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segunda-feira, 29 de março de 2021

Preservar memórias


Sónia Ferro. Jurista. Vereadora da Câmara Municipal de Estremoz.
 
O Professor Hernâni, por muitos motivos e mais alguns, é-me pessoalmente querido e por ele nutro a maior consideração.
Não posso deixar de me recordar de quando, ainda bem miúda, tive o privilégio de que me mostrasse a sua coleção de selos, ou provavelmente parte dela, pois já à data era bastante extensa e impressionante. Eu e o meu irmão Pedro, um pouco mais novo que eu, ficámos absolutamente fascinados! A tal ponto que iniciámos logo várias coleções, algumas das quais ainda hoje preservamos.
Também na Escola Secundária, apesar de nunca ter sido sua aluna, até porque ingressei pelo mundo das letras, fui marcada pela sua figura carismática. Foram muitos os meus amigos e colegas que, pela sua influência e pela forma cativante como lecionava, enveredaram pelas “físicas” e pelas “químicas”.
Hoje tenho-o como um homem de saber, perseverante e resiliente. Alguém cuja determinação e empenho tem contribuído, de forma singular, para a preservação e valorização do património cultural de Estremoz. O rigor com que leva a cabo os seus projetos e estudos, entre outros como investigador da Barrística Popular Estremocense, asseguram-nos a autenticidade, a preservação e o respeito pelas “nossas” memórias e tradições populares.
A sua capacidade de partilhar o saber e o seu conhecimento aprofundado e especializado é também de louvar. Por meio do seu Blogue, de publicações na imprensa e dos livros de que é autor ou organizando exposições temáticas e iconográficas, o Professor Hernâni abre-nos o livro da história da nossa comunidade.
Como filha da terra resta-me demonstrar-lhe a minha gratidão.
 
Sónia Ferro
Estremoz, 4 de março de 2021
 
 Hernâni Matos

domingo, 28 de março de 2021

O meu posto é aqui!

 

 


É forte o meu amor pelos Bonecos de Estremoz. É como se a Terra-Mãe de barro se tivesse fundido comigo num acto de paixão perene que me aquece e alegra a alma. Por outras palavras: tenho os Bonecos de Estremoz na massa do sangue. Eles são o meu amor de todas as horas e acompanham-me para onde quer que eu vá. Longe de ser um fardo, é uma missão que assumi de corpo inteiro. De tal modo que por vezes me vejo obrigado a puxar das divisas e a proclamar:
- O meu posto é aqui!
Esse o significado da presente fotografia de quem não nasceu para posar para fotografias, mas antes para rasgar horizontes, já que é para serem rasgados que os horizontes existem. Todavia, os horizontes fogem de mim e sempre que avanço na minha caminhada, os horizontes passam a ser outros, até eu passo a ser outro, porque, entretanto, cresci durante a caminhada.
Recolectar, observar, analisar, ver para além do óbvio, estudar, investigar, pulverizar os dogmas e as verdades de conveniência onde alguns gostam de se acoitar e acabam por se atolar, são alguns dos passos dessa caminhada.
Boniqueiro das palavras ou picareta escrevente tanto faz. O que interessa é o que escrevo e como escrevo, já que se escrevo e porque escrevo é espontaneamente da máxima importância, por ser tão vital como o respirar, o comer, o dormir e o procriar.  E a voz que é minha com a força e a legitimidade de provir igualmente da Terra-Mãe, tal como eu nunca se rende e mesmo em momentos difíceis proclama comigo e a uma só voz:
- O meu posto é aqui!

sexta-feira, 26 de março de 2021

Hernâni Matos: uma referência na vida estremocense

 
 Pedro Ramalho. Funcionário autárquico. Radialista.

 Traçar o perfil biográfico de quem quer que seja, não é tarefa fácil, muito menos do Professor Hernâni Matos. Limitar-me-ei a alguns tópicos resultantes da minha interação com ele.

