A barrística popular estremocense causa-nos surpresas a todo o momento. No nosso caso, que não somos propriamente virgens nestas andanças, para além dos “brincos” (brinquedos), conhecíamos apenas uma tríade de peças de grandes dimensões, modeladas na roda e decoradas com as cores garridas dos bonecos de Estremoz. Eram elas: a cantarinha, o pucarinho e o candelabro, nos seus três formatos: pequeno, médio e grande. Todavia a tríade, transformar-se-ia em quaterno, graças à aquisição recente no Mercado das Velharias, em Estremoz, de uma peça com tipologia similar. Trata-se de uma terrina com tampa e assente num prato. Quer o interior da terrina, quer o da tampa ou o fundo do prato não se encontram pintados, revelando que o conjunto é todo ele, de barro vermelho. Sob o ponto de vista do material, podemos dizer assim que se trata de uma peça de barro vermelho, decorada no exterior. Tecnicamente é uma peça manufacturada no torno e posteriormente submetida a secagem, seguida de decoração com pigmentos minerais, completada por envernizamento. A terrina não se destina assim a desempenhar a usual função de uma terrina, que é a de levar a sopa ou o caldo á mesa da refeição. Trata-se de uma terrina com funções meramente decorativas, a expor numa vitrina, num aparador ou num centro de mesa.
Em termos dimensionais (cm), a peça tem as características que passo a quantificar. Começando pela terrina: altura total – 28,5; altura sem tampa – 17; altura da tampa – 15; diâmetro do fundo – 17,8; diâmetro do bojo – 22,5; diâmetro exterior da abertura – 14; diâmetro interior da abertura – 12,5; diâmetro exterior da tampa – 15. Quanto ao prato: diâmetro exterior da aba – 27; diâmetro do fundo – 18.
No que respeita a peso (g), a peça tem as características seguintes: terrina – 1277g; tampa – 756 g; prato – 1206 g.
Em termos descritivos, trata-se de uma terrina de secção circular com pegas laterais relevadas. Bojo saliente com plissado entre as pegas. Pé recuado, de inflexão para o exterior. Tampa de encaixe com plissado no bordo, encimada por tufo de folhas donde emergem quatro flores com caule de arame, à semelhança do que acontece nas tampas das cantarinhas e dos pucarinhos. Terrina assente num prato de forma circular, raso, de covo pouco acentuado.
Quanto à decoração, a parte superior do bojo ostenta fundo azul-turquesa, decorado com motivos florais estilizados, utilizando zarcão, verde bandeira e amarelo. Já a parte inferior do bojo e as asas têm fundo zarcão. Na zona de inflexão do pé, a decoração é vegetalista, estilizada, a verde bandeira. O bojo apresenta um plissado tricolor, semelhante ao das cantarinhas e dos pucarinhos, com fundo amarelo no qual se dispõem paralela e alternadamente, faixas em zarcão e em verde bandeira. A tampa pompeia fundo azul-turquesa, decorado com motivos florais estilizados, utilizando zarcão, verde bandeira e amarelo. O bordo é em zarcão, encimado por plissado semelhante ao do bojo. O tufo de folhas é em verde bandeira. As flores apresentam quatro pétalas em cores diferentes: amarelo, zarcão, azul e verde, qualquer delas pintalgadas. O prato tem fundo azul-turquesa, ornamentado na orla do rebaixo com um filete simples, em zarcão.
No verso da terrina, encontra-se gravada a marca OLARIA ALFACINHA / ESTREMOZ / PORTUGAL, com o texto distribuído por três linhas, com as dimensões de 2,5 cm x 4,5 cm. A mesma marca aparece estampada duas vezes no fundo do prato em que se apoia a terrina. Esta marca permite-nos concluir que se trata de uma peça da barrística popular estremocense, manufacturada na Olaria Alfacinha. A nosso ver, aquela marca, de dimensões razoáveis, era usada exclusivamente nas peças de olaria decoradas com as mesmas cores garridas dos bonecos de Estremoz e que como tal não foi contemplada no estudo “Bonecos de Estremoz / Marcas de Autor da Família Alfacinha / 1934-2012”, da autoria de Hugo Guerreiro e dada à estampa nos “Cadernos de Estremoz nº 3, editados pelo Município, em 2012.
O historial da peça é singelo. Segundo Maria Inácia Fonseca Mateus, uma das Irmãs Flores, estas peças eram fabricadas na Olaria Alfacinha nos anos 60 do século XX e eram decoradas por Maria José Cartaxo, mulher de Caetano da Conceição. Segundo ela não terão sido produzidas muitas peças e lembra-se de ter havido encomendas da Embaixada Inglesa, em Lisboa. Trata-se assim de uma peça decorativa, mais rara que a cantarinha, o pucarinho e o candelabro. Uma peça que dá para arregalar a vista e aquecer o coração.
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