Bilhete-postal ilustrado, não circulado, da Mercearia de José Tomé Natário Feteira, na Rua
5 de Outubro, nº 16, em Estremoz, na segunda década do séc. XX. Esta mercearia seria
trespassada pelo proprietário ao seu sobrinho Alfredo Carqueijeiro Tomé (pai do Major
Mário Tomé) que desde jovem trabalhava na loja do tio. No início dos anos 50 o novo
proprietário foi para a Guiné trabalhar com o irmão, Henrique Carqueijeiro
Tomé, no estabelecimento de que este era sócio, o "Salgado e Tomé". Nessa altura a loja
foi trespassada a Ester de Matos, irmã do Coronel Homero Matos que foi director da PIDE
e comandante da Escola Prática de Cavalaria. Mais tarde viria a ser ali a Mercearia de Luís
Raimundo, mais conhecida por Loja do Boneco. Actualmente funciona ali a Livraria e
Papelaria Aníbal, fundada por Aníbal Falcato Alves. (Texto baseado em informação prestada
pelo Major Mário Tomé, em 2013).
AS MERCEARIAS DE ESTREMOZ
Nos anos cinquenta do século passado existiam inúmeras mercearias em Estremoz, que procuravam dar resposta às necessidades de consumo da população.
Havia mercearias em muitas das ruas da cidade, algumas das quais eu frequentava, para satisfazer os avios, maiores ou menores, que a minha mãe me encarregava de fazer. Recorrendo ao nome dos proprietários, cito algumas situadas na vizinhança imediata dos locais em que morei: Genaro Manteigas (Rua do Almeida, 3), Adriano Pimenta (Largo da Liberdade, 12), Luís Campos (Largo General Graça, 31), Luís Raimundo (Rua 5 de Outubro 16), Miguel Silveira (Rua Dom Vasco da Gama, 3), Mendes, Meira e Nisa (Praça Luís de Camões, 13-14), Luís Rosado (Largo da República, 8 e Rossio Marquês de Pombal, 107-108) e Figo (Rossio Marquês de Pombal, 73).
O ATENDIMENTO
Quando eu morava na Rua da Misericórdia, número sete, numa casa que foi abatida para dar lugar à ampliação do edifício dos Correios, ia-me aviar à do Senhor Adriano Pimenta, no Largo 28 de Maio, que após o 25 de Abril, conquistou o direito à sua primitiva designação de Largo da Liberdade.
Quando na minha condição de migrante, fui morar para a Rua 5 de Outubro, número quarenta e oito, passei a aviar-me à do Senhor Luís Campos.
A mercearia do Senhor Adriano Pimenta era uma pequena mercearia, onde ele era a única pessoa que assegurava os avios, ainda que tivesse um rapaz, o Anselmo, encarregado de fazer mandados no exterior. O Anselmo ia buscar as coisas ao armazém, que era ali bem perto, assim como levar as compras a casa dalgum freguês.
O Senhor Adriano Pimenta era um benfiquista ferrenho. Quando despia o guarda-pó da mercearia, era vê-lo, ufano, de emblema na lapela, a caminho de casa, com o orgulho próprio de ser benfiquista. O Senhor Adriano era um contador de histórias nato, uma pessoa sempre bem disposta, que não se ensaiava nada de pregar uma partida das valentes, a algum sportinguista menos avisado. E quando algum tinha o azar de lhe cair no laço, ele ria a bandeiras despregadas, com sonoras gargalhadas que contagiavam os presentes. Ir à mercearia do Senhor Adriano Pimenta era um tratamento eficaz contra a má disposição.
Na mercearia do Senhor Luís Campos, o proprietário geria a mercearia duma posição estratégica, ao fundo, onde normalmente estava sentado a uma escrivaninha, colocada perpendicularmente a um extenso balcão. Era aquilo a que se pode chamar um cavalheiro à antiga portuguesa, sempre atento e solícito para com os seus clientes, no sentido de bem os servir. Ao balcão trabalhavam vários caixeiros e alguns marçanos, à procura de tarimba e da inerente promoção a ser conferida pelo patrão, quando já tivessem traquejo. Ser caixeiro era uma profissão invejada na cidade. Diz o cancioneiro popular:
“Em Estremoz fui caixeiro,
Em S. Bento, lavrador,
No Canal, carpinteiro,
Em Évora Monte, cantador.”
