alentejo 2025.

As peças expostas, criadas na década de 60, aquando do regresso de Espiga ao Alentejo, refletem a excelência do seu período neorrealista e a infância do artista em Vila Viçosa.

A mostra integra peças em diversos suportes, desde a pintura, trabalhos sobre papel, desenho em tinta-da-china sobre cortiça escultura em bronze. A imagem representa a vida típica do Alentejo histórico, com composições que incluem o cavalo, o touro, a roda, a carroça, a apanha da azeitona, os agricultores, a camponesa e as festas locais.

“Roda”, de 1965, é a obra que sobressai pelo seu valor icónico, com tons laranja evocando a luz do amanhecer sobre a carroça no labor matinal nos campos e representando o símbolo de continuidade da vida. As peças escolhidas, nos vários suportes, continuam a complementar e a ecoar a roda ao longo da exposição.

A roda é um dos principais elementos recorrentes da iconografia de Espiga Pinto, presente em todas as suas fases subsequentes. A exposição centra-se nestes primeiros trabalhos da década de 1960, a “Série do Alentejo”, proporcionando uma narrativa de caráter histórico inspirada no profundo afeto do artista pela sua cultura.

Nascido em Vila Viçosa, em 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, Espiga Pinto estudou escultura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, tendo sido distinguido com importantes prémios e distinções ao longo da vida pela sua contribuição multidisciplinar para as artes.

Foi membro da Academia Nacional de Belas Artes. As memórias e a ligação à vida rural no Alentejo influenciariam toda a sua obra. Espiga afirmou que foi na sua chegada a Estremoz, tinha então cerca de 20 anos, que assumiu como “sentido cósmico” para a sua vida “cantar o Alentejo”, explorando as principais formas figurativas e temas recorrentes, que mais tarde se tornariam a base para o simbolismo cósmico, patentes ao longo de uma extensa carreira de mais de 60 anos.

A arte de Espiga está amplamente estabelecida dentro e fora de Portugal, contando mais de 80 exposições individuais, com uma multiplicidade de obras em locais públicos e trabalhos presentes em prestigiadas coleções. Obras de Espiga foram recentemente incluídas em importantes exposições coletivas: Jaime Isidoro e Vila Nova de Gaia; 50 anos após os 1ºs Encontros Internacionais de Arte (2024), NEO-REALISMO – Memórias Guardadas do Acervo de Hernâni Matos (2024), Uma Terna (e Política) Contemplação do que Vive, obras da coleção Norlinda e José Lima (2023), 60º Aniversário da Cooperativa Árvore (2023) e Contra a Abstração, Obras da Coleção da Caixa Geral de Depósitos (2019).

Em 2020, Penelope Curtis, então Diretora na Fundação Calouste Gulbenkian, selecionou mais de 50 importantes obras, ampliando o já significativo conjunto de obras de Espiga na coleção do CAM – Centro De Arte Moderna Gulbenkian, incluindo peças associadas à temática da presente exposição.

O legado de Espiga Pinto preserva a obra e o acervo biográfico deste extraordinário artista, estando em curso uma extensa investigação com vista à elaboração de um catálogo raisonné. Esta exposição tem a curadoria de Amie Conway e Alex Cousens, profissionais independentes com um longo trajeto nas artes, baseados em Londres, Reino Unido, trabalhando diretamente com os dois herdeiros, Aurora e Leonardo Espiga Pinto, filha e filho, respetivamente. As obras são provenientes da coleção que o próprio artista cuidadosamente construiu, com agradecimentos pelo empréstimo de outras obras por parte de importantes coleções particulares.

Além do apoio institucional da BIALE 2025, esta exposição tem ainda o apoio da The Sovereign Art Foundation, do Grupo de Hotéis Marmóris, da Galeria Alvarez, da Galeria Aqui d’El Arte – CECHAP, da T.ARTe Collage.pt.

“A galeria do The Folly recebe normalmente artistas contemporâneos locais, mas estamos muito satisfeitos por, desta vez, recebermos um verdadeiro ícone da cena artística local que, infelizmente, já não está entre nós. Ter um artista desta estatura a expor na nossa galeria durante a BIALE do Alentejo é, na nossa opinião, muito propício” refere Howard Bilton, proprietário da Howard’s Folly e presidente da The Sovereign Art Foundation.

