Fig. 1 - Presépio de 3
figuras (2019). Ricardo Fonseca (1986- ).
O
meu amigo Elói Pardal, que muito prezo, encomendou ao barrista Ricardo Fonseca,
vários exemplares de um minúsculo presépio de 3 figuras,
a oferecer a amigos
seus durante um jantar de Natal.
A mim pediu-me a elaboração de um texto que
acompanhasse o presépio.
Daí nasceu o presente texto.
A partir dele editei um
folheto de 4 páginas, cuja imagem de capa aqui reproduzo (Fig. 2).
Entrámos no período de Natal. Este é a festividade
cristã que enaltece o nascimento de Jesus Cristo. A data da sua celebração
ocorre a 25 de Dezembro (Igreja Católica Apostólica Romana) ou a 7 de Janeiro
(Igreja Ortodoxa). O Natal é, de resto, mundialmente encarado por pessoas de
diferentes credos, como o dia consagrado à família, à paz, à fraternidade e à
solidariedade entre os homens.
Um dos grandes símbolos religiosos, que retrata o
Natal e o nascimento de Jesus é o presépio. De acordo com Rafael Bluteau (1) e
Cândido de Figueiredo (3), a palavra “presépio” provem do latim “praesepium”,
que genericamente significa curral, estábulo, lugar onde se recolhe gado e que,
numa outra óptica designa qualquer representação do nascimento de Cristo, de
acordo com os Evangelhos.
PRESÉPIOS DE ESTREMOZ
Conhecem-se presépios de barro de Estremoz desde o
séc. XVIII e crê-se que eles terão sido aqui introduzidos pelos monges do
Convento de S. Francisco, edificado em meados do séc. XIII e cuja tradição
presepista é bem conhecida, desde que o fundador da Ordem, S. Francisco de
Assis, montou o primeiro presépio do mundo em Greccio (Itália), no Natal de
1223, com a função didáctica de explicar o nascimento de Jesus, ao mesmo tempo
que desgostado com as liberdades da Natividade dentro dos Templos, sustinha a
adoração do Natal, como nos diz Luís Chaves (2).
BONECOS DE ESTREMOZ
A manufactura de Bonecos de Estremoz é uma
manufactura “sui-generis”, baseada numa técnica ancestral de produção que desde
as bonequeiras de setecentos se transmitiu ao longo dos séculos e chegou até
nós. Distingue-se de tudo aquilo que se faz em Portugal e no resto do mundo.
Nela, o todo é criado a partir das partes, recorrendo à combinação de três
geometrias distintas: a placa, o rolo e a bola. São elas que, com dimensões
variáveis, são utilizadas na gestação de cada Boneco. Depois de modelados, os Bonecos
sofrem sucessivamente as operações de secagem, cozedura, arrefecimento,
envernizamento e pintura. Em resumo, um Boneco de Estremoz é uma figura modelada
à mão, em barro vermelho, cozida e policromada, usando técnicas das quais há
indícios de remontarem ao séc. XVII.
PRESÉPIO DE 3
FIGURAS
A Sagrada Família assenta numa
base rectangular de cor castanha, simbolizando a terra. A cabeça de cada uma das
figuras é aproximadamente esférica e revela cabelo castanho. O rosto e as mãos
têm uma cor que configura a cor da pele. Os olhos são dois pontos negros,
encimados por dois arcos paralelos, igualmente negros, configurando
sobrancelhas e pestanas. As bocas são pontos vermelhos, representando a boca.
O menino Jesus tem à sua direita a Mãe e à esquerda
o Pai. Está deitado numa cesta cuja textura da superfície e cor, evocam a
verga. Encontra-se coberto por uma manta branca, orlada de dourado. Os braços
estão abertos, parecendo querer dizer: “Vinde a mim,
todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.” (Mateus 11:28-30) (4).
Tanto Nossa Senhora como São José têm sobre a
cabeça um resplendor dourado, símbolo de santidade e envergam trajes que configuram
vestes bíblicas.
Nossa Senhora está de pé e tem as mãos unidas e
postas ao alto, numa atitude de oração, gesto de humildade, de confiança e de
submissão à autoridade de Deus. Veste um vestido azul claro comprido, com
bainha e punhos azuis. Sobre a cabeça um manto castanho com orla dourada.
