Fig. 1 – Imagem da Rainha Santa Isabel venerada na cidade de Estremoz. Foi oferecida
à Capela da Rainha Santa Isabel por D. João V, em 1729. Encontra-se actualmente na
Igreja de Santa Maria, no Castelo de Estremoz.
A Rainha Santa Isabel de Aragão (1270-1336), esposa de el-Rei D. Diniz (1261-1325), faleceu no Castelo de Estremoz, com 66 anos de idade, no dia 4 de Julho de 1336, de uma doença súbita surgida quando se dirigia para a raia em missão de apaziguamento entre o filho, D. Afonso IV (1291-1357), e o neto, Afonso XI de Castela (1311-1350). Contra o conselho de todos, D. Afonso quis cumprir o propósito de sua mãe ser sepultada no Mosteiro de Santa Clara. A longa trasladação fez-se sob o sol aceso de Julho e, para assombro de todos, apesar dos grandes calores que se faziam experimentar, o ataúde exalava um perfume tão aprazível que "tão nobre odor nunca ninguém tinha visto", assim se lê na sua primeira e anónima biografia, conhecida por “Lenda ou Relação”, redigida imediatamente após a sua morte, por alguém que de perto com ela conviveu, provavelmente o seu confessor, Frei Salvado Martins, bispo de Lamego, ou então uma das donas de Santa Clara que a assistiram durante o tempo de viuvez.
As virtudes da Rainha, mais tarde considerada Santa, estiveram na origem da sua beatificação por Leão X (1475-1521), em 1516, com autorização de culto circunscrito à Diocese de Coimbra. Em 1556, o papa Paulo IV (1476-1559) torna extensiva a devoção isabelina a todo o Reino de Portugal. Seria o papa Urbano VIII (1568-1664), dada a incorrupção do corpo e o relato dos milagres, quem proclamaria em 1625, a canonização de Isabel de Aragão como Rainha Santa.
A IMAGEM DA RAINHA SANTA ISABEL
Entre igrejas, capelas e ermidas, Estremoz tem 22 edifícios religiosos onde se encontram expostas imagens religiosas que são objecto de culto pelos fiéis. Uma delas é a imagem da Rainha Santa Isabel (Fig. 1 e Fig. 2), Padroeira de Estremoz (Fig. 3), actualmente venerada na Igreja de Santa Maria, no Castelo. Esta imagem encontrava-se até há uns anos atrás na Capela da Rainha Santa Isabel, também no Castelo. A imagem, em madeira policromada, foi oferecida por D. João V (1689-1750), descendente em linha directa da Rainha Santa Isabel e que a seus pés orou, quando visitou a Capela com a sua esposa, D. Mariana de Áustria (1683-1754), em 30 de Janeiro de 1729. A Rainha veste o hábito de freira clarissa, tal como veio morrer a Estremoz. Todavia o véu branco é de viúva e não de clarissa. Na cabeça uma coroa aberta do tipo barroco e na mão um bordão de peregrina, ambos de prata. A mão esquerda segura o regaço, no qual se vêem rosas, alegoria ao lendário “Milagre das Rosas”.
A CONSTRUÇÃO DA CAPELA DA RAINHA SANTA ISABEL
É de salientar que pertenceu à Rainha Dona Luísa de Gusmão (1613-1666), mulher de El-Rei D. João IV (1604-1856), a ideia de adaptar a Capela, os supostos aposentos da Rainha Santa no Castelo de Estremoz, em acção de graças pela vitória do exército português sobre o exército espanhol, na batalha das Linhas de Elvas, travada a 14 de Janeiro de 1659. A Capela que ficou a cargo da Congregação do Oratório de São Filipe Néri, encontrou em El-Rei D. João V (1689-1750) um mecenas e foi sob a sua égide que se concluíram as obras da Capela em 1706.
A TRANSFERÊNCIA DA IMAGEM DA RAINHA SANTA PARA O CONVENTO DOS CONGREGADOS
Durante a 1ª invasão francesa, as tropas napoleónicas, comandadas pelo general Loison (1771-1816), “O maneta”, saquearam a vila de Estremoz em 1808, com especial destaque para a famosa Sala de Armas de D. João V, no Castelo. A esse tempo já os Oratorianos tinham posto a salvo a Imagem da Santa, a sua Relíquia e alguns Vasos Sagrados que secretamente esconderam na sua Congregação. Todavia, os franceses conhecidos pelas suas profanações e impiedades, não só não profanaram a capela, como não tocaram numa única preciosa Alfaia ou Ornamento que ali se guardasse. Tal facto foi pela população atribuído a beneficência da mão de Deus pela intercessão da Rainha Santa.
