terça-feira, 26 de maio de 2020

Santo António e COVID-19


Santo António (2020). José Carlos Rodrigues. Colecção Alexandre Correia.

Iconografia de Santo António
A iconografia de Santo António representa-o correntemente a trajar o hábito castanho da ordem franciscana, com terço e cordão à cintura. O hábito castanho simboliza os princípios franciscanos: humildade, simplicidade e justiça. O terço traduz que é um homem de oração. O cordão apresenta três nós que expressam: obediência, pobreza e castidade.
A iconografia figura-o ainda com um livro nas mãos, o que tem um triplo significado: representa os Evangelhos, a sabedoria de Santo António e o facto de ser Doutor da Igreja.
A iconografia caracteriza-o também através da presença do Menino Jesus, o que expressa a sua intimidade com Jesus Cristo. O Menino Jesus é apresentado em cima do livro, a Bíblia, o que significa que Santo António anunciava Jesus Cristo. Por vezes, o Menino Jesus aparece ao colo de Santo António, o que reforça a singular intimidade do Santo com Jesus.
A iconografia associa igualmente ao Santo, um lírio como símbolo de pureza e castidade, esta última reforçada pela sua representação com uma tonsura na cabeça.

Santo António e Bonecos de Estremoz
Recentemente tomei conhecimento de duas representações de Santo António da autoria do barrista José Carlos Rodrigues (Fig. 1 e Fig. 2), sobre cuja execução técnica nada tenho a observar, o que já não acontece em termos iconográficos.
A imagem da Fig. 1 enquadra-se na iconografia tradicional e nada tenho a notar sobre a mesma. Já a representação da Fig. 2, ainda que alegórica e despoletada pela actual pandemia de COVID-1 19, merece-me reparos muito sérios:
1 - Santo António usa luvas e máscara comunitária e tem a seu lado um frasco de gel desinfectante. É posta em causa a santidade e pureza do taumaturgo que o deveriam manter imune ao vírus e de o transmitir ao Menino Jesus, o qual pela sua santidade também estaria imune.
2 - Santo António está refastelado num sofá que configura ser de couro, ao que parece a usar um “tablet”. Será adequada tal representação a um franciscano que fez juramento de humildade e simplicidade?
3 - Santo António trocou a Bíblia pelo “tablet” e os Evangelhos passaram a ser sustentados pelo Menino Jesus. Será que este adquiriu a sabedoria de Santo António e passou a ser Doutor da Igreja? 
4 - O lírio está numa jarra de flores. Será para sugerir que o Santo trocou há já algum templo a Bíblia pelo “tablet” e pôs o lírio na jarra para não murchar? Será que isso não sugere que a pureza e castidade do Santo correm riscos ao usar o “Tablet”, relegando a Bíblia?
Como cidadão creio que as questões de religião devem ser abordadas com pinças e nunca tratadas com ligeireza, já que isso pode entrar em confronto com as crenças mais profundas da comunidade católica, as quais devem ser merecedoras do maior respeito.
Como investigador responsável da barrística popular de Estremoz sou uma pessoa de espírito aberto, receptiva a criações de novas figuras para além do âmbito restrito dos chamados Bonecos da Tradição. Todavia, tenho sempre presente que a nossa barrística teve origem nas imagens devocionais e nos presépios, que continuam a ser modelados desde setecentos. Desde então que os nossos Bonecos nunca se desviaram das características e do rumo identitário cimentados por séculos de modelação. As figuras humorísticas e satíricas são próprias de latitudes como Barcelos, mas não o são de Estremoz. Tal é válido não só para imagens laicas mas também e sobretudo para imagens devocionais.
Do exposto e pelo exposto creio ser legítimo concluir que a imagem da Fig. 2, não possa ser considerada aquilo que se convencionou chamar um Boneco de Estremoz. Isto não põe em causa a liberdade de criação do barrista. Acautela apenas a designação “Bonecos de Estremoz”, que tal como estes deve ser salvaguardada.

Santo António (2020). José Carlos Rodrigues. Imagem recolhida com a devida
vénia do grupo do Facebook "Olaria e Figurado Português".

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