quinta-feira, 21 de julho de 2022

Os Bonecos de Estremoz na vida de Madalena Bilro


A barrista Madalena Bilro ladeada por Isabel Borda d’Água e José Sadio,
respectivamente directora do Museu Municipal e presidente do Município.

Fotografias de Luís Mendeiros - CME 

Este o título da exposição inaugurada no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz, no passado sábado, dia 16 de Julho, pelas 11 horas e que ali ficará patente ao público até ao próximo dia 4 de Setembro.
Ao acto inaugural compareceram cerca de 3 dezenas de pessoas, entre familiares, amigos, admiradores, clientes e oficiais do mesmo ofício, que ali foram testemunhar o apreço que têm pela barrista e pelo trabalho que vem realizando.
O evento foi liderado pelo Presidente do Município, José Sadio, que elogiou o trabalho da barrista, a quem felicitou, bem como salientou a importância desempenhada pela Academia Sénior e pelo Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, na formação da barrista. Anteriormente, usara da palavra, Isabel Borda d’Água, directora do Museu Municipal de Estremoz, que historiou o processo formativo da barrista, cujo êxito em grande parte lhe é devido como formadora. Finalmente, usou da palavra a barrista, que emocionada agradeceu os testemunhos de carinho ali manifestados, bem como o trabalho de excelência dos seus formadores e todo o enquadramento viabilizado pelo Município, pelo CEARTE e pela ADERE.
Para compreender o significado e o alcance da presente exposição, torna-se necessário passar em revista uma súmula da vida de Madalena Bilro.

Infância e juventude
A 9 de Abril de 1959 numa casa da rua Bento Pereira, na freguesia da Matriz, Borba, nasceu uma criança do sexo feminino a quem foi posto o nome de Madalena dos Prazeres Grego Bilro. Filha de Joaquim Álvaro Bilro (agricultor e trabalhador das pedreiras) e de Aldonsa dos Prazeres Grego (doméstica). O casal já tinha dois filhos, João e José, actualmente com 73 e 69 anos, ambos aposentados.
Madalena foi baptizada na Igreja Matriz de Borba, localidade onde fez a Instrução Primária e concluiu o Ciclo Preparatório.
Durante a infância e a juventude, para além de brincar com as crianças da sua idade, ajudava a família nas vindimas, na apanha da azeitona e na recolha de erva em propriedades da sua família. Mas o que mais a fascinava eram os lavores femininos, como o tricot e o croché que aprendeu com as tias e a com a mãe. Com esta última aprendeu mesmo a fazer flores em folha de milho, tecido e papel, parafinado ou não, as quais eram utilizadas para decorar maquinetas de Presépio, enfeitar bolos de casamento ou fazer pequenos raminhos com que as senhoras ornamentavam o vestuário. Tudo isto tinha sido aprendido pelas mulheres da sua família com as freiras que estavam na Misericórdia e que pertenciam à Ordem das Servas do Senhor. Foi assim que Madalena Bilro ingressou no mundo das Artes Tradicionais, por via da Arte Conventual.

Início da actividade profissional
Em 1976 começou a trabalhar na Adega Cooperativa de Borba.
Em 30 de Outubro de 1983, com a idade de 24 anos, casou na Igreja Matriz de Borba com Sebastião Joaquim Faia Martins, de 23 anos de idade, adegueiro na Adega Cooperativa de Borba, adoptando do marido o sobrenome Martins.
Do casamento nasceram dois filhos que são a luz dos seus olhos: João, de 38 anos de idade, Engenheiro Civil e, Ângela, de 29 anos de idade, Terapeuta da Fala. Tem igualmente dois netos que são o seu enlevo: Tomás com 5 anos de idade e Pedro com 2.
Madalena trabalhou durante 36 anos nos mais diversos sectores da Adega Cooperativa de Borba: no armazém, na linha de enchimento, no laboratório, na loja de vinhos, na portaria e nas visitas guiadas. Era uma funcionária muito activa e empenhada em tudo aquilo que fazia, gostando muito em especial de comunicar com o público. Graves problemas com a coluna, levaram-na a aposentar-se por invalidez. Vê então a sua vida desmoronar-se e entra em depressão, devido a inactividade forçada.
Entretanto, Madalena já residia desde 1987 na Vila de Arcos e sendo borbense de nascimento, considerava-se também há muito uma arcoense do coração e como tal era reconhecida pela comunidade local. Aí ouviu falar na Academia Sénior de Estremoz, enquanto espaço de acolhimento e de integração, onde são ministradas inúmeras disciplinas, que os interessados podem escolher, de acordo com os seus interesses. Madalena resolveu então inscrever-se em várias disciplinas da Academia Sénior, sendo uma delas a Barrística, para a qual se sentiu desde logo atraída, dado exigir habilidade manual, sensibilidade e dedicação, qualidades que há muito reunia, desde que começou a trabalhar em Artes Tradicionais com as tias e a mãe. A opção de Madalena foi determinante, uma vez que na sequência da mesma, conseguiu ultrapassar os graves problemas pessoais que a atormentavam.