Repare-se no pormenor de Nossa Senhora ter a cabeça e com ela o cabelo coberto
pelo manto. Para além da natural contextualização em termos de usos e costumes
da época em que nasceu Jesus, a esta representação não será também estranho o
reconhecimento da realidade vigente entre nós na primeira metade do século XX e
que impedia qualquer mulher de entrar num local de culto, de cabeça descoberta.
São José veste uma túnica branca com bainha e
punhos castanhos. Sobre os ombros enverga uma capa castanha com orla dourada.
Nas mãos segura um bordão de caminheiro. Esta representação configura ainda
caber-lhe a responsabilidade de ter a seu cargo a defesa da sua Família.
RICARDO
FONSECA, BONEQUEIRO DE ESTREMOZ
Ricardo Fonseca nasceu em 1986 na freguesia de
Santa Maria do concelho de Estremoz, onde fez a instrução primária e cursou
Artes na Escola Secundária, adquirindo saberes no âmbito da Pintura, da
Escultura e da História de Arte. Sobrinho de peixe sabe nadar. O seu tio Ilídio
foi oleiro na Olaria Alfacinha. As irmãs Flores, suas tias, são bonequeiras.
Não admira pois que se tenha sentido fascinado pela plasticidade do barro e
pelas transmutações que ele permite já que, como diz o poeta António Simões:
“Barro incerto do presente, / Vai moldar-te a mão do povo / Vai dar-te forma
diferente, / Para que sejas barro novo.” Daí que Ricardo tenha começado a
manusear o barro aí pelos catorze anos, fazendo a aprendizagem com as suas
tias. Aos quinze anos já fazia pequenos presépios e algumas imagens que vendia
aos turistas, assegurando assim a mesada para os seus gastos juvenis.
Ao sair da Escola, em 2005, começou a trabalhar com
as tias na oficina-loja do Largo da República. Foi então que a manufactura de
Bonecos deixou de ser uma brincadeira e passou a ser o seu mester. A execução
das figuras continuou, todavia, a ser feita com imenso prazer e igual paixão,
pois como diz o adagiário “O trabalho é o mestre do ofício” e “O prazer no
trabalho aperfeiçoa a obra”. Trabalha muitas vezes por encomenda, o que é caso
para dizer “A boa obra, se vai pedida, já vai comprada e bem vendida”.
Confecciona espécimes dentro e fora do conjunto dos “Bonecos da Tradição”.
Entre os modelos que registam maior procura figuram: “O Amor é Cego”,
“Primavera”, “Rainha Santa Isabel” e “Presépios”.
A procura de coleccionadores leva-o a criar
variantes de muitos exemplares, o que acontece sobretudo com “Presépios”, mas
também com imagens como “Santo António”, “Nossa Senhora da Conceição” e “Rainha
Santa Isabel”, o que se torna estimulante, sob um ponto de vista criativo. De
resto e por auto-desafio vai criando peças cada vez mais complexas, sem
abandonar porém os preceitos inerentes à manufactura dos Bonecos de Estremoz. É
caso para dizer que: “Aprende por arte e irás por diante”.
É sabido que cada barrista tem o seu próprio modo
de observar o mundo que o cerca e de o interpretar, legando traços de
identidade pessoal nas peças que manufactura e que são marcas indeléveis que
permitem identificar o seu autor. Lá diz o adagiário: “As obras mostram quem
cada um é” e “Pela obra se conhece o artesão”. No caso de Ricardo, o
perfeccionismo está-lhe na massa do sangue, o que o leva a dedicar-se aos
pormenores, não só na pintura, como na própria manufactura do rosto,
das mãos, dos pés e dos enfeites que adornam as figuras.
BIBLIOGRAFIA
(1) – BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez
& Latino. Real Colégio das Artes da Companhia de Jesus. Coimbra, 1713.
(2) - CHAVES, Luís. O primeiro “Presépio” de
Lisboa conhecido (Século XVII). In, O Archeologo Português. Lisboa, Museu
Ethnographico Português. S. 1, vol. 21, n.º 1-12 (Jan-Dez 1916), p. 229-230.
(3) – FIGUEIREDO, Cândido de. Novo Diccionário
da Língua Portuguesa. Editora T. Cardos & Irmão, 1899.
(4) – SÃO MATEUS. Evangelho segundo São Mateus.
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