segunda-feira, 24 de maio de 2021

Amor aos Bonecos de Estremoz


O professor (2012). Irmãs Flores e Ricardo Fonseca. Exemplar dos Bonecos de
Estremoz que me procurou representar na época e que me foi oferecido por aqueles
barristas, o que simultaneamente me surpreendeu e comoveu. A oferta ocorreu
no final de um almoço-convívio de amigos, testemunho de amizade com o autor,
como reflexo de actividades conjuntas que tinham sido desenvolvidas, bem como de
cumplicidades que tinham partilhado.

O meu amor aos Bonecos de Estremoz é um amor indissociável da atracção visual, a qual conduz à dissecação e daí à meditação, visando encontrar sempre uma razão última das coisas que o barro modelado e pintado me diz ou que julgo que me diz, se porventura estiver louco.
Ainda que nunca haja caminho, essa é uma possível receita para procurar encontrar o caminho, que nunca sei se conseguirei encontrar, embora nunca deva duvidar nem sequer por um instante que ele possa ser encontrado, pois então não o encontraria mesmo. E isso seria o assassinato a sangue frio das paixões que o barro me desperta, me emocionam e aquecem a alma. E isso não quero. Por isso não vou por aí.


sábado, 22 de maio de 2021

O chapéu do pastor alentejano

 

Fig. 06 - Pastor de manta e chapéu na mão. José Moreira (1926-1991).

Prólogo
O chapéu é uma peça de vestuário correntemente usada com a finalidade de proteger a cabeça do sol, do frio, da chuva e de algumas colisões mecânicas. Para além dos chapéus de uso corrente, existem chapéus de uso profissional, corporativo e ritual.
O chapéu pode ser confeccionado nos mais diferentes materiais e cores, bem como ter diferentes morfologias e tamanhos, assim como ser simples ou ornamentado com diferentes enfeites.
Há chapéus que são usados indistintamente por homens e mulheres, mas também os há destinados a cada género.
O chapéu faz parte integrante dos trajes nacionais e dos trajes regionais. E como tal é usado como marca identitária de uma nação, região, raça, casta, geração…

O chapéu aguadeiro
Pelo menos desde o séc. XVII que o traje popular do pastor alentejano inclui o chapéu aguadeiro. Trata-se de um chapéu negro, com copa semi-esférica e aba circular, larga e revirada integralmente para cima. A designação resulta de no caso de chover muito, reter a água da chuva, pelo que exigia ser revirado para baixo. Dessa retenção da água nos fala o cancioneiro popular alentejano:

As abas do meu chapéu
Deitam água sem chover;
Deixaste-me a mim por outra,
Inda te hás de arrepender.

O mesmo cancioneiro regista a protecção solar conferida pelo chapéu:

Assente-se aqui, menina,
À sombra do meu chapéu,
O Alentejo não tem sombra,
Senão a que vem do céu.

O pastor alentejano retirava o chapéu da cabeça em contextos que lhe eram merecedores de respeito, tal como atitudes devocionais ou comparência perante o patrão, o que acontecia bastantes vezes. Daí o provérbio “Chapéu de pobre vive mais nas mãos do que na cabeça”. Uma das vezes em que tal acontecia era no dia de S. Miguel (29 de Setembro), que era quando os lavradores ajustavam anualmente os pastores e outros criados efectivos.

