Texto lido por António Júlio Rebelo na sessão
“Bons filhos à casa tornam” que a 5 de Janeiro de 2019,
teve lugar na Escola Secundária da Rainha Santa Isabel em Estremoz,
para apresentação pública do livro “Bonecos de Estremoz”, de Hernâni Matos.
Fotografia de Luís Mariano Guimarães.
Escrevi naquela ocasião, no prefácio, que este livro, “Bonecos de
Estremoz”, era uma viagem. Agora venho reforçar esta ideia. Para isso,
acrescento que essa viagem decorre de um olhar acerca daquilo que está
escondido nos objetos materiais. Cada boneco – cada boneco de Estremoz para ser
mais preciso – tem afinal uma vida, uma história que projeta o seu criador para
o respetivo objeto criado. Dessa história feita de fragmentos vivos, damos
conta de épocas e de lugares. É um fio de memórias que vem de longe, composto
de episódios de cor e ânimo; um fio que é percurso longínquo e que, de repente,
chega e apresenta-se, diz da história de uma terra e das pessoas que, desta
configuração tão simples e criativa, a tem ao longo do tempo edificado. E essa
terra é a nossa, Estremoz. Uma terra que, pela projeção feita de cada boneco
seu, deve ser aberta ao mundo e partilhar com ele a arte, que sendo popular é
tão nobre como as demais. Uma arte sentida e genuína, feita de muitos modos e
vigores, imaginação e tentativas, e que se junta então a outras artes
participando na construção daquilo que de melhor o humano pode ser. Por tudo
isto, é mesmo de uma viagem que falamos.
Mas qualquer viagem tem, ou deve ter, sempre um
guia. Há casos em que o guia poderemos ser nós próprios, sozinhos e esforçados;
há outros casos, em que necessitamos de um guia que relate e detalhe, pesquise,
descubra e ponha a claro. E que, sobretudo, não pare nessa descoberta da
história humana materializada nos objetos que experimentamos no nosso sentir
interior moldado por sensações. Seja a representação de atividades humanamente
concretizadas, seja a representação da mera simbologia, o importante é que o
escondido se mostre através da nossa sensibilidade nascida do ato de ver, do
ato de tocar, mas igualmente do saber e do compreender. No caso presente, o
guia da nossa viagem foi o Hernâni Matos, ele levou-nos história fora, por aí
adiante até aos confins do quase impossível com uma paixão imensa e única que
tem por Estremoz. Poucos o batem nessa alma grande. É o seu lado de
investigador insatisfeito que permitiu trazer todos estes bonecos para a luz do
dia, como que saídos da escuridão, tal Caverna de Platão. Os bonecos de
Estremoz, vindos à claridade e tendo sido reconhecido o seu valor universal,
são hoje a oportunidade para fazer de nós uma comunidade aberta ao mundo. Por
tudo isto, é mesmo de uma viagem que falamos.
Daqui, deste itinerário de procura que faço a teu
lado, meu caro Hernâni – embora por outras andanças, é certo –, expresso-te uma
singular gratidão e deixo-te um forte abraço de viajante.
António Júlio Rebelo
Estremoz, 2 de janeiro de 2019
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