Preâmbulo
A inventariação e catalogação de Bonecos de
Estremoz são uma tarefa com que se confronta o investigador, a qual exige
precisão e rigor, para que a figuras morfologicamente distintas não corresponda
uma mesma designação, o que constituiria um erro crasso.
Uma nomenclatura precisa e rigorosa
A barrística popular de Estremoz é diversificada
sob múltiplos aspectos e integra um número considerável de figuras.
A cada uma delas foi atribuído um nome, consagrado
pelo uso e transmitido pela tradição. O conjunto dessas denominações constitui
aquilo que é designado por “Nomenclatura dos Bonecos de Estremoz”.
Como qualquer outra nomenclatura é indispensável
que seja precisa e rigorosa. Deste modo, não é aceitável que a mesma designação
possa ser atribuída a figuras com morfologias distintas, cujas diferenças pouco
acentuadas ainda que significativas, podem escapar à simples observação de um
observador menos atento.
Mudança de paradigma
No decurso da modelação é legítimo que cada barrista
interprete uma dada figura à sua maneira, introduzindo-lhe marcas identitárias
próprias, reveladoras de que aquela peça é obra sua e de mais ninguém.
A diferença nas marcas identitárias de dois
exemplares da mesma figura, confeccionados por barristas diferentes, não
implica que esses dois exemplares tenham designações distintas, já que a figura
é a mesma, os intérpretes é que foram diferentes.
Todavia, a diferença nas marcas identitárias de
dois exemplares da mesma figura pode ser mais profunda. Acontece que cada
figura tem atributos que devem estar sempre presentes e não podem ser
suprimidos ou modificados. Quando tal acontece, estamos perante uma mudança de
paradigma e deixamos de estar em presença de uma figura para estarmos em
presença de outra. Ora, o rigor da nomenclatura exige que a correspondência
entre figuras e suas designações seja biunívoca. Daí que se torne imperativo
arranjar designações distintas para duas figuras que difiram pelo menos num
atributo.
Fig. 2 - Senhora de sapatinhos. Sabina da Conceição (1921-2005). Colecção do autor.
Existe na barrística popular de Estremoz, uma
figura singular conhecida por “Senhora de pezinhos” (Fig. 1) que goza de dois
atributos:
1.º - Ter ambas as mãos assente frontalmente nas
pernas e abaixo da anca;
2.º - Prescindir de base, dado o seu assentamento
ser feito por apoio nos pezinhos (que espreitam por detrás da orla inferior
frontal do vestido/saia) e na orla inferior posterior daquela peça de vestuário.
A forma de assentamento é conseguida, modelando a
saia/vestido mais curta(o) à frente que atrás. Seguidamente, os “pezinhos” são
modelados a partir de um pequeno rolo cilíndrico de barro, que é tornado
pontiagudo numa extremidade e espalmado na outra. Esta última extremidade é
então colada no interior da orla inferior frontal do vestido, de modo que o
assentamento à frente se verifique apenas na ponta dos “pezinhos”, simulando um
sapato de bico como se usava na época. Tal assentamento nos “pezinhos” confere
elegância ao modelo.
As origens históricas da Senhora de pezinhos
remontam aos finais do séc. XIX – princípios do séc. XX. Conheço exemplares das
oficinas de Estremoz dessa época, bem como aqueles que foram modelados
sucessivamente por Ana da Peles (1869-1945), Mariano da Conceição (1903-1959),
Liberdade da Conceição (1913-1990), José Moreira (1926-1991), Maria Luísa da
Conceição (1934-2015) e Irmãs Flores (1957,1958 - ).
Conheço dois exemplares de figuras de Sabina da
Conceição (1921-2005), uma das quais é a da Fig.2, nas quais o modo de
assentamento viola o segundo dos atributos referidos, já que o assentamento
frontal não se verifica na parte posterior dos “pezinhos”, mas sim numa certa
porção de “sapatinhos”, pelo que nesse aspecto, esta última figura é
morfologicamente diferente da apresentada na Fig.1. Em termos de nomenclatura é
incorrecto atribuir-lhe a mesma designação.
Conheço ainda um exemplar de Mário Lagartinho (1935-2016)
(Fig.3), na qual a figura assenta numa certa porção de “sapatinhos” e por sua
vez, está assente numa base. Também esta figura é morfologicamente diferente da
mostrada na Fig.1, pelo que em termos de nomenclatura não é igualmente correcto
atribuir-lhe a mesma designação.
Fig. 3 - Senhora de sapatinhos com base. Mário Lagartinho (1935-2016).
Museu Municipal de Estremoz.
Que fazer?
Face ao exposto há que arranjar designações
diferentes para cada uma das peças. A minha proposta é serem utilizadas as
designações seguintes:
Fig. 1 – Senhora de pezinhos
Fig. 2 – Senhora de sapatinhos (Dama)
Fig. 3 – Senhora de sapatinhos com base (Dama com
base)
Nas designações anteriores, as que figuram entre parêntesis
são designações alternativas.
Julgo que com a minha proposta fica resolvido um
problema que seguramente, tem mais de 50 anos. Parafraseando Hamlet, personagem
de Shakespeare, sou levado a dizer:
- “Ser ou não ser, eis a questão.”
Publicado inicialmente em 9 de Setembro de 2020
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