Um dos caixeiros mais antigos era o Senhor Marcial Louro, que foi hoquista, sportinguista ferrenho, daqueles de comer caldo verde em dia de festa. Usava o cabelo, todo ondulado, penteado para trás com brilhantina e dizia-se que dormia com rede no cabelo, a fim de não desmanchar o penteado. Outro caixeiro era o Senhor Manuel Basílio, que era o contador de histórias da mercearia, já que uma mercearia à antiga tinha que ter de tudo. O Senhor Manuel Basílio estava sempre bem disposto e tinha uma língua afiada quando era preciso – coisas que o Senhor Luís Campos aprendeu a gerir, a bem da clientela. Outro Caixeiro era o Senhor Rúdio, careca, mas de bigode e pêra, para mostrar cabelo. O Senhor Rúdio tinha o vago ar, de inspector de qualquer coisa e, trabalhava normalmente à caixa registadora, já que tinha uma perna mais curta que a outra. Porém, como em tempo de guerra não se limpam armas, quando a clientela abundava, o que era frequente, lá tinha que dar à perna e desenrascava-se como os restantes.
O AVIO E AS EMBALAGENS
Na época, a maioria dos géneros que hoje são vendidos em embalagens individuais estanques, eram manipulados pelos merceeiros que os retiravam das tulhas, dos sacos, dos caixotes, das latas de grandes dimensões, donde eram retirados com corredoras de dimensão adequada, geralmente de alumínio, mas também as havia em latão, folha de flandres e zinco. Por vezes também eram utilizadas pinças metálicas.
No avio, comprava-se sempre açúcar louro, o qual era fornecido ao cliente dentro dum cartuxo de papel acinzentado. O caixeiro batia o cartuxo em cima da pedra mármore do balcão, a fim de o açúcar assentar e com recurso a uma corredora, deitava ou retirava mais uma pitada de açúcar ou duas, até o fiel da balança “António Pessoa”, indicar o peso pretendido. Depois era o ritual do fecho do cartucho, que ficava imponentemente vertical, com o vago ar de prisma paralelepipédico, com duas orelhas de papel. Cinquenta anos depois, continuo a gostar de ver um cartucho com as orelhas arrebitadas.
Assim se pesava também o sal, a farinha, o arroz, o grão, o feijão e o café. Só que neste último caso, o aroma começava logo ali a povoar-nos as narinas e a revelar ou não a sua qualidade.
Dada a variedade dos produtos encartuchados, as mercearias dispunham de uma gama diversificada de carimbos que eram apostos nos cartuchos, para cada um de nós saber o que se transportava lá dentro.
A manteiga e a banha de porco eram retiradas de latas grandes, com o auxílio das respectivas espátulas e eram pesadas em papel vegetal, com o qual se fazia o embrulho, o qual, por sua vez, era embrulhado em papel manteigueiro.
O azeite era aviado em garrafa levada de casa pelo cliente e medido e tirado de um bidão, situado por debaixo do balcão, com o recurso a uma bomba de dar à manivela. Este azeite, na altura da sua compra ao fornecedor, tinha a acidez testada pelo merceeiro, que para o efeito dispunha dum estojo de óleo-acidímetro. É que a vida comercial era respeitável e não se podia vender gato por lebre.
As especiarias (pimenta, cravinho, cominhos, noz moscada, colorau) eram pesadas em folhas de papel de chá, de dimensão adequada, com as quais se improvisava a embalagem. Esta, algumas vezes era cónica e obtida por enrolamento, fixado no fim, através de dobragem na ponta.
As bolachas, independentemente de serem Marias, torradas ou de água e sal, eram fornecidas às mercearias em caixa cúbica, com cerca de 25 centímetros de aresta, fabricadas em folha-de-flandres, forrada a papel vegetal. Dali eram retiradas com uma pinça metálica, na quantidade pretendida e enroladas em papel de chá ou acomodadas num cartucho, dependendo da quantidade. Em ocasiões especiais também se compravam biscoitos sortidos, que eram logo pesados em cartuxos. Chegavam à mercearia, embalados em caixas como as das bolachas, mas tinham para aí metade da altura daquelas.
