quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Todo o preto tem o seu dia

“Os bêbados” (1922). Miniatura em cerâmica de Francisco Elias (1869-1937). Museu da
Cerâmica, Caldas da Rainha. Reprodução de “Os bêbados” (1907), óleo sobre tela de José
Malhoa (1855-1933), Museu José Malhoa, Caldas da Rainha.

É sabido que o homem português gosta de profusamente regar com vinho, aquilo que opiparamente come, preparado pelas sacerdotisas incumbidas de satisfazer as necessidades ancestrais do seu palato. Essa terá sido, porventura, a superior forma encontrada para coroar a majestade e a excelência da gastronomia da região a que pertence.
Por vezes, o homem português lida mal com quantidades e mete o pé na argola, eufemismo manso, tradutor duma, por vezes, real carraspana. Vale então alguém que, para além do adorado e consagrado vinho, sabe também usar da água, pelo menos para pôr água na fervura, quando anima o “derrotado” com um antigo e oportuno adágio:
- "Todo o preto tem o seu dia!"
Trata-se de oralidades que transvazam amplamente o contexto temporal do Dia de S. Martinho, pois o homem português está sujeito a meter o pé na argola, em qualquer dia do calendário litúrgico.
Um velho bêbado, meu confrade de libações báquicas, proclamou um dia do alto da sua vermelhusca cor:
- Bebedeiras de S. Martinho? Só para amadores que não sabem beber. Falta-lhes traquejo!
É caso para dizer:
- E esta, hein?

terça-feira, 22 de novembro de 2011

A persistência do amor


Prato ratinho em faiança policroma com 30 cm de diâmetro.



Seguramente que aí pelos meus dez anos dos tempos de bibe e de pião, eu já coleccionava postais, selos, copos e pratos lindos, que empenhadamente pedia às mulheres da minha família e de famílias alheias. E que haviam elas de fazer senão dar-mos, quando o pedido brotava vigoroso e convincente da voz cristalina dum puto com cara de anjo e caracóis de querubim?
Foi assim que arranjei as minhas primeiras peças de colecção. Alguns dirão que pelintra e pedinchão com artes de sedutor, era o que eu era. Decerto que estão no seu direito de pensar assim. Todavia, para mim não era nada disso. Era um impulso incontido de possuir tudo aquilo que considerava belo.
Pela mesma época tive os meus primeiros desgostos de amor, quando por vezes, os objectos amados e venerados pela posse, se libertavam das minhas pequenas mãos e se transformavam em cacos. Aí, eu, nem padre nem cangalheiro, demorava anos até ser capaz de fazer o funeral das vítimas da minha falta de coordenação motora. Eram tragédias de sofrimento incontido que me marcavam profundamente, das quais ainda hoje me recordo com profunda tristeza, sempre que mentalmente regresso ao tempo e aos territórios da minha infância.
Hoje, mais de cinquenta anos volvidos, poucas coisas mudaram no essencial. Persistente e imutável permanece o meu amor desinteressado à beleza, apenas aprofundado pela experiência, pela sabedoria e pela “patine” que o tempo confere ao nosso saber fazer. O amor, esse continua mais forte do que nunca.

sábado, 19 de novembro de 2011

Alentejo do Passado

IRMÃS FLORES – A MAGIA DOS BONECOS DE ESTREMOZ 

“ALENTEJO DO PASSADO” é o tema integrador da exposição de barrística popular estremocense, inaugurada dia 19 de Novembro, na Sala de Exposições do Centro Cultural Dr. Marques Crespo, em Estremoz. A iniciativa foi da Associação Filatélica Alentejana e contou com o apoio da Câmara Municipal de Estremoz.
A exposição integra 76 bonecos que as Irmãs Flores criaram com a magia das suas mãos e o fascínio das suas cores. A salientar que com vista à exposição, foram criados 34 novos bonecos que assim vêm enriquecer e de que maneira, a barrística popular estremocense.
A exposição que estará patente ao público até ao dia 14 de Janeiro de 2012, pode ser visitada de 3ª feira a sábado, entre as 9 e as 12,30 horas e entre as 14 e as 17,30 horas.
Uma exposição cuja visita se recomenda vivamente.
VENDEDORA DE CRIAÇÃO A CAMINHO DO MERCADO
Boneco de Estremoz da autoria das Irmãs Flores

