Fig. 3 – Ricardo Jorge no Laboratório. Ricardo
Fonseca (2020).
Fotografia de Luís Mendeiros (2020).
Estremoz, Maio de 2020
Introdução
Como coleccionador e investigador da barrística
popular estremocense, surgiu-me na mente a ideia de que poderiam e deveriam ser
modelados Bonecos que perpetuassem no barro, a pandemia que atravessamos. Por
sugestão e com indicações minhas ocorreu em primeiro lugar, a criação pelo
barrista Ricardo Fonseca da figura de “SÃO ROQUE”, invocado pela comunidade
católica como Santo Protector contra as epidemias. Seguiu-se a criação pelas
Irmãs Flores das figuras “PERALTA NA PANDEMIA” e “SÉCIA NA PANDEMIA”,
retratando em contexto social a resposta possível à pandemia, através do uso de
máscaras comunitárias. Finalmente, a criação por Ricardo Fonseca da figura de
“RICARDO JORGE”, figura maior da Medicina Social em Portugal, que em 1899
concebeu medidas profiláticas que ainda hoje são usadas no combate às pandemias
(Vide Biografia de Ricardo Jorge).
A materialização duma ideia
Contactei o barrista Ricardo Fonseca a quem dei
conta da minha intenção de ver modelada a figura de Ricardo Jorge, visando
assinalar no barro a figura emblemática máxima do combate às epidemias em
Portugal. Lancei-lhe então o repto de ser ele a materializar no barro a ideia
que me surgira na mente. Ele foi receptivo e aceitou entusiasticamente a missão
que eu lhe atribuíra.
Fontes documentais
Como fontes de inspiração documental, forneci ao
barrista duas imagens de Ricardo Jorge em 1899, com a idade de 41 anos. Uma
(Fig. 1) da autoria do fotógrafo Guedes de Oliveira, que retrata o médico sentado
à sua mesa de trabalho, efectuando uma observação microscópica. Outra (Fig. 2)
da autoria do fotógrafo Aurélio Paz dos Reis, que mostra o cientista em pé,
frente a uma bancada de laboratório, repleta de utensílios e montagens
laboratoriais usadas em Química.
Atributos
Sugeri ao barrista que modelasse a figura de
Ricardo Jorge, envergando um traje como o da Fig. 2, mas sentado à mesa de
trabalho como na Fig.1. De resto, sublinhei a importância de quatro atributos
em Ricardo Jorge. Dois deles de natureza física: uma barba abundante e a
utilização de óculos com aros circulares. Os outros dois inerentes à sua
actividade profissional: a observação microscópica e o registo de observações.
E mais não disse, nem tinha que dizer, pois “Quem sabe da poda é o podador”.
Modelação
No acto da encomenda disse ao barrista que não
queria “Obras de Santa Engrácia” e apesar de que “Sem tempo nada se faz”, tinha
que ser “Obra começada, obra acabada”. E assim foi. Ricardo Fonseca seguiu
“Tintim por tintim” e “Com todos os efes-e-erres”, aquilo que lhe tinha sido
sugerido. “Mão vai, mão vem”, a obra lá nasceu, já que “O olho do mestre é
régua”. Como é sabido, “As obras mostram quem cada um é”. Neste caso e como
sempre, a modelação da figura de Ricardo Jorge pelo barrista Ricardo Fonseca,
revelou toda a sua mestria, bom gosto e fidelidade aos cânones da modelação de
Bonecos ao modo de Estremoz. A Ricardo Fonseca, o meu muito obrigado pela
rápida resposta à chamada e pelo êxito no cumprimento da missão que lhe foi
confiada.
Ricardo Jorge por Ricardo Fonseca
Figura antropomórfica masculina, sentada numa
cadeira de quatro pés e com costas, tendo as mãos sobre uma mesa de trabalho,
também de quatro pés, cujo aspecto castanho-escuro configura madeira, o mesmo
se passando com a cadeira. A mão direita empunha aquilo que parece ser uma
caneta preta por cima daquilo que figura ser uma folha de papel branco, no qual
são visíveis anotações manuscritas. A mão esquerda está apoiada na base daquilo
que simula ser um microscópio com componentes cor de latão, à excepção da base
circular assente na mesa e que é negra.
Na cabeça, o cabelo é castanho-escuro e a face está
coberta por uma barba cerrada. Os olhos são dois pontos negros, encimados por
dois arcos igualmente negros, imitando as pestanas e as sobrancelhas. Os olhos
estão potenciados por óculos de aros redondos em arame.
Traja um fato castanho-escuro com corte à maneira
dos finais do séc. XIX, sendo o casaco do tipo paletó com virados e bolsos de
fora, de chapa, do qual não é visível a abotoadura. A parte detrás do casaco
ostenta ao fundo uma abertura longitudinal, central. Usa uma camisa branca com
colarinhos, cujos punhos saem das mangas do casaco. Sob o colarinho está presa
um gravata preta com nó, parcialmente encoberta por um colete cinzento com
virados como os do casaco e com uma abotoadura de quatro casas.
A figura usa sapatos negros. Estes, a mesa e a
cadeira assentam numa base rectangular cor barro, configurando um chão de
tijoleira quadrada.
Biografia de Ricardo Jorge
Nascimento e estudos
Ricardo de Almeida Jorge nasceu na cidade do Porto,
a 9 de Maio de 1858, no seio de uma família modesta. Com 16 anos apenas,
ingressou na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, a qual frequentou com
brilhantismo, vindo a licenciar-se aos 21 anos com as mais altas
classificações.