Enlatados, levavam-se para casa: atum “Tenório”, sardinhas em azeite “Tricana” e salsichas “Frescata”. Embalados, levavam-se caixas grandes de fósforos “Clube”, a fim de serem usados na cozinha, assim como farinha “Amparo”, “Predilecta” ou “33” , para adicionar ao leite do pequeno-almoço.
Habitualmente levava-se bacalhau que a gente escolhia e que era cortado com a respectiva faca, mesmo ali à nossa frente, para depois ser embrulhado em papel de jornal. Era uma operação que, invariavelmente, eu acompanhava sempre atento. Quando uma vez no liceu, o meu professor de História, o saudoso Dr. Azevedo, a propósito da Revolução Francesa perguntou à turma:
- Sabem o que é uma guilhotina?
Eu respondi desembaraçadamente:
- É um género de faca de bacalhau para cortar a cabeça à Nobreza!
O vinagre e o vinho compravam-se avulsos na taberna, embora também pudessem ser comprados na mercearia. Ali, se compravam para as ocasiões especiais, garrafas de vinho maduro, verde, do Porto, moscatel, assim como licores, brandes e aguardentes.
As batatas, as cebolas, os alhos, os ovos, os queijos e os enchidos eram geralmente comprados no mercado municipal, mas também podiam ser comprados na mercearia.
Para a higiene pessoal compravam-se sabonetes de glicerina ou “Musgo Real”, assim como "Pasta Medicinal Couto”.
Para a lavagem da roupa e para fazer barrelas, levava-se sabão azul e branco ou sabão macaco, vendidos à barra. Se não queríamos uma barra inteira, o caixeiro cortava com mestria, o peso certo de sabão. E dizia ufano:
- Nunca falha!
É que ele sabia empiricamente que, sendo a barra de sabão homogénea, o peso de sabão era proporcional ao comprimento cortado na barra. Feito isto, o sabão era meticulosamente embrulhado em papel de jornal, que assim cumpria mais uma fase da sua reciclagem.
O ROL
Quando ia às compras levava sempre um rol, elaborado previamente pela minha mãe. Só se comprava o que fazia falta, já que o dinheiro não nasce do chão e acabávamos de sair da II Guerra Mundial e das cadernetas de racionamento.
O rol servia também para fazer as contas do avio, desde que não se quisesse factura, o que era o meu caso. No final do avio, o caixeiro conferia sempre as coisas connosco, não se desse o caso de ter havido algum engano.
O REGRESSO A CASA
Para os miúdos como eu, o melhor do avio era o fim, pois o Senhor Luís Campos era generoso e dava guloseimas à rapaziada: rebuçados de fruta, de coco, de seiva de pinheiro, de Santo Onofre ou do Dr. Bentes. De resto, tinha sempre uma palavra amável, bem como recomendações para os meus pais, assim como os caixeiros, os quais, cada um à sua maneira, procediam de modo análogo, seguindo as orientações do patrão.
O AVIO LEVADO A CASA
O Senhor Luís Campos tinha um empregado, o Mourinha, que num carro de mão, de razoáveis dimensões, ia entregar os grandes avios, às casas dos fregueses da “alta”, assim como transportar mercadoria da estação da CP para a mercearia. Só em condições excepcionais, o Senhor Luís Campos recorria aos serviços dum carreiro, que trabalhasse com um carro de carga (alentejano, é claro!), puxado por uma besta. Lembro-me de dois carreiros: o Fateixa e outro do qual não recordo o nome, mas que trabalhava para a avó do Serafim, meu amigo e companheiro de carteira na Escola Primária. Eram eles que faziam o grosso do transporte que abastecia as mercearias. O cancioneiro popular regista a sua presença:
“Ailé,
Lá em Estremoz,
Meu amor é carreiro,
Acarreta arroz.”
O LIVRO DOS FIADOS
O “Livro dos Fiados” era uma instituição que vigorava nas antigas mercearias, no tempo em que toda a gente tinha vergonha. Ou porque o chefe de família não tinha recebido ainda o magro salário ou por dificuldades económicas, eram registadas em livros estreitos e de capa negra, os avios que as carências da época não permitiam satisfazer imediatamente, mas que a honra de cada um avalizava que seriam pagas, o que infalivelmente era feito, no mais curto espaço de tempo possível.
