Santo António no púlpito (2020). Carlos Alves (1958- ).
Prólogo
A figura de Santo António é uma das imagens devocionais mais
antigas e mais populares, produzidas pelos barristas de Estremoz. As
representações conhecidas figuram-no, em geral, assente numa peanha trajando em
alternativa:
- 1) O hábito castanho da ordem franciscana, com cordão de 3
nós e por vezes com o rosário à cintura;
- 2) As vestes de cónego regrante de Santo Agostinho, o qual
inclui túnica branca, sobrepeliz de linho, redonda e ampla, assim como murça
preta, apertada apenas por um botão.
Em qualquer das figurações e em geral, o Santo ampara no
braço esquerdo um livro, sobre o qual se senta o Menino Jesus, que segura nas
mãos o globo do mundo. Na mão direita do Santo, uma açucena ou em alternativa
uma cruz.
Trata-se frequentemente de representações inspiradas em
imagens devocionais em madeira, que são objecto de culto nas nossas Igrejas.
Todavia nem sempre é assim. A barrista Fátima Estróia há
muito que prescindiu da peanha nas representações de Santo António, não sei se
por o considerar um Santo “terra a terra” (popular) ou por no momento da
criação não estar a pensar em nenhuma imagem de Igreja.[1]
Recentemente, a barrista Joana Oliveira criou duas composições: “Passeio de
Santo António com o Menino Jesus” e “Sermão de Santo António aos peixes”. Em
qualquer das suas criações, prescindiu compreensivelmente do recurso à peanha,
uma vez que não estava a representar qualquer imagem existente numa Igreja.
Estava sim a concretizar, respectivamente, representações da intimidade de
Santo António com o Menino Jesus e de um sermão bem conhecido.
As representações anteriores não esgotam as possibilidades
de figurar o Santo em contexto de imagem de culto ou em aspectos da sua vida.
Na verdade, a biografia de Santo António é bem conhecida e retrata-o como
teólogo, místico, asceta, grande taumaturgo, notável orador e homem de grande
cultura, documentada pela colectânea de sermões escritos que nos legou.
Significa isto que os barristas de Estremoz têm possibilidade de efectuar outras
representações de Santo António, para além daquelas que são conhecidas.
Foi nessa ordem de ideias que tendo sido Santo António um
grande orador, o barrista Carlos Alves criou uma imagem de “Santo António no
púlpito”[2],
inspirada na escultura homónima em madeira (58x17x12 cm), de autor
desconhecido, que terá sido criada no período 1501-1525 e que pertence ao
acervo do Museu Nacional Machado de Castro, em Coimbra. É dessa imagem que
seguidamente vou falar.
Santo António no
púlpito
“Santo António no púlpito” (39x13x12,5 cm) é uma figura
composta por duas figuras elementares: “Santo António” (26x11,5x8 cm) e “púlpito”
(24x13x12,5 cm).
Santo António enverga o hábito castanho da ordem
franciscana, com manto e capucho sobre a cabeça. Calça sandálias. À cintura tem
cingido o cordão creme de três nós, que simbolizam os votos perpétuos do Santo:
obediência, pobreza e castidade, as três pedras angulares da Ordem Franciscana.
Ambas as mãos estão encostadas ao peito, sem contudo estarem fechadas, numa
atitude de quem procura dar vida às palavras, acompanhando-as com gestos.
A figura do Santo assenta numa base estreita, prismática e
sextavada, de cor amarela, heterogénea, configurando mármore raiado de
castanho.
O púlpito, assente numa base moldurada, tem forma prismática
e sextavada, de cor igualmente amarela, heterogénea, configurando mármore
raiado de castanho. Apresenta atrás uma abertura com uma extensão
correspondente a duas faces do prisma, a qual permite a entrada da figura do
Santo. O púlpito está coberto com um pano de púlpito, de cor verde e com
franjas douradas.
O simbolismo das
cores
- Verde, cor das
plantas e das árvores, associada ao crescimento, à renovação e à plenitude.