Aurora e  Leonardo Espiga Pinto, filhos do artista asseguram que “o regresso de Espiga Pinto ao seu Alentejo, e a Estremoz, tem um enorme significado. Esta é a primeira exposição de desenho, pintura e escultura de Espiga Pinto desde o seu falecimento. Além disso, a sua célebre “Série do Alentejo” (década de 1960) não era mostrada ao público há 15 anos. E, finalmente, a exposição tem lugar em Estremoz, lugar onde o nosso pai viveu e criou estas mesmas peças, na sua casa-atelier”.

quinta-feira, 11 de julho de 2024

Visita guiada à exposição “NEO-REALISMO / MEMÓRIAS GUARDADAS / COLECÇÃO HERNÂNI MATOS”



Créditos fotográficos:
Jorge Mourinha - Município de Estremoz

No próximo dia 13 de Julho (sábado), terá lugar pelas 16 horas, uma visita guiada à exposição de artes plásticas NEO-REALISMO / MEMÓRIAS GUARDADAS / COLECÇÃO HERNÂNI MATOS, patente ao público na Sala de Exposições Temporárias do Museu Municipal de Estremoz Prof. Joaquim Vermelho.

A visita será conduzida por mim próprio na qualidade de expositor. Nela começarei por dar uma visão do que foi o movimento neo-realista português, o modo como surgiu e porque surgiu, os seus marcos mais importantes, as lutas em que se envolveu antes do 25 de Abril, bem como as suas naturais implicações.

Seguidamente, orientarei uma visita guiada à exposição, procurando facilitar a leitura e interpretação das obras dos artistas plásticos patentes ao público: Júlio Pomar, António Cunhal, Lima de Freitas, Júlio Resende, Manuel Ribeiro de Pavia, Cipriano Dourado, Rogério Ribeiro, Alice Jorge, Jorge de Almeida Monteiro, Espiga Pinto, Querubim Lapa e Aníbal Falcato Alves.

No seu conjunto, as obras expostas são em número de 40 e distribuem-se por diferentes tipologias: desenho a grafite, desenho a tinta-da-China, guache, aguarela, técnica mista, serigrafia, linoleogravura, xilogravura, litografia, água forte e água tinta e colagem.

A exposição integra o programa das Comemorações "50 ANOS EM LIBERDADE: COMEMORAÇÕES DO 50° ANIVERSÁRIO DA REVOLUÇÃO DE ABRIL DE 1974”, promovidas pelo Município de Estremoz.

A mostra estará patente ao público até ao próximo dia 15 de Setembro.

A participação na visita guiada não carece de marcação e é inteiramente gratuita.

segunda-feira, 17 de junho de 2024

Ora agora falo eu!

 

O discurso de Hernâni Matos. Fotografia de Luís Mariano Guimarães.


Palavras proferidas no acto inaugural da exposição
NEO-REALISMO / MEMÓRIAS GUARDADAS / COLECÇÃO HERNÂNI MATOS
que no dia 15 de Junho de 2024 teve lugar na
Sala de Exposições Temporárias do
Museu Municipal de Estremoz Professor Joaquim Vermelho

 

 Vejamos o que aqui nos traz aqui

Em boa hora o Município de Estremoz teve a iniciativa de promover um conjunto de iniciativas, de índole diversificada e plural, sob a epígrafe "50 ANOS EM LIBERDADE: COMEMORAÇÕES DO 50° ANIVERSÁRIO DA REVOLUÇÃO DE ABRIL DE 1974”.
Nestas comemorações se insere a presente exposição de artes plásticas, designada por NEO-REALISMO / MEMÓRIAS GUARDADAS / COLECÇÃO HERNÂNI MATOS.
Este certame tem 3 objectivos precisos e claros: - Comemorar os 50 anos do 25 de Abril; - Realçar o papel da arte neo-realista como arte de resistência; - Divulgar trabalhos de artistas plásticos neo-realistas.