OLHANDO PARA TRÁS
O capitalismo ou seja a ânsia de lucro fácil e o desrespeito pela condição humana, quer de consumidores, quer de funcionários, não tinha ainda inventado, nem os supermercados nem os hipermercados, os quais são templos de consumo aos incautos, que quando se aviam estão a trabalhar para o dono da grande superfície, que não lhes paga para isso. Muitos acabam por comprar o que não querem, já que não tiveram a disciplina de fazer um rol de compras, como a minha mãe, sensatamente fazia. E que dizer do desperdício que originam, com a parafernália de embalagens e sacos que lhes impingem, umas vezes dados, outras vezes comprados?
Nos anos cinquenta do século passado, as mercearias antigas eram os nossos templos do consumo possível e necessário. Então, a barriga dava horas, como, de resto, hoje dá, porque a barriga é um imparável relógio suíço. Contudo, nós éramos mais sensatos que muitos hoje são, pois as compras eram apenas para satisfação das necessidades inadiáveis e nunca para escape de frustrações acumuladas. Comprava-se com conta, peso e medida. E éramos felizes, muito mais que alguns são hoje, com todas as loucuras de consumo que cometem.
Oh que saudades que eu tenho das mercearias antigas!
Publicado anteriormente a 11 de Abril de 2011
Texto inserido no meu livro "Memórias do Tempo da Outra Senhora"
Bilhete-postal comercial da Mercearia de José Tomé Natário Feteira na Rua 5 de Outubro,
nº 16, em Estremoz, na segunda década do séc. XX. Expedido de Estremoz, em 30 de Janeiro
de 1912, para o Porto. Impresso na Tipografia Minerva, de Adriano Motta, editora do jornal
“Eco de Estremoz”, onde iniciei a minha actividade jornalística, cerca de 1960.
Bilhete-postal comercial e ilustrado da “Loja Popular” de Joaquim Teodoro Duarte Campos,
no Largo General Graça, nº 31, em Estremoz, na segunda década do séc. XX. Expedido de
Estremoz, em 29 de Fevereiro de 1916 (em plena 1ª Guerra Mundial), para o Porto. A Joaquim Teodoro Duarte Campos sucedeu Luís Campos, cuja actividade comercial é referida no texto.
Bilhete-postal dos Correios com carimbo comercial da “Mercearia Central” de Luís Rosado,
no Largo da República, 8 e Rossio Marquês de Pombal, 107-108. Expedido de Estremoz, em
12 de Maio de 1918 (já no final da 1ª Guerra Mundial), para o Porto. Mais tarde foi ali a
Mercearia de Rosado & Louro.
Olá Hernani!
ResponderEliminarFoi bom ler este post. Também me lembro perfeitamente de ir à mercearia com a minha avó, os tempos são de certo mais recentes do que os que retrata aqui, falo dos anos 80, mas existem detalhes que ainda são iguais.
A imagem do 1º postal é parecido com o que tenho na minha memória. Também faziamos o rol, as contas eram feitas à mão, e no final a senhora fazia a prova dos 9 para confirmar se estava correcta. Iamos todos os sábados, as compras ali ficavam, enquanto entretanto iamos ao mercado comprar as frutas e legumes, e outros afazeres. E no final é que ia o meu avô de carro buscar tudo à mercearia.
Era no Largo da República, ao lado de onde é agora a ervanária.
Velhos tempos :)
Memórias bonitas...
ResponderEliminarAo ler estas memórias, recordo os meus tempos de adolescente, fui empregado (por pouco tempo) na mercearia do Luis Raimundo.
ResponderEliminarQue não era do Luis Raimundo e sim da Dª.Ester de Matos, esta senhora é que trespassou a loja que foi anteriormente do Tomé (Loja do Boneco).
Tenho recordações fantasticas desse tempo e da referida senhora, que tinha sido Directora da Cadeia das Mónicas.
Quando nos encontrarmos em Estremoz terei todo o gosto em falarmos sobre essa época, e de algumas figuras que marcaram a Cidade nesses tempos.
A fotografia é fantástica.
