domingo, 27 de novembro de 2011

Provérbios de S. Miguel


São Miguel pesando as almas (1740-1750). Painel de 12x17 azulejos da oficina de Valentim de
 Almeida (1692-1779). Igreja de São Miguel de Machede. Arquidiocese de Évora.

QUEM É S. MIGUEL
S. Miguel é um dos três anjos citados pelo seu próprio nome na Bíblia.
“Anjo” é uma palavra de origem grega que significa “mensageiro”.
De acordo com a tradição bíblica e o cristianismo, para além de ter criado o mundo visível, Deus criou também o mundo invisível dos puros espíritos, seres na sua essência pessoais e imortais. Estes são em número elevado e Deus assentiu em conceder-lhes a ascensão ao estado sobrenatural, agregando-os à sua glória.
De acordo com a “angeologia” do teólogo Pseudo-Dionísio (transição do séc. IV para o V), estes seres divinos agrupam-se em nove coros distribuídos por três hierarquias distintas: serafins, querubins e tronos; dominações, virtudes e potestades; principados, arcanjos e anjos. A designação de “anjos”, apesar de genericamente ser conferida a todos, em termos estritamente etimológicos é reservada àqueles a quem Deus confiou mensagens ou intervenções no mundo terreno.
A tradução literal do hebraico para o nome “Miguel” é “Aquele/Quem como Deus”, já que:
- Mi = Aquele/Quem (?)
- Ka = Como
- El = Deus
Além das funções próprias de todos os anjos, S. Miguel é identificado nas sagradas escrituras, como sendo o príncipe dos anjos, o anjo dos supremos combates, o chefe dois exércitos celestiais, o anjo do arrependimento e da justiça, assim como o melhor guia na hora da viagem para a eternidade. É comemorado pela Igreja Católica sob o nome de São Miguel Arcanjo em 29 de Setembro.

REFERÊNCIAS BÍBLICAS
As referências bíblicas a S. Miguel são escassas, aparecendo todavia nos versículos seguintes:
- “Durante vinte e um dias o príncipe dos reis da Pérsia resistiu-me, porém Miguel, um dos príncipes supremos, veio em minha ajuda. Eu deixei-o lá a enfrentar os reis da Pérsia,” (Daniel 10,13)
- “Vou contar-te o que está escrito no livro da verdade. Ninguém me ajuda na luta contra eles, a não ser Miguel, o vosso príncipe,” (Daniel 10,21)
- “Naquele tempo surgirá Miguel, o grande príncipe que protege o povo ao qual pertences: será uma hora de grandes aflições, tais como jamais houve, desde que as nações começaram a existir até ao tempo actual. Então o teu povo será salvo, todos os que estiverem inscritos no livro.” (Daniel 12,1)
- “Na luta com o diabo para disputar o corpo de Moisés, o arcanjo Miguel não teve a ousadia de o acusar com palavras ofensivas; apenas disse: “Que o Senhor te castigue”!” (São Judas 1,9)
- “Travou-se então uma batalha no Céu: Miguel e os seus Anjos guerrearam contra o Dragão.” (Apocalipse 12,7)

PROVÉRBIOS DE S. MIGUEL
O dia de S. Miguel tem uma presença marcante no adagiário português, já que tem a ver tradicionalmente com os ciclos agro-pastoris. Com efeito era pelo S. Miguel que os lavradores ajustavam anualmente os criados efectivos. Respigámos as seguintes sentenças:
- Chovendo no S. Miguel, faz conta das ovelhas que os borregos são teus.
- Em 29, S. Miguel fecha as asas.
- O São Miguel ou seca as fontes ou leva açudes e pontes.
- Pelo S. Miguel, estão as uvas como mel.
- Pelo S. Miguel dá-se as figueiras ao rabisco
- Quem planta no S. Miguel, vai à horta quando quer.
- Quem se aluga no S. Miguel, não se senta quando quer.
- S. João e S. Miguel passados, tanto manda o amo como o criado.
- S. Miguel passado, todo o amo é mandado.
- S. Miguel soalheiro, enche o celeiro.
- S. Miguel das uvas, tanto tardas e tão pouco duras!
- S. Miguel passado, tanto manda o amo como o criado.
- Se houvesse dois S. Miguéis no ano, não havia moço que parasse no amo.
- Vai-te com Deus e S. Miguel com as almas.

