domingo, 21 de fevereiro de 2010

Um homem nunca se rende. Mesmo de fato e gravata.



Publiquei no Facebook esta imagem dos meus tempos de juventude, pelo que a minha amiga Maria, me perguntou qual a idade que tinha na altura. A resposta foi esta:
“Como a minha amiga sabe (Facebook dixit) eu nasci leonicamemte em 46 do século passado. Sou pois um jovem do Maio de 68 em Portugal e fui-o assumidamente, com todas as consequências daí resultantes, nomeadamente de como estudante integrar a frente do movimento associativo que em Portugal esteve na vanguarda de lutas sociais. Por essa altura deixei crescer o bigode à Debray, o jornalista que na guerrilha acompanhou o "Che Comandante, Amigo", como nós dizíamos. Esta fotografia é anterior ao bigode, que mais ou menos bigodaça ou mais ou menos bigodinho, ainda hoje mantenho. Não errando muito teria 21 anos, 1/3 da idade que tenho hoje e ainda não tinha casado a primeira vez. A encadernação de fato e gravata, era o que era natural, visto o meu pai ser alfaiate e fazer-me a roupa, não me podendo dar ao luxo burguês de andar mal vestido. Actualmente visto também da maneira que me sai mais barata, o que passa por não usar normalmente fato e gravata, visto que já não tenho o meu pai para os fazer de borla. Mas continuo a ter fato para me encadernar assim e há momentos em que não deixo de o fazer, porque isso está de acordo com a minha estrutura mental.
Estou convencido que quando for grande e tiver posses para isso, hei-de andar sempre de fato. Se depender só de mim, assim será, de facto.
Um abraço para ti, Maria.”
A minha amiga, da geração de 59, viveu o seu Maio de 68, por alturas de 74/75. A ela lhe contei que:
“O meu Maio, com o Zeca, o Adriano, o Fanhais e o Fanha, foi cá, antes de Abril, nos cantos livres de ocupação das cantinas das faculdades, na luta por um mundo melhor. Por vezes fiz segurança com um cachaporro nas mãos, por que apesar de um homem nunca poder ter medo, deve estar prevenido, sobretudo pela preocupação dos companheiros que dependem dele.
IMPROP, antes de Abril, quer dizer Imprensa e Propaganda, nas Faculdades (todas), onde era preciso lutar, para termos direito àquilo que naturalmente nos pertencia. Continuo a ser um homem da IMPROP, se calhar impróprio para consumo, pelo tamanho, pelo volume, pelo peso e pela inconveniência de quando é preciso ser inconveniente, ser capaz de o ser, sem ninguém me ser capaz de vergar, nem mesmo com porrada em cima.
O Maio está-me na massa do sangue e a idade apenas nos refina. Nunca me rendi e tenho espírito de boxeur. Quando caio, levanto-me sempre na convicção, de que alguém, se eu estiver menos preparado, me pode atirar para o tapete, mas nunca me pode vencer. E porquê? Porque me auto-treinei a resistir e a aprender a levar no focinho.
Recuso-me a usar pantufas intelectuais e a morrer na cama, embrulhado em puz e algodão em rama (Luís Veiga Leitão? Não tenho a certeza .).
Uma grande saudade do José Sena. O que teria sido Estremoz, tendo-o como Presidente da Câmara, em permanência?
Uma grande saudade do teu tio Aníbal, do meu camarada Aníbal, de cerca de seis meses de célula de professores do PC em 75, antes da minha ruptura. Saudade que vem da partilha de muitas coisas que têm a ver com a identidade cultural alentejana e têm a ver com o povo que nos vai na alma.
O Maio está neles todos, está em nós, está naqueles que hão-de vir. Porque um homem nunca se rende. Mesmo de fato e de gravata!”
(Publicado inicialmente em 21 de Fevereiro de 2010)
Texto inserido no meu livro FRANCO-ATIRADOR, Edições Colibri,2017.

19 comentários:

  1. Bonita camisa.... Hehehehehe... e calça à boca de sino, naquele tempo era assim.

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  2. Do que li ficou-me:
    "Uma grande saudade do José Sena. O que teria sido Estremoz, tendo-o como Presidente da Câmara, em permanência?".
    Sabes que no dia 10 de Junho desse ano, triste, peguei numa gravata preta que usava quando ia a um funeral. Mas a reacção foi rápida e a gravata foi parar ao roupeiro. De certeza o Sena não me queria com uma MERDA de uma gravata preta. Foi de camisa branca (sem gravatas proforma) que o acompanhei à sua ultima murada, nunca me passando pela mente que a presidência da Câmara de Estremoz viesse a ser o VINHO TINTO.