ResponderEliminarEstas são as memórias de qualquer cidade vila ou aldeia do nosso Portugal
ResponderEliminarTambem eu recordo a duzia de estabelecimentos de todo o género na minha aldeia e agora não há nenhum ou então ainda haverá um porventura
É assim são as nossa memórias
Como sempre, um Mestre a escrever, a lembrar e a lembrar mesmo, muito do que a Memória e a Vida nos tinha feito esquecer... Obrigada por mais um doce...
ResponderEliminarMaravilhoso! Traz saudades e faz reviver momentos de convívio em casa dos meus avós... quando iam fazer o tal "avio" e os comentários que faziam!
ResponderEliminarUm bem haja por compartilhar estes assuntos com temas que nos tocam e fazem reviver!
excelente levantamento etnográfico, digno de qualquer dos bons escritores alentejanos.
ResponderEliminarMerecia mais divulgação - por que não em folhetos,
em duas ou mais línguas
a editar e distribuir pelo TURISMO?
abraço
Excelente trabalho sobre um tema tão interessante...
ResponderEliminarAcho que merecia maior divulgação para um conhecimento às gerações presentes e futuras...de lugares e vidas que fizeram e fazem parte da nossa história.
Um Abraço Ana Carita
As coisas boas que eu recordei ao ler este blog. Os meus parabéns. Também me lembro da minha fazer as compras exactamente da maneira como descreve aqui. E olhe que tenho só 32 anos. Mas sou alentejana de Almodôvar. Lembro-me também de haver um casal de "lojêros" que ia ao monte onde vivíamos e a minha mãe aviar-se com os produtos que eles traziam. Não posso dizer que eramos ricos, mas era uma época de grande riqueza interior e acho que é disso que sinto mais falta. Hoje tento inculcar esta mentalidade ao meu filho de 7 anos. Espero conseguir :).
ResponderEliminarUm grande bem haja e continue com este blog.
Faço contas de cá passar mais vezes
Ana Paula Coelho
amigo/compadre_ esta e e primeira vez k li os seus blogs.Estao certinhos e fazem-me lembrar de tempos ha muito passados mas que eram felizes e sem problemas da vida.Lembro-me de ir com a criada a mercearia e era tal e qual como descreve.Obrigada.Sai do Alentejo-Evora ha muito anos-51 e estou fora de Portugal ha 37 mas...ainda faco migas a alentejana e carne de porco frita.Ainda me considero alentejana-OBRIGADINHA!
ResponderEliminarHernâni.Foi com muita saudade que li este texto sobre as antigas mercearias que tem tanto de fantástico como de real.O meu avô tinha uma dessas mercearias que, muito embora pequena, à medida das necessidades da pequena povoação que servia, tinha de tudo.Lembro-me de tudo o que conta aqui sobre os avios e os produtos que se vendiam, dos embrulhos que se faziam...do cheirinho do café quando se abrioa a lata para aviar um quarta quecorrespondia a um cartuxo...Tenho menos alguns aninhos que o Hernâni mas, guardo também estas e outras memórias de tempos passados.O seu bgog é um mundo que nos faz reviver a nossa infância que, tal como diz, com muito menos coisas, não foi menos feliz, eu até arrisco a dizer que foi mais feliz que as infâncias dos nossos filhos e netos...obrigada por estes brilhantes e ricos testemunhos.
ResponderEliminarEmbora criada em Lisboa (com muitas férias no Ribatejo) também na minha cidade convivi muito com as mercearias.o Sr. João tinha a Mercearia onde havia o telefone que servia quase todo o bairro, era dos poucos que antes do 25 de Abril era chamado a representar a zona, era o fiador de muitos empréstimos ou seja,era uma verdadeira instituição.
ResponderEliminarAdorei e não é que ao ler fui-me lembrando dessas coisas todas e desses e outros lojistas, o Sr. Vinagre, o SR Joaquim Da Venda. a D. Giselia, e o Galucho, algumas taberna e outras mercearia.. e o livrito dos fiados... tambem me lembro!!!!
ResponderEliminarHernani Gosto imenso do que escreve!!!
Lena Leirias
Sou de Estremoz...e gostei muito de ler tudo isto.
ResponderEliminarE a mercearia do sr Tobias???Era ali junto ao lago.
E a mercearia do Sr Velez???Era ao cimo da rua de reguengos????
Belos tempos apesar das dificuldades da época.
Vim trabalhar para Lisboa há já mais de 40 anos. Mas continuo com aqueles cheiros e imagens que todos nós conhecemos.