BIBLIOGRAFIA
- [1]-Bíblia Católica Online (http://www.bibliacatolica.com.br/)
- [2] – DELICADO, António. Adagios portuguezes reduzidos a lugares communs / pello lecenciado Antonio Delicado, Prior da Parrochial Igreja de Nossa Senhora da charidade, termo da cidade de Euora. Officina de Domingos Lopes Rosa. Lisboa, 1651.
- [3] - Enciclopédia Católica Popular (http://www.ecclesia.pt/catolicopedia/)
- [4] - Inventário Artístico da Arquidiocese de Évora (http://www.inventarioaevora.com.pt/)
- [5] - MARQUES DA COSTA, José Ricardo. O Livro dos Provérbios Portugueses. Editorial Presença. Lisboa, 1999.
- [6] - Santos da Igreja (http://www.portal.ecclesia.pt/ecclesiaout/liturgia/liturgia_site/santos/santos_users.asp)
- [7] - Wikipédia (http:// www.wikipedia.org/)

Hernâni Matos
Publicado inicialmente em 27 de Novembro de 2011

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

In Vino Veritas

“Os bêbados” ou “Festejando o S Martinho” (sem data).
José Malhoa (1855-1933).
Estudo em carvão sobre papel (33x45 cm).

In Vino Veritas (No vinho a verdade) é uma máxima latina que traduz a liberdade com que o bêbado se exprime sempre, em virtude da embriaguez soltar a língua e fazer a verdade vir ao de cima. Para alguns, a sentença exprime igualmente a sacralidade e a inviolabilidade dos contratos confirmados com o vinho.
Julgo que In Vino Veritas seja o título mais adequado para designar a presente trilogia de histórias sobre bêbados. É que para além do sabor do vinho, há também as histórias deliciosas que este suscita. E estas são histórias reais.

Passou ou não passou?
Em meados do século passado, um conterrâneo meu da família dos Margalhos, conhecido por ser um bom bebedor, pretendia atravessar a fronteira em Badajoz. A isso se opunha a Guarda Civil, alegando que ele era portador dum garrafão com razoável quantidade de vinho. Vai daí, entraram em acesa discussão, porque o Margalho era teimoso que nem um jumento e o guarda espanhol não lhe ficava atrás. Passa e não passa. Passa e não passa. Passa e não passa. E não saíam dali, até que o Margalho que era esperto que nem um rato, se passa dos carretos e leva o garrafão às goelas, emborcando o conteúdo integral de uma assentada. Ingerido o último golo, questiona então o guarda:
- Posso ou não posso passar com o garrafão?
O guarda, contestado na sua autoridade e vermelho de raiva, não viu outra saída que não fosse a resposta que deu:
- Agora pode passar!
O Margalho, inchado de gozo por ter vencido a discussão, atravessou então a fronteira, ao mesmo tempo que “farpeava” o guarda com um bem medido gracejo, daqueles em que era pródigo:
- Então senhor guarda? Passou ou não passou?

Engenheiro Brandy Lopes
Nos anos setenta do século passado, na Escola Industrial e Comercial de Estremoz, leccionava desenho técnico, um professor, agente técnico de formação, que a gíria estudantil alcunhara de engenheiro Brandy Lopes. É que o homem, a dar para o castiço, era um bebedor inveterado e andava quase sempre aconchegado interiormente com aquilo que se vende nas tabernas. Constava-se também que a esposa não lhe ficava atrás, existindo apenas uma diferença entre eles: um bebia do branco e outro bebia do tinto.
Certo dia regressavam a casa, depois de se abastecerem na mercearia mais próxima. Ele à frente com os dois garrafões. Numa mão o do branco e na outra o do tinto. Mais atrás, a esposa carregava um saco com o avio da mercearia.
Ou porque a calçada era irregular ou porque já ia “bem tratado”, o nosso engenheiro tropeça na calçada e para não se estatelar no chão, deixa escapar os garrafões. Como uma desgraça nunca vem só, um dos garrafões partiu-se. A esposa alarmada, não lhe chega a perguntar se ele se magoara ou não. Célere e instantaneamente apenas lhe faz esta pergunta lacónica:
- Foi o teu ou o meu?
Responde ele:
- Foi o meu!
Resposta da esposa:
- Então não faz mal!