A génese da barrista
Entre 2014 e 2019 frequentou a Academia Sénior de Estremoz, onde teve aulas de Barrística com Isabel Borda d’Água, dos Serviços Educativos do Museu Municipal de Estremoz.
Nessas aulas tomou conhecimento da História dos Bonecos de Estremoz e aprendeu as técnicas das várias fases de produção dos mesmos, desde a modelação até à decoração e acabamento. Isabel Borda d’Água soube motivá-la com a sua acção pedagógica, pelo que como aluna, Madalena Bilro se vai interessando cada vez mais pela Barrística, de tal modo que a sua actividade acaba por transvasar a sala de aula e lhe passa a ocupar também os tempos livres em sua casa. Madalena compra barro e modela Bonecos que depois com o apoio da professora, coze na mufla do Museu Municipal. São Bonecos que generosamente oferece aqueles que lhe são gratos: familiares, amigos e médicos.
Em 2019 frequentou o Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, que teve lugar no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz, no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte. O Curso foi promovido pelo CEARTE - Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património, em parceria com o Município de Estremoz. No Curso aprofundou os conhecimentos de Barrística de Estremoz, com Mestre Jorge da Conceição.
Ainda em 2019 recebeu Carta de Artesão e de Unidade Produtiva Artesanal na área da Cerâmica Figurativa, emitida pelo CEARTE.
Também em 2019 foi reconhecida como artesã produtora de Bonecos de Estremoz. O reconhecimento consta de um certificado atribuído pela Adere-Certifica, organismo nacional de acreditação a quem compete a certificação de produções artesanais tradicionais, com garantia da qualidade e autenticidade da produção.
O ano de 2019 é um ano marcante na vida de Madalena Bilro, que inflecte as características da sua actividade, passando a produzir e a comercializar como artesã certificada. Para tal, adapta uma dependência da sua casa a oficina, onde passa a modelar e a pintar os seus Bonecos, que numa primeira fase são cozidos na mufla do Museu Municipal, até que numa segunda fase passam a ser cozidos em mufla própria, adquirida no início de 2020.

A exposição em si
A exposição visa mostrar o percurso da barrista desde o seu primeiro contacto com o barro, até à actualidade. Para tal, integra 26 figuras ou conjuntos de figuras distribuídos por 3 núcleos de diferentes temporalidades e cuja composição é a seguinte:
1 - FIGURAS PRODUZIDAS NAS AULAS DE BARRÍSTICA DA ACADEMIA SÉNIOR DE ESTREMOZ: Dama-1, Dama-2, Maquineta com Presépio, Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, O Amor é Cego.
2 - FIGURAS PRODUZIDAS NO I CURSO DE TÉCNICAS DE PRODUÇÃO DE BONECOS DE ESTREMOZ: Peralta, Senhora de pezinhos, Mulher das galinhas, Nossa Senhora da Conceição.
3 - FIGURAS PRODUZIDAS NA ACTUALIDADE: - Imagens devocionais (Menino Jesus de Oratório, Santo António, Rainha Santa Isabel e São João Baptista); - Presépios (Presépio de 3 figuras – 1, Presépio de 3 figuras – 2); - Figuras da faina agro-pastoril nas herdades alentejanas (Cozinha dos ganhões, Mulher com patos, Pastor do harmónio); - Figuras intimistas que têm a ver com o quotidiano doméstico (Mulher a lavar o menino); - Figuras de Carnaval (Bailadeira Grande, Bailadeira Pequena, O Amor é Cego, Primavera, Rei Negro); - Assobios (Cesto com jarros).

Características do trabalho de Madalena Bilro
A modelação é sóbria, mas cuidada. Nela, a barrista dá sempre o melhor de si própria, na busca permanente da perfeição.
O cromatismo das suas figuras é inconfundível. A decoração recorre à utilização de cores e tonalidades suaves e calmas, que nos parecem querer transmitir uma mensagem de Paz, que brota do mais fundo da alma da barrista e que decerto tem a ver com o modo como idealiza o Mundo e a Vida.
Sem sombra de dúvida que as marcas identitárias, indeléveis, da barrista, são o cromatismo inconfundível das suas figuras, aliado a uma representação “sui generis” do olhar das mesmas.
Do binómio modelação-decoração, transparece a entrega total da barrista na criação de cada figura com a magia das suas mãos prendadas, habituadas de longa data a lavores femininos de matriz conventual, cultivados em contexto familiar com sua mãe e suas tias.

Hernâni Matos
Publicado no jornal E nº 294 - 21 de Junho de 2022




A barrista na sua oficina.

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