Um abraço
Anat
Hernâni:
ResponderEliminarJá te tinha informado que a Loja do Boneco passou do José Tomé Natário Feteira para o seu sobrinho e meu pai Alfredo Carqueijeiro Tomé que desde jovem trabalhava na loja do tio. O meu pai trespassou a Loja em 1950 ou 51 quando foi para a Guiné trabalhar com o irmão, Henrique Carqueijeiro Tomé, no estabelecimento de que este era sócio o "Salgado e Tomé".
Aliás tenho a ideia de que o boneco de porcelana se partiu ainda quando o meu pai lá estava e que a loja foi trespassada para uma senhora cujo nome não me lembro,sei que era irmã do Coronel Homero Matos que foi director da PIDE e comandante da Escoal Prática de Cavalaria; lembro-me da figura imponente da senhora, quase masculina, trajando de preto numas vestes amplas e adejantes. Lembro-me ainda que passou a ser a papelaria do Aníbal (Falcato). Foi a Loja do Boneco no tempo do tio do meu pai e do meu pai. Se foi do senhor Luís Raimundo, não sei. Só sei que em 1955 quando voltei da Guiné o Aníbal, de boa memória e triste desaparecimento, tinha lá a livraria.
És capaz de mudar isso e investigar, claro está?. Um abraço. Mário Tomé
Obrigado pelo teu comentário, Tomé.
EliminarVou procurar fazer aquilo que dizes
Um abraço para ti.
Muito bom Professor! Uma vez mais, faz aquilo, que é bonito. O leitor do post, entra na história do tempo, e vive momentos inesquecíveis, como se lá estivesse agora.
ResponderEliminarUm abraço,
Pedro Ramalho
Pedro:
EliminarObrigado pelo seu comentário.
Um abraço.
Este post conseguiu levar-me de regresso à minha infância e adolescência. Foi como fazer uma viagem ao passado, reconhecendo todos os nomes e lugares. Obrigada Hernani.
ResponderEliminarLisete Campos
Lisete:
EliminarMuito obrigado pelo seu comentário.
A leitura, tal como a escrita, é isso mesmo: uma passagem em revista dos tempos da outra Senhora.
Excelente artigo. Mas já agora, a destruição das mercearias e de todo o comércio tradicional tem a ver com o processo de "TRANSFERÊNCIA E CONCENTRAÇÃO DA RIQUEZA". Os hipermercados vendem tudo, do arroz (mercearia) ao sabão (drogaria); do pronto-a-vestir (fanqueiros) ao livro e manual escolar (livrarias)do analgésico e preservativo (farmácia)ao ferro de engomar (eletrodomésticos) e por aí fora. Destruição de milhares de pequenos negócios familiares e respectivos empregos e os senhores da distribuição podres de ricos.
ResponderEliminarDeixei de utilizar cartão bancário, pago com dinheiro.
Sempre que possível, opto pelo comércio tradicional que ainda sobrevive. A responsabilidade também é nossa.
Carlos:
EliminarConcordo inteiramente consigo e também procedo assim.
Um abraço para si, amigo.
Escrito magistral.
ResponderEliminarTenho 61 anos, sou de Tomar, mas revivi a minha infância e adolescência com todo o rigor histórico e descritivo.
Só fui, mentalmente, mudando os nomes - das pessoas e das ruas.
Obrigado.
Continue a escrever e a deliciar-nos.
Virgílio:
EliminarObrigado pelo seu comentário.
Pode continuar a contar com os meus escritos. A escrita está-me na massa do sangue.
Um abraço para si, amigo.
Há escritores que dada a forma simples, precisa e concisa como relatam um acontecimento, nos prendem aos seus livros de tal forma, que estamos sempre desejosos de ler mais uma página, depois de já havermos lido uma centena ou mais. O amigo Hernâni com as casas comerciais do tempo da outra senhora, prendeu-me de tal forma que tive de devorar de princípio ao fim este seu blogue. Fiquei tão entusiasmado com a descrição perfeita de acção dos intervenientes «caixeiros» que me levaram a ler também os diversos comentários de outros leitores que tal como eu se sentiram embriagados pela forma como os factos foram relatados. Sem dúvida que mais uma vez o senhor me leva a considera-lo um génio narrador de histórias que podem ser testemunhadas por quem passou pelos casos descritos e viveu esses acontecimentos, iguais ou parecidos que nos fazem voltar a tempos longínquos. Muito obrigado pelo momento de prazer que me deu e a todos os comentaristas que foram muitos e que me levaram a ler também os seus comentários que vão no mesmo sentido. Foi um prazer !
