quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Bonecos de Estremoz: Aclénia Pereira


Fig. 1 - Aclénia Pereira (1927-2012), com a idade de 13 anos.
Fotografia de autor desconhecido.

CRÉDITOS
Bonecos fotografados por Luís Mariano Guimarães (2018).

Nascimento e nome
Aclénia nasceu às 21 horas do dia 26 de Fevereiro de 1927 no nº 12 da Rua Magalhães de Lima, Freguesia de Santo André de Estremoz. Filha legítima de Carlota Rita Capeto Pereira, 23 anos, doméstica, casada com Ricardo de Jesus Pereira Ventas, 26 anos, conceituado relojoeiro e ourives da nossa praça[1] 46, natural como sua mulher da Freguesia de Santo André, concelho de Estremoz (4).
A criança então nascida era neta paterna de Joaquim Abílio Ventas e de Adelaide do Nascimento Pataco e neta materna de Estevão da Silva Capeto e de Perpétua Rosa Polido Capeto. A recém-nascida foi registada a 21 de Março de 1927, no Registo Civil de Estremoz. Apadrinharam o acto, José Joaquim Pereira Ventas, sapateiro, maior, e Maria Antónia Pulido Capeto, doméstica, maior, ambos residentes em Estremoz.
A menina recebeu o nome de Aclénia Risolete Capeto Ventas. Em 1945 o pai de Aclénia foi autorizado superiormente a mudar o nome para Ricardo de Jesus Pereira, pelo que a filha com a idade de 18 anos foi também autorizada a alterar o nome para Aclénia Risolete Capeto Pereira.
Em 28 de Dezembro de 1960, com a idade de 33 anos, casou na Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, com Pedro Paulo de Oliveira e Noronha, de 30 anos, natural de vale de Santarém, Santarém, onde o casal passaria a residir. O nome da noiva passaria então a ser Aclénia Risolete Capeto Pereira e Noronha (1).
Infância e juventude
Aclénia cresceu sem problemas e frequentou o Ensino Primário Elementar em Estremoz, tendo sido aprovada no exame de 2º grau em 1939, com a idade de 12 anos. Com a idade de 13 anos, Aclénia (Fig. 1) inscreveu-se em 1940 na Escola Industrial António Augusto Gonçalves[2] situada na rua da Pena nº 11 em Estremoz, no local onde funcionaria mais tarde a Ala nº 2 da Mocidade Portuguesa Masculina e depois o Salão Paroquial de Santa Maria (3). Era então director José Maria de Sá Lemos (1892–1971). A organização do Ensino Técnico-Profissional era regida pelo Decreto nº 20.420 de 20 de Outubro de 1931. Na Escola era ministrado o ensino dos seguintes ofícios: canteiro civil, canteiro artístico, oleiro e tapeceira, sendo o pessoal docente desta Escola composto por 1 professor e 3 mestres.
Aclénia inscreveu-se no Curso de Tapeceira e frequentou a Escola com aproveitamento até ao 3º ano, tendo realizado todos os exames e frequências constantes do currículo. Não frequentou todavia o 4º ano.
Na oficina de tapeçaria aprendeu com Mestra Joana Maria de Albuquerque Simões e na oficina de Olaria com Mestre Mariano Augusto da Conceição (1902-1959). A oficina de tapeçaria era no 1º andar e a oficina de olaria, logo à entrada da Escola, do lado direito. Com as mãos sábias e experientes de Mestra Joana aprendeu o ponto de Arraiolos, a bordar, a recortar autênticas filigranas em papel e o deslumbramento da Arte Conventual. Por sua vez, Mestre Mariano soube transmitir-lhe a arte bonequeira.
Com tais mestres e dotada de rara habilidade e fina sensibilidade, Aclénia aprendeu a dominar os materiais e a criar artefactos que nos deleitam o espírito.
Depois de ter saído da Escola Industrial António Augusto Gonçalves terá frequentado a Escola do Magistério Primário de Évora, após o que passou a desempenhar funções de Professora do Ensino Primário, o que fez até à altura da sua aposentação. Após o casamento, em 1960, deixou de morar na Avenida Dr. Marques Crespo, nº 23, em Estremoz, para onde entretanto mudara e transferiu-se para Santarém.
O regresso às origens
Em 1983 participou na I Feira de Arte Popular e Artesanato do Concelho de Estremoz, cujo stand 5, 6, 7 ocupou. Dela diz o catálogo (5): “Natural de Estremoz e residente em Santarém, dedica-se de há longos anos à prática de variadíssimas técnicas, às artes popular e conventual. Com barro, tecidos, papel, metal, organiza pequenas obras de arte preenchendo da melhor maneira os lazeres da sua vida doméstica e profissional.”. De acordo com o jornal “Brados do Alentejo” (6), Aclénia participou no certame nas secções de “Barro”, “Papel” e “Têxteis”. Ainda de acordo com o catálogo, partilhou o stand com sua tia Ernestina Capeto de Matos[3] que apresentou trabalhos de arte conventual.
Aclénia está representada com os seus Bonecos de Estremoz em colecções particulares e no Museu Rural de Estremoz.
Os Bonecos de Aclénia
Aclénia reproduziu as figuras que aprendera com Mestre Mariano: figuras que têm a ver com a realidade local, figuras intimistas que têm a ver com o quotidiano doméstico, figuras que são personagens da faina agro-pastoril das herdades alentejanas, figuras alegóricas e imagens religiosas.
Os Bonecos de Aclénia são inconfundíveis, a meu ver pela ingenuidade e simplicidade dos traços do rosto, que com a sua rara sensibilidade feminina lhes soube transmitir.
Normalmente têm estampadas na base a marca de identificação da barrista: “Tanagra ” dentro de um rectângulo de 3 cm x 1 cm e a marca de identificação do local de produção: “ESTREMOZ / PORTUGAL”, em maiúsculas e em duas linhas, dentro de um rectângulo de 2,7 cm x 1 cm (Fig. 5).
Uma interpretação possível
As “tanagras” são estatuetas de barro fabricadas com moldes que foram descobertas em túmulos antigos na cidade de Tanagra, antiga cidade grega da Beócia, situada não muito longe de Platéia, a 20 km de Tebas, perto da fronteira com a Ática. O facto de se terem encontrado as tanagras em túmulos antigos é indicativo de que elas tinham uma função funerária. Representam, a maior parte das vezes, mulheres graciosas cobertas com vestidos elegantes, jovens e mais raramente crianças. Estiveram em voga desde o séc. IV a.C. até ao fim do século III d.C. As tanagras tornaram-se a encarnação da graça feminina e, por extensão, a palavra tanagra serve para adjectivar uma jovem fina e graciosa.
O facto de Aclénia, como barrista usar a palavra “Tanagra” como marca de identificação é revelador de que sabia que a palavra era sinónimo de estatueta fina e elegante. Todavia vou mais longe, como Aclénia era uma mulher bela e elegante, poderá ter escolhido aquela marca de identificação, por se considerar ela própria uma “Tanagra”. É uma hipótese absolutamente plausível e que partilho com o leitor.
O falecimento de Aclénia
Em 21 de Abril de 2012, faleceu com a idade de 85 anos na Casa de Saúde do Montepio Rainha D. Leonor, na Freguesia de Nossa Senhora do Pópulo nas Caldas da Rainha, Aclénia Pereira (2), artesã polifacetada e barrista estremocense, que tive o privilégio de conhecer nos anos 50 do século passado, em virtude de ser amiga de minha prima Adozinda Pacífico Carmelo da Cunha, que era íntima da casa de seus pais e me levava a passear com ela.
BIBLIOGRAFIA
(1) - Aclénia Risolete Capeto Ventas - Assento de Casamento nº 1 de 1960, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
(2) - Aclénia Risolete Capeto Ventas - Assento de Óbito nº 332 de 2012, da Conservatória do Registo Civil de Santarém.
(3) - Aclénia Risolete Capeto Ventas – Processo individual de aluna nº 345, no Arquivo da Escola Industrial António Augusto Gonçalves e sucessoras.
(4) - Aclénia Risolete Capeto Ventas - Registo de Nascimento nº 157 de 1927, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
(5) - Catálogo da I Feira de Arte Popular e Artesanato. Câmara Municipal de Estremoz. Estremoz, 15 a 17 de Julho de 1983.
(6) - I Feira de Arte Popular e Artesanato do Concelho de Estremoz in Brados do Alentejo, 3ª série, nº 93. Estremoz, 15 de Julho de 1983.