Vida profissional
Iniciou a sua vida profissional, em 1880, como
professor da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, ocupação que conciliava com a
actividade clínica. Em 1883 deslocou-se a Estrasburgo e a Paris em busca de uma
aprendizagem impossível de receber em Portugal. Após o regresso a Portugal,
iniciou um Curso de Anatomia dos Centros Nervosos e criou o Laboratório de
Microscopia e Fisiologia do Porto.
A Hidroterapia é o interesse que sucedeu à
Neurologia, abandonando esta última em 1884, na sequência da epidemia de cólera
de 1883. Dedicou-se então à Higiene Social, proferindo conferências que o
prestigiaram, o que constituiu um momento chave do sanitarismo em Portugal. Por
isso, a Câmara Municipal do Porto convidou-o a associar-se a uma comissão de
estudo das condições sanitárias da cidade, no âmbito da qual realizou um
inquérito sobre as condições de salubridade urbana. O relatório final (O
Saneamento do Porto) foi apresentado em 1888.
Em 1885 elaborou e apresentou no Conselho Superior
Público, um relatório sobre o ensino médico em Portugal, que considerava
obsoleto face às orientações modernas vigentes noutros países europeus. Este
relatório viria depois a servir de base ao Regulamento Geral de Saúde de 1901.
Em 1892 foi convidado para dirigir os Serviços
Municipais de Saúde e Higiene da Cidade do Porto e chefiar o Laboratório
Municipal de Bacteriologia.
Em 1895 foi indigitado professor titular da cadeira
de Higiene e Medicina Legal da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, o que consolidou
o seu prestígio como higienista.
A erradicação da peste bubónica
Entre Junho e Setembro de 1899, o Porto foi
assolado pela peste bubónica, a qual diagnosticou, chegando à sua prova clínica
e epidemiológica. Visando eliminar a pandemia preconizou a tomada de medidas
profiláticas tais como: isolamento de doentes, evacuação de casas, isolamento e
desinfecção de locais onde se verificaram ocorrências. Tais medidas conduziram
à sua consagração como epidemiologista de renome, mas simultaneamente suscitaram
a ira popular, que acicatada por grupos políticos, o forçaram a abandonar a
cidade.
A ida para Lisboa
Em Outubro de 1899, já em Lisboa, foi nomeado
Inspector-Geral de Saúde e professor de Higiene da Escola Médico-Cirúrgica de
Lisboa. Funda em 28 de Dezembro de 1899, o Instituto Central de Higiene, com o
intuito de formar sanitaristas e de desenvolver a investigação na área da Saúde
Pública. A reforma dos serviços sanitários que promoveu, conduziu à publicação
do Regulamento Geral dos Serviços de Saúde e Beneficência Pública, em 24 de
Dezembro de 1901.
Participa em inúmeras iniciativas como a
organização da Assistência Nacional Contra a Tuberculose e o Congresso
Internacional de Medicina de 1906, no qual presidiu à Secção de Higiene e
Epidemiologia. Em 1911 colabora na reforma do ensino médico e em 1912 inicia os
seus trabalhos no Office Internacional de Higiene, em Paris, onde se
celebrizou. Em 1913 começou a publicar os Arquivos do Instituto Central de
Higiene e, em 1914, principiou a edição da série estatística Movimento
Fisiológico da População (1914-1925).
Entre 1914 e 1915 preside à Sociedade das Ciências
Médicas e nos anos seguintes visita formações sanitárias na zona de guerra em
França. Organiza depois a luta contra as epidemias de gripe pneumónica (gripe
espanhola), do tifo exantemático e varíola de 1918, consequências das más
condições sanitárias do pós-guerra.
Em 1926 foi encarregue de reformar o seu
Regulamento de Saúde Pública, de 1901. Por mérito próprio foi escolhido para
representar Portugal no Comité de Higiene da Sociedade das Nações. Em 1929 foi
nomeado Presidente do Conselho Técnico Superior de Higiene. Mesmo nos últimos
anos da sua vida manteve uma intensa actividade.
Médico e Humanista
Os interesses de Ricardo Jorge não se limitaram ao campo
da Medicina, da qual foi um ilustre professor e a figura maior da Medicina
Social. Foi também um grande humanista cuja vasta obra inclui publicações em
âmbitos tão diversos como Arte, Literatura, História e Política. Faleceu em
Lisboa, a 29 de Julho de 1939.
(Jornal E nº 248, de 11-06-2020)
Fig. 1 - Ricardo Jorge no Laboratório Municipal de
Bacteriologia, no Porto (1899).
Fotografia de Guedes de Oliveira (1885-1932).
Arquivo Municipal do Porto.
Fig. 2 - Ricardo Jorge no Laboratório Municipal de Bacteriologia, no Porto (1899).
Fotografia de Aurélio Paz dos Reis (1862-1931).
Centro Português de Fotografia, Porto.
Uma oportuna homenagem ao Dr. Ricardo Jorge, cidadão Portuense, a quem ciência e medicina tanto devem.
ResponderEliminarSe o Dr. Ricardo Jorge fosse vivo, ficaria pasmado com as infundadas medidas decretadas pela presidência e o governo, com a conivência dos partidos que se encontram na Assembleia da República (AR), para combater a «pandemia» da doença do Coronavírus Covid-19.