ResponderEliminarObrigado, amigo Fonseca.
EliminarPara mim constitui igualmente um prazer, poder contar consigo como um leitor crítico e vigilante.
Um abraço para si, amigo.
Obrigada Hêrnani. A sua descrição é fantástica e sua memória também. Obrigada por me ter feito relembrar e me terdado um momento de raro prazer.
ResponderEliminarUma das funções de quem escreve é avivar memórias.
EliminarUm abraço para si, Acilda.
Modesto Vitória
ResponderEliminarProfº hernâni: obrigado por ter recordado aos mais velhos, e elucidado os mais jovens (creio que com saudade,mas não com saudosismos) como eram transacionados os artigos de primeira necessidade.
Também fui caixeiro, numa mercearia e taberna em Portimão,no bairro operário, desde 1960 a 64, onde quase 100% das pessoas trabalharam na industria conserveira até aos anos 70.As pessoas mais jovens (que no presente exigem melhores ordenados e condições laborais, muitas vezes com razão), não fazem a mínima ideia como era difícil viver nessa época - a faina do mar feita pelos homens e a preparação das conservas pelas mulheres, era trabalho quase escravo, no entanto, o pouco que ganhavam, normalmente era insuficiente para pagar as dividas contraídas.
Ainda fui fornecedor da firma "Mendes, Meira e Nisa", que além de ser armazenista, também era proprietaria da mercearia mais fina de Estremoz (71 a 73).
NA taberna do Zé de Alter,ainda saboriei uns bons petiscos.
Estou de acordo com o Sr. Carlos Costa - as grandes superfíceis têm ganho grandes fortunas em poucos anos. Os grandes culpados desse descalabro têm sido os autarcas, especialmente, no Algarve tem sido um exagero. Dizem que criam postos de trabalho, o que é verdade, mas sabem melhor do que eu, que por cada posto de trabalho criada, foram 4 retirados ao comércio tradicional, em que a maioria vive na agonia.
Um abraço
Modesto Vitória
Concordo inteiramente consigo. Sou a favor do comércio tradicional.
EliminarBoa tarde caro Hernâni,
ResponderEliminarCom a descrição intensiva que nos apresentou, tudo o que eu possa acrescentar corre o risco de ter sido já dito!
Queria todavia recordar uma grande vantagem que essas " mercearias" tinham nos ambientes mais pitorescos! Nessas mercerias " a ti Maria" encontrava praticamente tudo o que precisava para casa, e inclusivé " o ti Manel" tinha ali a onça de tabaço e o livro de papel para fazer os cigarros. Ali encontrava o combustivel que usava nos candeeiros, assim como " os primeiros socorros" para a doença do gado. Muitas vezes estas ditas mercearias funcionavam ainda como estação dos CTT, coisa que hoje é superfluo.
Estas mercearias não tinham e não podiam ter a quantidade/variedade de produtos que nós estamos á espera de ver mas responderam durante décadas às necessidades das populações trabalhadoras, e não só!
As grandes superficies ocuparam de modo impessoal o seu lugar, todavia o lugar que elas tinham não conseguem ocupar, nem o modo pessoal como os clientes eram atendidos.
Outros tempos, e tão próximos ainda de nós!
Abç
Amigo Abílio:
EliminarSalvo melhor opinião, o tipo de estabelecimentos que refere, eram conhecidos por tendas.
Também eu detesto as grandes superfícies.
Um abraço para si, amigo.
Na foto da Mercearia de Luís Raimundo observo à direita uma máquina de música mecânica, trata-se de uma organeta de tubos cuja música era reproduzida por ar e um cilindro em madeira com picos de aço.
ResponderEliminarQual a razão da existência desta máquina numa mercearia ?
Tentarei saber, amigo.
EliminarTodavia, de momento, não lhe sei responder.
