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domingo, 30 de outubro de 2022

DESCOBERTA ARQUEOLÓGICA NO LARGO DO OUTEIRO / Decoração apotropaica numa parede



Pormenor da fachada com o que resta da decoração apotropaica do séc. XVII.

Fachada  da casa com os números 24 e 25 do Largo do Outeiro, em Estremoz.


Caiar é preciso
No Alentejo existe a tradição ancestral de caiar as casas de branco, o que ocorre durante o Verão. Trata-se de uma tarefa outrora desempenhada essencialmente por mulheres, a quem competia a missão de fazer cumprir o rifão: “Dá-me brancura, dar-te-ei formusura”. O cancioneiro popular alentejano regista que “Nas terras do Alentejo / É tudo tão asseado... / As casas e o coração, / Sempre tudo anda lavado...”. A caiação duma casa podia merecer reparos, desde que não fosse integral: “000
A alvura das paredes é tradicionalmente considerada uma marca identitária do Alentejo, já que o branco maximiza a reflexão da luz solar, conferindo protecção contra a torrina do Sol no Verão.

Da pintura à arqueologia
Pelos mais diferentes motivos, a tradição já não é o que era. A caiação das paredes com recurso a cal branca tem sido substituída pela pintura com tintas de água. É quase regra nas cidades, onde a pintura de paredes exteriores é muitas vezes entregue a pintores profissionais.
Foi o que fez recentemente o meu prezado amigo Nuno Ramalho, face à necessidade de pintura da fachada da casa dos seus pais, sita nos números 24 e 25 do Largo do Outeiro, em Estremoz. A fachada encontrava-se com mau aspecto e em determinada zona, a cobertura da mesma encontrava-se mesmo empolada, pelo que antes da aplicação da tinta, os pintores tiverem necessidade de usar jacto de água, para remover as ampolas. De contrário, a pintura não ficaria uniforme.
Qual não foi o espanto, quanto o jacto de água, revela a existência daquilo que configurava ser uma pintura anterior à existência da janela do 1º andar esquerdo e que terá sido sacrificada para rasgar aquela janela. Significa isto que primitivamente a casa só teria a janela do 1º andar direito, a qual seria mais pequena que actualmente, uma vez que as ombreiras foram acrescentadas na parte superior, para a janela ficar com a mesma altura da janela que então foi rasgada no lado esquerdo da fachada.
Qualquer das janelas ostenta sobre as ombreiras, padieiras em alvenaria, características do séc. XVIII, ornamentadas com florões em estuque.
Comparando a tipologia da fachada com a das casas limítrofes, constata-se que falta ali uma chaminé, a qual terá sido sacrificada em benefício da abertura de uma janela, tendo a chaminé sido edificada noutra zona da casa. Trata-se de uma conclusão importante na medida em que a decoração da fachada posta agora a descoberto, era uma decoração da chaminé parcialmente desaparecida para dar lugar a uma nova janela.

O esmiuçar da “pintura”
A análise minuciosa daquilo que parecia ser uma pintura, mostrou que de facto não o era. Na verdade, a técnica usada na decoração da fachada revelou ter sido uma técnica mista, a qual combinou o baixo relevo com o preenchimento do mesmo com uma argamassa colorida com um aditivo castanho avermelhado que poderá ter sido pigmento de óxido de ferro ou tijolo em pó.
O facto de a decoração ter sido efectuada numa chaminé, permite concluir estar-se em presença de uma decoração apotropaica, efectuada com símbolos apotropaicos, isto é, símbolos em relação aos quais existia a crença de possuírem poder para afastar espíritos perversos ou danosos, tais como as bruxas ou o mau olhado. É que existia a crença de que embora as portas e as janelas estivessem bem fechadas, os espíritos malignos poderiam entrar pelas chaminés.
O facto de a parte inferior da decoração ser simétrica em relação ao eixo central e vertical, leva a admitir a forte probabilidade de a composição da decoração ser toda ela simétrica em relação a esse mesmo eixo. A grande incógnita parece ser a parte central da decoração. Todavia são visíveis 3 sectores semicirculares a castanho avermelhado, com um situado num plano superior aos outros dois. Este conjunto parece procurar representar um amontado de pedras, o qual poderá corresponder a uma representação do Calvário, ou seja, da colina onde Jesus terá sido crucificado. A parte desaparecida da representação incluiria assim na sua parte central, uma cruz latina disposta segundo a vertical. A cruz latina é o símbolo principal do cristianismo. Para os cristãos representa não só a crucificação, como evoca a ressurreição e a esperança de vida eterna.
Incluindo a parte desaparecida da decoração apotropaica, o conjunto incluiria 4 símbolos conhecidos por “nove pontos rodeados”, um no centro duma roda e oito distribuídos à volta da mesma. Cada símbolo “9 pontos rodeados” está inscrito noutra roda, a qual reforça o poder do símbolo. A roda é um símbolo de libertação do lugar e do estado espiritual que lhe está associado.
Vejamos qual o simbolismo dos “9 pontos rodeados”. Desses 9 pontos, 1 está no centro da roda central e os outros 8 distribuem-se regularmente ao longo dessa roda. Numa perspectiva cristã, o ponto central corresponde a 1 e representa Deus, o Único, o Princípio de tudo. Os outros 8 pontos correspondem ao oitavo dia, que sucede aos 6 da criação e ao sabat (dia sagrado e de descanso no judaísmo) e é o símbolo da ressurreição, da transfiguração, anúncio da vida eterna. Sintetizando: os “9 pontos rodeados” simbolizam a criação do mundo por Deus, tal como é referida no Genesis e como tal a crença no poder de Deus sobre todas as coisas. A existência de 4 conjuntos de “9 pontos rodeados”, dispostos na decoração atropopaica em quadrangulação em simetria, resulta de o número quatro se comportar na Bíblia Sagrada como aquele que representa a criação de Deus e a totalidade das coisas.
A decoração apotropaica incluiria ainda, aquilo que me parecem ser dois vasos com flores, dispostos de cada um dos lados da cruz latina. Como o simbolismo da decoração apotropaica agora descoberta é de natureza cristã, sou levado a admitir que o vaso com flores possa ser um vaso com açucenas brancas. O vaso é símbolo do princípio feminino e as açucenas simbolizam a pureza, a castidade, a feminilidade e a virgindade da Virgem Maria. Resumindo: o vaso com açucenas é uma representação simbólica da Virgem Maria. A existência de dois vasos com açucenas, um de cada lado da cruz latina, é justificado porque a Virgem Maria como Mãe de Jesus, tem associado a ela o princípio feminino, ao qual era na antiguidade atribuído o número dois.
Na decoração apotropaica objecto do presente estudo, aparecem representados simbolicamente: DEUS (“9 pontos rodeados”), JESUS (Cálvário com cruz latina) e a VIRGEM MARIA (Vaso com açucenas). Significa isto que no seu conjunto, a decoração apotropaica visa invocar a protecção do Poder Divino para afastar espíritos perversos ou danosos e proteger aquela casa de todos os males. De salientar que para os cristãos, Jesus e Deus é um só, além que que é ilimitado o poder de intercessão da Virgem Maria junto de Jesus.
A decoração apotropaica está datada com um número que me parece ser 1668, número inscrito numa figura delimitada por quatro chavetas dispostas entre 4 pontos, como se formassem um losango. Tanto quanto me é dado conhecer dos trabalhos de Luís Lobato de Faria (2), esta será a mais antiga decoração apotropaica do Alentejo.