A 3 de Julho de 1808, véspera da festividade da Rainha Santa, as tropas francesas evacuaram completamente a vila de Estremoz, após activarem minas para arrasarem a Torre da Menagem, o que arrasaria também a Capela da Rainha Santa, contígua à Torre. Para além da horrível explosão, as minas não produziram o efeito desejado, o que foi atribuído a Intervenção Divina, por empenho daquela Santa Advogada.
A TRASLADAÇÃO DA IMAGEM DA RAINHA SANTA PARA A SUA CAPELA
A 11 de Julho os nobres habitantes de Estremoz animados de espírito patriótico e tendo à cabeça o Juiz de Fora, Doutor António Gomes Henriques Gaio, animados de espírito patriótico, sacudiram o jugo do inimigo e entre mil vivas e demonstrações de júbilo, aclamaram como seu único e legítimo Soberano, Sua Alteza Real o Príncipe Regente. Disto chegou notícia ao general Loison que se encontrava na capital e que com infantaria, cavalaria e artilharia, partiu para o Alentejo, com o desígnio de entrar em Évora e em Estremoz e de não deixar pedra sobre pedra. Em Évora, Loison entrou a 29 de Julho, onde apesar da resistência militar e civil, terá saqueado a cidade, causando uma chacina que causou entre 2.000 e 8.000 mortos, conforme os autores, bem como 200 prisioneiros. Daqui se dirigiram para Estremoz, onde não tiveram a menor hostilidade nem com moradores, nem com as casas, nem com os seus bens, partindo depois para Elvas. Em tal facto, foi reconhecida novamente a Intervenção Divina, por empenho da Rainha Santa. Os Oratorianos decidem então promover uma solene e pomposa Festividade de Acção de Graças à Rainha Santa Isabel no dia em que a sua devota imagem fosse transportada para a sua Capela no Castelo, o que aconteceu a 29 de Outubro, dia em que a Igreja soleniza a trasladação do Venerável Corpo da Rainha Santa.
A 20 de Outubro iniciam-se na Capela da Senhora das Dores do Convento do Congregados, preces públicas com o Santíssimo Sacramento exposto, pela extinção dos inimigos do Reino, pela restauração da nossa Monarquia e pela vida e conservação do Príncipe Regente, as quais se repetiram nos dias seguintes até á véspera do dia destinado para a Festividade.
Na tarde do dia 28 de Outubro, a Capela da Senhora das Dores estava vistosamente adornada com a imagem da Rainha Santa colocada num andor, por debaixo de um rico docel. Um excelente coro e orquestra instrumental executaram com elegância uma sinfonia, finda a qual o Capelão deu início às Vésperas. À noite o Convento dos Congregados esteve iluminado, o mesmo se passando com as moradias do Rossio, tendo sido lançado também variado e vistoso fogo de artifício.
Na manhã do dia 29 de Outubro, continuou-se a venerar a Santa Imagem e pelas 11 horas, o Capelão deu início à Missa solene com o Santíssimo Sacramento exposto e com acompanhamento musical. Foi orador o Padre Luiz Marques, da Congregação do Oratório, que traduziu através de douto e emocionado discurso, o reconhecimento da população à Rainha Santa. A terminar, a elevação da Santa Hóstia foi acompanhada do lançamento de fogo de artifício no Rossio, a que correspondeu a guarnição do Castelo com uma salva de artilharia. A cerimónia terminou pelas 14 horas, iniciando-se pelas 16, a procissão que com pompa e circunstância trasladou através das ruas da vila, a sacrossanta imagem da Padroeira até à sua Capela no Castelo.
O desfile através das ruas da vila, iniciou-se com o lançamento de fogo de artifício no Rossio, a que respondeu uma salva de artilharia no Castelo. A Procissão, meticulosa e simbolicamente estruturada, dirigiu-se para a Capela do Castelo, onde a Imagem da Santa foi reposta no seu Altar, seguindo-se sermão de Frei José de Almada, continuado por cânticos, findos os quais a guarda militar disparou três descargas de mosquete, a que respondeu a guarda do Castelo com uma salva de artilharia.
