A Meca, alvo das
peregrinações gastronómicas do Franco-atirador:
Restaurante “Kimbo”, na Rua
31 de Janeiro, em Estremoz.
O prazer de comer
Sou publicamente conhecido pelo exercício continuado da crítica social, direito cívico e democrático do qual não abdico. Daí que alguns, porventura despeitados, me apodem de “má-língua”. Trata-se de um vitupério, duplamente falso. Em primeiro lugar, porque como traço de carácter, sou incapaz de enganar os outros e “vender gato por lebre”, como alguns persistem em fazer. Em segundo lugar, porque as minhas dotadas papilas gustativas, superiormente protegidas pelo palato, me transmitem por via neuronal, o seu parecer incontestável sobre aquilo que, visando retemperar as forças, devo ou não consumir às refeições.
Comer, não é um mero acto de sobrevivência. É
também o exercício de uma filosofia hedonista, que transfigura o próprio acto
de comer e está na génese de uma mudança de paradigma, o salto qualitativo
entre dois patamares distintos: a necessidade de comer e o prazer de comer. Que
o diga a Fátima, minha companheira, com a qual casei há 35 anos e que assumiu a
espinhosa missão de me tratar da alma e do corpo, muito em especial da barriga.
A Fátima é excelente cozinheira e regala-me os
sentidos com os petiscos que confecciona. Pese, embora essa condição, de vez em
quando vamos almoçar ou jantar fora, já que na perspectiva da cozinheira, a
qual eu também perfilho, “enquanto o pau vai e vem, folgam as costas”.
As idas ao “Kimbo”
Um restaurante que nos habitámos a frequentar foi o
“Kimbo”, na Rua 31 de Janeiro, em Estremoz. Ali, o manda-chuva é o João, patrão daquilo tudo e uma espécie de homem dos sete
ofícios. À sua condição de patrão, acrescem as de cozinheiro exímio, chefe de
sala, chefe de vinhos e empregado de mesa. A Paula, sua cara-metade, dá-lhe o
apoio necessário. Na cozinha reina a “chef” Manuela, secundada pela Fátima, não
a minha, mas igualmente Fátima.
A Ementa
A Ementa contempla entradas, omeletas, pratos
regionais, carnes e peixes grelhados ou fritos, especialidades da casa, doces e
frutas variadas. As doses são bem aviadas e é excelente a relação qualidade -
preço.
Os pratos do dia variam ao longo da semana e deles
destaco a nível de peixes: massada de peixe, bacalhau com espinafres, bacalhau
com puré de grão, bacalhau torricado, caldeirada de lulas, lulas à espanhola,
lulas grelhadas, polvo com broa e polvo à lagareiro. Quanto a carnes, saliento:
borrego à lagareiro, caldeirada de borrego, espetada de peito de frango com
ananás, pato no forno com laranja, rancho à portuguesa e sopa de pedra.
Livro de reclamações
A frequência do “Kimbo”
agradou-me desde a primeira hora. Daí que certa vez, quando o João me perguntou
no final:
- Então que
tal, Professor?
A minha resposta não o podia ter surpreendido mais:
- Traga-me o
livro de reclamações, se faz favor!
Perguntou-me então:
- Não me diga que hoje não gostou, Professor?
A minha resposta só podia ser uma:
- É claro que
adorei como habitualmente, amigo João. Mas onde é que eu posso registar um
rasgado e merecido elogio, se não for no livro de reclamações?
E ainda argumentei filosoficamente:
- Então um
elogio não é uma reclamação negativa ou seja uma ausência de reclamação?
A resposta do João foi imediata:
- Vai
desculpar Professor, mas o livro oficial de que dispomos é para registar
reclamações e não a ausência de reclamações.
Vencido, mas não convencido, ainda rematei:
- Está mal.
E a conversa ficou por ali.
Livro de elogios
Como não podia deixar de ser, dada a qualidade do
serviço prestado, continuei a frequentar o “Kimbo” e a conversa no final ia
sempre parar ao mesmo: o pedido do livro de reclamações para registar o meu
elogio, o que sempre me era amigavelmente declinado. Até que um dia e perante a
minha estupefacção, o João me disse:
- Já que
tanto insistiu, acabei por descobrir a existência de um livro de elogios. Vou
já buscá-lo.
Acabei por saber tratar-se de um livro não oficial,
fruto de um projecto de Cristina Leal, que partiu da constatação do absurdo que
era existir um livro de reclamações e não existir um livro de elogios. Daí ter
criado um livro onde se pode reconhecer o que é bom e deixar isso registado.
O meu elogio
Naturalmente que se impunha dar conta aqui do meu
elogio, com o qual tive o privilégio de inaugurar o livro, em Agosto passado:
“Sou um cliente de excelência. Não da minha
excelência, mas do padrão total da excelência do “Kimbo”, que atravessa
transversalmente e sempre com 5 estrelas, parâmetros distintos mas
complementares: excelente ambiente, elevado padrão de atendimento, resposta
rápida da cozinha, a que há que acrescentar o fascínio dos pratos
confeccionados sobre os sentidos que têm a ver com a gastronomia (visão,
olfacto e paladar). É caso para dizer:
- Obrigado,
João e Companhia. Parabéns.
Recomendamos sinceramente a frequência deste
restaurante de excelência.”
Hernâni Matos
Cronista do E, gastrónomo. enófilo e tudo.
(Texto publicado no jornal E nº 195, de 08-03-2018)
Publicado inicialmente a 12 de Março de 2018
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