O chapéu aguadeiro na barrística popular de Estremoz
Pelo menos desde o séc. XVIII que a barrística popular de Estremoz regista a utilização do chapéu aguadeiro pelo pastor alentejano em diferentes contextos. Dentre estes identifiquei os seguintes:
1 - CONTEXTO DEVOCIONAL: É possível distinguir duas situações. A primeira concerne a uma postura de genuflexão, visando a oração. O pastor apresenta então a cabeça descoberta numa atitude de respeito religioso, pelo que o chapéu se encontra disposto a seu lado, se à sua frente se encontra pousada a oferenda (Fig. 01) ou, à sua frente, se aqui não está deposta uma oferenda (Fig. 02). A segunda situação corresponde à posição do pastor ofertante em pé, segurando a oferenda e usando o chapéu na cabeça (Fig. 03, Fig. 04 e Fig. 05).
2 - CONTEXTO LABORAL: Também aqui é possível distinguir duas situações. A primeira mostra o pastor numa atitude de respeito perante o lavrador, com a cabeça descoberta e o chapéu seguro numa das mãos (Fig. 06). A segunda situação corresponde ao pastor no decurso do seu trabalho, com o chapéu a proteger-lhe a cabeça (Fig. 07, Fig. 08, Fig. 09, Fig. 10 e Fig. 11).
3 - CONTEXTO GASTRONÓMICO: O pastor usa sempre o chapéu na cabeça, independentemente de estar a preparar a refeição ou a alimentar-se (Fig. 12, Fig. 13 e Fig. 14).
4 - CONTEXTO RECREATIVO: Enquanto toca harmónio, o pastor usa o chapéu na cabeça, a qual balança ritmicamente para acompanhar os acordes do harmónio (Fig. 15).
5 - CONTEXTO INERCIAL: Igualmente aqui se apresentam duas situações distintas. A primeira revela um pastor sentado com o chapéu numa das mãos e com a outra a limpar o suor (Fig. 16). A segunda corresponde à sesta do pastor, no decurso da qual mantém sempre o chapéu na cabeça, tanto na posição normal como a cobri-lhe lateralmente a face (Fig. 17 e Fig. 18).

Nota final
Na barrística popular de Estremoz e no âmbito agro-pastoril, a utilização do chapéu aguadeiro não é exclusiva do pastor, aparecendo também em figuras compostas como “Cozinha dos ganhões” e “Matança do porco”, bem como no “Pastor das migas”. Tudo isto porque o chapéu aguadeiro é encarado como uma marca identitária regional, indissociável do traje popular alentejano masculino. Todavia, na barrística popular de Estremoz existem representações tanto da “Cozinha dos ganhões” como da “Matança do porco”, bem como do “Pastor das migas”, nas quais os personagens masculinos usam barrete, o que não é de admirar já que o barrete era ainda de uso corrente no Alentejo na primeira metade do séc. XX. Tal prática devia-se ao facto de no Inverno o barrete permitir proteger as orelhas do frio, o que tornava o seu uso vantajoso em relação ao do chapéu.

Fig. 01 - Pastor ofertante ajoelhado com galinha à frente e chapéu ao lado.
Oficinas de Estremoz do séc. XVIII.

Fig. 02 - Pastor ofertante ajoelhado de chapéu à frente.
Mariano da Conceição (1903-1959).

Fig. 03 - Pastor ofertante em pé com um borrego ao colo.
Mariano da Conceição (1903-1959).

 Fig. 04 - Pastor ofertante em pé com um borrego ao ombro. 
Ana das Peles (1869-1945).

 
Fig. 05 - Pastor ofertante em pé com cesto com pombas.
Mariano da Conceição (1903-1959).

 Fig. 06 - Pastor de manta e chapéu na mão.
José Moreira (1926-1991).

Fig. 07 - Pastor de tarro e manta.
Mariano da Conceição (1903-1959).


Fig. 08 - Pastor de tarro e manta com dois borregos à frente.
José Moreira (1926-1991).

Fig. 09 - Pastor debaixo da árvore a guardar o rebanho.
José Moreira (1926-1991).

Fig. 10 - Pastor sentado a guardar o rebanho.
Sabina Santos (1921-2005).

Fig. 11 - Pastor com rebanho a tirar água do poço.
José Moreira (1926-1991).

Fig. 12 - Pastor das migas.
José Moreira (1926-1991).

Fig. 13 - Pastor debaixo da árvore.
Mariano da Conceição (1903-1959).

Fig. 14 - Maioral e ajuda a comer.
Sabina Santos (1921-2005).

Fig. 15 - Pastor do harmónio.
Mariano da Conceição (1903-1959).

Fig. 16 - Pastor sentado com o chapéu na mão a limpar o suor.
Aclénia Pereira (1927-2012).

Fig. 17 - Pastor com rebanho a dormir debaixo da árvore.
José Moreira (1926-1991).