Boa tarde amigo Hernâni,
ResponderEliminarRecordo-me perfeitamente desses tempos, havia um modo de atender mais pessoal, havia convívio, havia diálogo. Não tínhamos tanta oferta, é um facto, e efectivamente nós precisamos? Havia as famílias menos abastadas, e ao aviarem-se pediam para fiar, isto só era possível porque havia uma confiança. Hoje somos robots, ninguém conhece ninguém e a oferta é mais do que a procura. Continuo a defender essas mercearias de bairro, ou de rua.
Os tempo smudam, mas nem sempre mudamos para melhor.
Abraço
Amigo Abílio:
EliminarAssim é. Todavia ainda é possível ir ao pequeno comércio. Há que resistir. Eu faço isso também.
Um abraço para si, amigo.
Quantas vezes a minha mãe me mandava à loja do ti Armando, no largo do chafariz (Casal Comba), buscar um cartucho de açúcar ou de café. O sr. Armando lá apontava no livro e depois os meus pais, de onde a onde, lá iam fazer contas com ele. Que saudades desses tempos.
ResponderEliminarOlá, Hernâni.
ResponderEliminarExcelente artigo, que me fez reviver tempos passados.
Apesar de no texto ser dito que este não é um inventário rigoroso das mercearias, e de alguns comentários acrescentarem outros locais, gostaria de acrescentar alguns, que eu frequentava:
1. A mercearia do Sr. João Manuel Sardinha, fumador inveterado, no Rossio Marquês de Pombal, quase ao lado da atual Farmácia Carapeta, que era o agente de alguns jornais, nomeadamente o Século, o Diário Popular e A Capital que, por vezes, devido ao atraso na chegada da carrinha de distribuição, faziam o proprietário ficar na loja até às 10 da noite ou mais.
2. Também recordo a Mercearia do casal Tapadas (José e Manuela), no final da Rua 31 de janeiro, início da rua S. João de Deus, junto ao hospital militar (?), que servia moradores dos (na altura) novos bairros da cidade.
3. A mercearia/drogaria Sardinha (irmão do João Manuel ) & Fonseca, no Largo da República, ao lado da atual loja/oficina das Irmãs Flores.
Cumprimentos.
Muito obrigado.
EliminarAqui fica o registo.
Cumprimentos.
Em Março de 2013 comentei este artigo e se o fizesse hoje seria igual. Acrescento, magnífico.
ResponderEliminarMuito obrigado. Congratulo-me com o facto de o meu texto continuar a merecer o seu interesse.
EliminarHelena
Como sempre uma escrita fantástica que nos transporta lá para onde essas coisas estavam e vem-nos á memoria tanta coisa, não me lembro dessas pessoas mas reconheço os sítios e lembro-me dos embrulhos, da guilhotina, dos potes, dos pesos , dos frascos e do livro dos fiados, que nessa altura para tanta família era a salvação para se ir comendo, vestindo e calçando. Lembro-me da D. Giselia , do Sr Joaquim da Venda e do Sr. Vinagre , todos comerciantes do Bairro de Santiago, a D. Giselia era um amor de pessoa sempre atenciosa e mesmo em fiado ás vezes também havia um rebuçado ou um chocolate a mais, o Sr. Joaquim da Venda era um cavalheiro, um homem á antiga , mas tinha sempre um sorriso, já o Sr. Vinagre era mais agreste mas tinha a D. Rosa a esposa, que era simpática e mais acessível. Enfim não me quero esquecer também do Sr. Vidigal que era uma das melhores pessoas que já conheci. Todos tinham um livro dos fiados mas um entendiam-no como sendo a desgraça e a humilhação de uma família e outros havia que entendiam e ajudavam e já não nos faziam dizer com vergonha," ponha no livro que depois o meu pai paga." Apenas sorriam e diziam " Até logo, menina ".
Muito obrigado pelo seu valioso comentário, o qual foca lojas duma zona da cidade que não tinha sido abordada no meu texto.
EliminarExcelente texto que corresponde às minhas menórias, parcialmente vivenciadas na mercearia gerida pela minha mãe e de cujo espólio, foi em parte doado ao Museu etnográfico de Vale do Peso. Um merecido tributo às antigas mercearias e seus agentes ou donos, numa relação mais próxima com os clientes. Parabéns.
ResponderEliminarMuito obrigado. Congratulo-me por o meu texto ter sido do seu agrado.
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