terça-feira, 16 de julho de 2019

Bonecos de Estremoz: Ganchos de meia


Fig. 1 - Nossa Senhora.
Liberdade da Conceição (1983).
LER AINDA

Os “ganchos de meia” são Bonecos de Estremoz [1] minúsculos, que as mulheres das nossas famílias usavam quando faziam croché ou tricotavam peças de vestuário, de lã ou algodão, como era o caso das chamadas “meias de cinco agulhas”. Trata-se de figuras antropomórficas, nas quais a cabeça apresenta cabelo, olhos, boca e rosetas pintadas e o nariz é uma pequena saliência. Em todas elas figuram dois ganchos de arame no tronco. Um à frente, virado para cima, para nele passar o fio, que do novelo pode ser redireccionado para as agulhas.
O outro nas costas, virado para baixo, para pregar na blusa ou no vestido da mulher, na parte superior do peito, geralmente do lado esquerdo. Devido às suas pequenas dimensões nunca apresentam marcas de autor. São todos figuras antropomórficas: Nossa Senhora (Fig. 1), Freira (Fig. 2), Putto [2] (Fig. 3), Bispo (Fig. 4), Padre (Fig. 5), Sacristão (Fig. 6), Senhora de pezinhos (Fig. 7), Peralta (Fig. 8), Sargento (Fig. 9) e Palhaço (Fig. 10).
“Com cinco agulhas se fazia o tricô circular usado na manufactura de meias. Estas, eram lisas ou lavradas com motivos diversos, monocromáticas ou multicolores, decoradas com barras ou motivos florais ou geométricos.
Sempre houve quem manuseasse com mestria as cinco agulhas, com a mesma rapidez e precisão com que as mãos de um virtuoso percorrem o teclado do piano. Mãos que falavam e davam resposta às necessidades caseiras, mas que também manufacturavam para vender, pois era necessário engrossar o magro orçamento familiar.
Havia quem começasse as meias de cima para baixo, em direcção à calcanheira e à biqueira, mas também havia quem as começasse exactamente em sentido contrário. Quando as meias se gastavam pelo uso, geralmente na calcanheira ou na biqueira, eram reparadas, recorrendo novamente às cinco agulhas. A vida não dava para extravagâncias e poucos se podiam dar ao luxo de desperdícios inúteis. Apesar disso, o aparecimento no comércio de meias baratas, de fabrico industrial, e a pressão da vida moderna conduziram ao decaimento em desuso da manufactura artesanal das meias de cinco agulhas.
Na região onde me insiro, Estremoz, a manufactura das meias de cinco agulhas era uma prática corrente nas suas treze freguesias (Fig. 11). Bem próximo de nós, eram famosas as meias confeccionadas pelas mulheres da Aldeia da Serra.” (Fig. 12) (3).
Actualmente, a reacção ao consumo desenfreado suscitado pela sociedade capitalista, tem levado mulheres, especialmente jovens, a um “regresso às origens”, fazendo meias para si e para as suas crianças. São estilos de vida alternativos e salutares, que se saúdam. É o retomar de práticas que retiram das vitrinas e das gavetas, jóias da Arte Popular alentejana como são os ganchos de meia.

BIBLIOGRAFIA
(1) - CHAVES, Luís. Arte popular do Alentejo / Os ganchos de meia de barro d’Estremoz in Separata da Águia, nº67-68, Porto, 1917.
(2) - MATOS, Hernâni. Ganchos de meia e meias de cinco agulhas. [Em linha]. [Editado em 28 de Junho de 2011]. Disponível em https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2011/06/ganchos-de-meia-e-meias-de-cinco.html. [Consultado em 10 de Dezembro de 2017].
(3) – REDONDO, Município de. Demonstração de artes e ofícios – Meias Serra D'Ossa em Redondo. [Em linha]. [Editado em 2 de Março de 2016]. Disponível em http://www.cm-redondo.pt/pt/site-acontece/Noticias/Paginas/Demonstra%C3%A7%C3%A3o-de-artes-e-oficios-%E2%80%93-Meias-Serra-D-Ossa-em-Redondo0302-4428.aspx [Consultado em 15 de Julho de 2019].




[1] Também existem exemplares de arte pastoril alentejana, confeccionados em madeira ou osso, com forma geométrica e decoração diversificada, que desempenham a função de ganchos de meia. Todos estes ganchos têm um sulco ou um buraco, por onde passava o fio, que do novelo era redireccionado para as agulhas. Através dum alfinete-de-ama ou cozidos com linha, eram fixados ao vestuário da mulher, na parte superior do peito, geralmente do lado esquerdo.
[2] Putto (do latim putus ou do italiano puttusmenino), com plural "putti", é um termo que no âmbito das artes se refere a representações de um menino nu, geralmente gordinho e frequentemente alado. Derivado da figura do Cupido jovem, simboliza o amor e a pureza. Na barrística de Estremoz a figura foi criada primitivamente para ornamentar os berços do Menino Jesus, mas acabou por autonomizar-se sob a forma de gancho de meia.

Fig. 2 - Freira.
Liberdade da Conceição (1983).

Fig. 3 – Putto. 
Liberdade da Conceição (c. 1980).
Colecção Jorge da Conceição.

Fig. 4 - Bispo. 
Irmãs Flores (2018).

Fig. 5 - Padre.
Irmãs Flores (2018).

Fig. 6 - Sacristão.
Irmãs Flores (2018).

Fig. 7 - Senhora de pezinhos.
Liberdade da Conceição (1983),

Fig. 8 - Peralta.
Liberdade da Conceição (1983).

Fig. 9 - Sargento.
Liberdade da Conceição (1983).

Fig. 10 - Palhaço.
Irmãs Flores (2018).

Fig. 11 - Meias de cinco agulhas, em fio
de algodão (Anos 50 do séc. XX).
Dimensões – Cano: 34 cm; Pé: 21 cm.
Manufacturadas pela minha mãe,
integravam o meu traje de campino,
com o qual me mascarei na minha
infância, em dois Carnavais sucessivos.
Colecção do autor.

Fig. 12 – Meias da Serra d’ Ossa (3).

Sem comentários:

Enviar um comentário