Fig. 18 - Pastor a dormir debaixo da árvore.
Quirina Marmelo (1922-2009).

quinta-feira, 20 de maio de 2021

As Primaveras de Ana Catarina Grilo


Primaveras. Ana Catarina Grilo (1974-   ).

Estas Primaveras há muito que nos aquecem a alma. Sim, porque a alma também precisa de ser aquecida. E então sentimo-nos rejuvenescidos, mais novos que nós próprios e com vontade de nos transformar em borboleta e pousar de flor em flor, até nos transformarmos em larva e regressar na Primavera seguinte, novamente borboleta. É isso a vida. Uma sucessão de ciclos com picos primaveris que mantêm a chama da alma acesa.
Obrigado Ana por partilhar connosco estas Primaveras ternurentas. Bem-haja.

Hernâni Matos
Publicado a 20 de Maio de 2021

quarta-feira, 19 de maio de 2021

Carlos Alves e a cozinha dos ganhões

 

Cozinha dos ganhões (2021). Carlos Alves (1958-  ). Vista de frente. 

Cozinha dos ganhões (2021). Carlos Alves (1958-  ). Vista de trás. 

Cozinha dos ganhões (2021). Carlos Alves (1958-  ). Vista de cima

Ao barrista Carlos Alves:
Eu hoje acordei com o sete metido na cabeça.
O sete é como que um número mágico. De acordo
com o Génesis, Deus criou o mundo em seis dias e
descansou no sétimo, tornando-o um dia santo.
E o número sete passou a simbolizar perfeição e
conclusão. Perfeição que eu encontro na tua recriação
da Cozinha dos Ganhões, depois de estar concluída.
Utilizei então o número sete para lavrar uma estrofe
de quatros versos heptassilábicos, onde falo da tua
obra, aproveitando para realçar que eram pobres
os comeres dos ganhões:

A Cozinha dos Ganhões
tem ganharia à mesa.
Eram parcas refeições
e não havia sobremesa.

LER AINDA:


Prólogo
A terminologia “cozinha dos ganhões” usada na designação da figura sobre a qual incide o presente estudo, impõe que seja feita a sua explicitação, para o que me irei socorrer de textos meus, já anteriormente publicados.
Ganhões
“Os "ganhões" eram assalariados agrícolas indiferenciados, que se ocupavam de tarefas como lavras, cavas, desmoitas, eiras, etc., com excepção de mondas, ceifas e gadanhas, que eram efectuadas por pessoal contratado sazonalmente pelos lavradores.
O conjunto dos ganhões era designado por "ganharia" ou "malta" e tinha por dormitório a chamada "casa da ganharia" ou "casa da malta", casa ampla que podia acomodar vinte a trinta homens, em tarimbas improvisadas ao longo das paredes.
No monte, as refeições da ganharia tinham lugar na chamada “cozinha dos ganhões”. Aí se sentavam em burros[i] dispostos ao longo de uma mesa comprida e estreita. A cozinha dispunha igualmente de uma lareira espaçosa onde se podia cozinhar em panelas de ferro. A comida era bastante frugal: açorda acompanhada com azeitonas, olha[ii] com batatas e hortaliças, sopas de cebola acompanhadas com azeitonas, olha de legumes com toucinho e morcela ou badana, gaspacho acompanhado com azeitonas ou batatas cozidas temperadas com azeite e vinagre.” (1)
“A mesa da cozinha dos ganhões era posta pelo abegão[iii] e pelo sota, que se sentavam cada um à sua cabeceira da mesa. A entrada dos ganhões na cozinha só se verificava depois do abegão ter bradado para o exterior: “Ao almoço!”, ”À ceia!” ou “Ao jantar!”, conforme a refeição de que se tratava. A malta acudia logo à chamada, tirava o chapéu e sentava-se à mesa sempre no mesmo lugar. O que era para comer já tinha sido previamente vazado pelo abegão e pelo sota, em grandes alguidares, conhecidos por “barranhões”. Só faltava migar as sopas de pão, o que cada um fazia puxando da navalha que trazia consigo. Lá diz o adagiário: "Sopa de ganhão, cada três um pão."
Amolecidas as sopas, o abegão dava ordem de comer, soltando um “Com Jesus!”. De cada barranhão comiam quatro a seis ganhões, cada um dos quais metia sempre a colher no mesmo local do barranhão, já que "Não há guerra de mais aparato que muitas mãos no mesmo prato."
O abegão e o sota comiam cada um deles em sua tigela, mais pequena que o barranhão e que era unicamente para cada um deles.” (2)
“No início do século passado, ainda persistia o costume de no final da refeição, o abegão juntar as mãos e dizer “Demos graças a Deus.” A malta punha então as mãos e pelo menos aparentemente, todos rezavam e só deixavam de o fazer, quando o abegão se benzia, dizendo: “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!”. Nessa altura benziam-se e só depois se retiravam.” (2)
A figura
Estamos em presença de uma figura composta que representa a refeição de três assalariados rurais (ganhões) sentados em torno de uma mesa assente numa base rectangular simulando o chão, cujo topo é cinzento cor de laje e a orla cor de zarcão.
Os ganhões têm como traços comuns estarem sentados em “burros”, usarem na cabeça um chapéu aguadeiro[iv] negro e calçarem botas com diferentes tons de castanho.
O da esquerda com cabelo e suíças grisalhas configura ser idoso, o do centro com cabelo e bigode negros aparenta meia idade, enquanto o da direita com cabelo castanho parece ser um jovem imberbe.
Trajam de maneiras distintas: O da direita veste calças azuis, enverga uma camisa azul claro com botões da mesma cor e por cima dela um pelico castanho em pele de ovelha, debruado com couro castanho claro e com uma abotoadura provida de alamares em couro, algo mais escuro que o debrum. O do centro veste calças cinzentas cingidas à cintura com um cinto negro, camisa branca com botões da mesma cor e colete negro com abotoadura frontal de igual cor, apresentando costas em cinzento, de largura regulável por meio de um cinto e de uma fivela dessa mesma cor. O da direita traja calça castanha com cinto de tonalidade mais escura e camisa verde claro com botões de igual cor.
Todos têm à sua frente uma malga em barro vermelho vidrado, com açorda e ovo escalfado. O da frente parece levar uma colher de madeira à boca e tem do seu lado direito um copo de barro vidrado, supostamente contendo vinho. O da direita pega com a mão esquerda num copo como o anterior e tem uma colher de madeira assente na mesa junto à mão direita. O da direita pega numa colher de madeira com a mão esquerda e tem a mão direita próxima de um copo igual aos demais.
Sobre a mesa e à frente, da esquerda para a direita veem-se sucessivamente um chouriço cortado, uma navalha aberta e um pão igualmente cortado.
Análise contextual da figura
A criação da figura “cozinha dos ganhões” remonta segundo creio a José Moreira (1926-1991) e posteriormente a figura tem conhecido várias recriações por parte doutros barristas, todas elas ingénuas. Analisemos sob o ponto de vista da ingenuidade, a recriação de Carlos Alves:
- O chapéu aguadeiro de uso corrente pelos assalariados rurais alentejanos nos finais do séc. XIX e primórdios do século XX, é encarado em termos de traje como uma marca identitária alentejana. Todavia, os ganhões tal como vimos atrás, por uma questão de respeito e por prática religiosa, tiravam o chapéu da cabeça antes de se sentarem à mesa para comerem;
- A figura representa três ganhões e na prática estes eram em número superior, sentados de um lado e outro duma mesa comprida e estreita;
- Os ganhões não comiam de uma malga de uso individual, mas comiam vários de um barranhão de uso colectivo;
- Não era fornecido vinho às refeições, as quais eram modestas não incluindo chouriço ou queijo e mesmo ovo escalfado na açorda. De tal maneira que em certa ocasião, o ganhão e poeta popular Jaime da Manta Branca (1894-1955) foi levado a desabafar perante um lauto almoço do patrão com amigos: “Não vejo senão canalha / De banquete p'ra banquete / Quem produz e quem trabalha / Come açordas sem azête.”. Consta-se que a proeza lhe saiu cara e foi preso pela GNR. Estava-se em pleno Estado Novo.
O trabalho do barrista
A modelação e a decoração das figuras por parte deste barrista têm evoluído no sentido de uma maior minúcia, o que inclui também a representação de texturas. Deste modo, na decoração do presente conjunto e para além do sóbrio e harmonioso cromatismo naturalista dominante, foram representadas texturas[v] de alguns componentes: lã do pelico, cabelo e apêndices capilares, miolo do pão, veios da madeira e cortiça dos bancos. O artífice está a percorrer o seu próprio caminho e consolida o seu próprio estilo, o qual já é revelador de forte carácter artístico como barrista.
Na sequência da divulgação da presente figura por Carlos Alves no Facebook, comentou o consagrado barrista Jorge da Conceição: ”Continua a desenvolver o teu estilo e a dar consistência aos teus traços identitários que estás no bom caminho.”. É um comentário que provindo de quem vem, me apraz aqui registar.