Bonecos de Estremoz
Uma das coisas que colecciono, são bonecos de Estremoz, os quais têm duplamente a ver com a minha identidade cultural, estremocense e alentejana. Bonecos que antes de tudo são arte popular, naquilo que de mais nobre, profundo e ancestral, encerra este exigente conceito estético-etnológico.
Bonecos moldados pelas mãos do povo, a partir daquilo que a terra dá - o barro com que porventura Deus terá modelado o primeiro homem e as cores minerais já utilizadas pelos artistas rupestres de Lascaux e Altamira no Paleolítico, mas aqui garridas e alegres, como convém às claridades do Sul.
É vasta e diversificada a galeria dos bonecos de Estremoz. Reflexo afinal da riqueza do imaginário popular, que procura retratar a realidade local e regional, não só quando os bonecos se destinam a um uso específico (figuras de presépio, imagens religiosas, apitos, ganchos de meia, etc.), como e tão só a uma finalidade decorativa.
Todos os bonecos de Estremoz possuem um forte registo de uma dada época. As imagens religiosas, pelo detalhe e riqueza do traje reproduzem as esculturas sagradas barrocas, objecto de culto nas nossas igrejas e conventos. Por sua vez, as imagens profanas, possuem um rigoroso registo etnográfico do traje. Na minha condição de etnólogo amador e auto-didacta, o registo etnográfico das imagens profanas e em particular dos personagens da faina agro-pastoril, será porventura, o mais forte atractivo dos bonecos de Estremoz.

Irmãs Flores
Visito com frequência a oficina-loja das irmãs Flores, no Largo da República, em Estremoz, fascinado pela magia emergente das suas mãos de barristas populares. As irmãs Flores, Maria Inácia e Perpétua, de seus nomes, discípulas de mestra Sabina Santos, com ela aprenderam a nobre arte do barro e com ela aprenderam a respeitar o que de mais genuíno têm os bonecos de Estremoz, no que respeita a modelos e tipos característicos, formas, cores e tintas. Mas, também e simultaneamente criaram novos modelos e apostaram em novos tamanhos, que têm vindo a enriquecer a vastíssima galeria de modelos de bonecos de Estremoz. São de sua criação há muito, bonecos como “Senhora a ler”, “A filatelia”, “O farmacêutico”, “A cozinha dos ganhões”, “A florista”, “O Rancho do acabamento”, “Cristo na cruz”, “Camponês rico“, bem como novos modelos de presépio. Naturalmente que continuam a executar modelos tradicionais, como “Primaveras”, “O amor é cego”, “Púcaros”, “Cantarinhas”, “Peraltas“, “Cavaleiros”, “Pastores”, “Ceifeiras”, “Negros floristas”, etc., pois a imaginária popular é vasta.

