sábado, 18 de maio de 2019

Bonecos de Estremoz: Francisca Vieira de Barros


Fig. 1 - Francisca Emília Guerra Vieira de Barros (1874-1957) com a idade de 47 anos,
fotografada com seu marido Manuel Duarte Baptista de Barros (1870-1958), com a
idade de 51 anos. Fotografia de Furtado e Reis, Rua de Santa Justa, nº 107, Lisboa,
obtida em 1921. Arquivo fotográfico do autor. 

FRANCISCA EMÍLIA GUERRA VIEIRA DE BARROS (1874-1957)

Nasceu a 4 de Outubro de 1874 numa casa da Rua Direita, na freguesia de Vimieiro, concelho de Vimieiro. Filha legítima de João José Vieira, proprietário, natural da freguesia de Vimieiro e de Emília Vitória, de profissão governo de casa, natural da freguesia de Brotas, concelho de Évora. Francisca Emília seria baptizada a 9 de Novembro de 1874, na igreja paroquial do Vimieiro (3).
A 20 de Janeiro de 1897 e com a idade de 22 anos viria a casar com Manuel Duarte Baptista de Barros, de 26 anos, secretário da Santa Casa da Misericórdia de Estremoz. O casamento teria lugar na igreja paroquial de São Bento do Ameixial, concelho de Estremoz. A noiva viria a adoptar de seu marido o apelido Barros (4).
Manuel Duarte Baptista de Barros nascera a 23 de Outubro de 1870 numa casa do Largo da Porta Nova, em Estremoz. Filho legítimo de José Baptista de Barros, negociante e proprietário, natural de Santa Maria Madalena de Alvaiázere, concelho de Alvaiázare e de Maria Apolónia Duarte, governadeira de sua casa, natural da freguesia de Vidigão, concelho de Arraiolos. Manuel Duarte viria a ser baptizado a 22 de Novembro de 1870, na igreja paroquial de Santo André, em Estremoz (7).
O historiador Diogo Vivas (9) estabeleceu uma biografia muito completa do marido de Francisca Emília: “Manuel Duarte Baptista de Barros, filho de José Baptista de Barros e de Maria Apolónia Duarte, nasceu na freguesia de Santo André, concelho de Estremoz, a 23 de Outubro de 1870. A sua educação ficou a cargo de um tio uma vez que ainda muito novo viria a perder os seus pais. Completada, às expensas do tio, a sua formação liceal em Évora teve por objectivo prosseguir os seus estudos em Lisboa, na Faculdade de Farmácia. Porém, não sendo aceite essa nova deslocação para estudo, manteve-se em Estremoz onde foi nomeado Secretário da Santa Casa da Misericórdia de Estremoz, cujo cargo desempenhou até à aposentação. Em 20 de Janeiro de 1897 casou com Francisca Emília Guerra Vieira de Barros, na freguesia de São Bento do Ameixial, concelho de Estremoz. Nas eleições de 14 de Novembro de 1917, candidatando--se nas listas do Partido Republicano Português, foi eleito Presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal de Estremoz. Tomou posse a 2 de Janeiro de 1918 estando em exercício de funções até 4 de Fevereiro do mesmo ano, quando a Comissão é dissolvida na sequência da chegada ao poder de Sidónio Pais. Terminado o consulado sidonista é novamente empossado como Presidente da referida Comissão a 7 de Março de 1919. Mantém-se no cargo até 1 de Janeiro de 1923. Iniciado a 22 de Julho de 1909 no Triangulo n.º 114, do REAA, de Estremoz com o nome simbólico “Marquês de Pombal”. Atingiu o grau 6.º em 20 de Fevereiro de 1918. Fundador do Triângulo e da Loja Propaganda em 10 de Janeiro de 1910. Filiado, por passagem, em 21 de Março de 1924 na Loja Acácia, n.º 281, de Lisboa. Faleceu a 2 de Abril de 1958 na freguesia de Santo André, concelho de Estremoz.” Sabe-se que Francisca Emília e Manuel Duarte (Fig. 1) moravam no nº 28 e 30 da Rua Dr. Oliveira Salazar, antiga Rua de Santa Catarina e actual Rua 31 de Janeiro, em Estremoz. Francisca Emília era uma Senhora de Sociedade e modelava os seus Bonecos, por um misto de motivação interior e de recreação, não os comercializando, mas oferecendo-os a familiares e pessoas amigas.
