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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Hernâni: uma referência


Maria Manuela Fidalgo Marques. Professora. Ex-vereadora do Pelouro da Cultura
da Câmara Municipal de Estremoz.

Conheci o Hernâni, professor na Escola Comercial e Industrial, hoje Escola Secundária da Rainha Santa Isabel. Era um professor exigente. A "simpatia" não foi à primeira vista. Confesso que o achava um pouco "arrogante".O Hernâni é observador, dinâmico, atento, arguto, determinado e por vezes irónico. No blogue "Do Tempo da Outra Senhora" de sua autoria, é abrangente. Conta "estórias", fala-nos da história da sua cidade e não só.
É um Homem de causas, que defende sem medos. É um orgulho tê-lo como amigo do qual gosto, por ser como é.
 
Maria Manuela Fidalgo Marques
Estremoz, 2 de Fevereiro de 2021


terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Grande Hernâni…


José Guerreiro. Sociólogo. Ex-Presidente da Câmara Municipal de Estremoz.
Ex-Director do jornal "Brados do Alentejo".

Conheço-te há décadas, meu grande piru. Lembro-me de ti no Colégio S. Joaquim mais alto e esticadinho do que todos os outros. E do dia em que foste atropelado, uma tragédia que nos marcou a todos. Ainda guardo fotos do teatro de finalistas, ensaiado pelo professor Augusto Leitão, e onde apareces fardado de marinheiro.
Depois foi a ida para Lisboa, para estudares na Faculdade de Ciências, onde não nos cruzamos, mas o teu activismo político deixou marcas que eu pude confirmar, quando fui tirar a pós-graduação em planeamento regional e urbano na Universidade Técnica, ali junto à Assembleia da República.
Quando acabaste o curso, regressaste a Estremoz, para dar aulas de Física e Química na Escola Secundária. Estávamos em 1975 e o ambiente político escaldava na Escola e fora da Escola. No ano lectivo seguinte, fui eleito com 24 anos para a presidência do conselho directivo. As reuniões gerais de professores eram quase semanais e tu distinguias-te pela firmeza e lucidez das intervenções. A tua voz de trovão conseguia calar os colegas que não tinham nada de útil para dizer, mas perturbavam e prolongavam desnecessariamente as reuniões.
Cedo começaste a ter um papel ativo na política local. Creio que foste um dos primeiros militantes do núcleo de Estremoz da UDP e um dos mais destacados membros da Comissão Organizadora das Festas do Povo que elaborou um programa que marcava a diferença com as Festas da Exaltação da Santa Cruz. Provavelmente, partiu de ti a ideia de promover a homenagem ao maestro José António Lima, com descerramento de lápide, na casa onde morou no Largo dos Combatentes.
Mais tarde, o nosso relacionamento estreitou-se em 1983, quando fui eleito Presidente da Camara Municipal de Estremoz e tu criaste a Associação Filatélica Alentejana. Foram vários os projectos culturais que a Associação promoveu e a CME apoiou, com toda a justiça.
Em Dezembro de 1993, o amigo José Sena ganha as eleições autárquicas pela APU e nós os dois juntamente com o Narciso Patrício fazemos parte da mesa da Assembleia Municipal, pela mesma força política. Foi uma experiência curta, porque o falecimento inesperado do Presidente da Câmara obrigou a uma reconfiguração do executivo municipal.
Mais recentemente, o teu trabalho de valorização da cultura popular e, em especial, dos "bonecos de Estremoz" tem sido notável. Não será exagerado reconhecer que a ti se deve, em boa medida, a classificação da UNESCO como património imaterial da humanidade.
Ainda no ano passado, pude contar com o teu apoio na pesquisa de algumas matérias relacionadas com um livro que estou a preparar sobre a história contemporânea da cidade. Foi extraordinária essa colaboração.
Sei que tens planeado vários projectos de futuro. Ficamos a aguardar, com toda a expectativa deste mundo.

José Guerreiro
Estremoz, 30 de Janeiro de 2021

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Uma vida ao serviço da Cultura Portuguesa


 Pedro Marçal Vaz Pereira. Presidente da FPF - Federação Portuguesa de Filatelia.
Presidente Honorário da FEPA - Federação Europeia de Sociedades Filatélicas. 
 

