Imagem reproduzida com a devida
vénia
de Crescer
(https://revistacrescer.globo.com).
À Catarina, minha filha:
É bem conhecido o especial carinho que nutro pelas
manifestações orais da cultura popular: cancioneiro, provérbios, gíria,
lengalengas, adivinhas, etc. Daí que ninguém estranhe que as procure divulgar
de uma forma pedagógica, através da sua integração nos meus escritos. Por isso
vos falo hoje dos trava-línguas. Trata-se de frases difíceis de pronunciar como
resultado da semelhança sonora das suas sílabas. Daí que sejam utilizados por
educadores de infância, visando aperfeiçoar a pronúncia e exercitar a
oralidade da língua. Acabam por se tornar numa brincadeira que motiva as
crianças e as desafia a reproduzi-los sem errar, o que acontece com frequência,
causando risos e alegria. Por fim, acabam por perceber que quanto
mais rápido procuram verbalizar, maior é a probabilidade de se enganarem.
Um trava-línguas que tem para mim especial
significado é este:
- O rato roeu
a rolha da garrafa do rei da Rússia.
A minha filha que hoje tem hoje 32 anos, em miúda
pronunciava os "r" como se fosse chinesa. O resultado fonético era
este:
- O lato loeu
a lolha da galafa do lei da Lúcia.
Então eu repetia tudo de novo e ela pedia-me para
repetir também, porque já ia dizer bem. E para meu desespero dizia exactamente
a mesmo coisa, sem tirar nem pôr.
O "r" para ela era "l".
Contudo, a vontade que ela tinha de ultrapassar aquela dificuldade que eu lhe
apontava, levou a convencer-se que já dizia bem, quando continuava a dizer
exactamente a mesma coisa. Mas eu continuei a insistir, até que um dia, saiu
cristalino da sua voz doce, o resultado esperado:
- O rato roeu
a rolha da garrafa do rei da Rússia.
Foi para mim um raro momento de felicidade, por ela
ter conseguido dar um salto dialéctico, só comparável ao que passou quando um
dia estava a gatinhar em casa de um amigo meu que já lá está e de repente se
pôs em pé, a andar, para nunca mais gatinhar.
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