Outeiro, quem te viu
A oficina da velha barrista Gertrudes Rosa Marques (1840-1975) situada no Outeiro, foi visitada em 1913 pelo etnógrafo D. Sebastião Pessanha (1892-1975), que lhe encomendou Bonecos de Estremoz para o Museu Etnológico Português e publicou textos sobre o seu trabalho. O mesmo viria a acontecer em 1916 com o etnólogo Luís Chaves (1888-1975).
Dada a singularidade e beleza do seu casario, o Largo do Outeiro, por muitos considerado uma rua, inspirou artistas plásticos locais que o perpetuaram nos seus trabalhos: Mestre Joaquim Prudêncio (1887-1970) em aguarela de 1936 e Roberto Alcaide (1903-1979) em guache de 1944.
Da Rua do Outeiro, rua de oleiros e bonequeiras, nos fala a “Marcha do Outeiro”, vencedora do concurso de Marchas Populares de Estremoz, em 1948: “O outeiro iluminado / de rubras malvas bordado, / tanta graça Deus lhe pôs!) / que foi berço das primeiras / fantasias das oleiras / nos bonecos de Estremoz!”. A letra da marcha era da autoria de Luís Rui, pseudónimo literário de Joaquim Vermelho (1927-2002), que se tornaria um destacado estudioso da barrística popular estremocense.
No 3º quartel do séc. XX, o Largo do Outeiro revelava ainda enorme beleza, muita dela proveniente da garridice dos alegretes floridos que ladeavam as casas, aos quais as mulheres dedicavam especial atenção, parecendo que competiam umas com as outras. O Largo estava cheio de vida e as crianças tinham o privilégio de brincar à vontade, porque a escadaria só permitia trânsito pedonal.

Outeiro, quem te vê
Segundo Nuno Ramalho, o Largo do Outeiro é constituído por 21 casas, a que correspondem 29 números de polícia. 2 dessas casas têm os telhados abatidos, o que corresponde a 4 números de polícia desabitados. Para além destes, há mais 11 números de polícia desabitados. A percentagem de números de polícia desabitados é assim superior a 50%, o que é revelador da falta de condições de habitabilidade das casas.
A limpeza da calçada do pátio frontal das casas, outrora assegurado pelos moradores, já conheceu melhores dias. Os alegretes outrora repletos de flores estão quase todos vazios e alguns foram mesmo indevidamente cimentados. O aspecto geral do Largo é um aspecto de abandono, que faz lembrar um moribundo à espera que o possam salvar.

Quem acode ao Outeiro?
A decoração apotropaica agora descoberta, que tudo leva a crer seja a mais antiga conhecida no Alentejo, pode-se tornar num pólo de atracção turística, desde que devidamente divulgada.
Que poderá o actual Executivo Municipal fazer pela recuperação do Largo do Outeiro e ruas limítrofes? É que a história da barrística popular estremocense passa por ali e os executivos municipais precedentes, esqueceram-se disso.

Este texto foi publicado no jornal E nº 298, de 27 de Outubro de 2022, numa versão provisória,
existente á hora do fecho da edição, na noite do dia 25. A versão aqui presente é posterior e
ainda não é a versão definitiva. 

BIBLIOGRAFIA
(1) - CHEVALIER; Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. 6ª ed. José Olímpio. Rio de Janeiro, 1992.
(2) - LOBATO DE FARIA, Luís. Estudos - Luis Lobato de Faria. [Em linha]. Disponível em: https://alentejoinportugal.blogspot.com/2020/06/alentejo-apotropaico-i-parte.html . [Consultado em 21 de Outubro de 2022].

