António Júlio Rebelo
PREFÁCIO
Com este livro vamos fazer
uma viagem. Quem nos orienta é Hernâni Matos, um colecionador apaixonado e
ciente de que a eternidade se ganha na recolha diária de objetos. Hernâni, na
sua ânsia comunicativa, irá conduzir-nos por uma paisagem humana que se
expressa na história dos Bonecos de Estremoz.
É esse grau de ligação,
essa saudável mistura aquilo que, na verdade, as viagens têm de bom. Sendo
humana, é também feita de barro, formas e cores. Nesta trilogia apetecível,
esta viagem revela ao pormenor os Bonecos de Estremoz. Do interior fundo dessa
mistura delicada que os constitui irrompem homens e mulheres, que, pela
sensibilidade e técnica, criaram com as suas mãos e utopia objetos vivos. Vivos
pela pertença, vivos pelas histórias e memórias, vivos pelo poder que a
simbologia concebe ao imaginário. Esta viagem assinala os diversos momentos
dessa existência material que cada vez mais se vai tornando em persistência
imaterial. Trata-se de uma humanidade e de uma comunidade reveladas ao longo de
muitos anos.
Vamos então para esse lugar
habitado pelos Bonecos. Comecemos pelos primórdios e como tudo começou e ficou
em suspensão, uma ameaça terrível, não consumada, de imerecida extinção.
Depois, como tudo aquilo que permanece, o ressurgimento. Tudo isso é contado
nesta viagem em andamento. A paisagem, entretanto, muda, e nesse renascimento
há, através dos Bonecos, uma dádiva à nossa história comum. Uma visibilidade
que nesse momento se tornou mais ampla, tão datada e tão precisa.
A viagem prossegue e faz-se
nas narrativas da tradição, compatibilizando inovação e produzindo novos
paradigmas. Neles a Escola está assinalada. Ela foi hospedeira, laboratório,
espaço criativo de aprendizagem. A Escola é o arranque, a pré-história dos
sonhos. E os Bonecos avançam e nós também. De tanta presença manifestada já não
sabemos, afinal, se viajamos com eles ou se são eles, pela sua inexplicável
atração, quem nos acolhem nesta viagem. Eles são demasiados em exemplos de
profissões, de atividades, de modos de existir.
Na viagem em prossecução, a
narrativa pormenoriza-se neste itinerário com marcas de identidade, de autores,
de uma nomenclatura própria e, igualmente, no diálogo constituído com a
literatura oral. Pela oralidade descobrimos e identificamos muitos nomes que falam
de si, pela exposição do Hernâni. São um sem fim de artesãos e artesãs que
connosco passam a fazer parte desta viagem. Por isso, nesse percurso de Bonecos
concebidos, existentes pela forma e cores impregnadas, quem os criou reforçou,
afinal, o lado humano, tornando-os mais objetivos na presença efetiva desses
criadores habitantes permanentes da nossa viagem. Conhecemos, por isso, muitos
nomes, parcelas de vida e experiências que se cruzam. E a viagem continua
humana, detentora de objetos que expressam uma simbologia que é representativa
daquilo que têm no seu interior mágico. Cada fragmento visível, seja de forma
ou de cor, é um pequeno mundo exemplar que conta uma história, desvenda um
significado.
Esta viagem, como todas as
viagens, parece chegar a um fim. Um fim que é, somente, uma simples paragem
maior, uma vez que as viagens desta natureza nunca, em rigor, têm um fim.
Abrir-se-á assim uma praça com um monumento que elogia e comemora. Justo
reconhecimento da arte, das vivências do humano que se fundiram com o barro e
fizeram nascer os Bonecos de Estremoz. Esse é o momento da obra do artista e da
alegria pela abertura ao mundo. Uma situação única, um singular horizonte que
importaria aproveitar.
Façamos as devidas
despedidas ao Hernâni convictos de que a viagem irá prosseguir. As três
geometrias explicadas, a placa, a bola e o rolo, verdadeiros elementos
representativos da natureza, mas também do humano, farão o seu caminho na
direção do futuro.
Meados de Setembro 2018
[1] António
Júlio Andrade Rebelo, natural de Tomar e a viver em Estremoz, professor do
Ensino Secundário a exercer funções na Escola Secundária/3 Rainha Santa Isabel
dessa cidade. Licenciado em Filosofia, em 1981, pela Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa; Doutorado em Filosofia e Cinema, em 2014, pela
Universidade de Évora.
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