Hernâni Carmelo de Matos é um dos homens mais brilhantes, que conheci ao longo da minha vida.
Homem culto, competente, empreendedor, ama o seu Alentejo e dedicou-lhe toda a sua vida.
Autor de excelentes obras de grande valor histórico e social, como “Memórias do Tempo da Outra Senhora” e “Franco-Atirador”, que são o culminar de muitos anos de uma vida cheia de experiências e tendo a “Escrita como Instrumento da Libertação do Homem”. Hernâni Matos passou para o papel essas suas vivências sociais e culturais de outros tempos e outros modos, para que estas memórias fiquem presentes no futuro, como a força e experiência de vida deste alentejano multifacetado e multicultural.
Apaixonado pela arte do barro, pelos bonecos de Estremoz, pela olaria, Hernâni de Matos reuniu umas das maiores coleções, dedicada a esta soberba arte de fazer bem e bonito com o barro.
Para imortalizar esta sua paixão, escreveu um extraordinário livro dedicado ao tema, a que deu o título de “Bonecos de Estremoz” e que apresentou em Janeiro de 2019, na cidade de Estremoz.
Hernâni Matos é também um apaixonado pela etnografia alentejana.
Depois é vê-lo aos sábados na feira de Estremoz, realizada em frente da Câmara Municipal, à procura de objectos que lhe interessem e a receber dos feirantes peças que estes guardaram para a sua colecção. Primeiro está o Dr. Hernâni e depois estão os outros, se o Dr. Hernâni não quiser, assim me confessou uma vez um desses feirantes.
E assim a sua colecção, tornou-se numa das mais ricas do país.
Adora a história e a literatura oral, tendo promovido diversas sessões onde esta última teve um papel importantíssimo.
O seu envolvimento cívico na vida de Estremoz e do seu Alentejo, é notável e merecedor dos maiores elogios e agradecimentos. Sem ele, Estremoz e o Alentejo não seriam os mesmos.
E deixei para o fim, um dos aspectos culturais mais ricos de Hernâni de Matos. Trata-se da Filatelia.
Hernâni de Matos é um dos melhores filatelistas de Portugal e um dos mais distintos a nível nacional, sendo reconhecido a nível internacional.
Com as suas colecções de Inteiros Postais e Maximafilia, apresentadas em exposições filatélicas nacionais e internacionais, foi classificado com altíssimos prémios.
É um jornalista filatélico de corpo inteiro, sendo um excelente articulista, tendo escrito brilhantes artigos, para muitas revistas filatélicas.
Foi membro da Direcção da Federação Portuguesa de Filatelia.
Integra como Jurado o quadro nacional de jurados da Federação Portuguesa de Filatelia e integra igualmente como Jurado o quadro de jurados internacionais da FIP - Federação Internacional de Filatelia.
A Federação Portuguesa de Filatelia atribuiu-lhe em 2004, a Ordem de Mérito Filatélico, pelos excepcionais serviços prestados à Filatelia.
Foi ainda membro da Comissão de Inteiros Postais da Federação Internacional de Filatelia e Delegado Nacional da Federação Portuguesa de Filatelia, a essa Comissão.
A FEPA-Federação Europeia de Associações Filatélicas teve o seu primeiro website em 2001, tendo sido Hernâni Matos o responsável pela sua criação e manutenção até 2009.
Teve um período da sua vida, que dedicou à juventude filatélica, tendo captado muitos jovens para a Filatelia Portuguesa.
No associativismo filatélico foi Presidente da Associação Filatélica Alentejana, que desenvolveu a nível nacional uma acção de grande prestígio, mérito e competência.
Fundou o Correio do Alentejo, revista da Associação Filatélica Alentejana, revista difusora das iniciativas daquela agremiação e da Filatelia de Portugal.
Foi ainda o fundador da ANJEF - Associação Nacional de Escritores e Jornalistas Filatélicos, da qual foi Presidente, tendo instituído os prémios anuais para os melhores trabalhos de Literatura Filatélica e fundado uma revista de grande qualidade, com o título “Convenção Filatélica”.
Foi o organizador de muitas exposições em Estremoz, algumas de grande porte e importância, como foi a de 2004, comemorativa dos 50 anos da Federação Portuguesa de Filatelia, onde Brasil e Espanha estiveram presentes.
Brilhante conferencista, proferiu imensas conferências tanto filatélicas como de outros temas.
O Alentejo e a cultura de Portugal devem muito a Hernâni de Matos, que de forma altruísta, dedicada e competente, mas sempre desinteressada, muito tem dado a Portugal e ao seu Alentejo.
Hernâni de Matos é daqueles amigos que sabe bem ter na nossa vida, pelo seu enorme estatuto cultural, pela sua competência, pela sua lealdade, pela sua verticalidade e acima de tudo pelo gosto de termos amigos como ele.
Aqui fica este meu sincero testemunho, que transportado para a vida real e cultural, dá uma enorme obra de Hernâni de Matos, para o seu amado Alentejo e para Portugal.
Contamos com Hernâni de Matos para muitas mais.
Bem-haja meu Amigo por tudo que nos tem dado e tem realizado.
 