A EXTINÇÃO DAS ORDENS RELIGIOSAS
A assinatura da Convenção de Évora Monte, em 26 de Maio de 1834, que pôs termo à Guerra Civil Portuguesa (1828-1834) entre liberais partidários de D. Pedro IV (1798-1834) e absolutistas partidários de D. Miguel (1802-1866), teve inúmeras consequências. Uma delas foi a extinção das Ordens Religiosas em Portugal. Esta reforma visava aniquilar o que se considerava ser o excessivo poder económico e social do clero, privando-o para tal dos seus meios de riqueza e da capacidade de influência política. Recorde-se que o claro português tinha apoiado em grande parte, o absolutismo e quem ganhou a Guerra Civil foram os liberais. Daí que o Ministro da Justiça, Joaquim António de Aguiar (1792-1843), que viria a ser conhecido por “Mata Frades", redigisse o texto do Decreto de Extinção das Ordens Religiosas, assinado por Pedro IV e publicado em 30 de Maio de 1834. Por esse diploma, eram declarados extintos todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios, e quaisquer outras casas das ordens religiosas regulares (art. 1º), sendo os seus bens secularizados e incorporados à Fazenda Nacional (art. 2º), à excepção dos vasos sagrados e paramentos que seriam entregues aos ordinários das dioceses (art. 3º).
A extinção das Ordens Religiosas, entre elas a Congregação da Ordem do Oratório de S. Filipe Néri, teve reflexos a vários níveis. No caso da Capela da Rainha Santa Isabel, pelo facto de estar sob administração dos Oratorianos, o seu recheio foi posto em hasta pública, sendo a Capela encerrada de seguida.
D. Pedro V (1837-1861) teve consciência que estava em causa a manutenção do venerável culto da Rainha Santa, pelo que confirmou o compromisso da Irmandade da Rainha Santa, a qual recuperou os seus direitos de manutenção material e religiosa da Capela, que teve capelão de missa diária e tesoureiros privativos.
BIBLIOGRAFIA
(1) – CIDRAES, M. Lourdes. Os Painéis da Rainha. Edições Colibri/Câmara Municipal de Estremoz. Lisboa, 2005.
(2) – COSTA, Mário Alberto Nunes. Estremoz e o seu concelho nas “Memórias Paroquiais de 1758”. Separata do Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra, Vol. XXV. Coimbra, 1961.
(3) – COSTA, Mário Alberto Nunes. Património Religioso de Estremoz. Câmara Municipal de Estremoz. Estremoz, 2001.
(4) - ESPANCA, Túlio. Inventário Artístico de Portugal-Distrito de Évora, Vol.I. Academia Nacional de Belas Artes. Lisboa, 1975.
(5) - MENDEIROS, José Filipe. RAINHA SANTA /Mãe da Paz, da Pátria e de Estremoz. Câmara Municipal de Estremoz. Estremoz, 1988.
(6) – RELAÇÃO DA POMPA E MAGNIFICÊNCIA COM QUE OS PADRES DA CONGREGAÇÃO DO ORATÓRIO DE S. FILIPPE NERI DA VILLA DE ESTREMOZ SOLEMNIZARÃO A TRASLADAÇÃO DA DEVOTA IMAGEM DE SANTA SABEL, RAINHA DE PORTUGAL, Para a sua Real Capela situada na Cidadella da mesma Praça de Armas; e dos motivos, que concorrerão para esta plausível Festividade. Imprensa Régia. Lisboa, 1808. (Fig. 4)
Publicado inicialmente em 21 de Novembro de 2012
Fig. 2 – Imagem da Rainha Santa Isabel quando ainda se
encontrava na sua Capela. A escadaria que dava acesso ao
púlpito e que se vê à direita, também já não existe actualmente.
Cliché de Foto Tony, cerca dos anos 60 do século XX.
Fig. 3 – Rainha Santa Isabel, Padroeira de Estremoz.
Cliché de Foto Tony, cerca dos anos 60 do século XX.
Fotomontagem mostrando a Rainha Santa pairando sobre
a cidade, numa nítida alegoria a ser sua Protectora.
Fig. 4 – Rosto duma brochura de 14 páginas de autor desconhecido
e editada pela Imprensa Régia em 1808, em Lisboa e na qual se relata
a trasladação da imagem da Rainha Santa Isabel para a sua Capela a
partir do Convento dos Congregados, em Estremoz, onde estivera
escondida para escapar ao saque dos invasores franceses.
Fig. 5 - O MILAGRE DAS ROSAS. Painel de azulejos (126 x 173,5 cm) de meados do séc. XVIII,
da autoria de Policarpo de Oliveira Bernardes (1695-1778), pintor e azulejista alentejano,
pertencente ao chamado ciclo dos mestres, período em que se produziram as melhores
peças azulejares, do barroco português. Igreja do Convento de São Francisco, Estremoz.
Bom dia
ResponderEliminarAcabo de conhecer este espaço que adorei.
Vou adicioná-lo aos meus favoritos e agradecer a quem me enviou esta informação.
Gosto do que é português e sou uma grande fã da Rainha Santa Isabel, cujo túmulo já visitei no Convento de Santa Clara.