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Cerâmica de Redondo – Os alguidares

 


“Alguidar, alguidar
Que feito foste ao luar
Debaixo das sete estrelas
Com cuspinhos de donzelas
Te mandei eu amassar”
Gil Vicente - Auto das Fadas
 (Fala da feiticeira)


Singularidade e multifuncionalidade
Etimologicamente, a palavra “alguidar” deriva do árabe “al-gidar” (escudela grande), facto que é revelador da origem árabe do recipiente de barro, a semelhança de outros como albarrada[1], alcadefe[2], alcatruz[3], aljofaina[4], almofia[5], almarraxa[6], atanor[7].
Um alguidar de barro é um recipiente com a morfologia de um cone truncado e invertido. Daí que seja mais largo que alto e que a abertura (boca) tenha diâmetro muito superior ao do fundo. A singularidade morfológica deste tipo de vasilhame nunca foi impeditiva da sua multifuncionalidade nos lares. Aí era usado para: amassar o pão, preparar vegetais, lavar a loiça, levar um assado ao forno, recolher o sangue na matança do porco, temperar carne de porco (a chamada carne de alguidar), migar a carne de porco usada nos diversos tipos de enchidos, preparar a sabonária, transportar a roupa a lavar no rio, dar banho às crianças, lavar as mãos, lavar os pés, lavar da cintura para cima, aparar a água que caía do telhado, etc.
Lá diz o rifão: “A necessidade é mestra de engenho”. Daí que a multifuncionalidade do alguidar, como de resto, doutras peças oláricas, seja um corolário natural, resultante da necessidade de as valorizar, sobretudo entre as classes populares, devido aos magros rendimentos.
A utilização dos alguidares fazia parte das tarefas femininas e era a mulher que no lar se encarregava da sua aquisição e usabilidade, mandando-os gatear sempre que estes se quebravam, forçando a sua utilização até ao limite. Era uma filosofia de vida inspirada no conceito prático de desperdício zero, determinado pela magreza dos rendimentos.
A fragilidade do barro viria a conduzir sucessivamente à utilização de alguidares de zinco, de alumínio e por fim de plástico, com toda a tragédia ambiental que lhe está associada e é bem conhecida.

Alguidares de Redondo
Os alguidares de Redondo são de diferentes tamanhos e capacidades, conforme a funcionalidade que lhes está destinada. O bordo é geralmente liso, mas também pode ser repenicado. Os alguidares podem encontrar-se ou não decorados. A decoração dos alguidares pode ser feita apenas na superfície lateral interna ou cumulativamente no fundo do alguidar. Vejamos alguns dos tipos de decoração por mim identificados: a) DECORAÇÃO COM PALMAS. b) DECORAÇÃO COM ARCADAS. c) DECORAÇÃO COM PALMAS E ARCADAS - As palmas, em número variável (geralmente entre 4 e 7) são obtidas por escorrimento de engobe amarelo sobre o barro e dirigem-se do fundo para o bordo do alguidar. As palmas podem-se encontrar ou não com outras palmas no bordo do alguidar. Quando as palmas não se encontram com outras no bordo do alguidar, estão ligadas entre si por arcadas em número variável, obtidas por escorrimento de engobe amarelo sobre o barro vermelho, apresentando as cavidades viradas para o bordo do alguidar. As palmas podem estar esponjadas a verde ao longo da respectiva superfície ou apenas no bordo dos alguidares. d) DECORAÇÃO POR PINTURA - Neste tipo de decoração são utilizados elementos geométricos, fitomórficos e zoomórficos. e) DECORAÇÃO ABSTRACTA - Este género de decoração recorre à utilização de laivos, esponjados, salpicos e escorridos.

Cultura popular
No domínio da gíria popular são conhecidas as expressões: - ALGUIDARES DE CIMA, ALGUIDARES DE BAIXO = Em parte incerta; - BEIÇOS DE ALGUIDAR = Designação dada a alguém que lábios grossos e muito vermelhos; - CHAPÉU De ALGUIDAR = Chapéu abeiro; - DE FACA E ALGUIDAR = Expressão idiomática que descreve uma situação de violência que pode culminar no uso de armas brancas e num desfecho sangrento. A expressão é aplicável a discussões, notícias, estórias, romances, filmes, canções; - TRAZ A FACA E O ALGUIDAR = Frase com que se assustam as crianças, ameaçando-as de as matarem.
No âmbito do adagiário popular localizámos os adágios: “A arma e o alguidar não se hão de emprestar”, “Mulher e alguidar não se deve emprestar”, “A arma e o alguidar não se hão-de emprestar”, “Perda de marido, perda de alguidar, um quebrado, outro no poial”, “Por um dedal de vento não se perca um alguidar de tripas”, “Quem toma o alguidar pelo fundo e a mulher pela palavra, pode dizer que não tem nada”.
A nível de lengalengas é bem conhecida aquela que se intitula “As refeições: “Que é o almoço? / Cascas de tremoço. / Que é o jantar? / Beiços de alguidar. / Que é a ceia? / Morrões de candeia.”
Do cancioneiro popular, começo por destacar uma quadra conterrânea dos alguidares que foram objecto do presente estudo “Lá na vila de Redondo / Fazem-se pratos e tigelas; / Fazem-se telhas e adobinhos, / Alguidares e Panelas.” (10), bem como esta outra “Se eu fôra rapaz solteiro / Nunca me havia casar, / P ’ra mulher me não pedir / Certã, panella, alguidar.” (3). Os alguidares onde comiam os ganhões eram conhecidos por “barranhões” e sobre eles a quadra: “Cala-te, meu papa-açorda, / Meu alimpa barranhões, / Já te foram convidar / P’rò refugo dos ganhões.” (5)
Na área da gastronomia temos a "Carne de Alguidar", prato confeccionado com carne de porco temperada com pimentão e o chamado "Licor de Alguidar", produzido de forma artesanal seguindo uma tradição secular da gente da Beira Mar, em Aveiro.