Pedro Marçal Vaz Pereira
Lisboa, 3 de Fevereiro de 2021


Hernâni Matos no desempenho das funções de jurado FIP de Inteiros Postais na
Exposição Mundial de Filatelia ESPAÑA 2006 (Málaga, 7 a 14 de Outubro).

domingo, 17 de janeiro de 2021

És alfaiate da palavra

 

Francisco Martinho Garrido Ramos (Xico de São Bento).  Poeta popular
e Presidente da Academia do Bacalhau de Estremoz.


Uma das muitas coisas que partilho com os outros é a escrita,
instrumento de libertação do Homem. 
Filho de alfaiate, aprendi a alinhavar palavras,
que permitem cerzir ideias com que se propagam doutrinas. 
Esse o sentido da minha intervenção na blogosfera.

MATOS, Hernâni. Nós os subversivos do Facebook.
Blogue "Do Tempo da Outra Senhora".
Estremoz, 11 de Setembro de 2010.

 

Décimas dedicadas a Hernâni Matos

pelo poeta popular Xico de São Bento


ÉS ALFAIATE DA PALAVRA


MOTE

És alfaiate da palavra,

Do alinhavar ao cerzir,

É com ela a tua lavra

Para elogiar ou zurzir.

 

Talvez seja genética,

Essa arte de costurar!

A escrever ou a falar,

Não descuidas a fonética

E és bom na dialética.

Escrita também se alinhava,

Senão o texto escalavra.

É preciso ter jeito,

P’ra escrever a preceito

És alfaiate da palavra.

 

Após a obra alinhavada

Com cuidado e atenção,

Passas à execução.

Atentamente verificada

A tarefa fica terminada

E depois de a concluir,

Divulgar e difundir,

Indagar atentamente

Se agrada ao cliente

Do alinhavar ao cerzir.

 

É trabalho fascinante,

Aprazível e libertador

Que exige algum labor,

Mas muito gratificante,

E também contagiante.

Sem o uso da palavra,

Como é que se comunicava?

Como é que a gente fazia

Ou como é que eu te dizia?

É com ela a tua lavra.

 

Que gostes da brincadeira,

É isso o que mais quero,

E ao menos assim espero.

Penso que não disse asneira

Nem te causei canseira.

É a maneira de exprimir,

Sem receio de mentir,

Que é do homem libertação

O uso da opinião

Para elogiar ou zurzir.

 

São Bento do Ameixial, 16/01/2021

Xico de São Bento


Hernâni Matos

domingo, 18 de agosto de 2019

E vão quantos?




E vão quantos?
A resposta a esta sacramental pergunta é unívoca: 73. Fui parido no ano de 1946. No que respeita às centúrias: 1 e 9 são 10, noves fora 1. No referente a decénios, 4 e 6 são 10, noves fora 1. Também no que concerne à idade, 7 e 3 são 10, noves fora 1. Como estão a ver, a minha cronologia assenta no 1. É a revelação de que sou único, singular, excepcional e sem igual. Acontece ainda que nasci em Agosto. Daí que seja leónico e solar. O resto vem por acréscimo, tanto defeitos como qualidades.

E que tenho sido eu?                      
A sinopse da minha vida pessoal regista como marcos principais os seguintes: Parido, bebé de fraldas, puto de bibe e peão. Gaiato de calções, usei a opa da Igreja e como lusito marquei passo nas formaturas da Mocidade Portuguesa. Revoltado na Instrução Primária porque tive um professor que nunca o devia ter sido. Miúdo de Liceu, tornei-me um jovem descrente por tudo aquilo que via à minha volta. Corredor de fundo e saltador em altura, fui amputado para me deixar dessas coisas. Todavia, reaprendi a marchar, a andar de bicicleta e a dançar, já que nadar nunca se esquece. Concluí o Curso Liceal e fiquei livre da tropa, sem necessidade de fugir à guerra colonial. Na época já tinha consciência política, graças a alguns professores, ao meu pai e a amigos mais velhos com os quais acompanhava. Entrei na Universidade e no movimento associativo estudantil, fiz greves e manifestei-me, já que se vivia em plena crise académica e eu tinha o Maio de 68 na massa do sangue. Estudei que era por isso que por ali andava, fiz poesia e integrei o movimento desintegracionista. Quando dei por mim tinha acabado o curso. Físico, tornei-me professor sem querer e fui mestre-escola durante 36 anos.  
Pelo meio, amei, casei, fui pai e muitas vezes fui feliz. Recentemente, os meus alicerces deram de si e cheguei a estar do outro lado. Vagueei entre aquilo que dizem ser o céu, o inferno e o purgatório. Em todos estes locais fui rejeitado. Dai a razão de estar hoje aqui.
Falta-me plantar uma árvore, tarefa adiada porque me doem as costas. Para o ano logo se vê. E se Deus não quiser? - perguntarão alguns. A resposta é simples. Fica a árvore por plantar e eu curado das costas.