Isabel Tiago
Isabel:
ResponderEliminarMuito obrigado pelo seu comentário.
Faço votos para que encontre no blogue outros textos qued sejam do seu interesse.
Os meus cumprimentos.
É sempre com uma emoção indescritível que ocorre ao meu pensamento a figura ímpar da Rainha Santa Isabel. Vejo nela o exemplo maior que deve unir todos os portugueses não só na defesa dos mais pobres e necessitados, mas também, na defesa dos valores que tornaram esta nossa Pátria uma grande Nação. Receio que as novas modas que por cá ficaram após a Revolução Francesa e as invasões dos exércitos franceses, nos tenham roubado também esses valores, o que tem levado alguns dos nossos até Paris, e deixado por cá um colossal buraco económico, financeiro e social.
ResponderEliminarJoão José:
EliminarMuito obrigado pelo seu comentário, que subscrevo inteiramente.
os meus melhores cumprimentos.
....Como sempre um texto que dá prazer ler, pela precisão e elegância... Pessoalmente trouxe -me redobrado prazer que foi o de recordar e "reactualizar" memórias da minha história de vida pela devoção da minha Mãe à Rainha Santa Isabel... Fui um dos "anjinhos" da Procissão nocturna, em Coimbra, até aos 12 anos , altura em que negociei com a a minha Mãe ser dispensada dessa "missão" e fui atendida.... Grande Mãe!
ResponderEliminarObrigada Hernâni pela reflexão que a sua escrita "impõe"
Uma recomendação, reveja o texto, " Recorde-se que o claro português tinha apoiado o absolutismo..."
Muito obrigado pelo seu comentário e pela sua pertinente observação, à qual procurei dar resposta.
EliminarOs meus cumprimentos.
Modesto Vitória,09 de julho
ResponderEliminarBoa tarde
Prof. Hernâni - antes de mencionar algumas opiniões referente às religiôes, será preferível, antes, identificar a minha linha de pensamento: Defensor dos direitos Humanos,(mas penso que fala-se muito em direitos e pouco em obrigações, no entanto, se fossem em proporção 50/50, o mundo não estava no sec. XXI,vergonhopsamente tão desumanizado...), muito preocupado com as questões Ambientais, presentemente muito crítico das religiões.
Com os meus 66 anos e natural da serra de Monchique, logicamente que também estou na lista dos católicos, inclusivamente na guerra do Ultramar (Moçambique) 1967/70, também assistia à missa,e fui crismado pelo capelão, Delmiro Barreiros, nessa data 1º tenente da Marinha de Guerra, só que nessa altura não tinha discernimento para compreender que os capelães dos 3 ramos das Forças Armadas,iam para as ex-colonias fazer psico-social.
Penso que as religiões têm contribuido para a desunião dos seres humanos, fomentar guerras e manter as pessoas no obcurantismo.Se deus é só um, por que existem tantos milhares de religiões? Deve ser um grande negócio para muitos viverem à "grande e à frncesa" à custa dos mais pobres e humildes!
Julgo que se a extinção das ordens religiosas tivesse continuado, os portugueses exerceriam mais a sua cidadania e a cultura geral não seria tão pauperríma.
No presente, sou agnóstico, penso que nenhum ser Humano,para viver em sociedade no respeito pelo outro, sinta necessidade de pertencer a qualquer religião, isto é, depois dos neurónios serem limpos de tantos medos, crendices e milagrismos...
Já em 1469/1536 - Erasmo de Roterdã,deixou escrito: "Toda a Educação saudável é uma Educação sem controle religioso" (presentemente diria o mesmo, pese, embora o ser humano ter progredido expotencialmente no conhecimento,expecialmente neste último século, no entanto, no relacionamento humano, motivado pela ganância, é o único animal que mata por prazer e o mais prededor, por conseguinte terá que haver uma grande transformação de mentalidades, para que a natureza consinta a sobrevivencia dos nossos vindouros - todos temos a obrigação de explicar que são os humanos, que necessitam da Natureza, mas a Natureza não necessita de nós.
Também Miguel Torga dizia: Todo aquele que concluir o 5º ano dos Liceus, não vai para fátima andar de joelhos.
Um abraço
Modfesto Vitória
Amigo Modesto:
EliminarMuito obrigado pelo seu comentário, que é afinal o reflexo da sua experiência de vida.
Belo texto! Em São Paulo, Brasil, onde moro há um bairro que se chama Vila Santa Isabel onde há uma grande igreja com uma torre bastante alta onde sobe-se de elevador e consegue-se ver uma boa parte da cidade.
ResponderEliminarEspetacular!!!
ResponderEliminarMuito obrigado.
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