(Jornal E nº 231, de 7-10-2019)
Publicado inicialmente em 20 de Outubro de 2010
A representação do olhar na barrística
de Estremoz ao longo dos tempos é diversificada, como nos revela a observação
atenta dos inúmeros exemplares existentes no Museu Municipal de Estremoz.
A menina do olho está sempre presente.
Alguns exemplares só representam a menina do olho encimada pela sobrancelha.
Todavia há outros nos quais a menina do olho está coroada pela sobrancelha e
pela pestana, que podem revelar-se rectilíneas ou encurvadas, podendo a
sobrancelha ser ou não tangente à menina do olho. Para além disso, há
exemplares que apresentam a menina do olho inserida num globo ocular, que pode ou
não ter fundo branco.
A representação do olhar na barrística
de Estremoz tem a ver com o estilo próprio de cada barrista, que é o mesmo que
dizer que tem a ver com as marcas identitárias que lhe são inerentes e os
diferenciam doutros barristas. De resto, um mesmo barrista na procura do seu próprio
caminho, pode recorrer a representações distintas do olhar ao longo da sua
actividade.
Pode-se gostar mais duma
representação do olhar que doutra, mas todas são igualmente legítimas, porque
todas integram o “corpus” da representação do olhar ao longo do período
multisecular de produção dos Bonecos de Estremoz. Como tal não é aceitável que
alguém, seja quem for, em nome de não sei quê, queira proscrever as
representações do olhar que não sejam do tipo “dois riscos por cima da menina
do olho”. Digo-o como coleccionador e investigador dos Bonecos de Estremoz, com
a autoridade que advém da colecção que até hoje consegui reunir e dos estudos
efectuados até ao presente. É essa autoridade que me leva a respeitar o estilo
próprio de cada barrista, fruto das suas próprias marcas identitárias e a
gostar do estilo de cada um, logo de todos. Por outras palavras, gosto dos
Bonecos de Estremoz de todos os nossos barristas.
No meu livro “BONECOS DE ESTREMOZ” (*), dado à estampa em 2018, inventariei e descrevi, de uma forma sistemática e por autor, um total de 122 marcas de autor, que surgem estampadas com carimbo ou manuscritas na base das figuras ou no interior das peanhas das imagens devocionais. Tratou-se e trata-se ainda do maior número de marcas de autor de bonequeiro(a)s de Estremoz, jamais divulgada por alguém.
No final do estudo então
apresentado, afirmei: “Estou convicto que a listagem de autores e
respectivas marcas aqui apresentadas não está completa e, como tal, não é
definitiva. O futuro o confirmará ou não.”
De então para cá, foram-me
surgindo novas marcas dos autores já inventariadas, que a seu tempo divulgarei.
Mais recentemente, surgiu-me a
marca manuscrita “MARIA / JOSÉ / CARTAXO”, distribuída por 3 linhas, aposta na
base da figura conhecida por “bailadeira pequena”. A pintura desta encontra-se
incompleta, dado que à excepção da base, a figura apenas recebeu uma pintura
com branco de alvaiade (óxido de zinco), como preparação para receber outras
cores, o que não chegou a acontecer.
Vejamos quem era Maria José
Cartaxo.
Após a morte do seu irmão Mariano
Augusto da Conceição (1903-1959), Sabina Augusta da Conceição Santos
(1921-2005) dá continuidade à manufactura dos Bonecos de Estremoz na Olaria
Alfacinha, conjuntamente com as cunhadas, Maria José Cartaxo da Conceição
(1923-2013) e Teresa Cabaço Cid da Conceição (1922-1962). Após o falecimento desta
última em 1962, a sociedade desfaz-se por iniciativa de Sabina Santos. Então,
Sabina Santos e Maria José Cartaxo começam a trabalhar separadas. A marca aqui
divulgada é até agora a única marca de autor conhecida.desta última barrista.
(*) MATOS, Hernâni. BONECOS DE ESTREMOZ. Edições Afrontamento. Estremoz / Póvoa de Varzim, Outono de 2018.
Fig. 2
O presente berço do Menino Jesus, conhecido por “berço das pombinhas” (Fig. 1), cuja simbologia já foi por mim analisada [i], é duma tipologia que já era executado por oficina de barristas de Estremoz desconhecidos, de finais do séc. XIX – princípios do séc XX, os quais assinalavam a sua produção com a marca incisa “EXIREMOZ”, aposta por percussão de carimbo. Este tipo de berço continuou a ser produzido por Gertrudes Rosa Marques (1840-1921), Ana das Peles (1869-1945), Mariano da Conceição (1903-1959), Sabina Santos (1921-2005), Liberdade da Conceição (1913-1990), José Moreira (1926-1991), Maria Luísa da Conceição (1934-2015), Fátima Estróia (1948 - ) e Irmãs Flores [(Maria Inácia (1957 - ) e Perpétua (1958 - )] [ii].
No berço de Ricardo Fonseca (1986- ) é
dominante uma dicromia quente-frio, materializada cromaticamente pelo binário
ocre amarelo – azul do Ultramar, tradicionalmente usado na arquitectura popular
desta terra transtagana, iluminada pelas claridades do Sul. A cor de fundo do
berço é o ocre amarelo, à excepção do folho que encima o espaldar do berço e cuja
coloração é a do azul do Ultramar.
A dicromia dominante dá uma forte
contribuição para contextualizar o berço em termos identitários alentejanos.
Esta contextualização é reforçada pela decoração do berço com elementos
fitomórficos associados à região: espiga de trigo, papoila e ramo de oliveira
(no espaldar) e ramo de sobreiro (na cercadura lateral do berço).
A manta listada que cobre o
Menino Jesus é amovível (Fig. 2), o mesmo se passando com o Menino Jesus (Fig.
3), que estava assente num pano branco, por sua vez assente em palhinhas.
Este exemplar de berço do Menino Jesus
constitui um bom exemplo da possibilidade que existe de introduzir inovação
morfológica e contextualização regional em exemplares do Figurado de Estremoz,
sem que estes deixem de pertencer ao chamado núcleo central daquele Figurado.
[i]
MATOS, Hernâni. “Contributo
para uma Simbólica das Figuras de Presépio” in jornal E, n.º 324,
Estremoz, 21 de Dezembro de 2023. [Em linha]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2023/12/contributo-para-uma-simbolica-das.html
[Consultado em 31 de Dezembro de 2023].
[ii]
Sabina Santos produziu também outro tipo de berço, habitualmente designado por
“berço dos anjinhos”, que foi igualmente confeccionado pelos barristas que se
lhe seguiram.
Fig. 2