E que mais?
Desde os longínquos tempos do bibe e do pião que sou recolector de objectos materiais que me enchem as medidas. Assim me tornei filatelista, cartofilista, bibliófilo e ex-librista. Para além disso, o fascínio da ruralidade e o culto da tradição oral, levaram-me a reunir objectos que integram o registo da identidade cultural alentejana. Daí que por necessidade me tenha tornado investigador, historiador, etnógrafo e etnólogo com interesses pessoais na história local e na arte popular alentejana, muito em especial a arte pastoril e a barrística popular estremocense. Tenho montado exposições iconográficas, apresentado comunicações e como escritor, jornalista e blogger, tenho publicado livros e textos que constituem o reflexo da minha intervenção cívica. Para além disso, sou ambientalista, libertário, igualitário, solidário, livre pensador e, é claro, franco-atirador.

sábado, 26 de janeiro de 2019

Ante-Prefácio de Hernâni Matos ao seu livro "Bonecos de Estremoz"




Os meus olhos são uns olhos.
E é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos
onde outros, com outros olhos,
não vêem escolhos nenhuns.


António Gedeão (1906-1997)

in poema “Impressão Digital”


Este livro não é um livro de História dos Bonecos de Estremoz. Apesar disso, regista com rigor os principais marcos históricos da sua longa caminhada desde setecentos até aos dias de hoje. Fá-lo de uma forma não fastidiosa, procurando manter uma relação de cumplicidade afectiva com o leitor, para que este não deserte para outras paragens.
Este livro é um livro de estórias. Em primeiro lugar, estórias de vida dos barristas que dão vida aos bonecos. Em segundo lugar, as estórias que os bonecos nos contam, bem como as estórias que possamos urdir e que sejam pré-existentes aos bonecos por cuja génese foram responsáveis. Em terceiro lugar, as estórias de vida do autor, cujos escritos são uma simbiose de duas condições: a de coleccionador e a de investigador da arte popular alentejana. Trata-se de exercícios que pratica numa perspectiva polifacetada, predominantemente artística, antropológica e etnográfica. Se o conseguir também neste livro, tal facto será para si gratificante, pois mais importante que a posse de conhecimentos é a sua partilha com a comunidade, o que assegura a transmissão de saberes.
Tendo o autor exercido o magistério professoral durante 36 anos consecutivos, este livro reflecte as suas preocupações de não dissociar o rigor da escrita da clareza do texto e da motivação que cative o leitor.

Estremoz, Agosto de 2018




segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Alquimista e Templário




Há dias, alguém me perguntou com desdém:
- Então Hernâni, fizeste mais um livro?
É claro que eu não faço livros. Fazem-se filhos, mas livros não. Os livros nascem como as dores nas costas e as rugas, fruto do ciclo natural das coisas. Por vezes, a partir de quase coisa nenhuma. Todavia, o acumular de pequenas coisas, origina em certo momento um salto qualitativo e uma mudança de paradigma.
A procura incessante da Verdade, leva-nos a respigar, escavar, reciclar e destilar coisas, numa simbiose de Alquimista à procura da Pedra Filosofal e de um Templário em demanda do Santo Graal.
A procura da Verdade e, em particular, a reconstrução da Memória do Passado, é uma tarefa ciclópica, mas não é uma missão impossível, ainda que jamais venha a ter fim.
A procura da Verdade é um combate. Sempre que um combatente tomba, outros se levantarão com redobrado vigor, como elos duma cadeia que remonta aos tempos primordiais. Segundo reza a lenda, no acto de morrer, Spartacus terá proclamado:
- Voltarei e serei milhões!
A procura da Verdade é uma tarefa de espectro largo, que por um lado nos transporta do nível trivial do quotidiano, à profundidade das caganifâncias quânticas e, pelo outro nos catapulta à imensidão dos domínios astrofísicos.
A procura da Verdade será sempre uma missão que impomos a nós mesmos como livres pensadores. Haverá sempre momentos de encruzilhada, em que se formulará a inescapável pergunta de Lenine:
- Que fazer?
A única resposta possível é sugerida pelo poeta sevilhano António Machado:
……………………………..
caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
………………………
Quando nos nasce um livro, o nado-vivo é o resultado de muitas caminhadas, muitas vezes acompanhado, mas a maioria das vezes sozinho. É esse o desafio. Caminhar sempre, sem parar.
Publicado inicialmente em 21 de Janeiro de 2019