Durante o seu percurso como docente na Escola Secundária Rainha Santa Isabel, não cheguei a ser seu aluno. Certamente, cruzávamo-nos nos corredores e o nosso relacionamento não passaria dum circunstancial “bom dia” ou “boa tarde”.
No ano de 1994, conheci pessoalmente o Professor Hernâni Matos como autarca na Assembleia Municipal de Estremoz, à qual eu prestava assistência como funcionário do Município. Aos sábados de manhã era vulgar encontrarmo-nos no Café Alentejano, onde em torno de uma bica, o tema de conversa eram os assuntos pertinentes da ocasião, abordando-se também a sua prestação no órgão autárquico e os projetos que desenvolvia na altura (Filatelia, Animação Cultural e Imprensa local). Muitas vezes coloquei à sua disposição os meus conhecimentos no arranjo e produção gráfica de trabalhos das diversas áreas em que tem intervindo.
A meu ver, o seu papel como autarca traduz-se até aos dias de hoje, numa das melhores prestações que o órgão conheceu. Foi ele que implementou a utilização de actas electrónicas na Assembleia Municipal. Era um homem que só precisava da coragem e da força de vontade para lutar por aquilo em que acreditava.
O Professor Hernâni, com o seu espírito persistente, gosta de aprender e ensinar. Desta forma, sabe como ninguém, pensar com serenidade e ponderação.
Há cerca de 50 anos que vem desenvolvendo intensa e diversificada atividade cultural a nível local. Como filatelista alcançou projeção internacional, tendo recebido inúmeros prémios e distinções. Há 12 anos que mantém um blogue dedicado à Cultura Portuguesa, muito em especial à Cultura Popular, com especial incidência no âmbito local e regional. Colaborador ativo da Imprensa local, publicou 4 livros com os conteúdos centralizados em Estremoz.
Pela sua postura cívica representa um exemplo a seguir por qualquer um que tenha a consciência do dever para com a sociedade a que pertence.
Bem-haja, Professor.

 Pedro Ramalho
Estremoz, 4 de Março de 2021

Hernâni Matos

terça-feira, 23 de março de 2021

Amizade em tempos de Covid ou sobre os seres que são catedrais

 

Joana Santos. Boniqueira.

Dou comigo a pensar que o corpo com que nascemos nos molda. Como se as características físicas fossem os atributos extensíveis da nossa personalidade. Ou talvez seja ao contrário. Que o corpo se vai moldando de forma a albergar a dimensão dos nossos interesses, dos nossos valores, do nosso conhecimento, de como somos com os outros à medida que crescemos.

Em 2019, quando embarquei no Curso de Técnicas de Figurado de Estremoz, estava longe de imaginar que a minha vida ia dar uma volta de 360 graus. Mas uma grande volta deu a minha vida, de tal forma que, inspirada e apaixonada pelo que tinha aprendido, deixei um emprego certo e decidi dedicar-me à incerteza de ser artesã e fazer bonecos. Uns mais inspirados nos de Estremoz do que outros, mas sempre com os de Estremoz, e o que aprendi no curso, no horizonte e como ponto de partida.

Neste meu salto em queda livre, foram muitos os que me foram abrindo para-quedas, de tal forma que acabei por perceber que afinal não era uma queda, mas sim um voo. E ninguém como o Hernâni Matos, que agora tenho o privilégio de ter como Amigo,  e que me tem acompanhado neste voo e tem sido uma  ponte sólida entre o meu trabalho como artesã e o mundo dos Bonecos de Estremoz.

Não me esqueço o sábado de sol, de um princípio de verão, no dia em que nos conhecemos. Um dia da era estranha dos tempos Covid, que não são ainda dias do passado, mas que espero, possam sê-lo em breve. Ambos de máscara posta, adereço uniformizador da nossa vulnerabilidade humana, escudo que nos protege a vida, mas que nos afasta da riqueza codificada das expressões faciais. O que era para ser uma entrega de uma peça à laia de um café, tornou-se numa conversa que teria durado todo o dia, não fosse a sardinhada em família que o Hernâni tinha agendado para esse sábado.

A mente do Hernâni é como as cartolas dos mágicos, e exerce o mesmo fascínio para quem tem a sorte de privar com ele.  Nem bem acabado que está de sair o primeiro coelho, já uma pomba, um lenço, uma rosa se põem em fila para sair também, num desfile inesgotável e surpreendente, cada um como consequência inevitável do outro. Dos cumprimentos formais "do como está, é um prazer conhecê-lo finalmente", o Hernâni deslindou o primeiro "coelho da sua cartola" com a lenda de São Roque e do seu confinamento visionário, em tempos de outras pandemias, e sobre o cão que lhe trazia pão e que lhe permitiu sobreviver. Do São Roque passou-se aos apitos. Os mais tradicionais, os mais contemporâneos. Fiquei a saber que o Hernâni prefere os mais singelos. Depois a conversa discorreu para a origem carnavalesca das figuras do Amor é Cego, da sua possível inspiração nas obras barrocas com cupidos e outros anjos. Daí passámos à Primavera, às peças de inovação, o percurso histórico dos Bonecos. Outro truque da cartola, e o Hernâni falou do seu percurso profissional como aprendiz de alfaiate, e depois como professor de Física no Liceu. Mencionou um aluno brilhante que teve, o seu perfeccionismo já evidente, e que se transformou num dos grandes do Figurado Português, com o qual tive o privilégio de aprender o que sei de figurado -  o Mestre Jorge Palmela. Logo a conversa se virou para os novos artesãos, os mais velhos, os que já não estão.  E daquela cartola não parariam de sair "coelhos e pombas", na analogia possível aos temas de grande interesse que ali partilhávamos, não tivesse chegado a hora do almoço.

