E vão
quantos?
A resposta a esta sacramental pergunta é unívoca:
73. Fui parido no ano de 1946. No que respeita às centúrias: 1 e 9 são 10,
noves fora 1. No referente a decénios, 4 e 6 são 10, noves fora 1. Também no
que concerne à idade, 7 e 3 são 10, noves fora 1. Como estão a ver, a minha
cronologia assenta no 1. É a revelação de que sou único, singular, excepcional
e sem igual. Acontece ainda que nasci em Agosto. Daí que seja leónico e solar.
O resto vem por acréscimo, tanto defeitos como qualidades.
E que tenho sido eu?
A sinopse da minha vida pessoal regista como marcos
principais os seguintes: Parido, bebé de fraldas, puto de bibe e peão. Gaiato
de calções, usei a opa da Igreja e como lusito marquei passo nas formaturas da
Mocidade Portuguesa. Revoltado na Instrução Primária porque tive um professor
que nunca o devia ter sido. Miúdo de Liceu, tornei-me um jovem descrente por tudo
aquilo que via à minha volta. Corredor de fundo e saltador em altura, fui amputado
para me deixar dessas coisas. Todavia, reaprendi a marchar, a andar de
bicicleta e a dançar, já que nadar nunca se esquece. Concluí o Curso Liceal e
fiquei livre da tropa, sem necessidade de fugir à guerra colonial. Na época já
tinha consciência política, graças a alguns professores, ao meu pai e a amigos mais
velhos com os quais acompanhava. Entrei na Universidade e no movimento
associativo estudantil, fiz greves e manifestei-me, já que se vivia em plena
crise académica e eu tinha o Maio de 68 na massa do sangue. Estudei que era por
isso que por ali andava, fiz poesia e integrei o movimento desintegracionista.
Quando dei por mim tinha acabado o curso. Físico, tornei-me professor sem
querer e fui mestre-escola durante 36 anos.
Pelo meio, amei, casei, fui pai e muitas vezes fui feliz.
Recentemente, os meus alicerces deram de si e cheguei a estar do outro lado.
Vagueei entre aquilo que dizem ser o céu, o inferno e o purgatório. Em todos estes
locais fui rejeitado. Dai a razão de estar hoje aqui.
Falta-me plantar uma árvore, tarefa adiada porque me
doem as costas. Para o ano logo se vê. E se Deus não quiser? - perguntarão alguns.
A resposta é simples. Fica a árvore por plantar e eu curado das costas.
E que mais?
Desde os longínquos tempos do bibe e do pião que
sou recolector de objectos materiais que me enchem as medidas. Assim me tornei
filatelista, cartofilista, bibliófilo e ex-librista. Para além disso, o
fascínio da ruralidade e o culto da tradição oral, levaram-me a reunir objectos
que integram o registo da identidade cultural alentejana. Daí que por
necessidade me tenha tornado investigador, historiador, etnógrafo e etnólogo
com interesses pessoais na história local e na arte popular alentejana, muito
em especial a arte pastoril e a barrística popular estremocense. Tenho montado
exposições iconográficas, apresentado comunicações e como escritor, jornalista
e blogger, tenho publicado livros e textos que constituem o reflexo da minha
intervenção cívica. Para além disso, sou ambientalista, libertário,
igualitário, solidário, livre pensador e, é claro, franco-atirador.
Bom Texto Hernâni, Parabéns (pela idade e pelo texto)
ResponderEliminarEmbora atrasado vai o meu ABRAÇO, de um gajo que os DESFAZ para quem os FEZ, com esperança de que os continue a fazer.
ResponderEliminarAcompanho-o menos vezes do que gostaria, coisas cá do ofício, gostei do texto. Obrigado