O corte do petisco
Com a crise que atravessamos cada vez mingua mais o dinheiro disponível para o petisco, essa notável instituição alentejana. O dinheiro não dá para tudo. Ou se corta no vinho ou se corta no petisco, é o dilema que muitos enfrentam.
Ti Zé Venâncio, frequentador habitual das tabernas, queixava-se da situação, dado que não atinava entre optar pela bebida ou pela comida. Lamentava assim a sua triste sina de se ver nesta situação. E eis que entra na conversa, Ti Chico Pinguinhas, velho camponês de pele seca como o pechelim, que diz de rompante:
- Para mim só há uma saída. É a mesma que tivemos a seguir à grande Guerra, quando a miséria era grande.
Pergunta então o Zé Venâncio.
- E qual é, ti Chico?
- A gente bebe e não come. Era o que a gente fazia. Bebíamos um garrafão a olhar para um caroço de azeitona…

Hernâni Matos

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Todo o preto tem o seu dia

“Os bêbados” (1922). Miniatura em cerâmica de Francisco Elias (1869-1937). Museu da
Cerâmica, Caldas da Rainha. Reprodução de “Os bêbados” (1907), óleo sobre tela de José
Malhoa (1855-1933), Museu José Malhoa, Caldas da Rainha.

É sabido que o homem português gosta de profusamente regar com vinho, aquilo que opiparamente come, preparado pelas sacerdotisas incumbidas de satisfazer as necessidades ancestrais do seu palato. Essa terá sido, porventura, a superior forma encontrada para coroar a majestade e a excelência da gastronomia da região a que pertence.
Por vezes, o homem português lida mal com quantidades e mete o pé na argola, eufemismo manso, tradutor duma, por vezes, real carraspana. Vale então alguém que, para além do adorado e consagrado vinho, sabe também usar da água, pelo menos para pôr água na fervura, quando anima o “derrotado” com um antigo e oportuno adágio:
- "Todo o preto tem o seu dia!"
Trata-se de oralidades que transvazam amplamente o contexto temporal do Dia de S. Martinho, pois o homem português está sujeito a meter o pé na argola, em qualquer dia do calendário litúrgico.
Um velho bêbado, meu confrade de libações báquicas, proclamou um dia do alto da sua vermelhusca cor:
- Bebedeiras de S. Martinho? Só para amadores que não sabem beber. Falta-lhes traquejo!
É caso para dizer:
- E esta, hein?

terça-feira, 22 de novembro de 2011

A persistência do amor


Prato ratinho em faiança policroma com 30 cm de diâmetro.



Seguramente que aí pelos meus dez anos dos tempos de bibe e de pião, eu já coleccionava postais, selos, copos e pratos lindos, que empenhadamente pedia às mulheres da minha família e de famílias alheias. E que haviam elas de fazer senão dar-mos, quando o pedido brotava vigoroso e convincente da voz cristalina dum puto com cara de anjo e caracóis de querubim?
Foi assim que arranjei as minhas primeiras peças de colecção. Alguns dirão que pelintra e pedinchão com artes de sedutor, era o que eu era. Decerto que estão no seu direito de pensar assim. Todavia, para mim não era nada disso. Era um impulso incontido de possuir tudo aquilo que considerava belo.
Pela mesma época tive os meus primeiros desgostos de amor, quando por vezes, os objectos amados e venerados pela posse, se libertavam das minhas pequenas mãos e se transformavam em cacos. Aí, eu, nem padre nem cangalheiro, demorava anos até ser capaz de fazer o funeral das vítimas da minha falta de coordenação motora. Eram tragédias de sofrimento incontido que me marcavam profundamente, das quais ainda hoje me recordo com profunda tristeza, sempre que mentalmente regresso ao tempo e aos territórios da minha infância.
Hoje, mais de cinquenta anos volvidos, poucas coisas mudaram no essencial. Persistente e imutável permanece o meu amor desinteressado à beleza, apenas aprofundado pela experiência, pela sabedoria e pela “patine” que o tempo confere ao nosso saber fazer. O amor, esse continua mais forte do que nunca.