O mercado de sábado, que me parecia acontecer apenas com o propósito de servir de cenário à nossa conversa, era  já um baile de gente a arrumar bancadas e outras de sacos nas mãos a transbordar com ramas verdes, comprando um último ingrediente, ou  fazendo uma última negociação de algum achado em segunda mão, antes do regresso a casa.

E assim, sob o olhar atento da fonte do Sátiro, do escultor Sá Lemos, nos despedimos. Sem abraços, ou outras manifestações de proximidade, porque os tempos não estão para isso.

No regresso a casa vim a pensar no quanto aquele homem de 74 anos, ao qual praticamente só vi os olhos, leva dentro. Tanto conhecimento, tanta força, tanta generosidade, tanto amor por tantas coisas e um incomensurável pelos Bonecos, que o seu corpo mais não poderia ser se não um corpo alto, basilar, com a elegância da idade e das coisas interessantes às quais dedica o seu tempo.

Desde então são inúmeras as vezes que trocamos ideias. Não se cingem aos bonecos, nem ao eterno dilema, tão velho como a própria arte em si, da tradição versus a inovação, que pano para longas mangas tem dado aos Bonecos da Cidade Branca. Outros temas afloram, alguns de cariz mais atual, outros mais poéticos e oníricos. Em todos eles sempre a mesma generosidade, cuidado, mente crítica,  conhecimento profundo, sensibilidade e, a qualidade mais preciosa entre todas - humanidade. 

Seres como Hernâni são seres raros, bons, necessários cuja contribuição para o bem maior é indelével. E por isso têm corpos como catedrais, fortes, amplos, erguidos, para que neles possa existir o universo vasto que contêm. 

Que acabem rápido estes dias covidescos, e que a nossa amizade possa fazer-se de mais dias de verão, numa esplanada de Estremoz, irradiada pelo sol e pela partilha de saber, de interesses comuns e pelos nossos sorrisos.

 

Joana Santos

Foros do Queimado, 1 de Março de 2021



Joana Santos no seu atelier.

domingo, 21 de março de 2021

O professor Hernâni

 

Sónia Caldeira. Professora. Deputada à Assembleia Municipal em Estremoz.


As minhas lembranças do professor Hernâni remontam a meados dos anos 90 em que eu era aluna na Escola Secundária de Estremoz e ele, professor. Fui aluna de Técnicas de Laboratoriais de Química, uma vez que sempre fui mais da Química das reações, das ligações e fusões, do que da Física dos movimentos, forças e leis. O professor Hernâni era mais da Física tendo acabado por nunca ter sido meu professor. De qualquer forma não passou despercebido, não só por ser marido da minha querida professora Fátima, mas também porque pessoas como ele, não passam indiferentes a ninguém.
Recordo-me do seu ar imponente e da sua voz altiva que punha qualquer turma em sentido naquele corredor dos laboratórios de Física e de Química. Todos os respeitavam, todos lhe reconheciam qualidades de um excelente professor de Física e de um grande dinamizador de atividades…
Anos mais tarde, em 2005, reencontrei o professor Hernâni na Assembleia Municipal. Ele da bancada da CDU e eu da bancada do PS, num tempo em que eu iniciava as minhas lides na política e ele já quase tinha um mestrado nesta área. Estive ali para aprender, as minhas poucas intervenções passariam despercebidas a qualquer um, ao contrário das intervenções do professor Hernâni, cujas palavras ecoavam ora em tom de convicção, ora em tom de manifestação, no imponente salão Nobre dos Paços do Concelho.
Ao longo dos tempos os nossos caminhos continuaram a cruzar-se e em 2014 fomos ambos convidados para ser colunistas do Jornal E. Foi nessa altura que redescobri o seu grande interesse pela filatelia, pelos usos e costumes do Alentejo e dos alentejanos e a sua grande paixão pelos “nossos” Bonecos de Estremoz. Percebi também que tudo o que escreve é baseado em informação recolhida e criteriosamente selecionada.
Respondendo ao seu convite estive presente na apresentação do seu penúltimo livro “O Franco-Atirador”. Os seus textos/reflexões são centrados em problemas sociais e visam a tomada de consciência e o despertar para mudanças essenciais que contribuam para um mundo mais justo e igualitário.
Nos últimos tempos vou acompanhando alguns dos seus textos no blog “Do Tempo da Outra Senhora”. Aguardo com expetativa o lançamento do próximo livro.
Obrigado professor Hernâni, estou certa que será sempre uma referência para Estremoz e que o seu legado nunca se perderá.
 
