A barrista Maria Luísa da Conceição (1934-2015).
A comunidade bonequeira de Estremoz está de luto.
Vítima de paragem cárdio-respiratória, faleceu na madrugada do passado dia 7 de
Junho, num Hospital de Coimbra, Maria Luísa da Conceição (1934-2015), que se
deslocara àquela cidade, a fim de participar na XIII Feira de Artesanato. Com a
sua partida, a barrística popular de Estremoz fica mais pobre.
Maria Luísa era uma pessoa muito estimada em Estremoz. Daí que o
seu funeral para o cemitério local, tenha constituído uma sentida manifestação
de pesar, na qual se integraram familiares, amigos, admiradores e oficiais do
mesmo ofício, que lhe foram prestar uma última homenagem.
Membro do clã dos Alfacinhas, Maria Luísa da
Conceição era sobrinha de Sabina Santos (1921-2005) e filha de Mariano da
Conceição (1903-1959) e de Liberdade da Conceição (1913-1990), todos barristas.
Filha de peixe sabe nadar, pelo que Maria Luísa viria a ser barrista. A sua
família é parte integrante da História dos bonecos de Estremoz e Maria Luísa
era a Memória viva dessa História. Daí ser incomensurável a perda representada
pela sua partida do nosso convívio.
O seu pai foi desde 1930, Mestre de Olaria na
Escola Industrial António Augusto Gonçalves, onde sob o impulso do Director, o
escultor José Maria de Sá Lemos (1892-1971), começou a confeccionar bonecos de
Estremoz, após o trabalho de revitalização da sua manufactura, efectuada por Sá
Lemos no período 1933-35, para o que contou com a Memória de Ti’Ana das Peles
[Ana Rita da Silva (1870-1945)], que na mocidade assistira à sua feitura, tendo
ainda feito os de assobio.
O pai de Maria Luísa foi convidado a participar na
Exposição do Mundo Português (1940), mas não o pôde fazer presencialmente, dada
a sua condição de funcionário público. Todavia, participou indirectamente, já
que os bonecos confeccionados e cozidos por ele em Estremoz, eram transportados
para Lisboa, onde na Exposição eram pintados por sua mulher, Liberdade da
Conceição, que ali esteve presente durante todo o período do certame. O primeiro
contacto de Maria Luísa com os bonecos remonta a esta época, pois com 6 anos já
ajudava a mãe a pintar. Com a morte prematura do pai em 1959, é a sua tia
Sabina que continua a tradição familiar, o que faz até 1988, ano em que se
aposenta. Por sua vez, Liberdade, a mãe de Maria Luísa, começa a confeccionar
bonecos em 1960 o que faz até ao seu falecimento, em 1990. Quanto a Maria Luísa,
trabalhava na arte bonequeira, desde 1981.
Como traço importante do carácter de Maria Luísa,
ressalta o orgulho que sentia em ser quem era, filha de bonequeiros, que tinha
prazer em trabalhar e ir junto das pessoas, nas feiras de artesanato.
Era com emoção que falava dos bonecos de Estremoz,
sempre que dava entrevistas, o que era frequente. É que Maria Luísa tinha os
bonecos na massa do sangue. Aqueles que lhe saíram das mãos, tanto os do núcleo
base do figurado de Estremoz, como aqueles que criou e nisso foi pródiga, são
muito apreciados e apresentam marcas de identidade muito próprias e
inconfundíveis, que os distinguem dos confeccionados pelos diferentes
barristas, incluindo o seu pai e a sua mãe. Deixa como continuador da sua arte,
o seu filho, Jorge da Conceição, cujos bonecos ostentam igualmente marcas de
identidade muito próprias.
A qualidade do seu trabalho, levou a que lhe fossem
atribuídos inúmeros prémios e distinções, sendo de salientar o 1º Prémio para a
melhor peça de artesanato (Vila do Conde - 1991) e o 1º Prémio da Exposição
de Presépios (Viana do Castelo - 2007), merecendo especial destaque a
Medalha de Prata de Mérito Municipal, que lhe foi outorgada pela Câmara
Municipal de Estremoz, em 2008.
Maria Luísa da Conceição concedera-me há muito, o
privilégio da sua amizade e dela reúno bonecos que comecei a coleccionar desde a
I Feira de Artesanato de Estremoz, em 1983. Em sua casa me recebeu inúmeras
vezes, onde como estudioso me deslocava sempre que precisava de uma informação
ou de um esclarecimento sobre bonecos de Estremoz. Em 2013, o seu depoimento,
conjuntamente com descobertas que fiz no Arquivo da Escola Secundária e em
correspondência particular, permitiram-me esclarecer aspectos menos claros da
História dos bonecos de Estremoz, os quais trouxe à luz do dia, quando naquela Escola,
proferi uma conferência subordinada ao tema “Mestre Mariano da Conceição (O Alfacinha),
à qual ela assistiu, bem como o seu filho.
Maria Luísa da Conceição partiu, mas deixou
connosco os bonecos que criou, disseminados por museus e colecções
particulares. Deixou também connosco, a Memória da sua jovialidade e da sua
vitalidade. De forte compleição física como seu pai, dele herdou também o
gosto, a vontade e a determinação que punha em tudo o que fazia. Aos oitenta e
um anos, deslocava-se sozinha no seu automóvel, a fim de participar nas feiras
de artesanato, de norte a sul do país. Por isso, deu um elevado contributo para
a divulgação do figurado de Estremoz.
Num momento em que decorre a candidatura dos
Bonecos de Estremoz a Património Cultural Imaterial de Humanidade, para a qual
muito contribuiu e da qual era entusiasta, sou levado a proclamar:
- MARIA LUÍSA DA CONCEIÇÃO, PRESENTE!
Hernâni Matos
Maria Luísa da Conceição comigo, no decurso duma entrevista
que me concedeu em sua casa em 2013. Fotografia de Luís Guimarães.
NOTA DE RODAPÉ
Decorrido um dia sobre a edição deste post, o Grupo do PS na Assembleia Municipal de Estremoz, apresentou e viu aprovar por unanimidade a seguinte moção:
A Assembleia Municipal de Estremoz, reunida em sessão ordinária no dia 26 de Junho de 2015, manifesta o seu profundo pesar pelo falecimento da barrista Maria Luísa da Conceição, memória viva da História dos bonecos de Estremoz, de que era artesã destacada e embaixatriz itinerante.
A sua partida é uma perda irreparável e deixa a cidade mais pobre.
Como preito de homenagem a esta figura cimeira da cultura popular estremocense, a Assembleia Municipal de Estremoz, recolhe-se num minuto de silêncio em sua Memória.
Maria Luísa da Conceição comigo, no decurso duma entrevista
que me concedeu em sua casa em 2013. Fotografia de Luís Guimarães.
Santa Catarina de Alexandria, Padroeira de oleiros e de bonequeiros.
Maria Luísa da Conceição (1934-2015).
Colecção do autor.
Peralta.
Maria Luísa da Conceição (1934-2015).
Colecção do autor.
Primavera de arco.
Maria Luísa da Conceição (1934-2015).
Colecção do autor
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