[1] A relojoaria e ourivesaria do pai de Aclénia situava-se no Largo da República, 44-A, em Estremoz, no local onde funciona hoje o  Plaza-Pronto-A-Vestir. Lembro--me de quando era rapaz ver expostas na montra do estabelecimento por altura do Natal, figurinhas de presépio confeccionadas por Aclénia. O seu pai era tio e padrinho de Inácio Augusto Basílio, com relojoaria e ourivesaria até há pouco tempo no Rossio Marquês de Pombal, 98, em Estremoz.
[2] Esta Escola resultou da elevação a Escola Industrial, pelo Decreto nº 18.420 de 4 de Junho de 1930, da Escola de Artes e Ofícios de Estremoz, criada pela Lei nº 1.609 de 18 de Dezembro de 1924.
[3] Ernestina, além de artesã, era proprietária de um bem afreguesado salão de cabeleireira, no Largo da República, 9-A, em Estremoz.

Fig. 2 - Pastor com alforge ao ombro. Colecção particular.

Fig. 3 - Pastor a limpar o suor. Colecção particular.

Fig. 4 - Pastor a tocar gaita de beiços. Colecção particular.

 Fig. 5 - Mulher a ordenhar vaca. Colecção particular.

Fig. 6 - Primavera. Colecção particular.

Fig. 7 – Marca de autor de Aclénia Pereira.

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