A Dr.ª Maria Margarida Barros de Queiroz Martins Mantero Morais, nascida em Estremoz a 20 de Novembro de 1934, e sobrinha-neta de Francisca de Barros, prestou-me um interessante e valioso depoimento escrito (6) que ajuda a caracterizar a barrista, o qual passo a transcrever:A Tia Francisca Vieira de Barros (Fig. 1) minha Tia-Avó, era cunhada do meu Avô José Baptista de Barros, casada em 1897 com o seu único irmão Manuel Duarte de Barros. Em família, todos lhe chamavam Chica. Era a Tia Chica para a minha Mãe e minhas Tias, a Avó-Chica para o único neto, meu primo Manuel Joaquim Monteiro de Barros, poucos anos mais velho do que eu. As lembranças que guardo dela fazem parte das minhas memórias de criança. Datam dos meus 8 ou 9 anos, talvez 10, portanto de 1942, 43 ou 44, uma vez que eu nasci em 1934.
Era uma senhora muito recatada. Não era expansiva, nem muito alegre, mas serena, calma e afável. Não tenho qualquer ideia de vê-la fora de casa. Nunca participava nas reuniões familiares. Já o mesmo não se passava com o marido, o Tio Manuel, que visitava com alguma frequência os meus avós e que eu conhecia bem e encontrava por vezes na rua. Eu morava com os meus pais numa casa perto da sua, na mesma rua. Talvez fosse esta a principal razão por que ele me levou várias vezes até à Tia Chica para a ver a fazer bonecos.
Quando eu chegava, ela estava sempre sozinha numa pequena sala ao fundo do corredor, perto da cozinha, com muita luz, a trabalhar. Interrompia a sua actividade, parecia agradada com a minha presença e afavelmente explicava-me o que estava a fazer.
Recordo-a com um grande avental em frente de uma mesa de madeira onde havia barro, tintas e pincéis. Dizia-me que eu podia mexer onde quisesse e dava-me algum barro para eu modelar. Devo confessar que Deus não me fadou para tal arte e nada saía de jeito, mas gostava imensamente de ali estar naquela pequena sala muito iluminada pela luz do dia, num ambiente diferente e para mim um pouco estranho. Olhava-a maravilhada e admirada como era possível de um bocado de terra mole saírem santos, pastores e borreguinhos.
Um Natal deu-me um presépio com as três figuras principais, de que me restam apenas a Nossa Senhora e o São José.
A ideia que eu guardo da Tia Chica é a de uma Senhora que não fazia renda, não ia para as Termas como a minha Avó, nem saía de casa como a minha Mãe ou as minhas Tias. Vivia muito só, fechada no seu mundo e dedicava todo o tempo que lhe sobrava das tarefas domésticas a fazer os seus Bonecos de Estremoz.”
Aos Bonecos de Francisca Emília se refere o poeta e escritor Celestino David (1880-1952), no nº 628 do jornal Brados do Alentejo, de 31 de Janeiro de 1943 (1), no qual são reproduzidas e por ele descritas cerca de 50 figuras executadas pela barrista. Diz-nos ele: “Com esse pensamento, a sr.ª D. Francisca Vieira de Barros, fez com inteligência e aptidão artística, uma colecção muito interessante, interpretada por amadorismo da plasticidade, de sua inovação, cópia de modelos humanos de que ressalta a realidade das atitudes, expressões, indumentárias, cores, tudo de uma parecença exacta que é pena – esta senhora que me perdõe – não precisar viver disso para desenvolver o comércio desses novos Bonecos de Estremoz. Outros poderão tentá-lo com tal fim”.
Francisca Emília Guerra Vieira de Barros, após prolongado sofrimento, faleceu a 7 de Setembro de 1957, com a idade de 82 anos (5), (2), (8). Era mãe do Eng.º José Manuel Vieira de Barros e avó do Eng.º Manuel Joaquim Monteiro de Barros.
Francisca Emília está representada no acervo do Museu Municipal de Estremoz Prof. Joaquim Vermelho, o qual inclui figuras como “Primavera”, “Rei negro”, “Mulher a passar a ferro”, “Pastor” e “Mulher da azeitona”. Está ainda representada em colecções particulares como a de seu neto Eng.º Manuel de Barros, sua sobrinha neta Dr.ª Maria Margarida Mantero Morais, na colecção de Delfina Mota e na minha.
As Irmãs Flores informaram-me que, depois de elas terem aberto oficina por conta própria, uma senhora da família de Francisca Emília que morava na Praça Luís de Camões nº34, em Estremoz, foi à sua oficina oferecer-lhes os moldes em gesso que aquela barrista usava na feitura das caras dos Bonecos.