Simboliza a esperança na vida eterna. É a cor usada nos Ofícios e Missas
do Tempo Comum;
- Amarelo, cor
associada ao Sol, que dá a sensação de brilho e iluminação. Cor acolhedora que
estimula o optimismo, proporciona concentração e estimula o intelecto;
- Castanho, cor de
terra, que no dizer de São Francisco de Assis é mais humilde que os outros
elementos e que está associada aos votos de pobreza assumidos pelos
franciscanos. É a cor normativa da Ordem;
- Dourado, cor do ouro, o mais nobre dos metais, associado
ao que é perfeito, durável e eterno. Cor que evoca o Sol e o fogo, símbolo do
amor e da luz celeste.
Cancioneiro Antonino
É vasta a literatura de tradição oral portuguesa referente a
Santo António. Do extenso cancioneiro antonino seleccionei algumas quadras, que
julguei adequadas ao presente texto. Uma que refere o tecido do hábito: “Ó meu
padre Santo António / Vestidinho d’estamenha; / A quem Deus quer ajudar, / O
vento lhe ajunta a lenha.” (1)
Outra que refere o cordão com que cinge a cintura: “Ó meu
padre Santo António, / O vosso cordão é bento; / Dai-me a luz dos vossos olhos
/ Do Divino Sacramento.” (1)
Uma relativa ao julgamento do seu pai: “Santo António já foi
frade, / Já foi frade, já pregou: / Ao pedir Ave-marias / Seu pai da forca
livrou.” (1)
Outra respeitante ao sermão aos peixes: “Santo António
Português, / Quando foi pregar ao mar, / Até os peixes na água, / Se puseram a
escutar!” (1)
Finalmente uma relativa ao interesse despertado nas moças:
“Santo António de Lisboa / Era um grande pregador, / Mas é por ser Santo
António / Que as moças lhe têm amor.” (2)
Epílogo
A mais recente criação do barrista Carlos Alves veio
enriquecer sobremaneira, a barrística popular estremocense, o que para mim é
gratificante.
Pela singularidade da sua criação, modelada com rigor e pelo
cromatismo agradável, fortemente simbólico e esteticamente harmonioso, o
barrista é merecedor de toda a minha admiração. Por isso, publicamente o
felicito:
- PARABÉNS, CARLOS ALVES!
BIBLIOGRAFIA
(1) -
MATTOS, Armando de Matos. Santo António
de Lisboa na Tradição Popular (Subsídio Etnográfico). Livraria Civilização.
Porto, 1937.
(2) - PESSOA,
Fernando. Quadras ao Gosto Popular.
Ática. Lisboa, 1965.
[1] O
mesmo já acontecera com barristas como José Moreira, irmãs Flores e Maria Luísa
da Conceição na criação de imagens devocionais de outros Santos.
[2] O
púlpito é parte integrante de um templo católico e consiste numa plataforma
elevada em relação ao solo, cercada por um guarda-corpo e provido de um
determinado meio de acesso. A sua função é elevar espacialmente o orador, para
melhor ser visto e ouvido pelos fiéis. Pode apresentar elementos decorativos
que reforçam a dignidade do discurso e do pregador.
Santo António no púlpito
(1501-1525). Escultura em madeira (58x17x12 cm),
de autor desconhecido. Museu
Nacional Machado de Castro, Coimbra.
“Santo António” e “púlpito”, figuras
elementares que integram a figura composta
“Santo António no púlpito” (após cozedura).
“Santo António no púlpito” (após cozedura).
“Santo António no púlpito” - parte da frente (após cozedura).
“Santo António no púlpito” - parte detrás (após cozedura).
“Santo António” e “púlpito”, figuras elementares que integram a figura composta
“Santo António no púlpito” (após pintura e envernizamento).
“Santo António no púlpito” (após pintura e envernizamento).
“Santo António no púlpito” - parte da frente (após pintura e envernizamento).
“Santo António no púlpito” - parte detrás (após pintura e envernizamento).
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