Remate
Apesar da sua simplicidade e singularidade morfológicas e não obstante a possibilidade de não se encontrarem decorados e serem monocromáticos, os alguidares são exemplares oláricos que encerram em si uma enorme riqueza, fruto da conjugação da sua multifuncionalidade e da sua forte presença na cultura popular.

BIBLIOGRAFIA
(1) - ALMEIDA; José João. Dicionário aberto de calão e expressões idiomáticas. [Em linha]. Disponível em: https://natura.di.uminho.pt/~jj/pln/calao/dicionario.pdf . [Consultado em 21 de Outubro de 2022].
(2) - BESSA, Alberto. A Gíria Portugueza. Gomes de Carvalho-Editor. Lisboa, 1901.
(3) - BRAGA, Theophilo. Cancioneiro Popular Portuguez. J. A. RODRIGUES & C.ª - EDITORES. Lisboa, 1911.
(4) - DELICADO, António. Adagios portuguezes reduzidos a lugares communs / pello lecenciado Antonio Delicado, Prior da Parrochial Igreja de Nossa Senhora da charidade, termo da cidade de Euora. Officina de Domingos Lopes Rosa. Lisboa, 1651.
(5) - GIACOMETTI, Michel. Cancioneiro Popular Português. Círculo Leitores. Lisboa, 1981.
LAPA, Albino. Dicionário de Calão. Edição do Autor. Lisboa, 1959.
(6) - MACHADO, José Pedro. O Grande Livro dos Provérbios. Editorial Notícias. Lisboa, 1996.
MÃE ME QUER. Lengalengas pequenas para crianças pequenas. [Em linha]. Disponível em: https://maemequer.sapo.pt/desenvolvimento-infantil/crescer/brincar/lengalengas-pequenas/ . [Consultado em 21 de Outubro de 2022].
(7) - MARQUES DA COSTA, José Ricardo. O Livro dos Provérbios Portugueses. Editorial Presença. Lisboa, 1999.
(8) - NEVES, Orlando. Dicionário de Expressões Correntes (2º ed.). Editorial Notícias. Lisboa, 2000.
(9) - PRAÇA, Afonso. Novo Dicionário de Calão. Editorial Notícias. Lisboa, 2001.
(10) - REDONDO IN OLD TIMES. Cancioneiro Popular da vila de Redondo, 1929. [Em linha]. Disponível em: http://redondoinoldtimes.blogspot.com/2015/06/cancioneiro-popular-da-vila-de-redondo.html . [Consultado em 21 de Outubro de 2022].
(11) – RIBEIRO, Aquilino. Terras do demo. Livrarias Aillaud & Bertrand. Lisboa, 1919.
(12) - ROLAND, Francisco. ADAGIOS, PROVERBIOS, RIFÃOS E ANEXINS DA LINGUA PORTUGUEZA. Tirados dos melhores Autores Nacionais, e recopilados por ordem Alfabética por F.R.I.L.E.L. Typographia Rollandiana. Lisboa, 1780.
(13) - SANTOS, António Nogueira. Novo dicionário de expressões idiomáticas. Edições João Sá da Costa. Lisboa, 1990.
(14) - SIMÕES, Guilherme Augusto. Dicionário de Expressões Populares Portuguesas. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1993.
(15) - VASCONCELLOS, Carolina Michaelis. Algumas Palavras a respeito de Púcaros de Portugal. Imprensa da Universidade. Coimbra, 1921.
(16) - VIEIRA, Frei Domingos. Grande diccionario portuguez ou thesouro da lingua portugueza. 4 Vols. Porto: Ed. Chardron e Bartholomeu H. de Moraes. Rio de Janeiro, 1871-1874.

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[1] Copo de barro para água e onde muitas vezes se punham flores.
[2] Vasilha de barro, sobre a qual o taberneiro mede o vinho e que recebe as verteduras.
[3] Vaso de barro, que levanta a água nas noras.
[4] Pequena bacia de barro, usada num lavatório.
[5] Espécie de tijela de barro, de fundo largo e bordos quási perpendiculares.
[6] Recipiente de barro com orifícios no bojo para borrifar.
[7] Forno em barro usado pelos alquimistas.


















terça-feira, 20 de setembro de 2022

Marcas de fabrico da Olaria Alfacinha


Olaria Alfacinha - Estremoz (anos 40 do séc. XX),  fotógrafia
de Artur Pastor (1922-1999), natural de Alter do Chão.

PRÓLOGO

Sou coleccionador de longa data de louça de barro vermelho de Estremoz, sobre a qual tenho publicado textos, nos quais destaco as marcas de fabrico ostentadas pelas peças oláricas, em particular as produzidas pela Olaria Alfacinha. Entretanto, descobri a existência de outras marcas de fabrico, algumas através de imagens publicadas em sites de venda na internet. Daí surgiu a ideia de sistematizar todas as marcas de fabrico por mim conhecidas. Tal é o objectivo do presente texto.
A Olaria Alfacinha, foi fundada por Caetano Augusto da Conceição em 1881, na Rua do Arco, transferindo-se sucessivamente para a Casa das Fardas e para a Rua de Santo Antonico, todas em Estremoz. A olaria esteve na posse da família até 1987, tendo produzido louça não vidrada e louça vidrada.
Em 1987, a olaria foi vendida a Rui Pires de Zêzere Barradas, professor, que conjuntamente com sua mulher Cristina, dela foi co-proprietário até 1995, ano em que a Olaria cessou a sua actividade. Neste último período, a olaria produziu apenas louça vidrada.
No estudo das marcas de fabrico da Olaria Alfacinha considerei dois períodos: 1º Período (1881-1987) e 2º Período (1987-1995). Dentro de cada um deles, ordenei as marcas de fabrico, por uma sequência cronológica, de acordo com os dados de que disponho. Vejamos então, as marcas por mim identificadas dentro de cada um desses períodos.