sábado, 19 de novembro de 2011

Alentejo do Passado

IRMÃS FLORES – A MAGIA DOS BONECOS DE ESTREMOZ 

“ALENTEJO DO PASSADO” é o tema integrador da exposição de barrística popular estremocense, inaugurada dia 19 de Novembro, na Sala de Exposições do Centro Cultural Dr. Marques Crespo, em Estremoz. A iniciativa foi da Associação Filatélica Alentejana e contou com o apoio da Câmara Municipal de Estremoz.
A exposição integra 76 bonecos que as Irmãs Flores criaram com a magia das suas mãos e o fascínio das suas cores. A salientar que com vista à exposição, foram criados 34 novos bonecos que assim vêm enriquecer e de que maneira, a barrística popular estremocense.
A exposição que estará patente ao público até ao dia 14 de Janeiro de 2012, pode ser visitada de 3ª feira a sábado, entre as 9 e as 12,30 horas e entre as 14 e as 17,30 horas.
Uma exposição cuja visita se recomenda vivamente.
VENDEDORA DE CRIAÇÃO A CAMINHO DO MERCADO
Boneco de Estremoz da autoria das Irmãs Flores

Bonecos de Estremoz
Uma das coisas que colecciono, são bonecos de Estremoz, os quais têm duplamente a ver com a minha identidade cultural, estremocense e alentejana. Bonecos que antes de tudo são arte popular, naquilo que de mais nobre, profundo e ancestral, encerra este exigente conceito estético-etnológico.
Bonecos moldados pelas mãos do povo, a partir daquilo que a terra dá - o barro com que porventura Deus terá modelado o primeiro homem e as cores minerais já utilizadas pelos artistas rupestres de Lascaux e Altamira no Paleolítico, mas aqui garridas e alegres, como convém às claridades do Sul.
É vasta e diversificada a galeria dos bonecos de Estremoz. Reflexo afinal da riqueza do imaginário popular, que procura retratar a realidade local e regional, não só quando os bonecos se destinam a um uso específico (figuras de presépio, imagens religiosas, apitos, ganchos de meia, etc.), como e tão só a uma finalidade decorativa.
Todos os bonecos de Estremoz possuem um forte registo de uma dada época. As imagens religiosas, pelo detalhe e riqueza do traje reproduzem as esculturas sagradas barrocas, objecto de culto nas nossas igrejas e conventos. Por sua vez, as imagens profanas, possuem um rigoroso registo etnográfico do traje. Na minha condição de etnólogo amador e auto-didacta, o registo etnográfico das imagens profanas e em particular dos personagens da faina agro-pastoril, será porventura, o mais forte atractivo dos bonecos de Estremoz.

Irmãs Flores
Visito com frequência a oficina-loja das irmãs Flores, no Largo da República, em Estremoz, fascinado pela magia emergente das suas mãos de barristas populares. As irmãs Flores, Maria Inácia e Perpétua, de seus nomes, discípulas de mestra Sabina Santos, com ela aprenderam a nobre arte do barro e com ela aprenderam a respeitar o que de mais genuíno têm os bonecos de Estremoz, no que respeita a modelos e tipos característicos, formas, cores e tintas. Mas, também e simultaneamente criaram novos modelos e apostaram em novos tamanhos, que têm vindo a enriquecer a vastíssima galeria de modelos de bonecos de Estremoz. São de sua criação há muito, bonecos como “Senhora a ler”, “A filatelia”, “O farmacêutico”, “A cozinha dos ganhões”, “A florista”, “O Rancho do acabamento”, “Cristo na cruz”, “Camponês rico“, bem como novos modelos de presépio. Naturalmente que continuam a executar modelos tradicionais, como “Primaveras”, “O amor é cego”, “Púcaros”, “Cantarinhas”, “Peraltas“, “Cavaleiros”, “Pastores”, “Ceifeiras”, “Negros floristas”, etc., pois a imaginária popular é vasta.

