quinta-feira, 26 de junho de 2014

Bonecos de Estremoz: As Primaveras


Primavera de arco. Mariano da Conceição (1903-1959). Colecção Jorge da Conceição.

Na galeria dos Bonecos de Estremoz existem exemplares cuja origem remonta ao séc. XIX e das quais a designação consagrada pelo uso é a de “Primaveras”. Trata-se de uma designação genérica que abrange as chamadas “Primaveras de Arco”, as “Primaveras de Plumas” e as “Bailadeiras”. Trata-se de alegorias à estação do ano do mesmo nome, bem como à sua chegada. Todavia são mais do que isso. Desde tempos remotos que existem rituais vegetalistas de celebração e exaltação do desabrochar da natureza. Tais ritos vieram a ser assimilados pela Igreja Católica que começou a comemorar o Entrudo. Referindo-se ao Entrudo de antigamente diz Xavier da Cunha (1) na revista OCCIDENTE, de 15 de Fevereiro de 1879: “Aquilo, sim, que era bom tempo! e fossem lá dizer-lhes que trocassem, a ver se queriam, pela desenxabida insipidez do carnaval d’hoje aquellas folgazãs intrudadas de que todos riam. Hoje de todos esses brinquedos, que passaram, restam apenas as decantadas danças de cavallões e marmanjos vestidos de pastorinhas a bailarem entre os costumados arquinhos de flores ao som do classico apito – elemento essencial da ordem no programma de toda aquella brincadeira”. Significa isto que em 1879, no desfile de Entrudo referido pelo articulista, supostamente decorrido em Lisboa, há a registar a presença de marmanjos (mariolas) vestidos de pastorinhas a bailarem com arcos de flores. Também na capa da revista “PARODIA – COMEDIA PORTUGUEZA”, nº 5, de 18 de Fevereiro de 1903 (2), o traço magistral de Raphael Bordalo Pinheiro retrata vários mascarados num salão particular. À esquerda, duas figuras supostamente de homens mascarados de figuras femininas, empunham um arco com flores. A finalizar e face ao exposto, julgo não ser despropositado concluir que as “Primaveras”, para além de constituírem uma alegoria à estação do mesmo nome, são também figuras de Entrudo e registos dos primitivos rituais vegetalistas de celebração e exaltação do desabrochar da natureza. Como apontamento final desta nota de rodapé, saliento que no Museu Municipal Frédéric Blandin (Nevers-França) existem duas estatuetas em vidro do séc. XVIII, que são alegorias da Primavera. Trata-se de figuras masculina vestidas à antiga, uma com túnica e outra com saiote, que por cima da cabeça sustentam um arco de flores, símbolo da Primavera.

BIBLIOGRAFIA
(1) - CUNHA, Xavier. O Carnaval Português in OCCIDENTE, 2º ano, vol. II, nº 28, 15 de Fevereiro de 1879 (pág. 31 e 32). Lisboa, 1879.
(2) - PARODIA – COMEDIA PORTUGUEZA, nº 5, de 18 de Fevereiro de 1903 (pág. 1).
Hernâni Matos
Publicado inicialmente a 26 de Junho de 2014

Bailadeira grande. Mariano da Conceição (1903-1959). Museu Rural de Estremoz.

Bailadeira pequena. Mariano da Conceição (1903-1959). Museu Rural de Estremoz.

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