Ao Alexandre Correia, grande devoto de Santo
António,
profundo conhecedor da vida e obra do Santo,
porventura o maior coleccionador de temática
antonina,
que com bom gosto, engenho e arte,
tem edificado uma valiosa e polifacetada
colecção,
que a tornam num Museu Antonino sem igual.
Brilhou
Alexandre
lá na
Antiguidade.
Há outro e
Grande
em Lisboa
cidade.
Estas e muitas outras
quadras, direi mesmo um rosário infindo de quadras, foram trauteadas pelo meu
irmão gémeo em noite de Santo António. A cantilena prolongou-se até altas horas
da noite.
António Pedro, assim se chama o meu irmão gémeo, é
diametralmente oposto a mim próprio. Nasceu com veia poética e quando bebe uns
copos é vê-lo versejar. Nada de versos alexandrinos que isso é para
intelectuais, apenas e sempre o mais castiço fado vadio.
As sardinhas assadas sabiam a manjar de Deuses e o
vinho tinto não destoaria no Olimpo. O consumo deste último levou o António a
libertar a alma residente no seu arcaboiço de ferrabrás e a sua voz subiu aos
céus como se fosse um balão de Santo António.
Estávamos na varanda para onde a família foi seroar
em honra de Santo António e para glória das nossas barrigas. Não estávamos sós,
tínhamos levado connosco uma imagem de Santo António em barro de Estremoz. Bem
antiga por sinal, saída das mãos de mestre Mariano da Conceição, do clã dos
Alfacinhas. Cá em casa somos todos antoninos e eu próprio sou António, ainda
que Hernâni.
Na varanda onde erguêramos o nosso arraial de
trazer por casa, havia um pequeno nicho onde acomodámos o Santo. Perdão, a
imagem do Santo. Não foi tarefa fácil, já que houve um certo reboliço cá em
casa. É que a imagem de Santo António de Mariano da Conceição, apesar de muito
senhora do seu nariz, não é a única que temos. Coabita com as imagens homónimas
de Sabina da Conceição, José Moreira, Liberdade da Conceição, Maria Luísa da
Conceição, Fátima Estróia, Irmãs Flores e Ricardo Fonseca.
Numa atitude pouco católica, as várias imagens do
Santo puseram-se em pé de guerra e empinaram-se umas às outras. Todas queriam
marcar presença no nicho que naquela noite iria desempenhar funções antoninas.
Foi o bom e o bonito. Cheguei a pensar em mergulhá-las todas no poço, de cabeça
para baixo, para ver se refrescavam as ideias. Porém, tal não foi necessário. O
Santo António de Mariano da Conceição puxou dos galões – o Mariano também foi
tropa - e com a voz tonitruante que era
apanágio do Mariano, vociferou:
- Então vocês
não vêem que são maçaricos comparados comigo? Eu tenho mais tempo de serviço
que vocês, ouviram? Cresçam e apareçam!
Foi assim que as outras imagens do Santo meteram o
rabo entre as pernas e ordeiramente se dirigiram para o lugar que eu lhes tinha
destinado e de onde nunca deveriam ter saído.
Nesta altura, alguns que andam a leste das andanças
antoninas, interrogar-se-ão sobre o modo como conheci o Alexandre. Vou contar.
Dei conta da sua notoriedade nas redes sociais e conheci-o pessoalmente no
lançamento do meu livro “Bonecos de Estremoz”. Se porventura ainda não éramos
amigos, ficámos a sê-lo a partir de então, por comungar-mos paixões comuns que
nos levam frequentemente a falar ao telefone ou a trocarmos mensagens por email
ou Facebook.
No passado dia 30 de Maio publiquei no meu blogue
“Do Tempo da Outra Senhora”, um texto intitulado “Joana Oliveira, uma barrista
que se afirma”, onde com o bisturi da minha análise, dissequei o trabalho da
barrista. A génese deste texto remonta a um comentário que fiz a uma postagem
do Alexandre no grupo “Bonecos de Estremoz” do Facebook, datada de 21 de Maio
passado e que é acompanhada de duas criações da barrista, na qual teci quatro
comentários acerca das mesmas.