Sónia Caldeira
Estremoz, 23 de Fevereiro de 2021

sexta-feira, 19 de março de 2021

Hernâni Matos, pois claro!


Maria de Fátima Crujo. Professora.


Texto redigido com predominância
das iniciais do nome do visado:
Hernâni António Carmelo de Matos

 

Mal o ano chegou, mais concretamente, no começo do mês em curso, mandou missiva. Ai, conseguirei cumprir?

Catarina, ajuda-me. Confirma aí, o antecessor que te apresentou ao mundo… antes de Carmelo, chama-se…?

– …

Ah, maravilha! Haja alfabeto!

Anteontem, madrugada adentro, ambiente criado, concentrei-me e consegui caracterização.

Homem da cultura, ativista, melómano, apreciador de artistas e de aguarelistas, complementa o curso de ciências, amando conjuntamente as artes e ainda os herdeiros das cantigas de amigo e de amor, ansiando constantemente homenagear com afinco Antero, os Antónios, e Almada, o Almeida, Cesário e Camões, os modernistas e os mais que couberem.

Mestre maior a avivar memórias, habitual mentor, é hábil conhecedor de adágios e aforismos, anexins dos antepassados, o antigo mister campesino. Curioso por aprender mais e mais ainda, é um colecionador compulsivo de arte campestre, ajudante máximo da arte dos artesãos da cidade e do Alentejo, não se cansando de mostrar os de agora, que maravilhosamente manuseiam a massa à moda antiga.

É colaborador assíduo dos meios de comunicação cá da cidade com crónicas e comentários carregados de maravilhosas metáforas e habitualmente muito atento às causas maiores, à contribuição cívica como cidadão deste aglomerado e dos arredores, do cantinho, do mundo.

Em 1995, em maio, aproximou amigos, de modo multidisciplinar, e assegurou apresentações, ajustadas à área, de múltiplas comunicações acerca da água. Da mesma maneira, constantemente agrupa colegas, atribui um mote, e matuta na melhor maneira de criar concursos.

Há anos, convidou-me a apresentar a minha coleção de corujas, conseguindo que se carregassem milhares, de muitos materiais, o que cativou adeptos do colecionismo, colhendo agradáveis apreciações.

Acabo aqui, caro colega, almejando cabeça e musculada massa cinzenta que aguente acompanhar-te em mais coisas mil, manifestando além do mais, e atenta no meu humilde conselho, que conserves a mesma atividade abundante e absoluta firmeza.

Concluo, assim, este é o habilidoso, acelerado, célebre e metódico Hernâni António Carmelo de Matos, pois com certeza!


Maria de Fátima Crujo
Estremoz, 21 de Fevereiro de 2021



 Fátima Crujo declamando um poema em 31 de Outubro de 2010, no acto
inaugural  da Exposição “PINTURA DE RUI ALVES”,  promovida pela
 Associação Filatélica Alentejana na Sala de Exposições do Centro
 Cultural de Estremoz.

domingo, 14 de março de 2021

Luís Parente, o Bonacheirão

 

Luís Parente (1974- ) a pintar um Pastor de tarro e manta.