BIBLIOGRAFIA
1 - MATOS, Hernâni. A novela Belmonte e a Poesia Popular de Estremoz. [Em linha]. [Editado em 27 de Novembro de 2013]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2013/11/a-novela-belmonte-e-poesia-popular-de.html [Consultado em 16 de Maio de 2021].
2 - MATOS, Hernâni. Cozinha dos ganhões. [Em linha]. [Editado em 26 de Abril de 2011]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2011/04/cozinha-dos-ganhoes.html [Consultado em 16 de Maio de 2021]. 

Publicado inicialmente a 19 de Maio de 2021
                                                                                                                                                                    


[i] Bancos rústicos confeccionados com pernadas de sobreiro.
[ii] Comida em cuja confecção podem entrar legumes frescos, legumes secos, batata, enchidos, carne.
[iii] A ganharia tinha como mandante o “abegão“, que só recebia ordens do grande lavrador, que o tinha como seu representante em todas as tarefas agrícolas. Era ele que dava as ordens para começar a trabalhar, comer ou parar e que tratava da acomodação e pagamentos da ganharia. O abegão trabalhava e comia juntamente com os ganhões, mas dormia em casa própria com o “sota“, que era coadjutor e substituto do abegão em tudo que podia e sabia.
[iv] O chapéu aguadeiro, típico no Alentejo de antanho, é um chapéu com copa semi-esférica e aba circular, larga e revirada integralmente para cima. A designação resulta de no caso de chover muito, reter a água da chuva, pelo que exigia ser revirado para baixo.
[v] Na barrística de Estremoz, a textura representada há mais tempo é a da pele de ovelha. No decurso do tempo outras se lhe foram adicionando numa perspectiva de fidelidade da representação naturalista. A título meramente exemplificativo, o barrista Jorge da Conceição já representou nas suas criações, texturas de materiais como: lã, cabelo, fio, pão, vime e cortiça.

segunda-feira, 17 de maio de 2021

As Manas Perliquitetes de Vera Magalhães


 
Manas Perliquitetes. Recriação da barrista Vera Magalhães (1966-   ) de figuras
do séc. XIX, existentes no Museu Municipal de Estremoz.

À bonequeira Vera Magalhães dedico o presente texto,
construído com base no facto de no léxico português, 
“perliquitete” ser sinónimo de “afectado”
 e “que se veste com esmero”.
 O BONEQUEIRO DAS PALAVRAS