1.º PERÍODO (1881-1987)

Fig. 1 - MARCA TIPO 1 - Marca “OLARIA ALFACINHA / EXTREMOZ“, aposta por carimbo, inscrita numa coroa circular, com a palavra “PORTUGAL”, ao centro. As inscrições “OLARIA ALFACINHA” e “ESTREMOZ” encontram-se separadas por dois elementos indefinidos, que poderão, eventualmente, ser, cruzes trevoladas, semelhantes às que integram as marcas de Tipo 2 e do Tipo 3. A marca aqui reproduzida, figura na página 365 da CERAMICA PORTUGUEZA, de José Queiroz (1907), a qual não refere os diâmetros exterior e interior da coroa circular.

Fig. 1 - MARCA TIPO 1 - 

Fig. 2 - MARCA TIPO 2 - Marca “OLARIA ALFACINHA / ESTREMOZ“, aposta por carimbo, inscrita numa coroa circular de 2,3 cm e 1,4 cm de diâmetro, com a palavra “PORTUGAL”, ao centro. As inscrições “OLARIA ALFACINHA” e “ESTREMOZ” encontram-se separadas por duas cruzes trevoladas.

Fig. 2 - MARCA TIPO 2

Fig. 3 - MARCA TIPO 3 - Marca “OLARIA ALFACINHA / ESTREMOZ“, aposta por carimbo, inscrita numa coroa circular de 2,5 cm e 1,7 cm de diâmetro, com a palavra “PORTUGAL”, ao centro. As inscrições “OLARIA ALFACINHA” e “ESTREMOZ” encontram-se separadas por duas cruzes trevoladas.

Fig. 3 - MARCA TIPO 3

Fig. 4 - MARCA TIPO 4 - Marca “OLARIA ALFACINHA / ESTREMOZ / PORTUGAL“, aposta por carimbo, distribuída por três linhas e ocupando uma superfície de 1, 2 cm x 3 cm.

Fig. 4 - MARCA TIPO 4

Fig. 5 - MARCA TIPO 5 - Marca “OLARIA ALFACINHA / ESTREMOZ / PORTUGAL”, aposta por carimbo, distribuída por três linhas e ocupando uma superfície de 2,5 cm x 4,5 cm.

Fig. 5 - MARCA TIPO 5

Fig. 6 - MARCA TIPO 6 - Marca linear “Olaria + Alfacinha + Estremoz”, aposta por carimbo, com as palavras separadas por uma cruz trevolada.

Fig. 6 - MARCA TIPO 6

De salientar que as marcas tipo 2, 3 e 4, além de serem utilizadas como marcas de fabrico da Olaria Alfacinha, foram usadas também como marca de fabrico de Bonecos de Estremoz, pela barrista Sabina da Conceição Santos, membro da Família Alfacinha.

2.º PERÍODO (1987-1995)

Fig. 7 - MARCA TIPO 7 - Marca "Olaria / Alfacinha / Estremoz / Portugal / Joana”, manuscrita, distribuída por quatro linhas.

Fig. 7 - MARCA TIPO 7

Fig. 8 - MARCA TIPO 8 - Marca “OLARIA / ALFACINHA / ESTREMOZ / PORTUGAL”, manuscrita, distribuída por quatro linhas.

Fig. 8 - MARCA TIPO 8

Fig. 9 - MARCA TIPO 9 - Marca “O.A / ESTREMOZ / Portugal”, manuscrita, distribuída por 3 linhas.  


Fig. 9 - MARCA TIPO 9

Fig. 10 - MARCA TIPO 10 - Marca “olaria / Alfacinha / ESTREMOZ / Portugal”, manuscrita, distribuída por quatro linhas.

Fig. 10 - MARCA TIPO 10

Fig. 11 - MARCA TIPO 11 - Marca “OLARIA ALFACINHA / ESTREMOZ / PORTUGAL”, aposta por carimbo, distribuída por três linhas e ocupando uma superfície de 2,5 cm x 4,5 cm. Esta marca é exactamente a mesma da MARCA TIPO 5 do 1.º período.

Fig. 11 - MARCA TIPO 11

ESPÉCIMES OLÁRICOS QUE PATENTEIAM AS MARCAS DE FABRICO DESCRITAS

Fig. 12 – Medalha de barro vermelho, oblonga, com o brasão de armas da cidade, encimado pela coroa real e tendo por baixo a legenda em alto-relevo “ESTREMOZ”. Dimensões: 6,7 cm x 5 cm; Peso: 26 g. No verso da medalha, marca de fabrico da Olaria Alfacinha, do tipo 2.

Fig. 12

Fig. 13 – Medalha de barro vermelho, oblonga, com o brasão de armas da cidade, encimado pela data de 1933 e tendo por baixo a legenda em alto-relevo “FESTAS EM ESTREMOZ”. Dimensões: 6,3 cm x 4,2 cm; Peso: 15 g. No verso da medalha, marca de fabrico da Olaria Alfacinha, do tipo 3.