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    1. Mourato:
      Obrigado pelo teu comentário.
      Para além de outras coisas, tenho uma grande saudade do José Sena.
      Um abraço para ti, amigo.

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  3. Já agora Hernâni, se não fosse o teu pai um belo e talentoso alfaiate, não aparecerias tão belo na fotografia.
    A ele que o conheci tão bem, presto a minha homenagem
    Quanto ao José Sena, continua no meu coração.
    Só é pena que, o actual presidente, pessoa que ele escolheu para a lista, não tenha cumprido os seus anseios, para que a cidade de Estremoz, fosse diferente, para melhor.

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    1. António:
      Obrigado pelo comentário.
      De facto, assim é.
      Os meus cumprimentos.

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  4. Antonio Barbosa Topadomingo, 05 maio, 2013

    Carissimo Hernani
    Revejo-me completamente no seu texto, eu que também sou da mesma geraçao, que partilhei em lutas comuns, que também fui delegado à RIA do Porto; cheguei a ser criticado pelo mesmo motivo : andar sempre (agora) bem enfatiado, com gravata sempre. Tal nunca me impediu de perder o norte, nem abdicar de principios : os da partilha, da fraternidade, da amizade integra, os de nunca ter renegado aqueles a quem pertenço : o povo pobre e trabalhador.
    Bem haja pelo que escreve. Grande abraço.

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    1. António:
      Obrigado pelo seu comentário.
      Há mais pessoas com as mesmas histórias de vida.
      É a falar e a escrever que a gente se entende.
      Comunicar é preciso!
      Um grande abraço para si, também.

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    2. DCMartins
      Também sou alentejano, pertenço a esse nobre povo e sou da mesma geração. Não conheci o Presidente José Sena mas pelo que li foi um grande Senhor e um excelente Presidente de Câmara. Gostei imenso do seu texto, quer pela sua qualidade, quer por fazer reviver momentos de outros tempos de que, de alguns episódios, tenho imensas saudades. Obrigado pelos seus textos e ilusrações.

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    3. Obrigado pelo seu comentário.
      A saudade do José Sena é companheira da infelicidade de o termos perdido. A vida umas vezes é mãe, outras vezes é madrasta. O passado quer queiramos quer não, tem sempre que ser evocado. Só assim encontraremos um rumo para o futuro.
      Os meus cumprimentos.

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  5. Um bom texto onde pude rever também algumas das minhas memórias, embora noutras longitudes.
    Um abraço.

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    1. Fernanda:
      Obrigado pelo seu comentário.
      Há memórias comuns na luta contra o fascismo, o capitalismo e pela independência nacional. Memórias que urge partilhar para dar força à vaga que tal como Jesus há-de expulsar os vendilhões do templo pátrio.
      Um grande abraço para si, amiga.

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    2. Caro Hernâni... os seus textos são absolutamente fabulosos!O mais sonâmbulo dos sonâmbulos tem de gritar ... Eu estou acordado!... "eu nasci leonicamemte em [48 ]do século passado.Não posso afirmar ... "Sou pois um jovem do Maio de 68 em Portugal ..."Infelizmente o género e a classe social onde nasci (variáveis incortonáveis/ pq adquiridas)... Não posso dizer que fui uma expectadora passiva do que estava a acontecer à minha volta... sobretudo no momento apoteótico de 17 de Abril de 1969! (Coimbra) ... Aí quase reneguei o pertencer ao género feminino!... Gosto ainda ... e muito do perfume das glicinias no mês de Maio em Coimbra!

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    3. Obrigado pelo seu comentário.
      Foram tempos que nos marcaram.
      Compreendo o seu gosto pelas glicinias. Sobre elas li algures: "Lindas, perfumadas e encantadores, as glicínias são um colírio para os olhos e um bálsamo para a alma" bem como "A glicínia é um símbolo da humildade e da reflexão no budismo de Shin" e ainda " De uma cor entre o lilás e o roxo, o fuji-iro (cor da glicínia) talvez seja a cor considerada genuinamente japonesa. Representa uma cor elegante e refinada de antigas épocas – como no período Heian (794-1183), a grande época clássica japonesa, quando reinava o poderoso clã Fujiwara".
      Os meus cumprimentos.

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  6. A idade nos traz sabedoria. Também nasci em 46 do século passado.

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    1. É verdade, Sílvio. Obrigado pelo seu comentário. Cunprimentos.

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  7. Um abraço e tb recordo esses tempos...de clandestinidade.

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  8. Nota-se o estilo fotográfico do fotografo «Carvalho» de Estremoz. Eu tenho uma com a mesma pose! Um abraço (afinal somos da mesma geração).

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