BIBLIOGRAFIA
(1) - DAVID, Celestino. A Plasticização do Barro de Estremoz in Brados do Alentejo nº 628, 31/01/1943. Estremoz, 1943 (pág. 14 e 15).
(2) - FALECIMENTOS – Francisca Emília Guerra Vieira de Barros in Brados do Alentejo nº 1368, 15/09/1957. Estremoz, 1957 (pág. 2).
(3) - Francisca Emília Guerra Vieira de Barros – Assento de Baptismo nº 67 de 1874 da Freguesia de Vimieiro, concelho de Estremoz.
(4) - Francisca Emília Guerra Vieira de Barros – Assento de Casamento nº 1 de 1897, da Freguesia de São Bento do Ameixial, concelho de Estremoz.
(5) - Francisca Emília Guerra Vieira de Barros – Extracto do Registo de Óbito nº 130 de 1957, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
(6) - MANTERO MORAIS, Maria Margarida Barros de Queiroz Martins. Depoimento sobre Francisca Emília Guerra Vieira de Barros. Estremoz, 2018. sp.
(7) - Manuel Duarte Baptista de Barros – Assento de Baptismo nº 151 de 1870, da Freguesia de Santo André do Concelho de Estremoz.
(8) - NECROLOGIA – D. Francisca Emília Vieira de Barros in O Eco de Estremoz nº 2848, 15/09/1957. Estremoz, 1957 (pág. 2).
(9) - VIVAS, Diogo. Os Presidentes da Câmara Municipal de Estremoz 1910–2006. Câmara Municipal de Estremoz. Estremoz, 2006. (pág. 59-60).

Hernâni Matos
Publicado inicialmente em 18 de Maio de 2019


Fig. 2 - Primavera. Francisca Vieira de Barros (1874-1957).
Acervo do Museu Municipal de Estremoz.

Fig. 3 - Rei negro. Francisca Vieira de Barros (1874-1957).
 Acervo do Museu Municipal de Estremoz.

Fig. 4 - Mulher a passar a ferro. Francisca Vieira de Barros (1874-1957).
Acervo do Museu Municipal de Estremoz.

Fig. 5 - Pastor. Francisca Vieira de Barros (1874-1957).
Acervo do Museu Municipal de Estremoz.

 Fig. 6 - Mulher da azeitona. Francisca Vieira de Barros (1874-1957).
 Acervo do Museu Municipal de Estremoz.

Fig. 7 - Amazona. Francisca Vieira de Barros (1874-1957).
 Colecção particular.

Fig. 8 - São João Baptista. Francisca Vieira de Barros (1874-1957).
 Colecção particular.

2 comentários:

  1. Viva Hernâni,Se bem compreendi o que li a Sra. D. Francisca ainda era viva, no tempo em que o Senhor Sá Lemos tentava convencer a Ti Ana Das Peles a recordar-se como se faziam os bonecos, é então claro que desconhecia a habilidade e existência dessa senhora....
    Sempre interessada no que nos dá a conhecer. Obrigada.

    ResponderEliminar
  2. Viva Hernâni, Se bem entendi o que li, a Sra. D. Francisca era do tempo em que o Sr. Sá Lemos andava a tentar que a Ti Ana das Peles se recordasse como se faziam os bonecos. Desconheciam portanto a habilidade e existência dessa Senhora.
    Não vale a pena comentar o interesse que tenho pelo seu trabalho que muito agradeço.

    ResponderEliminar