Irmãs Flores no Centro Cultural
“ALENTEJO DO PASSADO” é o tema integrador da exposição de barrística popular estremocense, agora inaugurada na Sala de Exposições do Centro Cultural Dr. Marques Crespo, em Estremoz.
A exposição integra 76 bonecos que as Irmãs Flores criaram com a magia das suas mãos e o fascínio das suas cores. A exposição está estruturada em 8 grandes áreas que visam dar uma visão do Alentejo do passado: Pastorícia, Colecta, Ciclo do pão, Ciclo do azeite, Ciclo do vinho, Tiragem da cortiça, Na horta, Na cidade.
De salientar que com vista à exposição, foram criados 34 novos bonecos que assim vêm enriquecer e de que maneira, a barrística popular estremocense. São eles: Pastor a fazer colher, Ordenha de ovelhas, Tosquia de ovelhas, Roupeiro a caminho da rouparia, Ordenha de vacas, Porqueiro, Lavrador a cavalo, Semeador, Ganhão a lavrar, Mondadeira a mondar, Ceifeiro, Carreteiro transportando molhos de trigo, Debulha com trilho numa eira, Carreteiro transportando sacos de trigo, Moleiro no moinho, Varejador, No rabisco, Juntando a azeitona, Vindimadora a vindimar, Vindimador a carregar cesto com uvas, Transporte de uvas no tino, Adegueiro, Tirador de cortiça, Empilhador, Carrada de cortiça, Hortelão, Hortelão a caminho do mercado, Peixeiro, Talhante, Ervanário, Brinholeira, Mulher ao pé do poço, Mulher acarretando água, Família a comer.
Há semelhança do que se passou com as suas exposições “TRAJE POPULAR PORTUGUÊS”(2007) e “BONECOS DA GASTRONOMIA” (2009 e 2010), houve novamente uma mudança de paradigma. Estamos em presença de barrística popular do mais alto nível, que regista com rigor e fidelidade o que eram as fainas agro-pastoris do Alentejo d’antanho, bem como a vida na cidade, até cerca de meados do século XX.
As Irmãs Flores estão de parabéns, pois sem se afastarem um milímetro sequer dos cânones tradicionais da barrística popular estremocense, têm sabido inovar, criando novos públicos com apetência por aquilo que é diferente dentro do tradicional. E elas estão no caminho certo, pois se a sua mestria é pautada, por um lado, pela mais estrita fidelidade aos materiais, à tecnologia e às cores, não deixam todavia de manifestar inquietude que se expressa na criação de novos modelos de figurado, que têm a ver com a nossa identidade cultural, local e regional. Por isso são embaixatrizes de vanguarda da nossa arte popular trantagana e a comunidade estremocense revê-se com enlevo na elevada qualidade artística do seu trabalho, o que aqui se testemunha, por ser uma verdade insofismável.
Bem hajam pois, pelo deleite de espírito que nos proporcionaram com esta exposição e que muito contribui para o reforço da identidade cultural alentejana.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Histórias de professor - 2


Como é sabido, os professores têm que frequentar acções de formação, afim de se poderem manter actualizados e poderem progredir na carreira. Acontece que um professor da minha antiga Escola, cujo anonimato manterei por motivos óbvios e a quem chamarei supostamente João, foi para Lisboa frequentar uma acção de formação, cuja duração era de uma semana.
Sabendo que a namorada precisava de umas lunetas de sol, ao passar pela baixa pombalina, entrou num oculista. Depois de ver umas quantas lunetas de sol, decidiu-se a comprar-lhe umas muito bonitas. A empregada do oculista fez-lhe um embrulho, mas o João, distraído como é, ao sair da loja, em vez de levar o embrulho que lhe pertencia, levou outro muito parecido, que continha umas cuecas de senhora, que possivelmente alguma cliente que estava no oculista, comprara noutra loja.
Ora, o João não deu conta do engano, indo directamente do oculista para o correio. Dali enviou o embrulho à namorada, ao mesmo tempo que lhe mandava uma carta por correio separado.
A namorada, ao receber o embrulho ficou espantada com o conteúdo do mesmo, assim como com o conteúdo da carta, a qual dizia.

"Querida Maria:

Espero que gostes do presente que te enviei, sobretudo pela falta que te fazem, já que usas as outras há bastante tempo e estas coisas devem-se mudar de vez em quando.
Espero também ter acertado no modelo. A empregada garantiu-me que eram a última moda e até me mostrou as suas que eram iguais.
Então eu, para ver se eram leves, provei-as ali mesmo. Não imaginas o que a empregada se riu, porque estes modelos femininos são muito graciosos, tornando-se cómicos quando postos por mim, que como sabes, tenho umas grandes bochechas.
Uma moça que estava na loja, até mas pediu. Calcula tu que tirou as suas e pôs estas que te mando, para ver o efeito que faziam. Fiquei encantado ao vê-la com elas e comprei-as logo.
Maria, assim que as recebas, põe – as logo e mostra-as aos teus pais, amigos e enfim a toda a gente, para ver o que dizem.
A princípio sentir-te-ás diferente, habituada como estás a andar com as velhas e sobretudo agora que já andas há algum tempo sem nenhumas.
Diz-me se estão pequenas, porque senão vão-te deixar marcas quando as tirares.
Tem também cuidado, não te fiquem grandes, não se dê o caso de ires andando pela rua e elas te caírem.
Usa - as com cuidado e sobretudo não te esqueças delas, nem as percas, já que tens o mau hábito de andares com elas quase sempre na mão.
Enfim. Estou desejoso de te ver com elas postas.