Não conheciam as Manas Perliquitetes? Eu apresento-as. Da direita para a esquerda, são respectivamente: a DUPONDINA VERMELHUSCA e a DUPONTINA VERDASCA. Nelas, o vestido, a capa e a touca, substitui as calças, o paletó e o coco de Dupond e Dupont, os polícias patuscos criados por Hergé. Trata-se de duas manas cuscas, abelhudas, que tinham por hábito meter o nariz onde não eram chamadas, dar fé de tudo, para depois como boas linguareiras, mexericar até dizer basta. Eram puritanas no vestir e trajavam com esmero à moda dos finais do séc. XIX. Afectadas, andavam por aí, armadas em guardiãs dos bons costumes. Ai de quem caísse na alçada do olho e da língua delas. Estava perdido. Não bastava mudar de freguesia. Tinha que mudar pelo menos de concelho. Qualquer um evitava cruzar-se com elas sem lhes fazer uma grande vénia, acompanhada dum proverbial cumprimento:
- Os meus respeitos, minhas senhoras!
E mesmo assim estava sujeito a que se desviassem dele, empinassem o pescoço e arrebitassem o nariz. Quem tivesse a coragem de olhar para trás, após se cruzar com elas, veria que estavam a fazer o mesmo. Com os seus olhos cuscos, estavam a captar imagens que para memória futura iriam registar na base de dados da sua mioleira. Querem um conselho? Se alguma vez as virem, fujam delas a sete pés. E se estiverem a sonhar, acordem e depois fujam. Lá diz o rifão. “Homem prevenido vale por dois!”

sábado, 15 de maio de 2021

O Carlos e a Joana: Olha que dois!


Foros do Queimado, 14 de Maio de 2021. Os bonequeiros Carlos Alves e Joana Santos
após terem oferecido um ao outro, uma das suas criações. O Carlos recebeu uma ceifeira
e a Joana uma mulher das castanhas. Olhem para a felicidade deles!

Para o Carlos e para a Joana,
dois amigos de primeira água

O Carlos e a Joana são dois amigos que gostam de meter as mãos na massa, cada um deles à sua maneira. Mas pelo resultado obtido em qualquer dos casos, parece que partilham uma felicidade comum: o barro tem prazer em ser mexido por eles. É dócil e cúmplice com aquilo que dele querem fazer. As cores essas também colaboram com o barro, pois não querem ficar atrás. E há sempre uma cor que se destaca das demais e proclama em jeito de líder:
- Meninas, vamos a isto! Com beleza e harmonia, que o barro é nosso amigo!
E dá gosto vê-las a espraiarem-se pelo barro, como espuma à beira-mar. O barro então transfigura-se, ascende a uma outra dimensão e passa a ser maior do que ele. O Carlos e a Joana não ficam surpreendidos. Qualquer deles tem empatia pelo barro e pelas cores, pelo que não é de admirar que eles espontânea e voluntariamente lhes retribuam esse relacionamento empático. E a mim, bonequeiro das palavras, cabe-me a grata missão de ser o repórter disto tudo. E não resisto a dizer:
- Olha que dois! Que bela troca de galhardetes!

terça-feira, 11 de maio de 2021

Assobios ”à Jorge da Conceição”

 
Assobios de Jorge da Conceição.

Até há algum tempo atrás, os assobios de barro de Estremoz manufacturados por diferentes barristas tinham marcas identitárias próprias que muito os valorizavam. Distinguiam-se pela forma, tamanho e cor da base, pela variedade, tamanho e distribuição das pintas na mesma e pelo tubo de sopro. É o que se passa entre outros, com os assobios de Mariano da Conceição, Ana das Peles, Sabina Santos/Olaria Alfacinha, José Moreira, Irmãs Flores, Maria Luísa da Conceição, Jorge da Conceição e Duarte Catela. Exceptuando Mariano da Conceição, tenho assobios de todos os outros barristas que referi e gosto igualmente muito de todos eles, porque têm marcas identitárias próprias que os leva a associar de imediato aos seus criadores.
Verifico que os novos barristas resolveram fazer assobios à “Jorge da Conceição”, com os quais, dado o seu grau de perfeição, naturalmente não há risco de confusão, mas que revelam falta de originalidade por os procurarem imitar na geometria e cor da base, coloração das pintas e forma do tubo de sopro.
Creio que cada um dos novos barristas, deverá encontrar o seu próprio caminho que os leve a criar assobios com marcas identitárias próprias que os levem a diferenciar dos demais barristas. Se o conseguiram na execução das outras figuras, também o conseguirão no domínio dos assobios. E é por acreditar nisso que estou a chamar aqui a atenção desse facto com a frontalidade e a verticalidade que me são reconhecidas. Para todos, um grande abraço.  

Hernâni Matos