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

BONECOS DE ESTREMOZ: O que é o livro para mim




O meu livro chama-se ”Bonecos de Estremoz”. Sim, simplesmente “Bonecos de Estremoz”, com a mesma simplicidade que “Maria” é simplesmente “Maria” e “José” é simplesmente “José”.

Pelas suas dimensões de 27,5 cm x 27,5 cm, pelo peso de 1377 g, pelo número de páginas que é 180, pelo número de imagens que é 360 e pelo número de notas de rodapé que é 60, este livro é um livro XXXL. Outra coisa não seria de esperar da parte de um autor que astrologicamente é leão com ascendente de touro, que nasceu no pino do Verão, num dia grande de Agosto, neto de um homem chamado Manuel, cuja alcunha alentejana era o Alturas. E vejam lá que o bom do homem, tinha menos 15 cm que o neto. 

Este livro é um livro de amor aos Bonecos de Estremoz. Mas é igualmente e sobretudo um livro de respeito e admiração por todos os barristas do passado e do presente, sem excepção.

Este livro é o livro de horas do meu dia-a-dia. Foi lavrado e filigranado na mais rigorosa, ainda que voluntária clausura na cela monástica em que se tornou o meu escritório. Para trás ficaram as minhas incursões exploratórias ao Mercado das Velharias em Estremoz e às leiloeiras e aos alfarrabistas, tanto reais como virtuais.

Este livro foi uma longa caminhada. Como diria o poeta sevilhano António Machado (1875-1939):

……………………………..
caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
………………………

Nessa longa caminhada, este livro é seguramente, mais uma etapa que liga pólos de romagem à barristica popular de Estremoz. Outros há que me falta visitar e entender.
Com o filósofo António Telmo aprendi que existe sempre um lado oculto das coisas, cuja codificação urge decifrar, visando a sua revelação para que, em nome da verdade, se faça luz. Este livro envolve assim, linhas ocultas de investigação, que a seu tempo terei oportunidade de partilhar convosco em edição futura.

É um livro para ficar, mas é também um livro para continuar, já que o autor não tem reumático intelectual e não é pessoa para se acomodar.

Parafraseando Luís Vaz de Camões na estrofe 155 do Canto X, direi que:

“Nem me falta na vida honesto estudo,
Com longa experiência misturado,
Nem engenho, que aqui vereis presente,
Cousas que juntas se acham raramente.”

O meu fado é este: o de me cruzar com as linhas de força do espaço-tempo da barrística popular estremocense. Não sei se são aquelas linhas que convergem para mim ou se, porventura, sou eu que me dirijo para elas. O que sei é que vou por aí. É esse o meu sonho.

Parafraseando António Gedeão na Pedra Filosofal direi que:

“Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.”

A partir de agora, o meu livro é também o vosso livro. Tomai-o e partilhai-o, mas divulgai-o também como seus arautos, tal como Azinhal Abelho foi arauto da recuperação da extinta manufactura dos Bonecos de Estremoz.

De acordo com o Capítulo 2 do Génesis, Deus criou o homem e depois a mulher, para que o homem não vivesse sozinho e a partir daí pudesse viver em sociedade.
Como nos ensina Aristóteles em Política I, “O homem é um animal social” que necessita de coisas e de outras pessoas para alcançar a sua plenitude.
Significa isto que um homem sozinho não é ninguém.
Por isso, este livro para além de ser um livro de afectividades, é também um livro de cumplicidades. Ele não teria sido possível sem a colaboração de todos que comigo colaboraram desinteressadamente e cada um à sua maneira. Para eles são devidos agradecimentos:

  Ao professor José Carlos Cabaço Salema, director da Escola Secundária da Rainha Santa Isabel de Estremoz, que desde 2012 e até ao presente me facultou o acesso ao Arquivo da Escola Industrial António Augusto Gonçalves, bem como às suas sucessoras.
 A António José Lopes Anselmo, presidente da Câmara Municipal de Borba, por me ter facultado a consulta, em Julho de 2018, do espólio documental do poeta Azinhal Abelho, adquirido pelo Município em 2007.
 Aos vendedores do Mercado das Velharias em Estremoz e às leiloeiras que ao longo dos anos têm procurado mitigar a minha fome e saciar a minha sede de Bonecos de Estremoz.
 Aos alfarrabistas e às leiloeiras que no decurso do tempo me têm alimentado com papel velho.
 Aos depoentes: Armando José Ruivo Alves (aluno de Mariano da Conceição), Rogério Peres Claro (Director da Escola Industrial e Comercial de Estremoz), José Manuel Silva Madeira (neto de Ana das Peles), Maria Leonor da Conceição Santos (filha de Sabina Santos e sobrinha de Mariano da Conceição) e Maria Margarida Barros de Queiroz Martins Mantero Morais (sobrinha-neta de Francisca Emília Guerra Vieira de Barros).
  Aos barristas: Irmãs Flores, Jorge Manuel da Conceição Palmela, Maria Luísa Banha da Conceição e Ricardo Jorge Moreira Fonseca, que me transmitiram muito do seu saber.
  A todos aqueles que me facultaram fotografias e são referidos nos créditos fotográficos.
 Ao director do Museu Municipal de Estremoz, Hugo Guerreiro, meu companheiro de estrada nestas andanças e com quem tenho partilhado informação.
 À directora da Biblioteca Municipal de Estremoz, Maria Helena Mourinha, pelo apoio prestado na consulta da imprensa periódica local.
 À directora do Arquivo Municipal de Estremoz, Paula Gonçalves, e às funcionárias Sílvia Arvana e Joaquina Babau, pelo apoio prestado na pesquisa documental.
 Ao director do Arquivo Distrital de Évora, Jorge Janeiro, e à funcionária Maria Célia Caeiro Malarranha, pelo apoio prestado na pesquisa documental.
 A todos os funcionários da Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel de Estremoz, pelo apoio prestado na pesquisa de documentos paroquiais e de registo civil.
 Ao Luís Mariano Guimarães, que desde 2012 fotografou, a meu pedido, Bonecos das colecções dos Museus Rural e Municipal de Estremoz, bem como exemplares da minha colecção particular e do pintor Armando Alves.
  À Francisca de Matos, que reviu o texto.
  Ao António Júlio Rebelo, que prefaciou o livro.
  Ao Armando Alves, que com mestria assumiu o design gráfico.
  E os últimos são os primeiros: ao Casino da Póvoa de Varzim, que custeou a edição do livro.
  Bem hajam.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Prefácio de António Júlio Rebelo ao livro "Bonecos de Estremoz", de Hernâni Matos