Até breve. Beijos do teu:

João"

Desconhece-se o modo como o professor João foi recebido pela namorada, após ter terminado a acção de formação.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Histórias de professor - 1


Clipart recolhido em http://www.clipartsdahora.com.br

Durante a minha carreira de professor, sempre fui mestre em apanhar cábulas aos alunos, bem como papéis que embora às vezes inocentes, deixavam à rasca os seus atrapalhados possuidores. Foi o caso de uma folha de papel cuja transmissão na sala de aula, interceptei a um aluno, há já bastantes anos.
Segundo apurei então, numa altura em que ainda não estava vulgarizada a fotocopiadora, a história vinha sendo passada em folhas de caderno há já alguns anos, o que não admira, pois o texto tinha acumulado insuficiências gramaticais e erros ortográficos capazes de provocar um enfarte de miocárdio ao menos exigente dos professores de Português.
Foi nessa história que peguei, limitando-me a dar-lhe uma forma mais literária e a contextualizá-la, sem lhe modificar o conteúdo, nem tão pouco o alcance.

Nos últimos anos vimo-nos rodeadas de siglas, isto é, abreviaturas com os mais diversos significados: ACP, ADN, AMI, CTT, FPF, PSP, GNR, etc., etc.
Nalguns casos a interpretação do significado das abreviaturas não é única e daí pode resultar polémica, como aconteceu há já alguns anos entre a GNR - Guarda Nacional Republicana e o GNR - Grupo Novo Rock do Rui Reininho.
Vejamos então, como a interpretação errada de uma sigla nos pode levar a uma situação caricata e até mesmo incómoda.

Certa ocasião, uma família inglesa foi passar as férias à Alemanha. Ali encontrou uma casa que lhe agradou imenso para passar as férias no Verão seguinte. Esta casa pertencia a um pastor protestante.
Regressados a Inglaterra, os membros da família discutiram pormenores acerca da planta da casa, quando de repente a esposa se lembrou de não ter visto ali nenhum W.C., que como toda a gente sabe é um local do qual saímos sempre mais aliviados.
Preocupada com este pormenor importante, a senhora escreveu imediatamente ao pastor alemão, a quem questionou sobre o assunto, tendo a carta sido escrita nos seguintes termos:

"CARO PASTOR:
Sou um dos membros da família que há pouco o visitou com o fim de alugar a sua casa no próximo Verão e visto nos havermos esquecido de um pormenor importante, muito agradecia que nos informasse em que local se encontra o W.C."

O pastor protestante, não compreendeu o significado das abreviaturas W.C. e como era pastor, julgou tratar-se da capela inglesa White Chapel, pelo que pensou que a senhora procurava saber onde ficava o local de culto mais próximo da casa que pretendia alugar na Alemanha. Respondeu então à senhora da seguinte forma:

"GENTIL SENHORA:
Recebi a sua carta e em resposta à mesma, tenho o prazer de lhe comunicar que o local a que se refere, fica a 12 km de casa.
Minha senhora, isto é muito incómodo, sobretudo se se tem o hábito de ir lá com frequência.
Nesse caso, é preferível levar comida para lá ficar todo o dia.
Alguns vão a pé, outros de bicicleta.
Há lugares para 400 pessoas sentadas e para 100 de pé.
Há ar condicionado para evitar excessos de aglomeração.
Os assentos são de veludo e recomenda-se chegar cedo para arranjar lugar sentado.
As crianças sentam-se ao lado dos adultos e todos cantam em coro.
A entrada é fornecido um papel a cada pessoa, mas se alguém chegar depois da distribuição, pode usar o papel do vizinho do lado.
Este papel deverá ser devolvido sempre depois de ser utilizado, afim de poder ser utilizado durante todo o mês.
Existem amplificadores de som.
Além disso, minha senhora, fotógrafos estrategicamente colocados tiram fotografias pormenorizadas, as quais são divulgadas em todos os jornais da cidade, para que todas as pessoas possam ver o cumprimento de um dever tão humano."