O texto que a 30 de Maio publiquei no meu blogue,
foi na mesma data objecto de divulgação através de uma postagem minha no grupo
de Facebook já referido. O Alexandre produziu então o seguinte comentário:
- Hernâni, se
me permite deixe-me relembrar que se comemora hoje os 788 anos da canonização
de Santo António. O Santo António foi canonizado a 30 de maio de 1232, na
Catedral de Espoleto, pelo Papa Gregório IX. Conta a tradição que nessa hora em
Lisboa os sinos de todas as igrejas tocaram espontaneamente e uma estranha
alegria se espalhou pela população que saiu à rua, atónita.
A este comentário respondi, dizendo:
- Obrigado,
Alexandre. Eu sabia que era em Maio, mas não me lembrava da data, o que é
imperdoável para um antonino.
O Alexandre não desarmou e replicou:
- Hernâni
Matos , meu caro, não foi mero acaso escrever hoje sobre o Santo.
Correndo o risco de me tornar um escritor antonino,
lá tive que responder:
- Um António
lembrou a outro António, que era dia de falar sobre ele. E como são íntimos, o
António de Lisboa e o Hernâni António de Estremoz, o de Lisboa (que é Santo)
disse ao de Estremoz (que não o é, nem pouco mais ou menos), num tom coloquial:
- "Caro
amigo: sei que és alentejano e que está uma grande calorina, pelo que tens
direito à sesta. Porém, em nome da nossa amizade, és nomeado ex-aequo, como meu
assessor de imprensa. Por isso, tens que dar ao dedo e falar sobre mim, que é
dia disso. Confio em ti e no que disseres e para não falhares a missão, vou-te
tirar o sono".
Foi assim que para gáudio do Alexandre Correia,
perdi a sesta e ando com os sonos atrasados. É caso para dizer:
-
"Valha-me Santo António!"
A conversa entre nós ficou por ali e o tempo foi
passando. O facto de estarmos submetidos a um estado de desconfinamento,
forçou-nos a honrar a Memória do Santo mais perto do céu, na varanda da nossa
casa, rodeada de telhados, onde de dia pousa e chilreia a passarada. E foi o
trinar da voz do António Pedro, o meu irmão gémeo, que deu origem a este
escrito. Há dias que andava a pensar escrever sobre o Alexandre e cheguei a
confessar aos meus botões:
- Digam-me lá
por onde devo começar?
Hoje, dia 13 de Junho, não sei se devido a ressaca
de ontem à noite, julguei ouvir Santo António dizer-me:
- Hernâni
António, não penses mais nisso, senão ainda gastas os botões. Tu és uma
picareta escrevente e decerto saberás o que hás-de escrever e como escrever.
Como não via alternativa possível, acreditei
naquilo que julgo que o Santo me terá dito. Meti mãos à obra e o resultado está
à vista. Já estou a ver o Alexandre a dizer:
- Hernâni
António, foi o Santo que inspirou este escrito.
E eu responder-lhe-ei:
- Se calhar o
Santo viu que eu estava em risco de rebentar com os botões da camisa, do casaco
e da braguilha, o que seria impróprio para um antonino como eu.
E acrescentarei:
- É certo que
o Santo tem atado um cordão à cintura e é avesso a botões. Mas francamente, picareta
escrevente, eu?
Hernâni Matos
Publicado inicialmente a 13 de Junho de 2020
Publicado inicialmente a 13 de Junho de 2020
Isto é que foi um "arraial"!
ResponderEliminarSe foi...
EliminarUm bom e divertido arraial!
ResponderEliminarTerezinha: Foi mesmo muito divertido.
Eliminar