Fig. 13

Fig. 14 – Medalha de barro vermelho, oblonga, na qual figura ao centro e em alto relevo, a imagem do andor do Senhor Jesus dos Passos de Estremoz. Esta, está ladeada à esquerda pela legenda também em alto-relevo “FESTAS DA EXALTAÇÃO DA SANTA CRUZ / EM ESTREMOZ / 1963”, distribuída por três níveis. À direita da imagem do andor, um ramo de uma flor não identificada, também em alto relevo. Dimensões: 6,3 cm x 4,2 cm, Peso: 21 g. No verso da medalha, marca de fabrico da Olaria Alfacinha, do tipo 4.

Fig. 14

Fig. 15 – Terrina com as seguintes dimensões (cm): altura total – 28,5; altura sem tampa – 17; altura da tampa – 15; diâmetro do fundo – 17,8; diâmetro do bojo – 22,5; diâmetro exterior da abertura – 14; diâmetro interior da abertura – 12,5; diâmetro exterior da tampa – 15; - PRATO: diâmetro exterior da aba – 27; diâmetro do fundo – 18. No que respeita a peso (g), as características são: - TERRINA – 1277g; - TAMPA: 756 g; - PRATO: 1206 g. No verso da medalha, marca de fabrico da Olaria Alfacinha, do tipo 5.

Fig. 15

Fig. 16 – Decantador com tampa. Bojo com decoração de natureza fitomórfica e geométrica, obtida por polimento. As dimensões e o peso são desconhecidos, uma vez que a imagem foi recolhida na internet. No bojo, junto ao fundo, marca de fabrico da Olaria Alfacinha, do tipo 6.


Fig. 17 – Prato raso, vidrado. Na parte superior da aba, a inscrição pintada “FESTAS EXALTAÇÃO Stª CRUZ”. Na parte inferior da aba, a inscrição “1990”, ladeada por dois ornatos de natureza fitomórfica, tudo pintado. No fundo do prato e ao centro, em alto relevo, a imagem do Senhor Jesus dos Passos de Estremoz, obtida a partir do molde em gesso, utilizado pela Olaria Alfacinha nos anos 60 do séc. XX, na produção de medalhas em barro, comemorativas daquelas Festas. Diâmetro superior do prato: 17, 5 cm. No tardoz, marca de fabrico da Olaria Alfacinha, do tipo 7.

Fig. 18 – Prato raso, vidrado, com decoração de temática rural (Pastor e cão num montado), pintada na aba e no fundo. Diâmetro superior do prato: 14, 5 cm. No tardoz, marca de fabrico da Olaria Alfacinha, do tipo 8.

Fig. 18

Fig. 19 – Prato raso, vidrado, com decoração fitomórfica e geométrica, pintada na aba e no fundo. As dimensões e o peso são desconhecidos, uma vez que a imagem foi recolhida na internet. No tardoz, marca de fabrico da Olaria Alfacinha, do tipo 9.

Fig. 19

Fig. 20 – Prato raso, vidrado, com decoração fitomórfica e geométrica, pintada na aba e no fundo. As dimensões e o peso são desconhecidos, uma vez que a imagem foi recolhida na internet. No tardoz, marca de fabrico da Olaria Alfacinha, do tipo 10.

Fig. 20

Fig. 21 – Prato raso, vidrado, com decoração fitomórfica e zoomórfica, pintada na aba e no fundo. As dimensões e o peso são desconhecidos, uma vez que a imagem foi recolhida na internet. No tardoz, marca de fabrico da Olaria Alfacinha, do tipo 5.

Fig. 21 

EPÍLOGO

Ainda que tenha por base o estudo de mais de 200 peças oláricas da minha colecção, a presente sistematização das marcas de fabrico da Olaria Alfacinha, é necessariamente incompleta. Estou certo que com o decorrer do tempo, outras marcas surgirão, pelo que em devido tempo, delas terá conhecimento o leitor. 

BIBLIOGRAFIA

MATOS, Hernâni. Estremoz - Surpresas do Mercado das Velharias – 01 [Em linha]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2019/05/estremoz-surpresas-do-mercado-das.html [Consultado em 18 de Setembro de 2022].

MATOS, Hernâni. Louça vidrada de barro vermelho, da Olaria Alfacinha [Em linha]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2022/02/louca-vidrada-de-barro-vermelho-da.html [Consultado em 18 de Setembro de 2022].

MATOS, Hernâni. Medalhas de barro de Estremoz [Em linha]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2012/11/medalhas-de-barro-de-estremoz.html [Consultado em 18 de Setembro de 2022].

MATOS, Hernâni. Terrina de Estremoz [Em linha]. Disponível em: https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2013/12/terrina-de-estremoz.html [Consultado em 18 de Setembro de 2022].

QUEIROZ, José. Ceramica portugueza. Typographia do Annuario Commercial. Lisboa, 1907.

domingo, 21 de agosto de 2022

Arte pastoril e devoção


Fig. 1 - Caixa de devoção com tampa removida.


Caixas de devoção
Ainda que tal não seja obrigatório, a prática da oração é muitas vezes efectuada perante imagens devocionais. A maioria destas encontram-se presentes nos locais de culto, tanto públicos como privados. Todavia, os crentes têm muitas vezes que se deslocar para locais onde não existem imagens devocionais. Uma tal ausência pode ser suprida pelo crente, transportando consigo uma pequena caixa com tampa, na qual está contida a imagem devocional, perante a qual pode orar, sempre que o desejar. Um tal estojo é conhecido por “caixa de devoção” e existe uma vasta diversidade de caixas de devoção, tendo em conta múltiplos factores: época de construção, composição do material, tamanho, geometria, decoração, modo de abertura da tampa e imagem devocional contida.