António Júlio Rebelo

PREFÁCIO

Com este livro vamos fazer uma viagem. Quem nos orienta é Hernâni Matos, um colecionador apaixonado e ciente de que a eternidade se ganha na recolha diária de objetos. Hernâni, na sua ânsia comunicativa, irá conduzir-nos por uma paisagem humana que se expressa na história dos Bonecos de Estremoz.
É esse grau de ligação, essa saudável mistura aquilo que, na verdade, as viagens têm de bom. Sendo humana, é também feita de barro, formas e cores. Nesta trilogia apetecível, esta viagem revela ao pormenor os Bonecos de Estremoz. Do interior fundo dessa mistura delicada que os constitui irrompem homens e mulheres, que, pela sensibilidade e técnica, criaram com as suas mãos e utopia objetos vivos. Vivos pela pertença, vivos pelas histórias e memórias, vivos pelo poder que a simbologia concebe ao imaginário. Esta viagem assinala os diversos momentos dessa existência material que cada vez mais se vai tornando em persistência imaterial. Trata-se de uma humanidade e de uma comunidade reveladas ao longo de muitos anos.
Vamos então para esse lugar habitado pelos Bonecos. Comecemos pelos primórdios e como tudo começou e ficou em suspensão, uma ameaça terrível, não consumada, de imerecida extinção. Depois, como tudo aquilo que permanece, o ressurgimento. Tudo isso é contado nesta viagem em andamento. A paisagem, entretanto, muda, e nesse renascimento há, através dos Bonecos, uma dádiva à nossa história comum. Uma visibilidade que nesse momento se tornou mais ampla, tão datada e tão precisa.
A viagem prossegue e faz-se nas narrativas da tradição, compatibilizando inovação e produzindo novos paradigmas. Neles a Escola está assinalada. Ela foi hospedeira, laboratório, espaço criativo de aprendizagem. A Escola é o arranque, a pré-história dos sonhos. E os Bonecos avançam e nós também. De tanta presença manifestada já não sabemos, afinal, se viajamos com eles ou se são eles, pela sua inexplicável atração, quem nos acolhem nesta viagem. Eles são demasiados em exemplos de profissões, de atividades, de modos de existir.
Na viagem em prossecução, a narrativa pormenoriza-se neste itinerário com marcas de identidade, de autores, de uma nomenclatura própria e, igualmente, no diálogo constituído com a literatura oral. Pela oralidade descobrimos e identificamos muitos nomes que falam de si, pela exposição do Hernâni. São um sem fim de artesãos e artesãs que connosco passam a fazer parte desta viagem. Por isso, nesse percurso de Bonecos concebidos, existentes pela forma e cores impregnadas, quem os criou reforçou, afinal, o lado humano, tornando-os mais objetivos na presença efetiva desses criadores habitantes permanentes da nossa viagem. Conhecemos, por isso, muitos nomes, parcelas de vida e experiências que se cruzam. E a viagem continua humana, detentora de objetos que expressam uma simbologia que é representativa daquilo que têm no seu interior mágico. Cada fragmento visível, seja de forma ou de cor, é um pequeno mundo exemplar que conta uma história, desvenda um significado.
Esta viagem, como todas as viagens, parece chegar a um fim. Um fim que é, somente, uma simples paragem maior, uma vez que as viagens desta natureza nunca, em rigor, têm um fim. Abrir-se-á assim uma praça com um monumento que elogia e comemora. Justo reconhecimento da arte, das vivências do humano que se fundiram com o barro e fizeram nascer os Bonecos de Estremoz. Esse é o momento da obra do artista e da alegria pela abertura ao mundo. Uma situação única, um singular horizonte que importaria aproveitar.
Façamos as devidas despedidas ao Hernâni convictos de que a viagem irá prosseguir. As três geometrias explicadas, a placa, a bola e o rolo, verdadeiros elementos representativos da natureza, mas também do humano, farão o seu caminho na direção do futuro.

António Júlio Rebelo[1]
Meados de Setembro 2018


[1] António Júlio Andrade Rebelo, natural de Tomar e a viver em Estremoz, professor do Ensino Secundário a exercer funções na Escola Secundária/3 Rainha Santa Isabel dessa cidade. Licenciado em Filosofia, em 1981, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; Doutorado em Filosofia e Cinema, em 2014, pela Universidade de Évora.


segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

“Bonecos de Estremoz”, de Hernâni Matos: uma cosmogénese


Francisca de Matos

Texto lido por Francisca de Matos na sessão
“Bons filhos à casa tornam” que a 5 de Janeiro de 2019,
 teve lugar na Escola Secundária da Rainha Santa Isabel em Estremoz,
para apresentação pública do  livro “Bonecos de Estremoz”, de Hernâni Matos.
Fotografia de Luís Mariano Guimarães.

Chamo-lhe assim, cosmogénese, porque neste livro se relata, com base em documentos e em depoimentos, toda a história da criação dos Bonecos de Estremoz e também a genealogia dos artesãos que foram os seus criadores e continuadores. Cada um deles, em determinado momento da sua vida e pelas mais diversas razões, pegou no barro vermelho de Estremoz e afeiçoou-o com as suas próprias mãos, dando-lhe forma humana, recriando e perpetuando no tempo os usos e costumes de uma sociedade da qual, hoje, já poucos se recordam. Neste ato criativo, que inclui naturalmente a alegria muito especial que o artesão/criador sente perante a obra criada, vejo quase uma parábola do Génesis bíblico. Isto, sem esquecer que a galeria dos Bonecos de Estremoz é, no seu todo, uma espécie de presépio agigantado que, à semelhança dos presépios barrocos que foram a sua inspiração, provoca, tal como eles, o arrebatamento dos sentidos, devido à graça, ingenuidade e colorido das suas figuras e à diversidade das cenas representadas e recriadas, ou seja, os Bonecos de Estremoz são um verdadeiro microcosmo à escala, representativo da região de Estremoz e do próprio Alentejo.

Neste sentido estamos também, aqui, hoje, para dar a conhecer ao público uma bíblia, não no sentido religioso do termo (Deus nos livre de tal...) mas no sentido de “Obra que contém os fundamentos de uma área, de uma disciplina ou de um assunto”[1] e que, tenho a certeza, virá a ser também “muito lida ou muito consultada” por todos aqueles que querem saber um pouco mais sobre estes graciosos Bonecos que, sendo de Estremoz, são também já Património da Humanidade.