Falemos de Abril
Foi em 25 de Abril de 1974, graças à acção militar coordenada do Movimento das Forças Armadas – MFA, que foi conseguido o derrube da ditadura mais velha da Europa – o regime totalitário e fascista de Salazar e de Caetano.
No desenrolar dos acontecimentos teve papel determinante um esquadrão do RC3 comandado pelo então capitão Andrade Moura, o qual cumprida a missão que o levara a Lisboa, à chegada a Estremoz foi alvo de grandiosa recepção popular, sendo aclamado pela multidão entusiasmada e recebendo honras militares.
Estremoz, através do seu prestigiado RC3, participara na libertação, o que muito nos congratula.
No seu poema “As portas que Abril abriu!”, o saudoso poeta José Carlos Ary dos Santos, diz-nos quem fez o de Abril de 1974:

“Quem o fez era soldado
homem novo Capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.”

E mais adiante:

“Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.”

Com o 25 de Abril de 1974 houve uma mudança de paradigma. Como preito de homenagem a Luís Vaz de Camões, cujo 5º Centenário de Nascimento está a decorrer, mas pensando sempre no 25 de Abril de 1974, não resisto a parafrasear um excerto de um dos seus mais famosos sonetos:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.”

Antecedentes do 25 de Abril
O 25 de Abril foi antecedido de muitas lutas contra o regime, por parte de múltiplos sectores da sociedade portuguesa: operários, camponeses, trabalhadores de serviços e intelectuais.
É nesse contexto de luta que surge informalmente uma frente cultural de escritores e artistas plásticos, descontentes com a política cultural do Estado Novo, frente essa que viria a ser designada por “Movimento neo-realista português”.
Tratou-se dum movimento filosófico, literário e artístico, o qual se manifestaria pela primeira vez em meados dos anos 30 através de polémicas literárias surgidas nos jornais “O Diabo” e “Sol Nascente”, bem como na revista “Vértice”, que defendiam uma arte virada para os verdadeiros problemas da sociedade, entrando em ruptura com o que era preconizado pela revista “Presença”, a qual defendia uma literatura expurgada de ideologia e não comprometida socialmente e que ao contrário do neo-realismo dava mais importância à “forma” que ao “conteúdo”.
O Movimento neo-realista português estender-se-ia já nos anos 40 às artes plásticas.
Os neo-realistas assumem-se então como representantes e porta-vozes dos anseios das classes trabalhadoras, propondo-se retratar a realidade social e económica do país, ao mesmo tempo que se empenham na transformação das condições sociais do mesmo. Para tal, focam-se no homem e na mulher comuns, procurando saber como vivem e trabalham operários e camponeses. Para além disso, abordam e aprofundam temas como as desigualdades sociais e a exploração do homem pelo homem. Escrutinam as injustiças e analisam o modelo social vigente. Pugnam pela elevação moral dos oprimidos e depositam esperança no futuro do Homem.
É claro que a defesa de todos estes valores se processa nas condições mais duras de repressão, que incluem no mínimo a censura (caso dos frescos de Júlio Pomar no Cinema Batalha no Porto em 1948, os quais foram mandados destruir), a apreensão de obras de arte (como aconteceu, entre outros, com Júlio Pomar, Lima de Freitas e Manuel Ribeiro de Pavia na Exposição Geral de Artes Plásticas de 1947, em Lisboa), a censura prévia de exposições (como aconteceu nas Exposições Gerais de Artes Plásticas entre 1948 e 1956), a proibição da realização de exposições (como aconteceu em 1952 em que não se realizou a Exposição Geral de Artes Plásticas, porque a Sociedade Nacional de Belas Artes esteve encerrada pela PIDE), a interdição do desempenho de cargos públicos (caso de Júlio Pomar e Alice Jorge) e no limite, a prisão (como aconteceu com os pintores Rogério Ribeiro, Júlio Pomar e Lima de Freitas) e mesmo o assassinato a tiro na via pública (como aconteceu com o escultor José Dias Coelho).

