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Estado da arte
No conjunto dos Bonecos de Estremoz destaca-se pela sua garridice e simbolismo, “O Amor é Cego”, considerado uma figura de Entrudo e que constitui uma alegoria ao “Cupido de olhos vendados”. Trata-se de uma figura [i] que recomeçou a ser produzida por Sabina Santos (1921-2005), a qual se inspirou em exemplar criado por Oficinas de Estremoz do séc. XIX e que pertence ao acervo do Museu Municipal de Estremoz.
Atributos
“Quem conta um ponto aumenta um ponto”, sentença que se aplica aos Bonecos de Estremoz. Daí que depois de Sabina, o modo como é abordada a representação de “0 Amor é Cego”, nem sempre seja convergente e antes pelo contrário, seja maioritariamente divergente. Apesar de tudo, existem invariantes nas representações dos diferentes barristas. Eles constituem os atributos de “O Amor é Cego” e são: olhos vendados, toucado enfeitado com plumas e decoração frontal com um coração, flores numa mão, coração(ões) trespassado(s) por seta(s) na outra, vestido com saia curta e calçado com fitas atadas às pernas.
Mulatitude
A universalidade do amor, arrasta consigo a cegueira desse mesmo amor, independentemente da cor da pele. Daí que Inocência Lopes, que já revogara o imperativo da pele ser branca e proclamara a eventualidade da sua negritude, anuncia agora a possibilidade da sua mulatitude.
Cromatismo
Sob o ponto de vista cromático, a decoração da figura é uma hexacromia, integrada pelas seguintes cores: ZARCÃO (vestido, toucado, botas, flores do bouquet), VERMELHO (corações, seta, asas, meias, plumas, lábios), CASTANHO (cor da pele), VERDE (folhos e barra do vestido, cordões das botas, toucado, folhas do bouquet), PRETO (cabelo), BRANCO (venda dos olhos). As cores quentes (zarcão, vermelho, castanho) predominam sobre a única cor fria (verde) e as cores neutras (branco e preto). Deste modo e globalmente, a figura vê associada a ela a quentura da paixão do amor carnal. Os dois corações trespassados pela seta, sugerem que a figura já foi atingida duas vezes pela cegueira do amor, o qual terá dado mau resultado, uma vez que o coração verde da parte frontal do toucado, sugere a esperança num amor tranquilo e duradouro.
Requebros
A mulatitude da figura leva-me a associar-lhe requebros: uma voz quente com uma sonoridade sensual e o movimento lascivo do corpo. Só não é visível a expressão amorosa do olhar, pois a venda que o cobre, não deixa. Já os lábios carnudos e húmidos parecem convidar a beijar.
Olhando para esta figura, ecoam na minha cabeça os acordes do samba “Mulata assanhada” do compositor e cantor Ataulfo Alves (1909-1969)
Ô, mulata assanhada
Que passa com graça
Fazendo pirraça
Fingindo inocente
Tirando o sossego da gente!
Gratidão
Obrigado Inocência, pela quentura e sensualidade da figura com que nos estimulou os sentidos. Bem haja.
[i] Há quem associe androginismo à figura, associando-lhe ambiguidade sexual. A meu ver, trata-se de uma leitura bastante aceitável de uma figura de Entrudo do séc. XIX, época cujos costumes não permitiam que uma mulher se mascarasse com roupa tão reduzida, pelo que seriam homens a envergar roupa de mulher.
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