sábado, 20 de abril de 2019

Sabina da Conceição na toponímia estremocense


Sabina da Conceição (1921-2005) nos anos 70 do séc. XX, tendo à sua direita as discípulas
Maria Inácia Fonseca (1957-) e Perpétua Sousa (1958-). Fotografia de Xenia V. Bahder.
 Arquivo fotográfico do autor.

A barrista Sabina da Conceição (1921-2005) viu a sua memória perpetuada através da atribuição do seu nome a uma rua da cidade, situada no Monte Pistola, junto à antiga passagem de nível. A deliberação foi tomada em reunião da Câmara realizada no passado dia 3 de Abril, tendo sido homologada por unanimidade a acta da reunião da Comissão de Toponímia do Concelho de Estremoz, realizada no passado dia 15 de Março e, consequentemente, aprovadas as propostas dos topónimos aí constantes, entre os quais se incluía o nome daquela barrista.
A atribuição do nome de Sabina da Conceição a uma rua da cidade corresponde ao reconhecimento do papel por ela desempenhado como continuadora duma tradição que corria o risco de se extinguir e que hoje é motivo de orgulho para todos os estremocenses. O trabalho desenvolvido por Sabina da Conceição deu um forte contributo para que desde 7 de Dezembro de 2017, a manufactura de Bonecos de Estremoz esteja inscrita na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade.
Sabina Augusta da Conceição nasceu a 1 de Julho de 1921 num prédio da calçada da Frandina, em Estremoz. Filha legítima de Narciso Augusto da Conceição, oleiro, de 50 anos de idade, natural da freguesia de Santo Antão, Évora e de Leonor das Neves, doméstica, de 45 anos, exposta, natural da freguesia de Santo André, Estremoz. Neta paterna de Caetano Augusto da Conceição, fundador da Olaria Alfacinha e de Sabina Augusta, doméstica. Neta materna de avós incógnitos.
Com 12 anos de idade e com o pai já falecido, candidata-se em 23 de Agosto de 1933 ao exame de admissão à Escola Industrial António Augusto Gonçalves e, tendo sido aprovada, matricula-se no Curso de Tapeceira (3 anos).
Em 5 de Julho de 1942, com 21 anos de idade, casa-se na Igreja de Santa Maria em Estremoz, com Joaquim Luiz de Matos Santos, empregado de escritório, de 24 anos de idade.
Em 1960, depois da morte prematura do seu irmão Mestre Mariano da Conceição (1903-1959), oleiro e bonequeiro, dá continuidade à manufactura dos Bonecos de Estremoz na Olaria Alfacinha, o que faz até se aposentar em 1988, fixando-se então em Ribamar, Lourinhã.
A importância de Sabina na barrística popular estremocense é incomensurável. Por um lado, tomou a atitude corajosa de prosseguir com estilo muito próprio, a manufactura dos Bonecos de Estremoz, depois da morte de Mariano, fazendo assim com que a arte não se perdesse. Sabina nunca tinha confeccionado Bonecos, apenas vira o irmão fazê-los. Formou-se a ela própria, usando como modelos os Bonecos do seu irmão. Por outro lado, Sabina foi a barrista que mais discípulas formou: Isabel Carona, Fátima Estróia, Maria Inácia Fonseca e Perpétua Fonseca. Algumas aparecem com ela no filme “Bonecos de Estremoz”, que Lauro António realizou em 1976 e que se encontra disponível no YouTube.
Sabina morre a 19 de Abril de 2005, com a idade de 83 anos, tendo sido sepultada no cemitério de Ribamar. O elogio fúnebre de Sabina da Conceição foi feito por Hugo Guerreiro em artigo intitulado “Morreu Sabina Santos”, publicado no jornal Brados do Alentejo em 29 de Abril de 2005.
Sabina da Conceição está fortemente representada no acervo do Museu Municipal de Estremoz Professor Joaquim Vermelho, uma vez que o Município de Estremoz adquiriu à filha de Sabina, Professora Maria Leonor da Conceição Santos (1943-2014), uma colecção de mais de uma centena de figuras que a barrista executara ao longo da sua extensa carreira. 
Estremoz, 7 de Abril de 2019
(Jornal E nº 221 – 19-04-2019)
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domingo, 24 de março de 2019

A Primavera no figurado de Estremoz


PRIMAVERA (séc. XX). Autor desconhecido. Altura: 20; largura: 10;
diâmetro: 8,5 (cm). Museu Nacional de Etnologia, Lisboa.