Quem é quem
Luís Parente (1974- ) é professor de Educação Visual e Educação Tecnológica. Como docente trabalhou desde sempre com diversos materiais, entre eles o barro. Só começou a modelar ao modo de Estremoz há cerca de 6 anos, após ter tido lugar na sua escola uma Acção de Formação promovida pelos Serviços Educativos do Museu Municipal, a qual foi orientada por Isabel Borda d’Água. Foi ela a sua mestra, que o motivou e lhe transmitiu conhecimentos e técnicas. A semente encontrou terreno fértil, geneticamente preparado, já que seu pai, Manuel das Neves Parente (1931-2007), foi aluno de Mestre Mariano da Conceição (1903-1959) nos finais dos anos 40 do séc. XX.
O reconhecimento das potencialidades de Luís Parente levaram a que o Município o convidasse a integrar a equipa dos já referidos Serviços Educativos. Estes têm a seu cargo, entre outras funções, a protecção e salvaguarda dos Bonecos de Estremoz, desenvolvendo actividades educativas junto de crianças, jovens e adultos. Conjuntamente com Jorge da Conceição e Isabel Borda d’Água, Luís Parente foi monitor nas sessões práticas do Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, que em 2019 teve lugar em Estremoz, no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte.

Na mira do colecionador
Comecei a colecionar Bonecos de Luís Parente em 2019 e depois de algum interregno, por me ter espraiado por outros barristas, voltei recentemente a adquirir trabalhos seus. Para além disso, aprofundei o conhecimento que tinha sobre a sua produção, a partir de exemplares cuja visualização me facultou. Como corolário natural desse estudo, sistematizei algumas ideias, das quais seguidamente dou conta.

O acto criador
A modelação é muito cuidada e atenta ao pormenor, o que acentua a vertente fortemente naturalista das suas criações. Para cada figura modela uma cabeça e um rosto que tornam essa figura única. As cabeças não são clonadas a partir de um molde de gesso como tradicionalmente vem sendo feito na barrística de Estremoz, visando rentabilizar a produção.
O barrista recusa esse facilitismo, que a seu ver torna a modelação menos nobre. Para além disso, a sua modelação confere também textura a algumas superfícies, o que reforça a representação naturalista.
Tais factos só valorizam o seu trabalho, já que a estética dos Bonecos de Estremoz é uma estética naturalista, caracterizada por uma morfologia e um cromatismo que são os mesmos daquilo que representam.
O cromatismo e a decoração das suas criações são muito próprios.
No caso do cromatismo, apesar de utilizar as cores tradicionalmente dominantes nos Bonecos de Estremoz, o barrista usufrui de uma paleta cromática ampla, que não permaneceu estática no tempo, condicionada aos pigmentos existentes na cidade até cerca dos anos 60 do século XX. O barrista é um homem do seu tempo, que dispõe de uma vasta gama de pigmentos, com os quais gera cores e tons que lhe permitem transmitir ao barro cozido, os sentimentos e as emoções que lhe vão na alma.
No caso da decoração das figuras e para além da predominância das dicromias cor quente-cor fria, o barrista combina cores análogas e tons da mesma cor, bem como cromias de ordem superior, em qualquer dos casos sempre de uma forma criativa e harmoniosa. Em particular, na decoração de peças de vestuário, o barrista recorre a padrões geométricos e vegetalistas que embelezam e valorizam a composição.
As suas criações são apelativas logo após a modelação, impressão que se acentua após a pintura.
Em termos pessoais, Luís Parente suscita empatia já que é afável, simpático e bonacheirão, características que a sua modelação e a sua decoração transmitem a tudo aquilo que cria. Por isso as suas figuras são inconfundíveis, já que patenteiam um estilo muito próprio, revelador de forte personalidade artística.
O barrista parece ter encontrado o seu próprio caminho, o que requer continuação. Não resisto a invocar aqui o poeta sevilhano António Machado (1875-1939):

“Caminhante, são teus rastos
o caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
Ao andar faz-se o caminho,
e ao olhar-se para trás
vê-se a senda que jamais
se há-de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho,
somente sulcos no mar…”

O caminho do barrista passa pela conjugação temperada dos preceitos da barrística local com o desafio da inovação e o prazer do acto criador. O futuro pertence-lhe. Todos esperamos que na sua caminhada continue sempre igual a si próprio, com criações que para nosso deleite de espírito, sejam belas, harmoniosas e simpáticas. Este, o trinómio global que é timbre dos seus trabalhos. É ele que nos leva a proclamar:
- Obrigado Luís pelo encantamento dos Bonecos que nos aquecem a alma. Bem haja!

Berço do Menino Jesus (Berço das pombinhas).


Presépio de 3 figuras.


Presépio de 5 figuras.

Santo António.

São João Baptista.

Senhora de pézinhos.

Peralta.

Mulher a passar a ferro.

Senhora a servir o chá.

Mulher a vender chouriços.

