Fig. 06 - Pastor de manta e chapéu na mão. José Moreira (1926-1991).
Prólogo
O chapéu é uma peça de vestuário correntemente usada com a finalidade de proteger a cabeça do sol, do frio, da chuva e de algumas colisões mecânicas. Para além dos chapéus de uso corrente, existem chapéus de uso profissional, corporativo e ritual.
O chapéu pode ser confeccionado nos mais diferentes materiais e cores, bem como ter diferentes morfologias e tamanhos, assim como ser simples ou ornamentado com diferentes enfeites.
Há chapéus que são usados indistintamente por homens e mulheres, mas também os há destinados a cada género.
O chapéu faz parte integrante dos trajes nacionais e dos trajes regionais. E como tal é usado como marca identitária de uma nação, região, raça, casta, geração…
O chapéu aguadeiro
Pelo menos desde o séc. XVII que o traje popular do pastor alentejano inclui o chapéu aguadeiro. Trata-se de um chapéu negro, com copa semi-esférica e aba circular, larga e revirada integralmente para cima. A designação resulta de no caso de chover muito, reter a água da chuva, pelo que exigia ser revirado para baixo. Dessa retenção da água nos fala o cancioneiro popular alentejano:
As abas do meu chapéu
Deitam água sem chover;
Deixaste-me a mim por outra,
Inda te hás de arrepender.
O mesmo cancioneiro regista a protecção solar conferida pelo chapéu:
Assente-se aqui, menina,
À sombra do meu chapéu,
O Alentejo não tem sombra,
Senão a que vem do céu.
O pastor alentejano retirava o chapéu da cabeça em contextos que lhe eram merecedores de respeito, tal como atitudes devocionais ou comparência perante o patrão, o que acontecia bastantes vezes. Daí o provérbio “Chapéu de pobre vive mais nas mãos do que na cabeça”. Uma das vezes em que tal acontecia era no dia de S. Miguel (29 de Setembro), que era quando os lavradores ajustavam anualmente os pastores e outros criados efectivos.
O chapéu aguadeiro na barrística popular de Estremoz
Pelo menos desde o séc. XVIII que a barrística popular de Estremoz regista a utilização do chapéu aguadeiro pelo pastor alentejano em diferentes contextos. Dentre estes identifiquei os seguintes:
1 - CONTEXTO DEVOCIONAL: É possível distinguir duas situações. A primeira concerne a uma postura de genuflexão, visando a oração. O pastor apresenta então a cabeça descoberta numa atitude de respeito religioso, pelo que o chapéu se encontra disposto a seu lado, se à sua frente se encontra pousada a oferenda (Fig. 01) ou, à sua frente, se aqui não está deposta uma oferenda (Fig. 02). A segunda situação corresponde à posição do pastor ofertante em pé, segurando a oferenda e usando o chapéu na cabeça (Fig. 03, Fig. 04 e Fig. 05).
2 - CONTEXTO LABORAL: Também aqui é possível distinguir duas situações. A primeira mostra o pastor numa atitude de respeito perante o lavrador, com a cabeça descoberta e o chapéu seguro numa das mãos (Fig. 06). A segunda situação corresponde ao pastor no decurso do seu trabalho, com o chapéu a proteger-lhe a cabeça (Fig. 07, Fig. 08, Fig. 09, Fig. 10 e Fig. 11).
3 - CONTEXTO GASTRONÓMICO: O pastor usa sempre o chapéu na cabeça, independentemente de estar a preparar a refeição ou a alimentar-se (Fig. 12, Fig. 13 e Fig. 14).
4 - CONTEXTO RECREATIVO: Enquanto toca harmónio, o pastor usa o chapéu na cabeça, a qual balança ritmicamente para acompanhar os acordes do harmónio (Fig. 15).
5 - CONTEXTO INERCIAL: Igualmente aqui se apresentam duas situações distintas. A primeira revela um pastor sentado com o chapéu numa das mãos e com a outra a limpar o suor (Fig. 16). A segunda corresponde à sesta do pastor, no decurso da qual mantém sempre o chapéu na cabeça, tanto na posição normal como a cobri-lhe lateralmente a face (Fig. 17 e Fig. 18).
Nota final
Na barrística popular de Estremoz e no âmbito agro-pastoril, a utilização do chapéu aguadeiro não é exclusiva do pastor, aparecendo também em figuras compostas como “Cozinha dos ganhões” e “Matança do porco”, bem como no “Pastor das migas”. Tudo isto porque o chapéu aguadeiro é encarado como uma marca identitária regional, indissociável do traje popular alentejano masculino. Todavia, na barrística popular de Estremoz existem representações tanto da “Cozinha dos ganhões” como da “Matança do porco”, bem como do “Pastor das migas”, nas quais os personagens masculinos usam barrete, o que não é de admirar já que o barrete era ainda de uso corrente no Alentejo na primeira metade do séc. XX. Tal prática devia-se ao facto de no Inverno o barrete permitir proteger as orelhas do frio, o que tornava o seu uso vantajoso em relação ao do chapéu.
Fig. 01 - Pastor ofertante ajoelhado com galinha à frente e chapéu ao lado.
Oficinas de Estremoz do séc. XVIII.
Fig. 02 - Pastor ofertante ajoelhado de chapéu à frente.
Mariano da Conceição (1903-1959).
Fig. 03 - Pastor ofertante em pé com um borrego ao colo.
Mariano da Conceição (1903-1959).
Ana das Peles (1869-1945).
Fig. 05 - Pastor ofertante em pé com cesto com pombas.
Mariano da Conceição (1903-1959).
José Moreira (1926-1991).
Fig. 07 - Pastor de tarro e manta.
Mariano da Conceição (1903-1959).
Fig. 08 - Pastor de tarro e manta com dois borregos à frente.
José Moreira (1926-1991).
Fig. 09 - Pastor debaixo da árvore a guardar o rebanho.
José Moreira (1926-1991).
Fig. 10 - Pastor sentado a guardar o rebanho.
Sabina Santos (1921-2005).
Fig. 11 - Pastor com rebanho a tirar água do poço.
José Moreira (1926-1991).
Fig. 12 - Pastor das migas.
José Moreira (1926-1991).
Fig. 13 - Pastor debaixo da árvore.
Mariano da Conceição (1903-1959).
Fig. 14 - Maioral e ajuda a comer.
Sabina Santos (1921-2005).
Fig. 15 - Pastor do harmónio.
Mariano da Conceição (1903-1959).
Fig. 16 - Pastor sentado com o chapéu na mão a limpar o suor.
Aclénia Pereira (1927-2012).
Fig. 17 - Pastor com rebanho a dormir debaixo da árvore.
José Moreira (1926-1991).
Fig. 18 - Pastor a dormir debaixo da árvore.
Quirina Marmelo (1922-2009).
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