Irmãs Flores no Centro Cultural
“ALENTEJO DO PASSADO” é o tema integrador da exposição de barrística popular estremocense, agora inaugurada na Sala de Exposições do Centro Cultural Dr. Marques Crespo, em Estremoz.
A exposição integra 76 bonecos que as Irmãs Flores criaram com a magia das suas mãos e o fascínio das suas cores. A exposição está estruturada em 8 grandes áreas que visam dar uma visão do Alentejo do passado: Pastorícia, Colecta, Ciclo do pão, Ciclo do azeite, Ciclo do vinho, Tiragem da cortiça, Na horta, Na cidade.
De salientar que com vista à exposição, foram criados 34 novos bonecos que assim vêm enriquecer e de que maneira, a barrística popular estremocense. São eles: Pastor a fazer colher, Ordenha de ovelhas, Tosquia de ovelhas, Roupeiro a caminho da rouparia, Ordenha de vacas, Porqueiro, Lavrador a cavalo, Semeador, Ganhão a lavrar, Mondadeira a mondar, Ceifeiro, Carreteiro transportando molhos de trigo, Debulha com trilho numa eira, Carreteiro transportando sacos de trigo, Moleiro no moinho, Varejador, No rabisco, Juntando a azeitona, Vindimadora a vindimar, Vindimador a carregar cesto com uvas, Transporte de uvas no tino, Adegueiro, Tirador de cortiça, Empilhador, Carrada de cortiça, Hortelão, Hortelão a caminho do mercado, Peixeiro, Talhante, Ervanário, Brinholeira, Mulher ao pé do poço, Mulher acarretando água, Família a comer.
Há semelhança do que se passou com as suas exposições “TRAJE POPULAR PORTUGUÊS”(2007) e “BONECOS DA GASTRONOMIA” (2009 e 2010), houve novamente uma mudança de paradigma. Estamos em presença de barrística popular do mais alto nível, que regista com rigor e fidelidade o que eram as fainas agro-pastoris do Alentejo d’antanho, bem como a vida na cidade, até cerca de meados do século XX.
As Irmãs Flores estão de parabéns, pois sem se afastarem um milímetro sequer dos cânones tradicionais da barrística popular estremocense, têm sabido inovar, criando novos públicos com apetência por aquilo que é diferente dentro do tradicional. E elas estão no caminho certo, pois se a sua mestria é pautada, por um lado, pela mais estrita fidelidade aos materiais, à tecnologia e às cores, não deixam todavia de manifestar inquietude que se expressa na criação de novos modelos de figurado, que têm a ver com a nossa identidade cultural, local e regional. Por isso são embaixatrizes de vanguarda da nossa arte popular trantagana e a comunidade estremocense revê-se com enlevo na elevada qualidade artística do seu trabalho, o que aqui se testemunha, por ser uma verdade insofismável.
Bem hajam pois, pelo deleite de espírito que nos proporcionaram com esta exposição e que muito contribui para o reforço da identidade cultural alentejana.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Histórias de professor - 2


Como é sabido, os professores têm que frequentar acções de formação, afim de se poderem manter actualizados e poderem progredir na carreira. Acontece que um professor da minha antiga Escola, cujo anonimato manterei por motivos óbvios e a quem chamarei supostamente João, foi para Lisboa frequentar uma acção de formação, cuja duração era de uma semana.
Sabendo que a namorada precisava de umas lunetas de sol, ao passar pela baixa pombalina, entrou num oculista. Depois de ver umas quantas lunetas de sol, decidiu-se a comprar-lhe umas muito bonitas. A empregada do oculista fez-lhe um embrulho, mas o João, distraído como é, ao sair da loja, em vez de levar o embrulho que lhe pertencia, levou outro muito parecido, que continha umas cuecas de senhora, que possivelmente alguma cliente que estava no oculista, comprara noutra loja.
Ora, o João não deu conta do engano, indo directamente do oculista para o correio. Dali enviou o embrulho à namorada, ao mesmo tempo que lhe mandava uma carta por correio separado.
A namorada, ao receber o embrulho ficou espantada com o conteúdo do mesmo, assim como com o conteúdo da carta, a qual dizia.

"Querida Maria:

Espero que gostes do presente que te enviei, sobretudo pela falta que te fazem, já que usas as outras há bastante tempo e estas coisas devem-se mudar de vez em quando.
Espero também ter acertado no modelo. A empregada garantiu-me que eram a última moda e até me mostrou as suas que eram iguais.
Então eu, para ver se eram leves, provei-as ali mesmo. Não imaginas o que a empregada se riu, porque estes modelos femininos são muito graciosos, tornando-se cómicos quando postos por mim, que como sabes, tenho umas grandes bochechas.
Uma moça que estava na loja, até mas pediu. Calcula tu que tirou as suas e pôs estas que te mando, para ver o efeito que faziam. Fiquei encantado ao vê-la com elas e comprei-as logo.
Maria, assim que as recebas, põe – as logo e mostra-as aos teus pais, amigos e enfim a toda a gente, para ver o que dizem.
A princípio sentir-te-ás diferente, habituada como estás a andar com as velhas e sobretudo agora que já andas há algum tempo sem nenhumas.
Diz-me se estão pequenas, porque senão vão-te deixar marcas quando as tirares.
Tem também cuidado, não te fiquem grandes, não se dê o caso de ires andando pela rua e elas te caírem.
Usa - as com cuidado e sobretudo não te esqueças delas, nem as percas, já que tens o mau hábito de andares com elas quase sempre na mão.
Enfim. Estou desejoso de te ver com elas postas.

