Prato raso, de médias dimensões, com superfície interna de cor creme, de aba larga,
ligeiramente côncava. Decoração esgrafitada e pintada com base em monocromia de
tons de azul cobalto sobre fundo creme. Aba decorada com o motivo “três pés de cereja”,
que ali aparece quatro vezes. No fundo e ao centro, uma ave indeterminada, pousada
num ramo de cerejeira e com pés de cereja presos no bico. Adriano Martelo (1916-2002)
Radiografia de um prato
A avi-fauna é gulosa por cerejas e a decoração dos pratos de Adriano Martelo (1916-2002) dá conta disso. Para tal recorre a ilustrações, em que a figura central é constituída por uma ou mais aves pousadas num ramo de cerejeira e com pés de cereja presos no bico. A decoração das abas dos pratos e o cromatismo global de toda a decoração, são muito variáveis. Tais factos são atestados por pratos da minha colecção e por pratos pertencentes a colecções alheias. O cromatismo baseia-se em geral numa tricromia e a decoração das abas ostenta correntemente decorações florais ou geométricas. No caso presente, a composição central integra uma ave indeterminada, pousada num ramo de cerejeira e com pés de cereja presos no bico. A decoração da aba utiliza a lei da repetição, sendo o motivo repetido, um conjunto com três pés de cereja, que ali figura em quatro posições, que pretendem ser equidistantes entre si. O cromatismo da figura resume-se a uma monocromia em tons de azul cobalto sobre engobe creme, esgrafitado antes da pintura a azul.
A pintura a azul cobalto
De salientar que a decoração a azul cobalto é característica dos azulejos portugueses do séc. XVII, bem como dos chamados pratos de “aranhões” desse período, confeccionados em faiança em Portugal, a imitar os pratos de porcelana chinesa que então chegavam em abundância à Europa.
Foi Adriano Martelo quem introduziu na cerâmica redondense a decoração tipo “aranhões”, tendo sido incompreendido e muito contestado pela sua iniciativa pioneira. Através dela, o decorador revogava a “norma” vigente de os pratos patentearem uma decoração de cunho popular, assente numa tricromia verde – amarelo – ocre castanho. Todavia, acabou por ser seguido por outros decoradores da vila de Redondo. Os pratos de ”aranhões” desta vila, imitam os pratos de faiança portuguesa de “aranhões” do séc. XVIII e remotamente os pratos de porcelana chinesa desse período.
Simbologia
Na cultura japonesa tradicional, a cerejeira foi associada ao samurai cuja vida era tão efémera quanto a da flor que se desprendia da árvore. Já o fruto estava associado à sensualidade dos lábios de mulher, pelo que ao ser mordido era como se estivesse a sangrar. A associação de cerejas aos lábios de mulher é igualmente perfilhada por António Pinto Basto numa estrofe do fado “Dia de Espiga”: “Maria, são teus olhos azeitonas! / Cachopa, são teus lábios qual cereja! / E os teus seios, cachos d'uvas que abandonas / À vindima desta boca que os deseja!”.
Este texto já vai longo, pelo que o seu terminar será “a cereja em cima do bolo”, já que "As palavras são como as cerejas: vão umas atrás das outras".
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