Assim termina a carta do pastor protestante alemão.
Segundo consta, a família inglesa decidiu nesse ano, não ir passar férias à Alemanha.

sábado, 12 de novembro de 2011

Tomaz Alcaide homenageado em Estremoz


Tomaz Alcaide (1901-1967)
Aqui retratado por Max, em 1936, em Bruxelas.


TOMAZ ALCAIDE HOMENAGEADO EM ESTREMOZ
Teve lugar hoje em Estremoz uma Homenagem a Tomaz Alcaide (1901-1967), cantor lírico português de projecção internacional, que teve como berço natal a cidade de Estremoz e cuja fama projectou o nome da sua terra para além do âmbito restrito das suas fronteiras, pelas quatro partidas do Mundo.
A iniciativa pertenceu a sua viúva Asta-Rose Alcaide, à qual se associou o Município de Estremoz. A Homenagem a Tomaz Alcaide teve início pelas 15 horas na Igreja dos Congregados, tendo assumido a seguinte forma:
- Leitura de um texto de Santo Agostinho, pelo Dr. Fernando Carvalho, com acompanhamento musical executado pela Banda da Sociedade Filarmónica Artística Estremocense;
- Actuação do Orfeão de Estremoz "Tomaz Alcaide";
- Actuação do Orfeão do Colégio Militar;
- Breve biografia de Tomaz Alcaide, pelo Dr. Mário Moreau;
- Actuação da Banda da Sociedade Filarmónica Artística Estremocense;
- Palavras do senhor Presidente da Assembleia Municipal de Estremoz, Martinho Torrinha;
- Entrega da Medalha de Ouro de Mérito Municipal atribuída postumamente a Tomaz Alcaide, a sua viúva senhora Dona Asta-Rose Alcaide. A entrega foi feita pele senhor Presidente da Câmara Municipal de Estremoz, Luís Mourinha.
- Palavras de Dona Asta-Rose Alcaide.
Encerrada a cerimónia na Igreja dos Congregados, a urna com as cinzas de Tomaz Alcaide foi transportada pela Guarda de Honra do colégio Militar, em cortejo, desde a Igreja dos Congregados até ao Monumento a Tomaz Alcaide, local onde a Banda da Sociedade Filarmónica Artística Estremocense tocou o Hino Nacional, acompanhada pelo público e entidades presentes. As cinzas de Tomaz Alcaide foram então depositadas na base do monumento erigido em sua honra, frente à casa onde nasceu.

Publicado inicialmente em 12 de Novembro de 2011









HOMENAGENS ANTERIORES
Estremoz, já tivera oportunidade de mostrar o seu reconhecimento e gratidão pela vida e pela obra do seu filho ilustre: atribuição do seu nome ao Orfeão local de que é patrono, atribuição do seu nome a uma Avenida, construção de um Monumento em sua memória, criação de um Festival de Canto com o seu nome. Mas o reconhecimento nunca é de mais, quando o exemplo de vida e obra são gigantes, quando os estremocenses se revêem na projecção telúrica que teve o seu conterrâneo, há muito cidadão do Mundo e que por isso mesmo tem na Catedral de Washington uma pedra com o seu nome, a perpetuar a sua memória de grande intérprete e cantor, homenagem de admiradores americanos ao saberem da sua morte.