O culto da Santíssima Trindade
A caixa de devoção que é objecto do presente estudo (Fig. 1 a Fig. 4), foi confeccionada numa madeira extremamente leve e tem uma geometria sinuosa, tal como mostram as figuras. A tampa (Fig. 3 e Fig. 4) pode ser removida por deslocação ao longo de dois sulcos laterais existentes na parte superior da caixa e dispostos segundo a maior dimensão da mesma (Fig. 1). As suas dimensões são de 11,2 x 4 x 1,8 cm. A superfície interior e exterior da caixa foi pintada a zarcão, à excepção do fundo, o qual apresenta uma tonalidade esverdeada. Quando fechada, a caixa revela a existência de contornos pintados a negro nas arestas (Fig. 2).
Uma análise minuciosa da caixa revela que a mesma foi escavada num bloco único da madeira, no qual foi introduzida a imagem devocional (Fig. 1), colada numa fina base de madeira com contorno adequado, pintada numa tonalidade esverdeada.
A imagem devocional (Fig. 1) em madeira não pintada, tem três componentes que debaixo para cima são: - FILHO (uma imagem de Cristo crucificado com um resplendor sobre a cabeça e assente numa peanha); - ESPÍRITO SANTO (representado pelo fogo, uma das suas representações possíveis); - PAI (representado por uma venerável figura situada no topo, por cima da cruz e que ostenta igualmente um resplendor sobre a cabeça). Estamos, pois, em presença de uma representação da Santíssima Trindade, a qual constitui um dogma central sobre a natureza de Deus na maioria das igrejas cristãs. De acordo com esta crença, Deus é um ser único que existe como três pessoas distintas consubstanciais: Pai, Filho e Espírito Santo.

Arte pastoril alentejana
A presente caixa de devoção, de autoria desconhecida e cuja datação não consigo precisar, pela sua singeleza e simultaneamente finura de execução, configura-me ser um exemplar de arte pastoril alentejana e como tal o tenho catalogado na minha colecção.


Fig. 2 - Caixa de devoção com tampa.

Fig. 3 - Face exterior da tampa da caixa de devoção.

Fig. 4 - Face interior da tampa da caixa de devoção.

sexta-feira, 29 de julho de 2022

Arte pastoril - Carretilhas

 

Fig. 1

A arte pastoril alentejana é das mais ricas e expressivas manifestações de arte popular portuguesa. Trata-se de uma afirmação que ressalta como corolário natural de factos facilmente observáveis e constatáveis:
1 – A diversidade das funcionalidades dos exemplares (cabaças, cabritas, cáguedas, canudos do lume, chavões, cochos, colheres, cornas, dedeiras, forcas de fazer cordão, pisadores, sovinos, tarros, etc.).
2 – A diversidade dos materiais em que pode ser executada (madeira, cortiça, corno, bunho).
3 – A diversidade das decorações exibidas, que têm a ver com o imaginário dos criadores e os contextos antropológicos e sociológicos em que vivem.
4 – A diversidade das morfologias que se podem manifestar em exemplares com uma dada funcionalidade.
Este último aspecto é objecto do presente escrito, centrado em três exemplares de carretilhas em madeira, pertencentes à minha colecção de arte pastoril.
Como é sabido, uma carretilha é um artefacto de cozinha no qual existe uma roda dentada circular, em forma de roseta, que gira num eixo encabado e que é impulsionado pela mão humana. Com ele se recorta ou pontilha, deixando em lavor, a massa de forrar pastéis, bolos, biscoitos e doces. Como tal é utilizado por confeiteiros, pasteleiros, doceiros ou simples donas de casa.
A carretilha da fig. 1 é um artefacto monofuncional que na extremidade oposta à roda dentada, apresenta uma argola para suspensão na parede.
O exemplar da fig. 2 é um artefacto bifuncional que na extremidade oposta à carretilha, apresenta uma colher de prova.
O espécime da fig. 3 é também um artefacto bifuncional, constituído por uma carretilha e 3 chavões móveis ao longo de uma argola circular.
O modelo da fig. 4 é igualmente um artefacto bifuncional que na ponta oposta à da carretilha, ostenta um pé que permite marcar a massa.
Decerto que existirão outros exemplares de carretilhas, com morfologias e outras funcionalidades associadas, diferentes das que foram aqui apresentadas. Quando as conhecer, divulgo-as. Fica a promessa feita.

Publicado inicialmente a 29 de Julho de 2022

Fig. 2

Fig. 3

Fig. 4

quarta-feira, 11 de maio de 2022

Fiape 2022 - Fénix renascida das cinzas



Memórias do passado
Assisti em 1983 ao nascimento da I Feira de Arte Popular e Artesanato do Concelho de Estremoz, bem como ao nascimento da Feira da Agricultura, assim como à fusão de ambas naquilo que se viria a designar por FIAPE e que a dada altura se passou a localizar onde actualmente decorre. No presente ano de 2022, após a interrupção de 2 anos pandémicos, teve lugar a 34.ª edição da FIAPE, o que me levou a retroceder no tempo e a reflectir no que aconteceu de há 39 anos a esta parte. Começarei pela Arte Popular e pelo Artesanato. Falarei depois dos restantes componentes da Feira.