No figurado de Estremoz existem imagens conhecidas genericamente por “Primaveras”. Trata-se de representações de figuras de Entrudo, envolvidas em rituais de vegetação, que anunciavam e saudavam a proximidade da Primavera, na qual a natureza e muito em especial a flora, refloresce.

Publicado inicialmente a 24 de Março de 2019
 
PRIMAVERA (séc. XX). Ana das Peles. Altura: 22; largura: 12; 
diâmetro: 8,6 (cm). Museu Nacional de Etnologia, Lisboa. 

PRIMAVERA (séc. XX). Olaria Alfacinha. Altura: 26; largura: 14;
diâmetro: 8,6 (cm). Museu Nacional de Etnologia, Lisboa.
 
PRIMAVERA (séc. XX). Ana das Peles. Altura: 30; largura: 16;
diâmetro: 10,7 (cm). Museu Nacional de Etnologia, Lisboa.

PRIMAVERA (séc. XX). Ana das Peles. Altura: 20,5; largura: 9,5;
diâmetro: 9,5 (cm). Museu Nacional de Etnologia, Lisboa.

sábado, 16 de março de 2019

HERNÂNI MATOS, PRESENTE!



Todos somos actores num palco, interpretando cada um o seu papel numa peça cuja encenação lhes escapa completamente.
Num dia, somos um megálito imponente e brilhante, pujante de força e de energia. No outro, somos uma massa informe, tombada e sem qualquer capacidade anímica. Tudo, fruto de uma viagem (in)escapável no túnel do espaço-tempo-energia que nos conduz do palco da Vida ao palco da Morte. Aconteceu recentemente comigo, conforme relato clínico. Todavia, a saudade da família e dos amigos, os deveres de escrita e o amor à Arte Popular, fizeram-me arrepiar caminho. Cá estou novamente para o que der e vier. É caso para dizer:
- HERNÂNI MATOS, PRESENTE!

1 de Março de 2019


terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Vou-me embora, vou partir...



A hora da despedida não é fácil para ninguém. Não é de admirar que Pançamoz, emocionado pela partida, trauteie a conhecida moda alentejana:

Vou-me embora, vou partir mas tenho esperança
de correr o mundo inteiro, quero ir
quero ver e conhecer rosa branca
e a vida do marinheiro sem dormir

E a vida do marinheiro branca flor
que anda lutando no mar com talento
adeus adeus minha mãe, meu amor
eu hei-de ir hei-de voltar com o tempo

O ouvinte não deixará de questionar:
- E Frei Ramos?
E replicará de imediato:
- A ver vamos...

sábado, 26 de janeiro de 2019

Ante-Prefácio de Hernâni Matos ao seu livro "Bonecos de Estremoz"




Os meus olhos são uns olhos.
E é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos
onde outros, com outros olhos,
não vêem escolhos nenhuns.


