sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Santo António no púlpito


Santo António no púlpito (2020). Carlos Alves (1958-  ). 

Prólogo
A figura de Santo António é uma das imagens devocionais mais antigas e mais populares, produzidas pelos barristas de Estremoz. As representações conhecidas figuram-no, em geral, assente numa peanha trajando em alternativa:
- 1) O hábito castanho da ordem franciscana, com cordão de 3 nós e por vezes com o rosário à cintura;
- 2) As vestes de cónego regrante de Santo Agostinho, o qual inclui túnica branca, sobrepeliz de linho, redonda e ampla, assim como murça preta, apertada apenas por um botão.
Em qualquer das figurações e em geral, o Santo ampara no braço esquerdo um livro, sobre o qual se senta o Menino Jesus, que segura nas mãos o globo do mundo. Na mão direita do Santo, uma açucena ou em alternativa uma cruz.
Trata-se frequentemente de representações inspiradas em imagens devocionais em madeira, que são objecto de culto nas nossas Igrejas.
Todavia nem sempre é assim. A barrista Fátima Estróia há muito que prescindiu da peanha nas representações de Santo António, não sei se por o considerar um Santo “terra a terra” (popular) ou por no momento da criação não estar a pensar em nenhuma imagem de Igreja.[1] Recentemente, a barrista Joana Oliveira criou duas composições: “Passeio de Santo António com o Menino Jesus” e “Sermão de Santo António aos peixes”. Em qualquer das suas criações, prescindiu compreensivelmente do recurso à peanha, uma vez que não estava a representar qualquer imagem existente numa Igreja. Estava sim a concretizar, respectivamente, representações da intimidade de Santo António com o Menino Jesus e de um sermão bem conhecido.
As representações anteriores não esgotam as possibilidades de figurar o Santo em contexto de imagem de culto ou em aspectos da sua vida. Na verdade, a biografia de Santo António é bem conhecida e retrata-o como teólogo, místico, asceta, grande taumaturgo, notável orador e homem de grande cultura, documentada pela colectânea de sermões escritos que nos legou. Significa isto que os barristas de Estremoz têm possibilidade de efectuar outras representações de Santo António, para além daquelas que são conhecidas.
Foi nessa ordem de ideias que tendo sido Santo António um grande orador, o barrista Carlos Alves criou uma imagem de “Santo António no púlpito”[2], inspirada na escultura homónima em madeira (58x17x12 cm), de autor desconhecido, que terá sido criada no período 1501-1525 e que pertence ao acervo do Museu Nacional Machado de Castro, em Coimbra. É dessa imagem que seguidamente vou falar.


Santo António no púlpito
“Santo António no púlpito” (39x13x12,5 cm) é uma figura composta por duas figuras elementares: “Santo António” (26x11,5x8 cm) e “púlpito” (24x13x12,5 cm).
Santo António enverga o hábito castanho da ordem franciscana, com manto e capucho sobre a cabeça. Calça sandálias. À cintura tem cingido o cordão creme de três nós, que simbolizam os votos perpétuos do Santo: obediência, pobreza e castidade, as três pedras angulares da Ordem Franciscana. Ambas as mãos estão encostadas ao peito, sem contudo estarem fechadas, numa atitude de quem procura dar vida às palavras, acompanhando-as com gestos.
A figura do Santo assenta numa base estreita, prismática e sextavada, de cor amarela, heterogénea, configurando mármore raiado de castanho.
O púlpito, assente numa base moldurada, tem forma prismática e sextavada, de cor igualmente amarela, heterogénea, configurando mármore raiado de castanho. Apresenta atrás uma abertura com uma extensão correspondente a duas faces do prisma, a qual permite a entrada da figura do Santo. O púlpito está coberto com um pano de púlpito, de cor verde e com franjas douradas.

O simbolismo das cores 
- Verde, cor das plantas e das árvores, associada ao crescimento, à renovação e à plenitude. Simboliza a esperança na vida eterna. É a cor usada nos Ofícios e Missas do Tempo Comum;
- Amarelo, cor associada ao Sol, que dá a sensação de brilho e iluminação. Cor acolhedora que estimula o optimismo, proporciona concentração e estimula o intelecto;
- Castanho, cor de terra, que no dizer de São Francisco de Assis é mais humilde que os outros elementos e que está associada aos votos de pobreza assumidos pelos franciscanos. É a cor normativa da Ordem;
- Dourado, cor do ouro, o mais nobre dos metais, associado ao que é perfeito, durável e eterno. Cor que evoca o Sol e o fogo, símbolo do amor e da luz celeste.


Cancioneiro Antonino
É vasta a literatura de tradição oral portuguesa referente a Santo António. Do extenso cancioneiro antonino seleccionei algumas quadras, que julguei adequadas ao presente texto. Uma que refere o tecido do hábito: “Ó meu padre Santo António / Vestidinho d’estamenha; / A quem Deus quer ajudar, / O vento lhe ajunta a lenha.” (1)
Outra que refere o cordão com que cinge a cintura: “Ó meu padre Santo António, / O vosso cordão é bento; / Dai-me a luz dos vossos olhos / Do Divino Sacramento.” (1)
Uma relativa ao julgamento do seu pai: “Santo António já foi frade, / Já foi frade, já pregou: / Ao pedir Ave-marias / Seu pai da forca livrou.” (1)
Outra respeitante ao sermão aos peixes: “Santo António Português, / Quando foi pregar ao mar, / Até os peixes na água, / Se puseram a escutar!” (1)
Finalmente uma relativa ao interesse despertado nas moças: “Santo António de Lisboa / Era um grande pregador, / Mas é por ser Santo António / Que as moças lhe têm amor.” (2)


Epílogo
A mais recente criação do barrista Carlos Alves veio enriquecer sobremaneira, a barrística popular estremocense, o que para mim é gratificante.
Pela singularidade da sua criação, modelada com rigor e pelo cromatismo agradável, fortemente simbólico e esteticamente harmonioso, o barrista é merecedor de toda a minha admiração. Por isso, publicamente o felicito:
- PARABÉNS, CARLOS ALVES!

BIBLIOGRAFIA
(1) - MATTOS, Armando de Matos. Santo António de Lisboa na Tradição Popular (Subsídio Etnográfico). Livraria Civilização. Porto, 1937.
(2) - PESSOA, Fernando. Quadras ao Gosto Popular. Ática. Lisboa, 1965.
 

[1] O mesmo já acontecera com barristas como José Moreira, irmãs Flores e Maria Luísa da Conceição na criação de imagens devocionais de outros Santos.
[2] O púlpito é parte integrante de um templo católico e consiste numa plataforma elevada em relação ao solo, cercada por um guarda-corpo e provido de um determinado meio de acesso. A sua função é elevar espacialmente o orador, para melhor ser visto e ouvido pelos fiéis. Pode apresentar elementos decorativos que reforçam a dignidade do discurso e do pregador.


Santo António no púlpito (1501-1525). Escultura em madeira (58x17x12 cm),
de autor desconhecido. Museu Nacional Machado de Castro, Coimbra.

 “Santo António” e “púlpito”, figuras elementares que integram a figura composta
“Santo António no púlpito” (após cozedura).

 “Santo António no púlpito” - parte da frente  (após cozedura).

 “Santo António no púlpito” - parte detrás  (após cozedura).

 “Santo António” e “púlpito”, figuras elementares que integram a figura composta
“Santo António no púlpito” (após pintura e envernizamento).

“Santo António no púlpito” - parte da frente  (após pintura e envernizamento).

 “Santo António no púlpito” - parte detrás  (após pintura e envernizamento).

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