Memórias guardadas
Os trabalhos neo-realistas aqui expostos são registos da realidade de uma época nos seus múltiplos aspectos: social, económico e político. São pois, memórias do passado.
Por outro lado, ao reunir um acervo pessoal dessas obras, tornei-me, eu próprio, um guardador de memórias.
Estas memórias guardadas, conjuntamente com muitas outras memórias integram a chamada “memória colectiva”, a qual nos ajuda a construir e manter a nossa identidade cultural e histórica, preservando tradições, valores e experiências comuns.
É a memória colectiva que nos permite aprender com os erros e sucessos do passado, o que é essencial para o desenvolvimento e a evolução da sociedade.
A memória colectiva desempenha um papel crucial no exercício da cidadania e da democracia, pois é através da memória colectiva que as lutas e conquistas dos nossos antepassados são lembradas e honradas, incentivando a luta por um futuro melhor e mais justo.

A terminar
Dou-vos conta da minha disponibilidade para vos conduzir numa visita guiada à exposição.
Mas antes disso gostaria de expressar publicamente alguns agradecimentos:
Em primeiro lugar, ao Senhor Presidente da Câmara Municipal de Estremoz, José Daniel Pena Sadio, que teve a gentileza de redigir um texto de abertura para o catálogo, que muito o valoriza e me honra, já que no mesmo é reconhecido o valor e o interesse de parte do meu acervo estar patente ao público, o que o levou a conceder o seu aval à presente exposição.
Em segundo lugar, ao estimado filósofo e meu prezado amigo António Júlio Rebelo, que igualmente teve a gentileza de redigir o texto “O imaginário desceu à terra”, um monumento de pensamento cuja inserção no catálogo muito me orgulha.
Em terceiro lugar, quero agradecer a curadoria da exposição, de Isabel Borda d’Água, Directora do Museu Municipal de Estremoz, que se mostrou inexcedível na preparação da exposição e na divulgação da mesma.
Por último, quero agradecer à equipa de montagem do Museu, liderada pelo Senhor Manuel Broa, a dedicação e a competência técnica reveladas na concretização do “visual da exposição”.
A todos, o meu muito obrigado. Bem hajam!
Para todos eles, peço uma calorosa salva de palmas.


Hernâni Matos
Texto publicado em 17 de Junho de 2024

Uma aspecto inicial da assistência. Fotografia de Luís Mariano Guimarães.

domingo, 16 de junho de 2024

NEO-REALISMO / MEMÓRIAS GUARDADAS / COLECÇÃO HERNÂNI MATOS

 


Créditos fotográficos:
Jorge Mourinha - Município de Estremoz

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Integrada no Programa Comemorativo “50 anos em Liberdade: Comemorações do 50º Aniversário da Revolução de Abril de 1974”, decorreu ontem na Sala de Exposições Temporárias do Museu Municipal de Estremoz Prof. Joaquim Vermelho, a inauguração da exposição de artes plásticas NEO-REALISMO / MEMÓRIAS GUARDADAS / COLECÇÃO HERNÂNI MATOS.

No acto inaugural, participaram cerca de 4 dezenas de convidados, cuja presença e afecto foi para mim gratificante. Presidiu ao evento, o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Estremoz, José Daniel Pena Sadio, a quem agradeço as palavras amigas, bem como ao Chefe de Divisão, Hugo Guerreiro, o qual no mesmo sentido o antecedeu no uso da palavra.  Seguidamente, coube-me a mim igual papel, tendo agradecido as facilidades concedidas pelo Município. De resto e como não podia deixar de ser, procurei dar uma visão do que que foi o movimento neo-realista português, o modo como surgiu e porque surgiu, os seus marcos mais importantes, as lutas em que se envolveu antes do 25 de Abril, bem como as suas naturais implicações.

A terminar, orientei uma visita guiada à exposição, procurando facilitar a leitura e interpretação das obras dos artistas plásticos patentes ao público: Júlio Pomar, António Cunhal, Lima de Freitas, Júlio Resende, Manuel Ribeiro de Pavia, Cipriano Dourado, Rogério Ribeiro, Alice Jorge, Jorge de Almeida Monteiro, Espiga Pinto, Querubim Lapa e Aníbal Falcato Alves. No seu conjunto, as obras expostas são em número de 40 e distribuem-se por diferentes tipologias: desenho a grafite, desenho a tinta-da-China, guache, aguarela, técnica mista, serigrafia, linoleogravura, xilogravura, litografia, água forte e água tinta e colagem. A mostra estará patente ao público até ao próximo dia 15 de Setembro.

Hernâni Matos