Até breve. Beijos do teu:

João"

Desconhece-se o modo como o professor João foi recebido pela namorada, após ter terminado a acção de formação.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Histórias de professor - 1


Clipart recolhido em http://www.clipartsdahora.com.br

Durante a minha carreira de professor, sempre fui mestre em apanhar cábulas aos alunos, bem como papéis que embora às vezes inocentes, deixavam à rasca os seus atrapalhados possuidores. Foi o caso de uma folha de papel cuja transmissão na sala de aula, interceptei a um aluno, há já bastantes anos.
Segundo apurei então, numa altura em que ainda não estava vulgarizada a fotocopiadora, a história vinha sendo passada em folhas de caderno há já alguns anos, o que não admira, pois o texto tinha acumulado insuficiências gramaticais e erros ortográficos capazes de provocar um enfarte de miocárdio ao menos exigente dos professores de Português.
Foi nessa história que peguei, limitando-me a dar-lhe uma forma mais literária e a contextualizá-la, sem lhe modificar o conteúdo, nem tão pouco o alcance.

Nos últimos anos vimo-nos rodeadas de siglas, isto é, abreviaturas com os mais diversos significados: ACP, ADN, AMI, CTT, FPF, PSP, GNR, etc., etc.
Nalguns casos a interpretação do significado das abreviaturas não é única e daí pode resultar polémica, como aconteceu há já alguns anos entre a GNR - Guarda Nacional Republicana e o GNR - Grupo Novo Rock do Rui Reininho.
Vejamos então, como a interpretação errada de uma sigla nos pode levar a uma situação caricata e até mesmo incómoda.

Certa ocasião, uma família inglesa foi passar as férias à Alemanha. Ali encontrou uma casa que lhe agradou imenso para passar as férias no Verão seguinte. Esta casa pertencia a um pastor protestante.
Regressados a Inglaterra, os membros da família discutiram pormenores acerca da planta da casa, quando de repente a esposa se lembrou de não ter visto ali nenhum W.C., que como toda a gente sabe é um local do qual saímos sempre mais aliviados.
Preocupada com este pormenor importante, a senhora escreveu imediatamente ao pastor alemão, a quem questionou sobre o assunto, tendo a carta sido escrita nos seguintes termos:

"CARO PASTOR:
Sou um dos membros da família que há pouco o visitou com o fim de alugar a sua casa no próximo Verão e visto nos havermos esquecido de um pormenor importante, muito agradecia que nos informasse em que local se encontra o W.C."

O pastor protestante, não compreendeu o significado das abreviaturas W.C. e como era pastor, julgou tratar-se da capela inglesa White Chapel, pelo que pensou que a senhora procurava saber onde ficava o local de culto mais próximo da casa que pretendia alugar na Alemanha. Respondeu então à senhora da seguinte forma:

"GENTIL SENHORA:
Recebi a sua carta e em resposta à mesma, tenho o prazer de lhe comunicar que o local a que se refere, fica a 12 km de casa.
Minha senhora, isto é muito incómodo, sobretudo se se tem o hábito de ir lá com frequência.
Nesse caso, é preferível levar comida para lá ficar todo o dia.
Alguns vão a pé, outros de bicicleta.
Há lugares para 400 pessoas sentadas e para 100 de pé.
Há ar condicionado para evitar excessos de aglomeração.
Os assentos são de veludo e recomenda-se chegar cedo para arranjar lugar sentado.
As crianças sentam-se ao lado dos adultos e todos cantam em coro.
A entrada é fornecido um papel a cada pessoa, mas se alguém chegar depois da distribuição, pode usar o papel do vizinho do lado.
Este papel deverá ser devolvido sempre depois de ser utilizado, afim de poder ser utilizado durante todo o mês.
Existem amplificadores de som.
Além disso, minha senhora, fotógrafos estrategicamente colocados tiram fotografias pormenorizadas, as quais são divulgadas em todos os jornais da cidade, para que todas as pessoas possam ver o cumprimento de um dever tão humano."

Assim termina a carta do pastor protestante alemão.
Segundo consta, a família inglesa decidiu nesse ano, não ir passar férias à Alemanha.