A HOMENAGEM DE 2001
De salientar que a distinção agora entregue à senhora Dona Asta-Rose Alcaide foi fruto de uma decisão da Assembleia Municipal de Estremoz, que reunida em sessão plenária no dia 23 de Fevereiro de 2001, deliberou que em cerimónia pública e ao abrigo do Regulamento de Distinções Honoríficas, fosse atribuído postumamente ao cantor lírico estremocense Tomaz Alcaide, o título de cidadão honorário de Estremoz e a medalha de ouro da cidade. Deliberou ainda que no Foyer do Teatro Bernardim Ribeiro, fosse descerrada uma placa comemorativa do 1º Centenário do Nascimento do cantor. O descerramento da placa decorreu no dia 27 de Abril de 2001, mas o resto da decisão da Assembleia Municipal estava por executar, o que agora foi feito.
Sob a égide do cantor decorreram também em Estremoz, de 27 de Abril a 1 de Maio de 2001, a Exposição Filatélica Inter-Regional "ESTREMOZ 2001" e a Exposição Filatélica Luso-Espanhola "FILAMOZ 2001" de Filatelia Tradicional e de Filatelia Temática", que tiveram lugar nos ginásios da Escola Secundária da Rainha Santa Isabel. O acto inaugural das exposições assumiu a forma de uma sessão solene realizada no dia 27 de Abril, no Teatro Bernardim Ribeiro, em cujo átrio funcionou um posto de correio que em toda a correspondência apresentada para o efeito, apôs um carimbo comemorativo com o busto de Tomaz Alcaide. Na ocasião, foram postos a circular pelos Correios de Portugal, inteiros postais comemorativos do 1º Centenário do Nascimento de Tomaz Alcaide, com design de Sofia Martins e onde aparece em primeiro plano Tomaz Alcaide no papel de Rigoletto. Em segundo plano, o busto do cantor fotografado em 1936, por Max, em Bruxelas.

TOMAZ ALCAIDE – CANTOR LÍRICO
A carreira de Tomaz Alcaide como cantor lírico decorreu por cerca de 22 anos, de 1924 a 1948 e projectou-o com extraordinário brilho na cena lírica internacional, com repetidas actuações no famoso Scala de Milão, San Carlo, de Nápoles, Real de Roma, Ópera de Paris, Ópera Estadual de Viena, Festivais de Salzburgo, Teatro Real de La Monnaie, em Bruxelas, e enfim, na generalidade dos mais importantes teatros da Europa e da América do Norte e do Sul.
Alcaide foi uma grande vedeta internacional da Ópera, graças aos atributos excepcionais de que dispunha e que lhe permitiram guindar-se rapidamente ao mais elevado nível e cotação internacionais. Dotado de uma bela e inconfundível voz de tenor lírico, conduzida por uma técnica superior de respiração, as suas interpretações atingiram rara beleza e adequação ao estilo musical e carácter das personagens que desempenhava. Se aliarmos a todos esses dons, um árduo estudo e uma figura ideal para a representação das personagens do seu repertório, um cuidado extremo na indumentária e na caracterização e um verdadeiro talento de actor, teremos a explicação cabal do seu sucesso. Alcaide utilizava todas as possibilidades dinâmicas e cromáticas da sua voz como meio expressivo ao serviço da interpretação musico-dramática. Alcaide cantava em português, espanhol, italiano, francês, inglês e alemão, línguas que lhe eram familiares.
Mas as preocupações artísticas e culturais de Alcaide não se confinaram aos cuidados com a sua imagem de grande intérprete internacional. Ainda no auge da sua carreira, começou a manifestar por actos, a preocupação crescente pelo estado de coisas completamente negativo que se verificava entre nós no que respeita à organização de um teatro lírico internacional. Assim, em 1937, apresentou um primeiro plano para a organização e nacionalização do nosso teatro lírico, que previa entre outras medidas, o ensino e o profissionalismo. Este plano falhou na altura, por falta de apoios necessários.
Alcaide gravou vários discos, nomeadamente para a Columbia e rodou filmes em Portugal e em França.
A partir de 1962, desempenhou o lugar de Mestre de Canto, interpretação e cena da Companhia Portuguesa de Ópera do Teatro da Trindade, onde desde o início imprimiu aos trabalhos um clima de seriedade, exigência artística, competência e dedicação.
Tomaz Alcaide deu à Companhia Portuguesa de Ópera, o sentido da dignidade artística feito da exigência de um nível elevado, do constante apelo à necessidade de uma representação dramática adequada e moderna, de uma montagem e encenação dos espectáculos de acordo com a índole dos textos, enfim, a consciência clara de que a Ópera é um espectáculo de síntese que só poderá perdurar no coração do público quando o binómio músico-dramático que a define, tenha plena realização.
Além do ensino de canto e interpretação, devem destacar-se as suas encenações, das quais ainda hoje são consideradas como paradigmáticas as das Óperas “Bhoéme” e “Weerther”.
Posteriormente, a sua lição, o seu exemplo e as suas ideias foram seguidas e o teatro lírico português profissionalizou-se e nacionalizou-se com os seus corpos artísticos organizados e qualificados: Companhia Residente de Cantores Nacionais, Orquestra, Coro, Companhia de Bailado e Corpos Técnicos.
Tomaz Alcaide pertenceu ao reduzido número de artistas portugueses cuja actuação era solicitada, e não tolerada, pelos mais exigentes promotores de espectáculos, no plano internacional.
No consenso dum sem número de melómanos e críticos de há poucas dezenas de anos, era o protagonista sem rival dum ”Fausto” de Gonot e dum “Pescador de Pérolas” de Bizet.
Um dos traços marcantes da personalidade de Tomaz Alcaide foi sem dúvida o seu ardente portuguesismo, que se manifestou sempre por acções e palavras, no que fez e no que escreveu, como aconteceu no seu livro de memórias “Tomaz Alcaide, Um cantor no Palco e na Vida”, dado à estampa em 1961. Foi assim que recusou a naturalização italiana, que lhe era oferecida por ocasião da guerra da Abissínia, única forma de poder continuar a extraordinária carreira que estava a fazer em Itália, e que assim perdeu, o que não o impediu contudo de atingir o mais elevado nível na cena lírica internacional. Deste modo, Tomaz Alcaide faz não só parte da Cultura Musical Portuguesa, como da Cultura Musical Mundial.
Publicado inicialmente em 12 de Novembro de 2011


sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Dia de São Martinho


Ilustração de Júlio Gil (1924-2004) para o livro "CANTARES DE TODO O ANO"
 de Júlio Evangelista. Colecção Educativa. Série F. Nº 6. Campanha Nacional
de Educação de Adultos. Lisboa, s/d.

São Martinho é festejado a 11 de Novembro, dia em que por tradição se prova o vinho novo, pois São Martinho é pretexto para molhar a goela. Reza a tradição algarvia que em 383, São Martinho de Tours, solicitou ao imperador Máximo ajuda material para a construção de um convento. Foi bem recebido pelo imperador e participou num banquete com os membros da corte. No banquete bebeu-se em demasia e foram tantas as bebedeiras que o banquete foi desde logo, classificado como martinhada. Segundo consta, esta terá sido a origem de São Martinho ser o patrono dos bêbados, embora nada permita afirmar que tenha sido daqueles que se excederam na bebida.
São abundantes os provérbios relativos ao S. Martinho, sendo de salientar a existência de variantes regionais:
- A cada bacorinho vem o seu S. Martinho.
- A cada porco vem o seu S. Martinho.
- As geadas de São Martinho levam a carne e o vinho.
- Dia de São Martinho prova o teu vinho.
- Dia de São Martinho, castanhas e vinho.
- Dia de São Martinho, come-se castanhas e bebe-se vinho.
- Dia de São Martinho, lume, castanhas e vinho.
- Dia de São Martinho, mata o teu porco e prova o teu vinho.
- Dia de São Martinho, vai à adega e prova o teu vinho.
- Em dia de S. Martinho atesta e abatoca o teu vinho.
- Em dia de São Martinho semeia os teus alhos e prova o teu vinho.
- Em dia de São Martinho vai à adega, prova o vinho e faz o teu magustinho.
- Em São Martinho tapa o teu portalzinho, ceva o teu porquinho e fura o pipinho.
- Em São Martinho, mata o teu porco, assa castanhas e prova o teu vinho.
- Martinho bebe o vinho, deixa a água para o moinho.
- No dia de S. Martinho mata o teu porco e prova o teu vinho.
- No dia de S. Martinho vai à adega e prova o vinho.
- No dia de S. Martinho, come-se castanhas e bebe-se vinho.
- No dia de S. Martinho, fura o teu pipinho.
- No dia de S. Martinho, lume, castanhas e vinho.
- No dia de S. Martinho, mata o porquinho, abre o pipinho, põe-te mal com o teu vizinho.
- No dia de S. Martinho, mata o teu porco e bebe o teu vinho.
- No dia de S. Martinho, mata o teu porco, chega-te ao lume, assa castanhas e prova o teu vinho.
- No dia de S. Martinho, vai à adega e prova o teu vinho.
- No dia de S. Martinho: lume, castanhas e vinho.
- No dia de São Martinho fura o teu pipinho.
- No dia de São Martinho mala o teu porco, chega-te ao lume, assa castanhas e prova o teu vinho.
- No dia de São Martinho mata o porquinho, abre o pipinho, põe-te mal com o teu vizinho.
- No dia de São Martinho mata o teu porco, chega-te ao lume, assa as castanhas e bebe o teu vinho.