Ceifeira.

Mulher da azeitona.

Mulher das galinhas.

Pastor de tarro e manta.

Pastor com um borrego ao colo.

Ceifeira e pastor com um borrego ao colo.

Primavera.


O Amor é cego


Galo no disco.

Galo no arco.

Galo no poleiro.

Cesto com ovos.

Galinha no choco.

sexta-feira, 12 de março de 2021

O Pernas

 

Mateus Serra. Engenheiro.

Conheci o Hernâni, quando ambos estudava-mos no Colégio de Estremoz, no ano fatídico que o acidente, o erro médico, o azar ou lá o que fosse, lhe roubou uma perna, fazendo que a alcunha que recentemente lhe havíamos posto, deixasse de ser pronunciada.
O Pernas que nasceu por ser magro, alto e com as pernas longas, passou a ser o Hernâni, com todas as suas valências, nascidas talvez também por causa dessa perda dramática.
Voltei a vê-lo, passados talvez três ou quatro anos. Falámos de tudo, com realce para as ciências e as letras. Depois disso, só voltei a saber do Hernâni, pelas redes sociais e fiquei maravilhado com as coisas que escrevia. Crítico mordaz num estilo que me fazia lembrar os clássicos surrealistas. Escrever brincando, deixando meio escondida a mensagem, num ritmo quase poético. Estilo. É o estilo, que caracteriza os seus escritos e que o faz diferente.
Gosto do Hernâni, da sua verticalidade e dos seus escritos que espero, venham a ser lidos por todos. Só não gostei da alcunha Pernas.
 
Mateus Serra
Borba, 20 de Fevereiro de 2021

quinta-feira, 11 de março de 2021

Um lutador


Isabel Taborda Oliveira. Professora. Ex-vereadora do Pelouro da Cultura
da Câmara Municipal de Estremoz.

Meu Amigo Hernâni, que problema tenho! Como exprimir a grande admiração, respeito e amizade, sendo um zero na escrita?
Admiro o seu grande amor por Estremoz e pelas suas gentes. Sempre com um enorme sentido de justiça e isenção. Com persistência, lutando sem tréguas pela verdade e homenageando as pessoas que fizeram a nossa História.
Um grande obrigado pela sua obra e que continue por muitos anos.

 

Isabel Taborda Oliveira
Estremoz, 20 de Fevereiro de 2021



terça-feira, 9 de março de 2021

Hernâni Matos - O Boniqueiro das Palavras


Luís Parente. Professor. Barrista. Presidente do Orfeão de Estremoz Tomaz Alcaide.

Conheço o Professor Hernâni Matos há muitos anos. A minha memória mais antiga, seria eu um catraio, está na rua das lojas... era assim conhecida a rua 5 de Outubro em Estremoz, onde o seu pai tinha uma alfaiataria e o meu tio uma loja de fazendas. Foi ali que o encontrei na minha memória, à porta, a falar com o seu pai. De certa maneira a minha vida sempre se cruzou com a sua, quer fosse por ter sido professor do meu irmão, quer pelo facto de a sua filha ser uma das grandes amigas da minha prima, quer ainda pelo motivo da sua esposa fazer parte do Orfeão, onde os meus pais e tios também cantavam, ou até mesmo, mais tarde, por partilharmos um espaço contíguo no Centro Cultural Dr. Marques Crespo enquanto agentes culturais, eu com o "meu" Museu Rural da Casa do Povo de Santa Maria, ele com um espaço museológico de excepção que geria em nome da Associação Filatélica Alentejana e onde promovia continuamente exposições e eventos culturais de índole diversificada, de reconhecida importância para a cidade e para a região. A partir dessa altura passámos a falar mais do que o simples e cordial "Bom dia! Como está?" e foi então que melhor percebi que o Professor Hernâni Matos não era só um professor de reconhecida qualidade e competência mas um extraordinário intérprete cultural. Homem de cultura, conhecedor e protector de tradições, amante da escrita, defensor de causas que, não raras vezes, lhe terão trazido alguns dissabores por ser uma pessoa vertical e não abdicar da liberdade de expressar o que a sua consciência lhe ditasse. Benfiquista, independente, defensor da festa brava, das ciências, das memórias e estudioso do passado mas sempre, sempre com os olhos postos no futuro... pessoa de interesses e gostos abrangentes e variados como a etnografia, a poesia popular, a filatelia, o coleccionismo e, no fundo, aqueles que, sem desprimor para os restantes, mais me "tocam"... a simpatia e reconhecimento pelo "meu" Orfeão de Estremoz "Tomaz Alcaide" e o amor aos "Bonecos de Estremoz". Sobre os "Bonecos", considero que são poucos os que dedicam o seu tempo a estudar esta arte secular e o Professor Hernâni Matos é um dos expoentes máximos no que a este assunto diz respeito. Sendo eu também artesão, já falámos inúmeras vezes sobre esta temática tendo o próprio confessado que o contributo que pode dar a esta arte é estudá-la, falar sobre ela, dar a conhecer a sua história, a sua evolução e apoiar quem, com a matéria-prima e com as mãos consegue conduzi-la ao futuro e tudo isso, garantidamente fá-lo com mestria. Talvez tenha sido por isso que, há tempos, achei que o epíteto que melhor definiria o Professor Hernâni Matos era o de "Boniqueiro das Palavras", precisamente por ser através delas que expressa toda a sua alma, por ser aquele que consegue, através dessas mesmas palavras, aliar a defesa das características tradicionais dos "Bonecos de Estremoz" à sua contemporaneidade, privilegiando sempre o acto criativo de cada um dos artesãos... e por ser aquele que, mesmo não conseguindo fisicamente modelar um "Boneco", consegue, através da escrita, modelar e pintar os dos outros mas, no fundo, no fundo, ser também aquele que acaba por conseguir de uma outra forma "modelar" e "pintar" os seus.