Este livro - “Bonecos de Estremoz” - pode também descrever-se, de forma metafórica, como um autêntico puzzle, cujas peças se foram encaixando num jogo de paciência que não conhece limites, ou não estivéssemos nós a falar do Hernâni Matos. A exaustiva pesquisa bibliográfica e documental, organizada de forma diacrónica, surge acompanhada e ilustrada por aquilo que o próprio autor designa como as “jóias da coroa”, as suas, bem entendido, porque é sobretudo a sua própria coleção pessoal, consolidada com tanto amor e devoção ao longo dos anos, que dá um brilho muito especial a esta obra, materializando página a página toda a plasticidade e colorido que tornam os Bonecos tão fascinantes.

Esta viagem no tempo começa,pois, nas mais antigas referências conhecidas aos barros de Estremoz, em meados do séc. XIII, e prolonga-se até à década de 30 do séc. XX, quando, no seu nº 210 de 3/2/1935, o próprio Brados do Alentejo reconhece que os Bonecos que tanta fama tinham alcançado estavam extintos. O próprio José Maria de Sá Lemos, escultor que, 3 anos antes, havia tomado posse como professor e diretor da então Escola António Augusto Gonçalves, escrevia também no Brados do Alentejo, em novembro desse mesmo ano, que “as derradeiras feitureiras (...) haviam levado consigo o segredo para o túmulo (...) sem terem deixado escola” (p. 32). Mas esta sentença de morte não haveria de ser definitiva porque, dessas antigas bonequeiras, ainda restava uma, a Ti Ana das Peles, embora ela já mal se lembrasse dos bonecos que fizera muitos anos antes. E foi ela que, com a persistência férrea de Sá Lemos, acompanhado pela mestria e entusiamo do mestre de Olaria da escola, Mariano da Conceição, ajudou a reerguer os Bonecos de Estremoz das cinzas a que pareciam estar condenados.

De tal forma que, em 1940 e por mérito próprio,os Bonecos de Estremoz já marcaram forte presença no “Pavilhão da Vida Popular” durante a Exposição do Mundo Português, o que lhes conferiu visibilidade e permitiu, definitivamente, virar a página da mais que provável extinção.

O Hernâni Matos conta-nos depois a biografia dos “Continuadores”, e são muitos, felizmente. Alguns, ainda hoje moldam e trabalham o barro vermelho, produzindo não apenas os “Bonecos da Tradição” – cuja descrição e caracterização pormenorizada constitui uma das partes mais importantes do livro – mas também os da “Inovação” porque a arte, quando é verdadeira, não é estática e muito menos rígida. Evolui, tal como os próprios artesãos.

Estão aqui também documentadas de forma exaustiva as marcas pessoais e as formas muito próprias como cada artesão fez e faz os Bonecos, bem como a técnica de base da sua feitura, os utensílios e as matérias-primas utilizadas.

E depois vem aquela que me parece ser a parte mais importante da obra: a que regista a biografia de cada um dos artesãos que, ao longo de gerações, tem dado identidade e uma alma muito própria a estes Bonecos, assim contribuindo para a sua preservação. Incluindo aqui as circunstâncias muito particulares que levaram cada um deles a fazer os Bonecos e o modo como aprenderam a fazê-los: por necessidade de subsistência, por circunstâncias familiares, por gosto pessoal, ou outros. E sublinho ainda um aspeto que me parece ser muito pertinente: a forma como a complexa teia de relações familiares, profissionais ou de afinidade entre os diversos artesãos permitiu perpetuar esta arte ao longo do tempo. No fundo, a tal “escola”de que falava Sá Lemos em 1935: aquela que implica haver quem ensine, quem aprenda, quem pratique a arte, mas também quem a valorize e a preserve. A “escola” que todos esperamos não volte a fechar portas para que os Bonecos de Estremoz continuem a povoar as nossas memórias e, sobretudo, a interpelar a nossa imaginação com a sua profusão colorida. Julgo ser esse o grande objetivo do Hernâni Matos ao escrever este livro.

Julgo sobretudo que, com este livro, o Hernâni Matos oferece aos seus conterrâneos a partilha generosa de um conhecimento aprofundado e consolidado por anos de pesquisa e descoberta, sedo este, sem qualquer dúvida, o seu maior e mais importante legado.

Francisca de Matos
Estremoz, 5/1/2019

[1] in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, [consultado em 02-01-2019].