quarta-feira, 16 de maio de 2012

Adagiário do nada

Retrato de Fernando Pessoa (1954).
Almada Negreiros (1893-1970).
Óleo sobre tela (201 x 201 cm).
Museu da Cidade, Lisboa.

A palavra “nada”, do latim [res] nata, significa “coisa nascida”. Como pronome indefinido designa “coisa nenhuma”. Como substantivo masculino denomina “O que não existe; o não-ser”. Por extensão indica “Pouca coisa”. Como advérbio é sinónimo “de modo nenhum”.
O problema do “nada” foi abordado a nível filosófico. Assim, ao definir o nada como a inexistência de qualquer coisa, do próprio existir, o idealista Immanuel Kant (1724-1804), concluiu a existência do “nada” como um "pseudo-problema". Já o existencialista Jean-Paul Sartre (1905-1980) tratou o “nada” em oposição ao “ser”, que corresponde à existência de algo.
A nível poético, são de citar referências sobejamente conhecidas:
- "Nada vem do nada”: Titus Lucretius Carus (98 aC – 55 aC ) in “De Rerum Natura”;
- "Do nada, nada vem; e ao nada, nada pode reverter": Aulus Persius Flaccus (34 - 62) in “Sátiras”;
- "Deus fez tudo de nada. Mas o nada aparece": Paul Valery (1871- 1945) in “Pensamentos Maus e Outros”;
- “Há metafísica bastante em não pensar em nada”: Alberto Caeiro, Heterónimo de Fernando Pessoa in "O Guardador de Rebanhos - Poema V".
A nível matemático, o conceito de “nada” é equivalente ao de "conjunto vazio", conjunto sem elementos, que nessa qualidade é um elemento do conjunto dos subconjuntos de qualquer conjunto.
A nível físico, torna-se necessário distinguir três contextos: o “vácuo”, o “vazio” e o “nada”. O “vácuo” é um espaço não preenchido por matéria, mas onde existem campos e radiações. O “vazio” é um espaço sem matéria, nem campos, nem radiações. O “nada” corresponde à inexistência de espaço, no qual não existe nem matéria, nem campo, nem radiações, nem sequer leis físicas para obedecer, tais como leis da conservação, leis da evolução temporal e lei do aumento da entropia.
A nível etnológico, começámos por efectuar uma pesquisa e estudo, incidindo no adagiário português da temática “nada”. O estudo, que não foi fácil, permitiu-nos sistematizar os adágios recolhidos em múltiplos grupos, que encontraram designação no infinito do verbo associado ao “nada” que incluem no seu descritivo. Foram eles:
- ABORRECER: “Nada é aborrecido quando é feito com boa vontade“
- ACABAR: “Nada acabar é nada fazer“
- AFRONTAR: “Nada nos afronta tanto como o fruto proibido“
- APROFUNDAR: “Nada se aprofunda para os lados“
- BASTAR: “Quem nada lhe basta nada tem“
- COMPARAR: “Antes pouco que nada“
- CONTABILIZAR: “Nada de contas com presentes, nem de dívidas com ausentes“; “O pouco conta-se e o nada é nada“
- CRIAR: “Quem nada cria nada tem“
- CURAR: “Nada cura como o tempo“
- DAR: “Do pouco dá-se. Do nada não se dá“; “Nada dá quem não dá honra no que dá“
- DESEJAR: “A quem nada deseje, nada falta“
- DESPREZAR: “Nunca desprezes o nada, do nada nasceu o Universo“
- DIZER: “Antes nada dizer que fazer nada“; “Nada se diz com mentira que não se venha a pagar com verdade“; “Vale mais nada dizer, que dizer nada“
- DUVIDAR: “Nada duvida quem nada sabe“
- EMPREENDER: “Quem nada empreende, nada executa“
- ENFURECER: “Nada enfurece tanto o homem como a verdade“
- ESCAPAR: “Nada escapa aos homens senão o vinho que as mulheres bebem“