Luís Parente.
Estremoz, 15 de Fevereiro 2021

domingo, 7 de março de 2021

Hernâni, “O colecionador”


Luís Mariano Guimarães. Técnico Industrial.

A imagem que tenho do meu amigo Hernâni Matos é a de um colecionador insaciável. Ele tudo organiza e tudo coleciona.
A sua casa é um museu com mais recheio do que muitos museus. Ele são, principalmente, os Bonecos de Estremoz (alguns com séculos), são as rendas, os artefactos de cortiça, as miniaturas talhadas em madeira, são os talegos, os livros, as gravuras, os jornais… é o mundo rural dentro de portas que a Fátima vai gerindo sempre com um sorriso nos lábios.
A única coisa que o faz sair da cama cedo é a intuição de haver alguma novidade transacionável no Mercado de Sábado.
Este mundo vivido entre as memórias da sua cidade levou a que o Hernâni se confunda com a própria Cidade.
De espírito obstinado, algumas vezes sem razão, tem a particularidade de persistir nas suas pesquisas para lá do infinito. Muitas das memórias esquecidas de Estremoz, algumas descobertas também, devem-se a esta maneira de ser.
Acidentalmente tornei-me seu fotógrafo “oficial” através de muitas sessões de inventário dos Bonecos em sua casa, no Museu Municipal, em casa de outros colecionadores, no antigo Museu Rural, em procissões até.
Foi pela mão dele e pelos seus ensinamentos que sei alguma coisa da nossa terra.
A sua ânsia de adquirir conhecimentos e de os transmitir, a sua costela de investigador e professor manifestam-se na sua obra. Infelizmente esta não tem sido valorizada pelos poderes municipais e pela pequenez de alguns decisores.
Um dia vai ter nome de rua, mas o que fazia mesmo falta era o museu Hernâni Matos, Já!
Os estremocenses devem sentir orgulho nesta obra e nesta personagem. Por mim, muito por cima disso, sinto-me agradecido pela sua amizade.
                                                                                                       
 Luís Mariano Guimarães
Estremoz, 16 de Fevereiro de 2021

quinta-feira, 4 de março de 2021

Hernâni Matos: a memória de um amigo distante

 
Adelino Caravela. Aposentado da Função Pública. Filatelista.


Hernâni Matos: a memória de um amigo distante

Vai mais além, 
sempre mais e mais.         
Desata laços,
transpõe barreiras,              
salta os muros da mediocridade,
faz das horas mortas,
tempo de validade. 
Não pactua com o fácil,
diz não quando preciso for.         
Tem a coragem
de renegar, até a dor                                                
é apanágio do forte,
é a bandeira do que nada teme,
nem sequer a morte!
               