António Gedeão (1906-1997)

in poema “Impressão Digital”


Este livro não é um livro de História dos Bonecos de Estremoz. Apesar disso, regista com rigor os principais marcos históricos da sua longa caminhada desde setecentos até aos dias de hoje. Fá-lo de uma forma não fastidiosa, procurando manter uma relação de cumplicidade afectiva com o leitor, para que este não deserte para outras paragens.
Este livro é um livro de estórias. Em primeiro lugar, estórias de vida dos barristas que dão vida aos bonecos. Em segundo lugar, as estórias que os bonecos nos contam, bem como as estórias que possamos urdir e que sejam pré-existentes aos bonecos por cuja génese foram responsáveis. Em terceiro lugar, as estórias de vida do autor, cujos escritos são uma simbiose de duas condições: a de coleccionador e a de investigador da arte popular alentejana. Trata-se de exercícios que pratica numa perspectiva polifacetada, predominantemente artística, antropológica e etnográfica. Se o conseguir também neste livro, tal facto será para si gratificante, pois mais importante que a posse de conhecimentos é a sua partilha com a comunidade, o que assegura a transmissão de saberes.
Tendo o autor exercido o magistério professoral durante 36 anos consecutivos, este livro reflecte as suas preocupações de não dissociar o rigor da escrita da clareza do texto e da motivação que cative o leitor.

Estremoz, Agosto de 2018




quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Apresentação do livro “Bonecos de Estremoz”, de Hernâni Matos



Texto lido por António Júlio Rebelo na sessão
“Bons filhos à casa tornam” que a 5 de Janeiro de 2019,
 teve lugar na Escola Secundária da Rainha Santa Isabel em Estremoz,
para apresentação pública do  livro “Bonecos de Estremoz”, de Hernâni Matos.
Fotografia de Luís Mariano Guimarães.


Escrevi naquela ocasião, no prefácio, que este livro, “Bonecos de Estremoz”, era uma viagem. Agora venho reforçar esta ideia. Para isso, acrescento que essa viagem decorre de um olhar acerca daquilo que está escondido nos objetos materiais. Cada boneco – cada boneco de Estremoz para ser mais preciso – tem afinal uma vida, uma história que projeta o seu criador para o respetivo objeto criado. Dessa história feita de fragmentos vivos, damos conta de épocas e de lugares. É um fio de memórias que vem de longe, composto de episódios de cor e ânimo; um fio que é percurso longínquo e que, de repente, chega e apresenta-se, diz da história de uma terra e das pessoas que, desta configuração tão simples e criativa, a tem ao longo do tempo edificado. E essa terra é a nossa, Estremoz. Uma terra que, pela projeção feita de cada boneco seu, deve ser aberta ao mundo e partilhar com ele a arte, que sendo popular é tão nobre como as demais. Uma arte sentida e genuína, feita de muitos modos e vigores, imaginação e tentativas, e que se junta então a outras artes participando na construção daquilo que de melhor o humano pode ser. Por tudo isto, é mesmo de uma viagem que falamos.
Mas qualquer viagem tem, ou deve ter, sempre um guia. Há casos em que o guia poderemos ser nós próprios, sozinhos e esforçados; há outros casos, em que necessitamos de um guia que relate e detalhe, pesquise, descubra e ponha a claro. E que, sobretudo, não pare nessa descoberta da história humana materializada nos objetos que experimentamos no nosso sentir interior moldado por sensações. Seja a representação de atividades humanamente concretizadas, seja a representação da mera simbologia, o importante é que o escondido se mostre através da nossa sensibilidade nascida do ato de ver, do ato de tocar, mas igualmente do saber e do compreender. No caso presente, o guia da nossa viagem foi o Hernâni Matos, ele levou-nos história fora, por aí adiante até aos confins do quase impossível com uma paixão imensa e única que tem por Estremoz. Poucos o batem nessa alma grande. É o seu lado de investigador insatisfeito que permitiu trazer todos estes bonecos para a luz do dia, como que saídos da escuridão, tal Caverna de Platão. Os bonecos de Estremoz, vindos à claridade e tendo sido reconhecido o seu valor universal, são hoje a oportunidade para fazer de nós uma comunidade aberta ao mundo. Por tudo isto, é mesmo de uma viagem que falamos. 
Daqui, deste itinerário de procura que faço a teu lado, meu caro Hernâni – embora por outras andanças, é certo –, expresso-te uma singular gratidão e deixo-te um forte abraço de viajante.

António Júlio Rebelo
Estremoz, 2 de janeiro de 2019