- ESPERAR: “Nada se esperou que se alcance sem muito custo“
- EXISTIR: “Nada há que não possa ser“
- FAZER: “Do nada, nada se faz“; “Nada fazer é fazer mal“; “Nada se faz neste mundo que não se descubra“; “Nada se faz que Deus não queira“; “Nada se faz que se não saiba“; “Nada se faz sem tempo“; “Por nada, ninguém faz“; “Quem nada faz já (há) muito dorme“; “Quem nada faz, já muito dorme“
- HERDAR: “Nada? Foi o que o meu avô me deixou“
- IMPOR RESPEITO: “Nada impõe tanto respeito ao tolo como o silêncio; nada o anima como o responder-lhe“
- NASCER: “Do nada, nasceu o Universo“
- OBTER: “Nada se obtém sem esforço, tudo se pode conseguir com ele“
- PARECE: “Nada se parece tanto com um tolo bem vestido como qualquer mau livro bem encadernado“
- PEDIR: “Quem nada pede nada tem“; “Quem nada pede, nada tem“
- PERDOAR: “Perdoai tudo a todos e a vós nada"
- PERMANECER: “Nada permanece neste mundo e só das boas obras temos certo o prémio“
- POSICIONAR: “Nada como a posição social do indivíduo“
- PRESTIGIAR: “Nada [há] como a escola para prestigiar ou para desacreditar um nome“
- PROMETER: “Quem nada promete, nada deve“
- SABER: “Quem nada sabe, de nada duvida“
- SABOREAR: “Nada sabe tanto, como o fruto proibido“
- SECAR: “Nada seca mais depressa que as lágrimas“
- SEGUIR: “Nada como um dia depois do outro“
- SER: “Casa de terra, cavalo de erva, amigo de palavra, tudo é nada“
- SER BOM: “Nada é bom para os olhos“
- SER ELOQUENTE: “Nada há mais eloquente do que uma bolsa bem quente“
- SER ENCOBERTO: “Nada há tão encoberto que se não venha a saber“; “Nada há tão encoberto que tarde ou cedo não seja descoberto“
- SER ETERNO: “Nada é eterno nem mesmo os nossos problemas“
- SER FÁCIL: “Nada é mais fácil (do) que mentir e mais difícil (do) que mentir bem“; “Nada é mais fácil de fazer do que aconselhar e repreender“
- SER FATIGANTE: “Nada há tão fatigante como a viva-cidade sem espírito“
- SER INDIFERENTE: “Nada há tão indiferente como o tempo“
- SER SECRETO: “Nada há secreto que não seja descoberto“
- SER SEGURO: “Nada é seguro“
- SUPLANTAR: “Nada suplanta uma consciência tranquila“
- TEMER: “Nada teme quem não teme a morte“
- TER: “Nada tem quem desdenha do que tem“; “Nada tem quem nada lhe basta“;“Nada tem quem não se contenta com o que tem“; “Nada tem um ar mais nobre do que a moderação“; “Quem nada tem, nada é“; “Quem nada tem, nada teme“; “Quem nada tem, Deus o mantém“; “Quem nada tem, é generoso como ninguém“; “Quem nada tem, nada teme“; “Quem tem uma mãe tem tudo, quem não tem mãe, não tem nada“
- TER CERTEZA: “Nada mais certo do que a morte; nada mais incerto do que a hora da morte“
- VALER: “Mais vale pouco que nada“; “Nada vale o senhorio (a senhoria) sem companheiro ou amigo“; “Nada vale quando a fortuna azar“

2 comentários:

  1. AFINAL O NADA SENDO NADA APARECE EM QUASE TUDO COMO SENDO IMPRESCINDÍVEL, CONCLUINDO O NADA É TÃO IMPORTANTE COMO O TUDO. A LÍNGUA PORTUGUESA TEM DISTO E NÃO CUSTA NADA ACRESCENTAR QUE É TUDO OU NADA.O BLOGUE DO PROFESSOR É TUDO PARA MIM, E JÁ NADA ME FAZ ESQUECE-LO. MUITO OBRIGADA
    ROSA CASQUINHA

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Rosa:
      Obrigado pelo seu comentário.
      Há quem defenda o "Tudo ou nada".
      Eu penso que o "Tudo" pode ser precisamente o "Nada".
      Um abraço para si, Rosa.

      Eliminar