Uma viagem ao passado do Artesanato
A nível local e de 1983 para cá, muitos artesãos do concelho deixaram de estar entre nós. Lembro-me de alguns: - BARRISTAS: Sabina da Conceição, Liberdade da Conceição, Maria Luísa da Conceição, José Moreira, António Lino de Sousa, Quirina Marmelo, Aclénia Pereira, Isabel Carona, Arlindo Ginga, Mário Lagartinho; - OLARIA: A Olaria Alfacinha encerrou definitivamente a sua actividade em 1995. A Olaria Regional de Mário Lagartinho deixou de existir com a morte deste, em 2016; - ARTESÃOS DA MADEIRA, DO CHIFRE E DA CORTIÇA: António Joaquim Amaral, Jacinto Lagarto Oliveira, Joaquim Manuel Velhinho, José Carrilho (Troncho), José Francisco Chagas, Manuel do Carmo Casaca, Roberto Carreiras, Teresa Serol Gomes; – ARTE CONVENTUAL: Guilhermina Maldonado; - PAPEL RECORTADO: Joana e Joaquina Simões; PINTURA SOBRE VIDRO: Natália Alves; TRAPOLOGIA: Adelaide Gomes. A nível local houve ainda quem tivesse cessado a sua actividade, devido ao avanço da idade (Joaquim Carriço (Rolo)) , bem como outros que reconverteram a sua actividade (Miguel Gomes).
De 1983 para cá, que o Município de Estremoz procurou a participação de outras regiões do país, não só para dar conta do que aí se faz em termos de artesanato, como para preencher as lacunas deixadas por artesãos locais que, entretanto, faleceram. Durante estes anos todos, nem sempre o Município tratou da melhor maneira os artesãos que nos visitavam, dos quais muitos deixaram de o fazer, por falta de incentivos locais, acrescidos por vezes, de baixo volume de vendas. Para “aguentar o barco”, o Município foi aceitando participações de índole diversa, algumas de artesanato ou suposto artesanato doutras nacionalidades e outras muito dificilmente enquadráveis naquilo que se convencionou designar por artesanato urbano. Com tudo isto, a Feira de Artesanato perdeu qualidade e a FIAPE desprestigiou-se.

E o resto?
O resto foi indo pouco mais ou menos, mais para menos que para mais, mas lá se foi aguentando.

Os sonhos
"Eu tenho um sonho" (“I have a dream”) confessou o pastor norte americano Martin Luther King, ao defender em 1963, a coexistência pacífica entre negros e brancos. À semelhança do que se passou com aquele líder do Movimento Americano pelos Direitos Civis, também eu tive há muito um sonho. O de que um dia seria possível reverter o caminho para o aniquilamento previsível da Feira de Artesanato. Para isso e a meu ver, bastaria que houvesse vontade política para o fazer, o que exigia a existência de um Executivo Municipal com ganas, estratégia, capacidade e meios para o fazer. Ora isso aconteceu com o actual Executivo Municipal, o qual transporta na lapela, o lema: “VIVE – Viver, Investir, Visitar Estremoz”. Também ele ousou sonhar com determinação de vencer e venceu, uma vez “… / Que o sonho comanda a vida / E que sempre que o homem sonha / O mundo pula e avança… ”, como proclama o poema “Pedra Filosofal” de António Gedeão, imortalizado pela voz e pela guitarra inconfundíveis de Manuel Freire.

Sonhos que se tornam realidade
A Feira de Artesanato retomou este ano a sua primitiva dignidade, facto a que não são estranhas as condições concedidas pelo Município aos artesãos visitantes e à maior participação de barristas de Estremoz.
Por ouro lado, no pavilhão B, destacava-se a presença do stand do Município dedicado às artes do barro. Aí era dada ênfase à vitória da candidatura dos Bonecos de Estremoz a Património Cultural Imaterial da Humanidade, que muito honrou o Município e dignificou e valorizou o trabalho dos barristas.
No mesmo local, era igualmente divulgada a realização dum Curso de Olaria, orientado por Xico Tarefa, Mestre Oleiro de Redondo, com um estrito respeito pela tipologia, morfologia e tipos de decoração característicos das peças oláricas de Estremoz. Trata-se de um primeiro, mas importante passo do Município no sentido de recuperar a olaria de Estremoz, considerada extinta com a morte de Mestre Mário Lagartinho em 2016.

A FIAPE 2022 no seu todo
A FIAPE deste ano apresentou um atractivo especial que consistiu em as entradas serem livres, só se pagando as entradas nos concertos, o que fomentou o fluxo de visitantes. A Feira conheceu um novo e mais interessante traçado, expandindo-se em área. A componente agro-pecuária da Feira revelou-se forte como nunca, não só em termos de concursos de gado como exposição-venda de maquinaria agrícola. Houve excelentes representações institucionais e de actividades económicas, assim como de restaurantes e tasquinhas. Ao longo dos 5 dias de Feira, houve animação musical no recinto e espectáculos diversificados e de qualidade, no palco de espectáculos, no palco da Feira e no palco do pavilhão B.
A meu ver. a FIAPE 2022 foi uma aposta ganha pelo Município. Com ela ocorreu uma mudança de paradigma. Para além de ser revertida a regressão que vinha grassando, a Feira viu-se catapultada a um patamar situado num nível mais elevado, que aqui apraz registar. Tudo leva a crer que a Feira venha ainda a crescer, reforçando a sua qualidade e importância, de modo a posicionar-se como uma das maiores do país entre as congéneres. MÃOS À OBRA, JÁ!

Publicado no jornal E n.º 289, de 12 de Maio de 2022