 
Adelino Caravela
Leiria, 7 de Fevereiro de 2021

terça-feira, 2 de março de 2021

Hernâni Matos, um homem que não passa ao lado da vida


José Alberto Fateixa. Professor. Ex-Deputado à Assembleia da República.
Ex-Presidente da Câmara Municipal de Estremoz

O Hernâni tem mais doze anos que eu e confesso que não sei bem quando comecei a conviver com ele. Os nossos pais eram ambos comerciantes, embora em áreas diferentes, tendo em comum uma antipatia e rejeição pelo Estado Novo. As primeiras imagens que guardo dele são as de um jovem que se destacava pela forma de estar e de se vestir diferentes, que todos afirmavam ser um excelente estudante. Partilho este testemunho de amizade sobre caminhos que ele percorreu ao longo da vida.
O Professor. Fui colega do Hernâni na Escola Secundária, pertencíamos a grupos afins, ele do grupo de “Física-Química” e eu de “Química-Física”. Nesse contexto partilhámos os mesmos espaços. Ele, com formação na área da Física, foi sempre um excelente profissional, preocupado com a qualidade das aprendizagens, com abertura de perspetivas para os seus alunos e com uma participação ativa na vida da escola, valorizando, a aprendizagem científica associada à dimensão cidadã.
O Militante Político. Em 1974 o pai do Hernâni, João Sabino de Matos, o meu pai e tio estiveram envolvidos na constituição da seção do PS em Estremoz e eu da JS, e ele um ativo militante do PC.  Depois, ambos abandonámos essas militâncias e viemos a encontrar-nos no núcleo da UDP da nossa cidade. Posteriormente, as nossas formas de pensar a sociedade levou-nos para caminhos diferentes, em que muitas vezes concordámos, mas também muitas vezes discordámos. Sinto que a maturidade da vida reforçou a importância da pluralidade, do diálogo, do entendimento em torno de objetivos de melhoria da democracia, da valorização do progresso e da justiça social. Saliento o homem de causas, que nunca deixou de defender os valores em que acredita.
O Comunicador. Saber mais, investigar, partilhar conhecimento e tomar posição. Esta pode ser uma síntese do percurso de uma vida de comunicação, na escola, na imprensa local, nas publicações temáticas e especializadas. Nos últimos anos abriu a frente digital com a partilha positiva e inteligente de vivências, apontamentos e conhecimentos que ajudam a sustentar histórias e diferentes dimensões culturais da nossa terra.
O Colecionador. Há muitos anos que guardo imagens de um homem que procura encontrar pontes entre tempos. A procura de utensílios, objetos, documentos, símbolos que permitam ajudar a explicar e entender épocas, modos de viver, o trabalho, a arte, as tradições, as culturas, o rural e o urbano, em suma elementos para a história da cultura popular que impregnam o seu ser.
O Filatelista. O trabalho na área da filatelia revelou ao país outra sua enorme dimensão. O estudo, a categorização, o enquadramento, a divulgação, as exposições em torno do selo e do colecionismo associativo. Essa sua dimensão proporcionou-nos uma catadupa de eventos que assinalam uma intensa e real atividade de dinamização cultural.
O Cruzado. Nos últimos anos para a sociedade o Hernâni assume publicamente uma velha nova frente de dedicação, a barrística e os Bonecos de Estremoz. Estudar, investigar, historiar, compreender, contextualizar, divulgar, defender, valorizar os trabalhos dos transformadores dos barros de Estremoz, em muito em especial do figurado de barro. Tem escolhido um novo terreno de combate, a blogosfera, onde partilha momentos, protagonistas, saberes e histórias de afirmação da nossa cultura popular.
A Pessoa. O Hernâni tem uma existência em que é forçado a lidar com dificuldades suplementares, mas como poucos, deixa marcas na sociedade onde escolheu viver. No nosso relacionamento pessoal ao longo das nossas vidas estivemos próximos e afastados, caminhámos em conjunto e tivemos discordâncias significativas, houve momentos em que não foi fácil e outros enormemente estimulantes e agradáveis. Hoje com uma naturalidade da passagem do tempo e dos anos é para mim muito claro, que é um homem que não quis passar ao lado da vida. A sua formação científica de base reflete-se na disciplina de abordar os seus trabalhos. É o eterno etnólogo que tenta encontrar explicações que dão vida e sustentação à cultura popular, sempre com uma dimensão cívica de agitador por convicções. Do Hernâni sublinho a dedicação e interesses em tantas frentes e a capacidade de fazer acontecer.
Assumo uma sincera admiração e reconhecimento pela caminhada realizada. Hernâni obrigado pela oportunidade de estar contigo neste momento.
 
José Alberto Fateixa
Estremoz, 16 de Fevereiro de 2021