- No dia de São Martinho, castanhas, lume e vinho.
- No dia de São Martinho, fecha a adega e prova o teu vinho.
- No dia de São Martinho, mata o porco e prova o teu vinho.
- No dia de São Martinho, mata o porquinho, chega-te ao lume, assa castanhas e bebe o teu vinho.
- No dia de São Martinho, vai à adega e prova o teu vinho.
- No dia de São Simão, semear, sim, marear, não.
- No São Martinho, fura o teu pipinho.
- O Sete-Estrelo pelo S. Martinho, vai de bordo a bordinho; à meia-noite está a pino.
- O Verão de São Martinho começa no Todos-os-Santos.
- O Verão de São Martinho, a vareja de São Simão e a cheia de Santos são três coisas que nunca faltaram nem faltarão.
- Pelo S. Martinho castanhas assadas, pão e vinho.
- Pelo S. Martinho deixa a água pró moinho.
- Pelo S. Martinho mata o teu porquinho e semeia o teu cebolinho.
- Pelo S. Martinho nem nado nem no cabacinho.
- Pelo S. Martinho prova o teu vinho; ao cabo de um ano já não te faz dano.
- Pelo S. Martinho semeia favas e linho.
- Pelo S. Martinho semeia o teu cebolinho.
- Pelo S. Martinho todo o mosto é bom vinho.
- Pelo São Martinho abatoca o pipinho.
- Pelo São Martinho abatoca o teu vinho.
- Pelo São Martinho bebe o bom vinho e deixa a água para o moinho.
- Pelo São Martinho deixa a água para o moinho.
- Pelo São Martinho larga o soitinho.
- Pelo São Martinho mata o porquinho, prova o teu vinho e não te esqueças do teu vizinho.
- Pelo São Martinho mata o teu porquinho e semeia o teu cebolinho.
- Pelo São Martinho prova o teu vinho, larga o soito e mata o porquinho.
- Pelo São Martinho prova o teu vinho; ao cabo de um ano já te não faz dano.
- Pelo São Martinho prova teu vinho.
- Pelo São Martinho semeia o teu cebolinho, que o meu já está nascidinho.
- Pelo São Martinho, lume, castanhas e vinho.
- Pelo São Martinho, mata teu porco e bebe teu vinho.
- Pelo São Martinho, nem nado, nem no cabacinho.
- Pelo São Martinho, semeia fava e linho.
- Pelo São Martinho, semeia o teu cebolinho.
- Por São Martinho mata o teu porco e prova o teu vinho.
- Por São Martinho semeia o teu linho.
- Por São Martinho, nem favas nem vinho.
- Por São Martinho, prova teu vinho.
- Por São Martinho, semeia fava e linho.
- Por São Martinho, todo o mosto é bom vinho.
- Quem bebe no S. Martinho, faz de velho e de menino.
- São Martinho, bispo; São Martinho, papa; S. Martinho rapa;
- Se o Inverno não erra caminho, tê-lo-ei pelo São Martinho.
- Se o Inverno não erra caminho, temo-lo pelo S. Martinho.
- Se o Inverno não erra o caminho, cá virá no São Martinho.
- Se o Inverno não erra o caminho, tê-lo-ei pelo S. Martinho.
- Se queres pasmar o teu vizinho, lavra, sacha e esterca pelo S. Martinho.
- Verão de S. Martinho säo três dias e mais um bocadinho.
- Vindima em Outubro que o S. Martinho to dirá.

Publicado inicialmente a 11 de Novembro de 2011